PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PLANO DE PAGAMENTOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES
Sumário


I. Tendo presente a especial natureza do PEAP (com claro predomínio do que se pretende que seja a vontade dos credores, e os limites da intervenção do juiz), dir-se-á que só uma situação de evidente e comprovada insolvência poderá obstar à homologação do plano de pagamento antes aprovado pela maioria dos credores reconhecidos (não bastando para o efeito a sua mera suspeita, independentemente do grau - mais ou menos reforçado - de que se revista).

II. Ainda que se defenda ser o art. 207.º, n.º 1, al. c), do CIRE aplicável ao PEAP (sendo certo que neste não existe qualquer despacho liminar do juiz a admitir o plano de pagamento, nem lhe cabe proceder a qualquer sindicância do respectivo mérito), terá o credor que se opõe à homologação do plano de pagamento que demonstrar ser o mesmo manifestamente inexequível (não bastando para o efeito a mera suspeita dessa inexequibilidade, independentemente do grau - mais ou menos reforçado - de que se revista).

III. O princípio da igualdade dos credores, consagrado no art. 194.º do CIRE, sendo imperativo não é absoluto, já que admite uma desigualdade de tratamento entre credores quando a mesma se mostre justificada por razões objectivas; e entre as circunstâncias que podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações contam-se a distintiva classificação dos créditos, o seu grau hierárquico (dentro da mesma categoria), e a diversidade das suas fontes.

IV. A verificação da previsão do art. 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE (ser previsivelmente menos favorável para credor a respectivo situação ao abrigo do plano de pagamento, face à que teria na ausência de qualquer um), impõe um juízo de probabilidade comparativo, entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência, incluindo a eventual e futura insolvência do devedor.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. A. M. e mulher, O. C., residentes na Avenida …, em Vila Real (aqui Recorridos), propuseram processo especial para acordo de pagamento (com o concurso de respectivo credor – A. F., residente na Quinta …, Rua …, …, em Vila Real), pedindo que fosse promovida a sua tramitação.
Alegaram para o efeito, em síntese, serem casados entre si, encontrarem-se reformados (auferindo reformas respectivas de € 738,15 e de € 1.965,96), e possuírem diversas dívidas (num montante global bruto de € 428.356,81), resultantes de garantias pessoais prestadas a favor de um negócio de montagem de pneus que o Autor marido possuiu.
Alegaram ainda que, tendo as mesmas sido judicialmente exigidas (e visto penhoradas as suas reformas, bem como a casa onde habitam, único activo que possuem), e alcançado acordos com os respectivos credores, recearem agora não conseguir suportar por muito mais tempo o pagamento das respectivas prestações.
Por fim, alegaram que, encontrarem-se em situação económica difícil (que colocaria em perigo a sua capacidade para fazer face aos compromissos assumidos), não seria a mesma de pré-insolvência, existindo fortes perspectivas de conseguirem suprir as suas dificuldades económicas, nomeadamente por meio de um plano de recuperação, onde estariam aptos a reestruturar com sucesso as suas dívidas.

1.1.2. Foi proferido despacho, nomeando administrador judicial provisório e ordenando a citação dos credores identificados e dos demais interessados, para que reclamassem eventuais créditos.

1.1.3. Os Requerentes apresentaram um plano de pagamentos (que é fls. 160 a 165 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde nomeadamente se lê:
«(…)

5.2.2. Créditos Garantidos
A regularização da dívida ao Credor Garantido e relativamente ao seu crédito garantido deverá ocorrer da forma que de seguia se discrimina:
. Pagamento de 100% dos valores em dívida (capital e juros vencidos), (…) em prestações iguais, mensais e sucessivas de 600 euros (amortizando capital e juros) cada, vencendo-se (…) a última no dia 30 de Novembro de 2025 (…) e de uma prestação bullet, em 31 de Dezembro de 2025 com o valor sobrante após contabilização das prestações pagas e acima definidas e o valor do crédito garantido reclamado.
. Manutenção das garantias prestadas nos exatos termos em que estas foram acordadas.
. Perdão de juros vincendos.

5.2.3. Créditos Comuns
A regularização da dívida aos Credores Comuns deverá ocorrer da seguinte forma que de seguida se descrimina:
. Perdão integral de juros vencidos (405.117,91 Euros) e vincendos;
. Perdão de 97,5% do valor do capital em dívida (equivale a perdão de 861.183,87 Euros);
. Estabelecimento de um período de carência de pagamento de capital e juros até 31 de dezembro de 2025, data em que se propõe terminar o pagamento do crédito garantido;
. Pagamento de 2,5% do capital reclamado (o que equivale a 22.081,64 Euros) em 36 prestações mensais, sucessivas e postecipadas, de 613,38 Euros cada uma, vencendo-se a primeira em 31 de Janeiro de 2026 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, a ratear pelos credores comuns na proporção relativa e direta dos seus créditos.
(…)»

1.1.4. O plano de pagamento foi objecto de votação, por quórum deliberativo de 95,08% do total dos créditos reconhecidos; e foi aprovado por 59,06% dos votos emitidos, todos correspondentes a créditos comuns.

1.1.5. Foi proferida sentença, homologando o plano de pagamentos, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Homologo por sentença, nos termos do 222º-F nºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de acordo de pagamentos dos devedores A. M. e O. C., constante de fls. 160/167 (processo em papel).
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A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artº 222º-F, nº 8 do CIRE.
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Custas pelos devedores - arts. 222º-F, nº 9 e 302º nº 1, ambos do CIRE - sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do art. 301º do CIRE.
Registe, notifique e publicite nos termos dos arts. 37º e 38º, ex vi do art. 222º-F n.º 8, todos do CIRE.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a credora Caixa ..., S.A. interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo procedesse.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

A) DA NULIDADE DA SENTENÇA

1.ª) Nos termos e tempo legalmente previstos, a Caixa ... manifestou a sua oposição ao acordo de pagamento apresentado e requereu a recusa da sua homologação, invocando três distintas ordens de razão:
i) os devedores estão em situação de insolvência actual, pelo que lhes está vedado o uso de processo especial para acordo de pagamento, destinado apenas a quem esteja em situação económica difícil ou de iminência de insolvência;
ii) o acordo de pagamento é violador do princípio par conditio creditorum, ínsito no art. 194º do CIRE, atenta a abismal diferença de tratamento entre os credores garantidos – com pagamento da totalidade do capital e juros vencidos – e os credores comuns – que serão ressarcidos de somente 2,5% do respetivo capital em dívida;
iii) a situação da Caixa ... ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência daquele.

2.ª) Proferida a necessária decisão, a Meritíssima Juiz a quo julgou improcedente o pedido formulado pela Caixa ..., mas não se pronunciou sobre todos os argumentos ali invocados.

3.ª) Em concreto, não foi, de modo algum, apreciado o pedido na parte respeitante à impossibilidade de recurso a processo especial para acordo de pagamento por estarem os devedores, desde antes do início do presente processo, em situação de insolvência actual e efectiva, e não meramente iminente.

4.ª) Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC que é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

5.ª) Deve, pois, atento o exposto, ser declarada a nulidade da decisão de que ora se recorre.

Sem prescindir,

B) DAS ALEGAÇÕES

6.ª) São vários os motivos pelos quais a Caixa ... entende não ser o acordo de pagamento apresentado passível de homologação, começando desde logo por se constatar não estarem verificados os pressupostos para o recurso a processo especial para acordo de pagamento, dado que os devedores estão, e desde antes de iniciado este processo, em situação de insolvência actual.

Vejamos:
7.ª) No que concretamente concerne aos créditos da Caixa ...:
a) nos empréstimos, de natureza garantida (por força das hipotecas voluntárias constituídas pelos devedores sobre o seu único bem), identificados pelos n.ºs 00352115000592185 e 00352115000097085, as últimas prestações pagas datam do ido ano de 2011;
b) nos empréstimos, de natureza comum, identificados pelos n.ºs 00359350090319384 e 00352115001706284, as últimas prestações pagas datam dos anos de 2011 e 2010, respectivamente;
c) o saldo do cartão de crédito, de natureza comum, identificado pelo n.º 10010070844 encontra-se em dívida desde 2010;
d) o saldo da conta de depósitos à ordem, igualmente de natureza comum, identificada pelo n.º 2115014171930 está em dívida desde 2014;
e) e, finalmente, a última prestação paga no financiamento, também de natureza comum, contraído pela sociedade “X – Comércio de Pneus, Lda.”, de que os devedores são avalistas e identificado pelo n.º 00350615002148092, data de 2008.

8.ª) Significa isto que os devedores estão há vários anos a incumprir responsabilidades vencidas, facto que é extensível à generalidade dos seus credores.

9.ª) Nesta matéria cumpre realçar que, no passado, os devedores recorreram a processo especial de revitalização, o qual encerrou sem aprovação do plano ali apresentado e em que foram incluídos na competente lista, publicada em 19.05.2016, créditos no montante global de € 830.370,44 (oitocentos e trinta mil trezentos e setenta euros e quarenta e quatro cêntimos).

10.ª) Cotejado o teor da lista publicada no seio dos presentes autos (e comparando-a com aqueloutra lista), verifica-se que:
- na lista a que alude o art. 222.º-D, n.º 3 do CIRE foram relacionados créditos no valor global de € 1.413.128,84 (um milhão quatrocentos e treze mil cento e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), o que implica um incremento, face à lista antecedente, de mais de € 580.000,00 (quinhentos e oitenta mil euros);
- a esmagadora maioria dos credores que a ambas são comuns viram os seus créditos aumentar;
- os créditos que surgem em ambas as listas apresentam valores de capital idênticos ou superiores na lista referente ao presente processo, donde, de lá para cá, nenhum pagamento foi efectuado;
- atentos os valores dos juros relacionados é evidente que todos esses créditos estão em incumprimento.

11.ª) Fica, portanto, demonstrado com toda a saciedade que há muito os devedores ultrapassaram uma mera situação económica difícil ou de iminência de insolvência, estando, antes, em situação de insolvência actual.

12.ª) Facto que é ainda corroborado pelo conteúdo do acordo de pagamento apresentado, em que os devedores esclarecem que o seu património é unicamente composto pelo imóvel hipotecado em benefício da Caixa ..., aqui recorrente – anunciado para venda, em processo executivo, por € 85.000,00 -, e que os seus rendimentos provêm exclusivamente das pensões de reforma que auferem, no total de € 2.704,11, sendo que o devedor marido tem 74 anos de idade e a devedora mulher tem 69 anos de idade.

13.ª) Acresce que o proposto nesse acordo, quanto aos créditos garantidos (da Caixa ...) é o pagamento do capital e juros vencidos em prestações mensais, iguais e sucessivas, de € 600,00 até 30.NOV.2025 e uma última prestação, em 31.DEZ.2015, do valor do remanescente em dívida.

14.ª) De acordo com a estimativa feita pelos próprios devedores, até 31.NOV.2025 seriam pagos € 43.800,00, pelo que, na prestação seguinte e última caber-lhes-ia pagar € 78.665,54, sendo certo que de nenhuma forma é apresentado, sequer, motivo para tão inusitada proposta e menos ainda é explicado como lograrão os devedores alcançar esse desiderato (ainda para mais quando considerando a sua já assinalada provecta idade!).

15.ª) Já o pagamento aos credores comuns iniciar-se-á somente em 31.JAN.2026 - ou seja, apenas após o término do lapso temporal previsto para pagamento dos créditos garantidos -, estando proposto o perdão integral de juros (vencidos e vincendos) e de 97,5% do capital (!), sendo os restantes 2,5% do capital em dívida pagos em 36 prestações mensais, de € 613,38 cada, a ratear por entre todos os credores comuns.

16.ª) É, assim, por demais evidente que os devedores estão, e desde há vários anos, em situação de insolvência, com um passivo largamente superior ao activo, sem capacidade de gerar rendimentos suficientes para o pagamento das obrigações que assumiram e que estão todas (e também desde há muito) vencidas, sendo patente a inexequibilidade do acordo que apresentaram.

17.ª) Resulta, portanto, ser perfeitamente abusivo, no caso vertente, o recurso a processo especial para acordo de pagamento, pretendendo os devedores apenas, de alguma forma, assegurar a sua habitação e, ao mesmo tempo, exonerar-se da esmagadora maioria das suas responsabilidades – pois que o perdão por si proposto, de acordo com os seus próprios cálculos, ascende a € 1.266.301,78, o que representa 89,61% da totalidade dos créditos relacionados na lista a que se reporta o art. 222º-D, n.º3 do CIRE.

18.ª) A – clara – situação de insolvência actual e a inexequibilidade do acordo de pagamento são fundamento para a recusa da homologação do acordo – conforme, aliás, decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2016 (disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5286ea24fd389b668025805900a4ebd?OpenDocument), bem como no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2018 (consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9b49f6c 84c20647b8025838a0055f94c?OpenDocument&Highlight=0,PEAP) –,

19.ª) Pelo que a decisão recorrida é violadora do disposto no art. 222.º-A, n.º 1 do CIRE (na medida em que, neste caso concreto, não se verificam os pressupostos exigidos neste normativo para recurso a este processo especial) e, bem assim, no art. 215.º do CIRE (segundo o qual deve ser recusada a homologação quando haja violação não negligenciável de regras procedimentais, como será o recurso a processo especial para acordo de pagamento quanto não estão verificados os respectivos requisitos).

20.ª) Ademais, não se olvidando que os créditos de natureza garantida e os créditos de natureza comum não são iguais, sendo, ou podendo ser, justificável o seu tratamento distinto, a acentuadíssima discrepância – supra alegada - no tratamento entre aquelas classes de credores patente no acordo de pagamento em crise é violadora do princípio par conditio creditorum, ínsito no art. 194.º do CIRE.

21.ª) Não foi, portanto, justificada, nem se pode aceitar, tão assombrosa diferença de tratamento, nos termos da qual os devedores propõem pagar a totalidade do capital e juros vencidos dos empréstimos garantidos por hipoteca sobre o seu único bem e obter, paralelamente, um perdão de quase 90% dos demais créditos.

22.ª) Ao decidir-se como se decidiu, na sentença recorrida violou-se o estatuído nos arts. 194.º, n.º 1 e 215.º do CIRE, porquanto deve ser recusada a homologação do acordo quando haja violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo, como seja a violação do princípio par conditio creditorum.

23.ª) Neste sentido, a título de exemplo, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.07.2017 (disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/4ed40bf565e0b4f802581c900526793?OpenDocument&Highlight=0,par,conditio,creditorum) e de 06.10.2016 (consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b8fd7777f3e2f9080258066005a27ac?OpenDocument&Highlight=0,par,conditio,cred itorum), os quais, embora proferidos em sede de processos especiais de revitalização, apresentam contornos de tal forma semelhantes que se crê serem aplicáveis na presente situação.

24.ª) Finalmente, atesta-se que na ausência do acordo de pagamento em apreço a Caixa ... ficará em situação mais favorável.

25.ª) Isto porque, a dívida emergente dos financiamentos garantidos por hipotecas voluntárias está há muito vencida - não só ante o incumprimento das respectivas prestações mensais ordinárias, mas também por força da penhora do imóvel hipotecado –, estando em curso dois processos executivos com vista à sua cobrança: um movido por terceiro – a correr termos com o n.º 538/10.1TBVRL no Juízo de Execução de Chaves - e o outro movido pela própria Caixa ... – a correr termos igualmente no Juízo de Execução de Chaves com o n.º 991/18.5T8CHV.

26.ª) Ora, o imóvel hipotecado está penhorado no referido processo n.º 538/10.1TBVRL, inexistindo presentemente outro impedimento que não a pendência destes autos à venda coerciva do imóvel hipotecado, venda essa que permitirá à Caixa ... a recuperação, de uma só vez, dos seus créditos garantidos.

27.ª) Tal revela-se manifestamente mais favorável do que a alternativa do acordo de pagamento (aqui se realçando novamente a total falta de credibilidade do mesmo e sua inexequibilidade), nos termos do qual a Caixa ... terá de aguardar por pouco mais de seis anos para recuperar os seus créditos garantidos.

28.ª) Situação mais favorável essa que verificar-se-á mesmo que o produto da venda do imóvel hipotecado não permita a recuperação integral dos créditos garantidos da Caixa ..., dado que o acordo de pagamento a coloca numa situação bastante frágil, pois que se prevê que durante um pouco mais de 6 anos lhe serão pagos somente € 600,00/mês, num total equivalente a cerca de metade dos seus créditos (deduzidos dos juros vencidos desde a data da reclamação de créditos e vincendos), para depois, numa só prestação, supostamente lhe ser entregue o remanescente em dívida (!),

29.ª) Quando é manifesto que os devedores não têm quaisquer condições para efectuar o pagamento dessa última prestação, o que resulta evidente olhando-se para o passado - pois que nada pagam há vários anos -, mas também para o futuro - porquanto ambos os devedores estão já aposentados, tendo 74 e 69 anos de idade -, donde não é minimamente séria a hipótese do repentino pagamento de mais de € 78.600,00.

30.ª) Pelo exposto, chegados a Jan.2026, se não antes, os devedores incumprirão o acordo e, nessa altura, a Caixa ... terá de novamente encetar diligências com vista à cobrança coerciva dos seus créditos, com a agravante de que, face ao lapso de tempo decorrido, o imóvel hipotecado ter-se-á certamente desvalorizado, o que, em muito, penaliza a Caixa ..., sendo certo que hoje como nunca, ou pelo menos como não há vários anos, poderá ser maximizado o produto da venda do imóvel hipotecado, não só face ao actual estado favorável do mercado imobiliário, mas também à conhecida falta de oferta na área em que se situa o imóvel (cidade de Vila Real), o que ainda mais potencia o valor da sua venda.

31.ª) Nesta conformidade, a decisão recorrida é, também, violadora do preceituado no art. 216.º, n.º1, alínea a) do CIRE, pois que se nos afigura límpido que o acordo de pagamento implica para a Caixa ... uma situação menos favorável do que a que existirá na sua ausência.
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1.2.2. Contra-alegações

Os Requerentes (A. M. e mulher, O. C.) contra-alegaram, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

I) a sentença não enferma de nulidade , na medida em que a invocada situação de insolvência, a verificar-se, tratar-se-ia de uma violação não negligenciável das regras procedimentais (art 215ª do CIRE) e a este respeito o Tribunal pronunciou-se pela inexistência das mesmas.

II) Bem andou o Tribunal em homologar o plano, por não ter demonstrado o credor verificarem-se qualquer dos 3 argumentos que invocou- Nem a actual situação de insolvência dos devedores; ou a violação do Principio da Igualdade de Credores; e por último, a situação mais desfavorável da Recorrente com a existência o plano

a) DA ALEGADA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA

III) É FALSO que os devedores se encontrem em situação real de insolvência, nem a recorrente alega factos que, efectivamente, substanciassem tal alegação, designadamente, os previstos no art. 20 do CIRE, nem nunca nenhum credor (inclusivamente a Requerente) veio Requerer a insolvência dos devedores.

IV) Tendo os credores votado favoravelmente sem objecção o plano e tendo o mesmo sido merecido aprovação, tal situação traduz exacta e tão somente a situação económica difícil de credores e não pela sua insolvência, até porque tal consideração decorreria precisamente da Lei, em caso de resultarem infrutíferas as negociações com os credores, o que não foi manifestamente o caso. (Neste sentido também o Acórdão no processo nº 36/14.4TBOLR.CI datado de 10 de Março de 201)

V) Tendo-se previsto no plano um perdão considerável dos credores comuns (97,5%) e o pagamento integral do credor garantido, e tendo o mesmo plano sido APROVADO, ficam os devedores apenas a dever o montante TOTAL de €154.675,13 (CENTO E CINQUENTA E QUATRO MIL SEISCENTOS E SETENTA E CONCO EUROS E TREZE CÊNTIMOS), valor quase irrisório no montante global, longe de se subsumir a uma situação de insolvência

b) DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE CREDORES

VI) o Plano não viola o Princípio da Igualdade. Na verdade e conforme vertido na sentença “No caso dos autos, quanto aos créditos comuns, prevê-se, quanto a todos eles por igual, o pagamento de 2,5% do capital em divida, sem juros, pelo que, em relação aos créditos comuns não há qualquer diferenciação. Diferença existe apenas quanto ao credor garantido, como é o caso da Caixa, que prevê o pagamento de 100% do capital e juros vencidos em prestações, desigualdade de tratamento que se justifica atenta a sua qualidade de credor com garantia real».

VII) O tratamento diferencial é, desde logo, justificado objectivamente pela própria lei, quando no art 47º do CIRE se prevê a diferenciação objectiva de créditos (comuns, garantido, privilegiados, etc).

c) DA ALEGADA SITUAÇÃO MAIS DESFAVORÁVEL DA CREDORA NA AUSÊNCIA DE PLANO

VIII) Bem andou o Tribunal a não julgar demonstrada a alegada situação mais desfavorável da Recorrente com o plano, uma vez que a proposta de pagamento do crédito garantido em 6 anos não implica uma situação mais desfavorável, pois apesar do tempo a Recorrente vai ver ressarcido o crédito na totalidade, ao contrário do que aconteceria em caso de liquidação imediata do bem!

IX) Com efeito, é sabido que se o imóvel fosse HOJE para liquidação, o seu real valor de mercado é hoje de grande subjetividade, mas invariavelmente sempre muito próximo, por defeito, do supra referido VPT- QUE É DE €79.738,40, ao contrário do previsto no presente plano em que o crédito garantido seria integralmente pago em aproximadamente 6 anos e os créditos comuns seriam parcialmente pagos (2,5%), em 3 anos após o pagamento do crédito garantido.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Credora (Caixa ..., S.A.), duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a sentença recorrida nula, nomeadamente por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar (subsumindo-se, desse modo, ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC)?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao homologar a aprovação do plano de pagamento quando não estavam reunidos os pressupostos legais para o efeito ?
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III - QUESTÕES PRÉVIAS - Nulidades

3.1. Conhecimento de nulidades – Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663.º, n.º 2 do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Credora recorrente (Caixa ... S.A.) a nulidade da sentença homologatória proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderão impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidade da sentença

3.2.1.1. Em geral

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por ter-se errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14).
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3.2.1.2. Em particular

3.2.1.2.1. Omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC)

Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver):

«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. (1).

Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.2.1.2.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável)

Concretizando, e compulsada a sentença homologatória proferida nos autos, verifica-se que a mesma conheceu da única questão que estava submetida à sua apreciação, isto é, se se mostravam, ou não, reunidos os pressupostos legais para homologação da deliberação (dos credores reconhecidos aos Requerentes) de aprovação do plano de pagamentos.
Fê-lo considerando, quer os motivos de não homologação oficiosa (previstos no art. 215.º do CIRE), quer os motivos invocáveis para o efeito por credores (previstos no art, 216º do CIRE), apreciando - à luz do que legalmente estava autorizado a ponderar - os concretamente invocados pela Credora recorrente (Caixa ..., S.A.).
Reconhece-se, como a mesma denuncia, que um deles (encontrarem-se os Requerentes já em situação de insolvência), não foi objecto da pronúncia expressa do Tribunal a quo, estando porém a mesma implícita quando ele considerou não terem sido violadas regras procedimentais próprias do processo em causa.
Logo, a sentença homologatória dos autos não padece de nulidade consistente em qualquer omissão de pronúncia.
Improcede, assim, a arguição de nulidade que alegadamente a afectaria.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da segunda questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Processo especial para acordo de pagamento
5.1.1. Consagração / Objectivo

Lê-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que as alterações que introduziu ao CIRE (nomeadamente, aditando-lhe os arts. 222.º-A a 222.º-J, pertinentes ao processo especial para acordo de pagamento) se prenderam com a aposta «na credibilização do processo especial de revitalização (PER) enquanto instrumento de recuperação», reforçando-se «a transparência e a credibilização do regime» e desenhando-se «um PER dirigido às empresas, sem abandonar o formato para as pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes».
Com efeito, e até então, não estando revisto um processo especial de revitalização para pessoas singulares que não fossem comerciantes/empresários em nome individual (isto é, que não exercessem elas mesmas, e por si, uma actividade económica - como é o caso dos trabalhadores por conta de outrem e ex-membros de um órgão de administração societário), discutia-se se o PER se aplicaria, ou não, aos devedores que não fossem empresas (2
A consagração do novo processo especial para acordo de pagamento (PEAP) pôs termo à questão, consistindo porém o mesmo, basicamente e tal como o PER, num regime pré-insolvencial para devedores não empresários, que tem como maior vantagem a «possibilidade de o devedor (…) obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente»; e, como «maior risco, (…) o de, depois de tudo, o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Para os credores fica, mais uma vez, reservado o papel fundamental: ou consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem» o PEAP «ou então manterem-se irredutíveis, caso em que o plano de» pagamento «não é aprovado e aquele risco» se poderá concretizar» (Catarina Serra, «Processo Especial de Revitalização - contributos para uma “rectificação”», ROA, Ano 72, II/III, pág. 716).

Ora, se se comparar o regime agora estabelecido nos arts. 222.º-A a 222.º-I do CIRE com o PER que lhe foi introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 30 de Abril (e previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I), constata-se que aquele é praticamente decalcado deste.
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «PEAP não é, na verdade, outra coisa senão “o PER dos não empresários”, configurando-se o seu regime como o regime do antigo PER deslocado para outra parte do Código» (Ac. do STJ, de 04.07.2019, Catarina Serra, Processo n.º 3774/17.6T8AVR.P1.S2).

Contudo, e conforme «salientam Ana Alves Leal/Cláudia Trindade, RDS IX (2017), 1, pág 80, o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes, diversamente do que sucede no regime do PEAP” (sublinhado e negrito nosso). Efectivamente, não se encontra neste artigo qualquer referência à susceptibilidade de recuperação, prevista no art. 17º-A, nº1, nem se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação, mas apenas de um acordo de pagamento. Por esse motivo, também não se exige que o devedor obtenha uma certificação de que não se encontra em situação de insolvência actual, ao contrário do que está previsto para o PER”» (Ac. da RG, de 17.12.2018, Eugénia Cunha, Processo n.º 2844/18.8T8VCT.G1) (3).
Compreende-se que assim seja, já que os destinatários do PEAP não são «empresas cuja continuidade depende da possibilidade de economicamente serem recuperáveis» (Ac. da RP, de 11.07.2018, Fátima Andrade, Processo n.º 2408/17.3T8STS.P1).
Afirma-se, por isso, que, estando assente, «pelo cotejo entre os preceitos que regem sobre o PER e o PEAP que o principal elemento que os distingue é o de que a ideia de recuperação do devedor está ausente do PEAP, basta atentarmos na respectiva tramitação subsequente para concluirmos que, no mais, as impressivas semelhanças devem levar a que, os demais princípios àquele processo especial aplicáveis, e cuja densificação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a efectuar, encontrem acolhimento neste» (Ac. da RE, de 22.02.2018, Albertina Pedroso, Processo n.º 494/18.8T8STB-A.E1, com bold apócrifo).
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5.1.2. Pressupostos

Lê-se no art. 222.º-A, n.º 1 do CIRE, que o «processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento».

Precisando o que seja «situação económica difícil», lê-se no art. 222.º-B do CIRE, que, para «efeitos do presente processo», será aquela em que o devedor «enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito».

Precisando o que seja «situação de insolvência meramente iminente», dir-se-á ser aquela em que o devedor ainda não se encontra «impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas», já que esta é a definição de insolvência dada pelo art. 3.º, n.º 1 do CIRE.
Logo, a «iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível.
Haverá, pois, que levar em conta a expectativa do homem médio face à evolução normal da situação do devedor, de acordo com os factos conhecidos e na eventualidade de nada acontecer de incomum que altere o curso dos acontecimentos» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 87).
«Como é evidente, se estamos a falar de insolvência iminente é porque nos encontramos já perante uma ameaça. Mas não basta um medo ou pavor por parte do devedor. É preciso que se trate de uma probabilidade objectiva», revelada precisamente pelo necessário «juízo de prognose, que pode ser auxiliado pela elaboração de um estudo sobre a liquidez do devedor», averiguando-se «qual a probabilidade de (…) não pagar as obrigações vencidas e as obrigações atuais não vencidas no momento em que se vencerem»; e se «for previsível que isso venha a acontecer, há falência iminente» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, págs. 55 e 56) (4).

Certo é que o «PEAP não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, não é possível ficcionar uma solvabilidade do requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos» (Ac. da RP, de 15.11.2018, Mário Fernandes, Processo n.º 118/18.3T8STS.P1).
Certa é ainda a «possibilidade do controlo jurisdicional da verificação de uma situação económica difícil ou de insolvência iminente - o que implica a exclusão de uma insolvência actual - no devedor que lança mão do PEAP», já que outro entendimento «tornaria praticamente inútil a proclamação da necessidade desses requisitos - pois então seriam sempre os credores quem maioritariamente sobre ele se pronunciariam ao aprovarem ou rejeitarem o acordo» (Ac. da RC, de 13.11.2018, Freitas Neto, Processo n.º 1535/17.1T8CBR.C2) (5).
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5.2. Homologação (da aprovação) do plano de pagamentos

5.2.1. Aprovação do plano de pagamento

Lê-se no art. 222.º-F, n.º 2 do CIRE, e no que ora nos interessa, que concluindo-se «as negociações com a aprovação de acordo de pagamento» sem unanimidade de todos os credores que hajam intervindo na votação, «o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações».
Mais se lê, no n.º 3 do art. 222.º-F citado, que se considera «aprovado o acordo de pagamento que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções».
Lê-se ainda, no n.º 4 do mesmo preceito, que a «votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal».
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5.2.2. Recusa de Homologação (de prévia aprovação do plano de pagamento)

Lê-se no n.º 5 do art. 222.º-F do CIRE que, recebido pelo juiz o plano de pagamento aprovado pelos credores, este «decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º» (n.º 5).
Logo, para «que produza os efeitos jurídicos para que se mostra ordenado, o acordo de pagamento deve ser objecto de homologação judicial, pois o acto decisório do tribunal constitui uma verdadeira condição de eficácia desse plano» (Ac. da RE, de 24.05.2018, Tomé de Carvalho, Processo n.º 2664/17.7T8STR.E1).
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5.2.2.1. Recusa (de homologação) oficiosa - Fundamentos

Lê-se no art. 215.º do CIRE que o «juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação».
Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo (vício de procedimento), enquanto que as normas aplicáveis ao conteúdo do PEAP se reportarão ao dispositivo do plano de pagamento, bem como aos princípios que lhe devem estar subjacentes (vício de conteúdo).
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5.2.2.1.1. Regras procedimentais

Particularizando, e quanto às regras procedimentais que visam regular a forma como se deverá desenrolar o processo, dir-se-á que «são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devam ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, deste modo, as próprias regras com que se devem reger as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano, tal como as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado» (Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER - O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, Março, 2014, pág. 144) (6).

Precisa-se, a propósito, que o PEAP é um processo híbrido e concursal.
Com efeito, é híbrido porque boa parte da sua tramitação é tendencialmente extrajudicial, maxime a fase das negociações, «em que a intervenção do julgador é pontual em homenagem aos valores da celeridade, da informalidade e da eficácia» (Ac. da RP, de 05.11.2018, Carlos Gil, Processo n.º 805/18.6T8STS.P1); mas essa mesma intervenção judicial não deixa de ocorrer em momentos cruciais, cabendo precisamente ao juiz a nomeação do administrador judicial provisório (art. 222.º-C, n.º 4 do CIRE), a decisão das impugnações da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório (art. 222.º-D, n.º 3 do CIRE), a decisão sobre a computação, no cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano, de créditos impugnados, e a decisão de homologação ou não homologação do acordo de pagamento (art. 222.º-F, n.º 5 do CIRE) (7).
A intervenção judicial é, assim, necessária para garantir ao processo a sua natureza concursal, ou seja, a vinculatividade do acordo de pagamento face a todos os credores do devedor, incluindo aqueles que não participaram nas negociações ou não tiveram qualquer intervenção no processo (art. 222º-F, n.º 8 do CIRE).
Com efeito, o plano de pagamento «é susceptível de impor aos credores uma compressão generalizada e grave das suas faculdades típicas: pode afectar a esfera jurídica dos interessados e interferir com os direitos de terceiros independentemente do seu consentimento - desde que a lei o autorize expressamente (artº 192 nº 2 do CIRE). Pode, por isso, por exemplo, sujeitar um credor a um tratamento mais desfavorável sem necessidade de consentimento expresso – dado que é suficiente o consentimento tácito (artº 194 nº 2 do CIRE).
Pode mesmo afectar créditos públicos – créditos do Estado, das Instituições de Segurança Social e de outras públicas, sujeitos a regimes especiais (artº 196 nº 2, a silentio). O regime compreende-se: o plano é uma convenção, um negócio jurídico processual - mas um negócio jurídico outro, específico do Direito de Insolvência, a qual a lei atribui uma força jurídica especial de afectação de direitos» (Ac. da RC, de 17.03.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 338/13.7TBOFR-A.C1).
Não deixa, porém, o «papel do juiz neste processo» de ser «muito restrito, porquanto o legislador faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia», precisamente «na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, confiando quase plenamente, nestes e no administrador judicial» (Ac. de 10.03.2015, Alexandre Reis, Processo n.º 36/14.4TBOLR.C1).

Dir-se-á ainda que a lei não define o que sejam vícios não negligenciáveis, tendo-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art. 195.º do CPC (Ac da RL, de 12.12.2013, Ana Resende, Processo n.º 1908/12.6TYLSB-A.L1-7) (8).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «vício de procedimento não negligenciável ocorrerá quando no iter processual conducente à publicidade de um plano de insolvência houve (…) violação de regras susceptível e interferir com a boa decisão a causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger - nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável. Parecem constituir exemplos de normas procedimentais cuja violação não será negligenciável, as disposições do art. 212º que fixam os dois quóruns indispensáveis para que uma deliberação se considere aprovada» (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 308) (9).
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5.2.2.1.2. Conteúdo do plano de pagamento

Particularizando novamente, e agora quanto às regras aplicáveis ao conteúdo do plano de pagamento, dir-se-á que são todas aquelas que digam respeito à parte dispositiva do plano, as que fixam os princípios a que deve de obedecer imperativamente, e as que definem os temas que a proposta deve contemplar (10).

Lê-se, a propósito, no art. 192.º, n.º 2 do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art. 222.º-F, nº 5 do mesmo diploma) que o «plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados».
Consagra-se, deste modo, uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros.

Lê-se ainda, no art. 194º do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art. 222.º-F, nº 5 do mesmo diploma), que o «plano (…) obedece ao princípio da igualdade dos credores (…), sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas» (n.º 1), ou do «consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável» (n.º 2).
Consagra-se, deste modo, o princípio par conditio creditorum, isto é, de igualdade dos credores, tendo a «letra do n.º 1» procurado «acolher de uma forma evidente as duas facetas em que» o mesmo «se desdobra (…), traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos em contrário»
Estando-se perante uma norma de carácter imperativo, «trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência», cuja «afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis», não tem porém a mesma carácter absoluto (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, págs. 712 e 713).
Com efeito, em situações objectivamente justificáveis, poderá o princípio da igualdade dos credores «sofrer afrouxamentos ou restrições», como desde logo «decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP) e de proibição do arbítrio, coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP)» (Ac. do STJ, de 25.03.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o princípio da igualdade dos credores permite, em consideração com o princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (art. 1.º, n.º 1, do CIRE), que se adopte um tratamento diferenciado de credores, conquanto o mesmo se justifique igualmente por razões objectivas (11).

Ora, entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações contam-se, para além da distintiva classificação dos créditos, o seu grau hierárquico (dentro da mesma categoria), e a diversidade das suas fontes (12).
Com efeito, no art. 47.º do CIRE distinguem-se três classes de créditos: créditos garantidos e privilegiados, créditos subordinados e créditos comuns. Os créditos «garantidos e privilegiados são aqueles que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes (alínea a) do nº 4 do artº 47º do CIRE. Créditos subordinados são os que se encontram descritos nas diversas alíneas do artº 48º, para o qual a alínea b) do nº 4 do artº 47º remete e créditos comuns, os demais créditos (alínea c) do nº 4 do artº 47º do CIRE».
Logo, «dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos» e «a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito»; e, por isso, o «que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 712) (13).
Em conformidade, o «vetor que regula para o caso é o da igualdade tendencial dos credores e não o da importância ou essencialidade dos votos de certos credores para que o plano possa ser aprovado» (Ac. do STJ, de 24.11.2015, José Raínho, Processo n.º 212/14.0TBACN.E1.S1) (14); e «o carácter estratégico de alguns credores é insuficiente, para derrogar o princípio da igualdade dos credores de uma mesma classe, dado que fez recair sobre alguns deles, de forma desproporcional, as perdas» (Ac. da RC, de 17.03.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 338/13.7TBOFR-A.C1).
Acentua-se, nesta última ponderação, a importância do princípio da proporcionalidade (enquanto elemento intrínseco do princípio de igualdade dos credores), que deverá ser respeitado na diferença admissível para créditos de natureza diversa (15).

Compreende-se, por isso, que se afirme que o princípio da igualdade dos credores «não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria, nem afasta a possibilidade de, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade, por serem justificadas as circunstâncias objectivas» (Ac da RG, de 18.06.2013, Rosa Tching, Processo n.º 743/12.6TBVVD.G1).
Compreende-se, ainda, que se defenda que «o apelo a um juízo de proporcionalidade quanto às medidas impostas aos credores» não deve «pecar por excesso de rigidez», impedindo que «a diferente natureza do crédito» constitua «razão suficiente para diferenciar as medidas previstas»; e que, por isso, se preconize que «o princípio da igualdade de tratamento de credores, se corretamente interpretado, deverá permitir situações de diferenciação do tratamento dos créditos em função da sua diferente natureza, ou seja, a qualificação de um crédito subordinado, comum ou garantido constituí, em princípio, razão objetiva de diferenciação do tratamento dos créditos, só assim não devendo acontecer se se demonstrar que o valor da garantia real de que goza o crédito é manifestamente insuficiente para justificar a diferença de tratamentos previstos no plano» (Nuno Ferreira Lousa, Revista de Direito da Insolvência, n.º 1, 2017, Almedina, pág. 197, debruçando-se criticamente sobre o Ac. da RP, de 08.07.2015, referido supra, em que o crédito favorecido em relações aos credores comuns era um crédito garantido).
Revela-se, porém, «necessário que a indicação das razões objetivas para o tratamento desigual dos credores conste do próprio plano» (Ac. da RG, de 30.05.2019, Paulo Reis, Processo n.º 3021/18.3T8VCT.G1).

Do mesmo modo o tem entendido a jurisprudência, nomeadamente defendendo que:

. Ac. da RL, de 12.07.2007, António Abrantes Geraldes, CJ, Ano XXXII, Tomo III, págs.110-115
«A igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, designadamente, em face da natureza comum ou privilegiada dos créditos. Por outro lado, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, não está radicalmente afastada a possibilidade de se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade e, pelo contrário, deixem visíveis circunstancias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado»;

. Ac. da RG, de 18.06.2013, Rosa Tching, Processo n.º 743/12.6TBVVD.G1
«Entre as circunstancias que, em concreto podem justificar estas diferenciações, contam-se a distintiva classificação dos créditos, as categorias hierárquicas dos créditos e a diversidade das suas fontes»;

. Ac. da RG, de 25.11.2013, Manuela Fialho, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1
«O principio da igualdade dos credores não obsta ou impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, mesmo que perante credores inseridos na mesma classe, nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações, exigindo-se tão só que a estas não presida a arbitrariedade, antes se mostre evidenciado estarem elas assentes em circunstancias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado»;

. Ac. do STJ de 25.03.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1
«Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública».

. Ac. do STJ de 25.11.2014, Fernandes do Vale, Processo n.º 1783/12.0TYLSB-B.L1.S1
«Como resulta do artº 194º do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos credores afectados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstancias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos na mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam diferenciações, exigindo-se tão só que assentem as mesmas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado».

. Ac. da RE, de 22.02.2018, Albertina Pedroso, Processo n.º 494/18.8T8STB-A.E1
«Julgamos ser maioritário nos tribunais de relação o entendimento de que, sendo admissível uma desigualdade de tratamento entre os credores, a mesma tem de se mostrar justificada por razões objectivas, e tem de obter a anuência dos credores visados por tal tratamento mais desfavorável, que se encontrem em situação idêntica à de outros credores que beneficiem de um acordo mais favorável».

. Ac. da RE, de 24.05.2018, Tomé de Carvalho, Processo nº 2664/17.7T8STR.E1.
«O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação dos planos de insolvência e de recuperação ou dos acordos de pagamento. Neste domínio, a par do princípio da igualdade, é de atender à dimensão da proporcionalidade e da proibição do arbítrio como factores de correcção de eventuais injustiças no tratamento dos credores, o qual deve ser tendencialmente paritário.
As diferenciações entre credores só são admissíveis por razões objectivas e, na ausência destas, a validade do tratamento mais desfavorável relativamente a credores em idêntica situação depende do consentimento, expresso ou tácito, do credor afectado».

Por fim, lê-se no art. 195.º do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art. 222.º-F, n.º 5 do mesmo diploma), que o «plano (…) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência» (n.º 1), nomeadamente o «impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência» (n.º 2, al. d)).
Com efeito, inexistindo agora qualquer «tipicidade em matéria de medidas destinadas à satisfação do interesse dos credores, admitidas como alternativa à liquidação universal do património do devedor segundo o modelo supletivo da lei», justifica-se «que se faça a indicação das alterações que o plano, uma vez aprovado e homologado, comporta para a posição dos credores, visto que é o seu interesse que se visa proteger, devendo atuar-se de forma a não susceptibilizar a ambiguidade em área tão sensível».
As exigências de clarificação relativas ao seu conteúdo, contidas no n.º 2 do art. 195.º do CIRE, justificam-se assim por duas razões: uma, «ligada à circunstância de o plano, estribado no princípio da liberdade de estipulação do conteúdo a que se fez referência, poder, realmente, orientar-se por vias substancialmente diversas entre si; outra, respeitante à necessidade de garantir o cabal esclarecimento dos que são chamados a decidir o destino do processo, de forma a poderem ponderar suficientemente as vantagens que estimam resultar da aprovação de um plano» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, págs. 715 e 716) (16).
*
5.2.2.2. Recusa (de homologação) requerida por credor - Fundamentos

Lê-se no art. 216.º, n.º 1 do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art. 222.º-F, n.º 5 do mesmo diploma), e no que ora nos interessa, que o «juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado (…) por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis (…) que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas».
Logo, importa «que na prova da situação (…) referenciada se proceda a um exercício intelectual de prognose, frequentemente complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele»; e, relativamente «aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele», nomeadamente avaliando «eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 787) (17).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, para «efeito de (não) homologação do Plano de pagamento - no processo especial para acordo de pagamento, a que se referem os art.ºs 222º-A e seg.s do CIRE - importando ponderar uma situação que, ao abrigo do plano, seja previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, na falta de acordo já anteriormente celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas e encontrando-se o devedor, previsivelmente, numa situação de insolvência, deve comparar-se a situação emergente do Plano com a que, provavelmente, iria resultar da declaração da insolvência, com a liquidação do património e a eventual exoneração do passivo restante» (Ac. da RP, de 12.09.2019, Filipe Caroço, Processo n.º 6733/18.8T8VNG.P1).
Poderá ainda ser ponderada a maior, ou menor, rapidez na satisfação do crédito do credor que se haja oposto à homologação (18).
Incumbe, naturalmente, ao credor requerente da não homologação «a prova, em termos plausíveis, de que o plano de recuperação [leia-se, de pagamento] o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano» (Ac. da RP, de 30.06.2014, Caimoto Jácome, Processo n.º 1251/12.0TYVNG.P1).
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5.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

5.3.1. Normas procedimentais - Insolvência actual e Impossibilidade de cumprimento do plano de pagamento
Concretizando, verifica-se ter a Credora recorrente (Caixa ..., S.A.) afirmado que a homologação da aprovação do plano e pagamentos violou de forma não negligenciável regras procedimentais, nomeadamente por os Requerentes terem recorrido «ao processo especial para acordo de pagamento quanto não estão verificados os respectivos requisitos», uma vez que se encontrariam já insolventes; e ser o acordo de pagamentos apresentado inexequível.
Precisando a alegada situação de insolvência, afirmou que os Requerentes estariam há vários anos a incumprir responsabilidades vencidas, facto que seria extensível à generalidade dos seus credores; e, tendo recorrido antes a um processo especial de revitalização (terminado sem aprovação de qualquer medida), teriam visto desde então aumentar a esmagadora maioria das respectivas dívidas, atenta a falta de pagamento dos capitais respectivos e o vencimento dos juros por eles devidos.
Precisando a previsível impossibilidade de cumprimento do acordo anunciado, radicou-a a Credora recorrente (Caixa ..., S.A.) na exiguidade do activo dos Requerentes (limitado a um único imóvel, que valeria € 85.000,00), nos seus rendimentos provirem exclusivamente de pensões de reforma, num total de € 2.704,11, e na sua idade (o devedor marido tem 74 anos de idade, e a devedora mulher tem 69 anos de idade).
*
Dir-se-á, a propósito da alegada situação actual (e não meramente iminente) de insolvência dos Requerentes, que, verificando-se há muito a mesma, como defende a Credora recorrente (Caixa ..., S.A.), estranha-se que a mesma, ou qualquer um dos seus outros credores, não a tenha já requerido.
Dir-se-á ainda que, admitindo-se sempre a sua possibilidade (necessariamente inerente a qualquer situação de «insolvência iminente»), não foram os factos alegados pela Credora recorrente (Caixa ..., S.A.) subsumidos pela mesma a qualquer um dos indícios legais (ilidíveis, e não ilidíveis) da dita insolvência, tal como enunciados para o efeito no art. 20.º do CIRE; e referindo o aumento dos débitos dos Requerentes, fez radicar esse aumento no exclusivo vencimento de juros daqueles já antes contraídos por eles, e não em qualquer assumpção de novas responsabilidades.
Ora, tenho presente a especial natureza do processo em causa (com claro predomínio do que se pretende que seja a vontade dos credores, e os limites da intervenção do juiz), dir-se-á por fim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que só uma situação de evidente e comprovada insolvência poderá obstar à homologação do plano de pagamentos antes aprovado pela maioria dos credores reconhecidos; e essa, embora aqui possível, não ultrapassou a mera suspeita (independentemente do grau - mais ou menos reforçado - de que se revista).
*
Já relativamente à falta de certeza do cumprimento do plano de pagamento (ou à ausência de qualquer suspeita de que possa ser incumprido), dir-se-á que a lei não a contempla como fundamento de recusa de homologação da sua prévia aprovação.

Com efeito, da «leitura do art. 215.º conclui-se que a recusa oficiosa de homologação não pode ser fundada em discordância do juiz quanto ao mérito do que foi aprovado, O juiz não pode recusar a homologação, por exemplo, por achar que no caso concreto seria mais adequado liquidar em vez de recuperar ou porque certa medida de recuperação teria, na sua opinião, mais sucesso do que a adotada» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 495).

Do mesmo modo o entendeu o Tribunal a quo, quando afirmou inexistir qualquer fundamento para a recusa oficiosa de homologação da aprovação ocorrida do plano de pagamento, lendo-se a propósito na sua decisão:

«(…)
A impossibilidade de cumprimento do plano não está aqui prevista, não é apontada nem resulta dos autos qualquer violação negligenciável seja de regras procedimentais, seja de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, o plano não está sujeito a qualquer condição suspensiva e não há quaisquer actos ou medidas que devam preceder a homologação.
(…)
Ora, mais uma vez, e muito claramente, a impossibilidade de cumprimento do plano não está aqui contemplada.
Também a inutilidade da homologação não é hipótese de recusa da mesma.
(…)»

Reconhece-se, porém, que se lê no art. 207.º, n.º 1, al. c) do CIRE que o «juiz não admite a proposta de plano de insolvência» quando «o plano for manifestamente inexequível».
Neste despacho liminar de não admissão do plano de insolvência estão em causa razões de economia processual: ao permitir-se «ao juiz rejeitar liminarmente propostas manifestamente inviáveis, independentemente da razão por que foram apresentadas», evita-se «os atrasos que a discussão dessas propostas necessariamente causaria no processo» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, 8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 234).
Pressupõe-se, porém, «um juízo sobre o mérito da proposta apresentada, com carácter casuístico» (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 301) (19).
Ora, e sem «cuidar de saber se a solução da lei, acolhida neste art.º 207.º, é ou não a melhor, julgamos poder dizer que ela traduz um desvio na linha estratégia da anunciada desjucialização, exactamente porque (…) comete necessariamente ao juiz uma tarefa de sindicação do mérito que vai muito para além do que consubstancia o normal exercício dos poderes jurisdicionais de dirimência e de controlo da legalidade da actividade desenvolvida no processo».
Ainda assim, e a «título meramente indicativo, poderão (…) incluir-se no âmbito da norma os casos em que medidas específicas contempladas na proposta não sejam material ou juridicamente razoáveis, seja porque não há meios para o fazer, seja porque exorbitam da competência do próprio devedor ou dos seus órgãos. Tal como as que comportam providências que envolvem a participação de terceiros que, em razão dos termos e da experiência de vida, é razoavelmente expectável não vir a acontecer».
Certo é, porém, que se exige «a ostensibilidade do vício, como requisito de rejeição» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, págs. 758 e 759).
Dir-se-á, e de novo a propósito da manifesta inexequibilidade do concreto plano de pagamento apresentado, que, dispondo os Requerentes, em conjunto, de um rendimento mensal de € 2.704,11, é o mesmo previsivelmente suficiente para assegurar o pagamento das prestações, mensais e iguais, de cerca de € 600,00, com que se comprometeram a satisfazer, sucessivamente, os créditos garantidos por hipoteca e os créditos comuns, nomeadamente quando comparado com o montante actual do salário mínimo nacional (fixado em € 635,00, pelo Decreto-Lei n.º 167/2019, de 21 de Novembro).
Dir-se-á ainda que, não obstante a idade dos Requerentes, certo é que, atenta a esperança média de vida, já superior a 80 anos, qualquer deles disporá, pelo menos, de mais do que os cinco anos previstos para o pagamento dos créditos garantidos; e a Requerente disporá, previsivelmente, dos ainda necessários para pagamento dos créditos comuns (sendo ela quem aufere a maior reforma, de € 1.965,96 mensais, face aos € 738,15 do Requerente).
Por fim, dir-se-á que, estando o imóvel que constitui casa de morada de família hipotecado a favor da Credora recorrente (Caixa ..., S.A.), sempre o seu valor será necessariamente afecto ao pagamento dos respectivos créditos (e ainda que o dito prédio venha a integrar a herança dos Requerentes).
Logo, sendo possível que o plano de pagamento se venha a revelar inexequível (isto é, existindo essa possibilidade), a dita inexequibilidade ainda não é manifesta ou ostensiva.
Concluindo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ainda que se defendesse ser o art. 207.º, n.º 1, al. c) do CIRE aplicável ao PEAP (ex vi do art. 222.º-F, n.º 5 do mesmo diploma) - sendo certo que neste não existe qualquer despacho liminar do juiz a admitir o plano de pagamento, ao contrário do que sucede no processo de insolvência, nem lhe cabe proceder a qualquer sindicância do respectivo mérito -, não se têm por demonstrada a ostensibilidade do futuro incumprimento do concreto plano apresentado nos autos, para além da mera possibilidade desse inadimplemento.
*
5.3.2. Normas procedimentais - Princípio da igualdade dos credores

Concretizando novamente, verifica-se ter a Credora recorrente (Caixa ..., S.A.) afirmado que, não obstante a diferente natureza dos créditos em causa (por um lado, garantido - por hipoteca -, e por outro comuns), seria inadmissível a «assombrosa diferença de tratamento, nos termos da qual os devedores propõem pagar a totalidade do capital e juros vencidos dos empréstimos garantidos por hipoteca sobre o seu único bem e obter, paralelamente, um perdão de quase 90% dos demais créditos»; e defendeu que esta «acentuadíssima discrepância» de tratamento entre uns e outros seria «violadora do princípio par conditio creditorum, ínsito no art. 194.º do CIRE» (com bold apócrifo).

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, limitou-se a enunciar a sua própria conclusão, já que aquela diferença de tratamento radica, única e exclusivamente, na diferente natureza dos créditos, sendo todo os credores comuns tratados exactamente da mesma forma (tendo sido o seu voto maioritário que permitiu a aprovação do plano de pagamento, face nomeadamente ao voto contra da Credora garantida por hipoteca); e decalca aquela que seria a sua previsível satisfação, e insatisfação, em sede de processo de insolvência, a manterem-se os respectivos montantes e a limitação do activo dos aqui Requerentes ao imóvel que é sua casa de morada de família.

Do mesmo modo o entendeu o Tribunal a quo, quando afirmou inexistir qualquer violação do princípio da igualdade dos credores, lendo-se a propósito na sua decisão:
«(…)
O plano de acordo de pagamento junto aos autos a fls. 160/167 prevê o pagamento dos créditos comuns de 2,5% do valor do capital sem juros vencidos e vincendos, em 36 prestações mensais; o pagamento do crédito garantido prevê o pagamento de 100% do capital e juros vencidos em prestações mensais de € 600, vencendo-se a última a 30/11/2025; prevê ainda o pagamento da totalidade da divida à AT, numa única prestação.
No caso vertente, votaram a favor do plano credores representando 59,06% dos créditos, pelo que, importa aquilatar se o acordo de pagamento aprovado pela maioria dos credores no âmbito das negociações, importa ou não a violação do princípio da igualdade entre os credores.
(…)
Refira-se que o principio da igualdade do tratamento dos credores comporta, nos termos da lei as diferenciações justificadas por razões objectivas – artº 194º, n.º 1 do CIRE -, regra já considerada plenamente aplicável em PER – cfr. Ac. TRG de 04.03.13, disponível in http://www.dgsi.pt.
O princípio da igualdade dos credores não proíbe ao plano de pagamentos que faça distinções entre eles, proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos relevantes.
É, por isso, admissível, o estabelecimento, pelo plano de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
Ou seja, não obstante o plano apresentado prever um modo de pagamento diferenciado para diferentes categorias de credores, tal, não implica, desde logo, a não homologação do plano.
O princípio da igualdade reconduz-se à necessidade de tratar igual o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sendo que tal principio admite justificações diferenciadas por razoes objectivas – artº 194º do CIRE.
(…)

No caso dos autos, quanto aos créditos comuns, prevê-se, quanto a todos eles por igual, o pagamento de 2,5% do capital em divida, sem juros, pelo que, em relação aos créditos comuns não há qualquer diferenciação.
Diferença existe apenas quanto ao credor garantido, como é o caso da Caixa, que prevê o pagamento de 100% do capital e juros vencidos em prestações, desigualdade de tratamento que se justifica atenta a sua qualidade de credor com garantia real e a credora AT, cujo pagamento da divida é igualmente 100% do capital em dívida, numa única prestação face à quantia em dívida.
O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.
É o que sucede no caso em apreço, pelo que, entendemos que não se verificou qualquer violação do princípio da igualdade.
Dito isto, afigura-se-nos, que não assiste razão à credora Caixa na sua pretensa não homologação do plano, por se nos afigurar não ter existido violação do principio da igualdade de tratamento dos credores, conforme supra explanado, nem existir estribo para invalidade do plano de acordo de pagamento e sua aprovação.
(…)»
*
5.3.3. Conteúdo do plano de pagamento - Menor favorabilidade (face à inexistência de qualquer um)
Concretizando uma última vez, verifica-se ter a Credora recorrente (Caixa ..., S.A.) afirmado que a homologação do plano de pagamento redundaria num maior prejuízo para si (face à sua não homologação), decorrente sobretudo do facto de ter de aguardar «por pouco mais de seis anos para recuperar os seus créditos garantidos», não acreditando sequer ela própria no seu pagamento; e ser depois onerada com a certa desvalorização do imóvel, «não só face ao actual estado favorável do mercado imobiliário, mas também à conhecida falta de oferta na área em que se situa o imóvel (cidade de Vila Real), o que ainda mais potencia o valor da sua venda».
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, limitou-se nesse particular a enunciar mais uma vez a sua própria convicção, não aduzindo factos concretos que permitam ter por certo que o mercado imobiliário não continuará em generalizada valorização, ou que a falta de oferta de casas em Vila Rela terá fim nos próximos seis anos.
Dir-se-á ainda que (e existindo apenas a possibilidade do acordo de pagamentos não ser cumprido, e não a certeza desse facto) em sede de eventual insolvência a Credora recorrente (Caixa ..., S.A.) poderá não lograr o pagamento total do seu crédito garantido, se o imóvel hipotecado for insuficiente para o efeito, e dificilmente obterá o pagamento de qualquer parcela do seu crédito comum; e aqui, face ao prevenido no plano de pagamentos cuja aprovação foi homologada, logrará obter o pagamento integral do seu crédito garantido, e o pagamento de 2,5% do seu crédito comum.

Do mesmo modo o entendeu o Tribunal a quo, quando afirmou inexistir qualquer fundamento para a recusa, a requerimento da credora Caixa ..., S.A., de homologação da aprovação ocorrida do plano de pagamento - nomeadamente, por ficar assim a Credora em situação mais desfavorável -, lendo-se a propósito na sua decisão:

«(…)
Acrescenta a credora que a proposta de reembolso do seu crédito coloca a Caixa numa situação menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
Ora, analisando a lista provisória de créditos, verifica-se que existe um total de créditos de € 1.410.848,96, dos quais, € 122.465,54 são garantidos e os demais são comuns, não se compreende como estará a credora numa situação menos favorável, pois, num eventual processo de insolvência são graduados em 1º lugar, as dívidas da massa, custas do processo e honorários do A.I., sendo os comuns pagos em último lugar, a seguir aos privilegiados e garantidos e, atendendo a que, o património dos devedores se limita a um prédio urbano, não resulta certo que receberia a totalidade do seu crédito, pelo que, não podemos concluir que a credora esteja nestes autos, numa situação menos favorável.
(…)»
*
Mostram-se, assim, indemonstrados os fundamentos invocados pela Credora recorrente (Caixa ..., S.A.), para que se tenha por ilegal a homologação judicial da prévia aprovação do plano de pagamentos apresentado pelos Requerentes; e, por isso, improcedente o recurso de apelação que interpôs daquela decisão.
*
VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela credora Caixa …, S.A. e, em consequência, em :

· Confirmar a sentença homologatória recorrida.
*
Custas da apelação pela respectiva Recorrente (art. 527.º do CPC).
*
Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. Neste sentido, Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.
2. Era maioritário o entendimento, na 6ª Secção do STJ (a que são distribuídos os processos desta natureza) que recusava a aplicação do PER a pessoas singulares que não fossem comerciantes/empresários (v.g. acórdãos de 12.04.2016, Salreta Pereira, Processo n.º 531/15.8T8STR.E1.S1, de 18.10.2016, Júlio Gomes, Processo n.º 65/16.3T8STR.E1.S1, ou de 27.10.2016, Fernandes do Vale, Processo n.º 381/16.4T8STR.E1.S1).
3. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 10.09.2019, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 1820/17.2T8CHV.G1.S1, onde se lê que o «PER, como previsto no art.17º-A n.1do CIRE, visa a recuperação e revitalização da atividade económica do devedor, tendo também subjacente a tutela do interesse geral da economia na manutenção das atividades económicas (como se extrai do Preâmbulo do DL n.79/2017), enquanto o PEAP, como estabelece o art.222º-A, n.1, não tem como finalidade a viabilização da atividade económica do devedor, mas sim permitir-lhe estabelecer um acordo de pagamento dos seus débitos».
4. No mesmo sentido, Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Volume I, 2.ª edição, págs. 20 a 21, onde se lê que o «conceito de insolvência iminente é aberto e indefinido, implicando uma análise concreta da situação do devedor (tipo de obrigações que se vão vencer, incapacidade de recurso a crédito …). Esta situação passa sempre por uma previsão futura sobre a insuficiência económica e sua incapacidade de, a curto prazo, vir a realizar e honrar as obrigações assumidas e ainda não vencidas. A situação de insolvência iminente é conjecturada quando o devedor, de acordo com os critérios do homem comum ou um gestor criterioso e empenhado, sabe e não pode desconhecer que não conseguirá ir a honrar as obrigações assumidas a curto prazo».
5. Aparentemente limitando a possibilidade desse controlo à fase inicial do processo, Ac. da RG, de 20.09.2018, Luísa Ramos, Processo n.º 6662/17.2T8VNF.G1, onde se lê que, alegando «o apelante que a situação de insolvência real e actual, embora sendo questão de conhecimento oficioso, foi suscitada pelo Recorrente previamente à prolação da sentença impugnada», mostra-se «a questão ultrapassada face ao teor do despacho liminar de fls.16 dos autos nos termos do qual por despacho judicial, transitado em julgado, foi admitido o presente processo especial para acordo de pagamento, julgando-se verificados os respectivos pressupostos legais, relativamente a esta questão se tendo formado caso julgado formal nos termos do artº 620º do CPC».
6. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 27.06.2017, Isaías Pádua, Processo n.º 8389/16.3T8CBR.C1, onde se lê que normas procedimentais «são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas - incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano - e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado».
7. Apud Jorge Manuel Leitão Leal, Juiz Desembargador, «O Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), Algumas considerações», em sede de trabalho apresentado no âmbito do I Curso de Pós-Graduação em Direito da Insolvência, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 2017, e actualizado em razão da entrada em vigor da Lei n.º 8/2018, de 02 de Março, que aprovou o regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE), Lisboa, Março de 2018.
8. No mesmo sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2017, págs. 781 e 782, onde afirmam que «não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza» e são «desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido». Logo, tratando-se verdadeiramente «de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada», é «razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.º 195.º do C.P.Civ.».
9. No mesmo sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 495, onde se lê «que será não negligenciável a violação que põe em causa as finalidades da norma violada».
10. Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2017, pág. 713.
11. Neste sentido, Ac. do STJ, de 03.11.2015, Salreta Pereira, Processo n.º 863/14.2T8BRR.L1.S1, e Ac. da RG, de 14.02.2019, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 1761/18.6T8GMR-A.G1.
12. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 712.
13. No mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, 8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 298, onde se lê que, admitindo o princípio da igualdade dos credores «diferenciações justificadas por razões objectivas», não permite que nenhum credor possa «ser objecto de tratamento desfavorável em relação a credores em idêntica situação, a não ser com o seu consentimento».
14. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 07.06.2018, Pedro Martins, Processo n.º 3187/17.0T8VFX-2, onde se lê que o «acordo de pagamentos não deve favorecer um credor apenas por ele ser um credor garantido e ter uma maioria suficiente para, só por si, aprovar o acordo, pagando-lhe a ele todo o seu crédito e obtendo assim o seu voto favorável, em prejuízo de todos os outros credores, que vêem os seus créditos diminuídos em 20% e com início de pagamento desse montante reduzido protelado para daí a dois anos e a ser pago em 8, para mais quando com isso se visou uma poupança para os devedores e não a satisfação das necessidades básicas para uma vida condigna».
15. Neste sentido, Ac. do STJ, de 25.03.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1, Ac. da RP, de 09.12.2014, Rui Moreira, Processo n.º 166/14.2TJPRT.P1, Ac. da RP, de 08.07.2015, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 261/14.8TYVNG.P1, Ac. da RP, de 15.09.2015, Rodrigues Pires, Processo n.º 2438/14.7T8OAZ.P1, Ac. do STJ, de 24.11.2015, Fernandes do Vale, Processo n.º 700/13.5TBTVR.E1.S1, Ac. da RP, de 16.12.2015, Inês Moura, Processo n.º 1222/14.2T8STS.P2, Ac. da RG, de 25.02.2016, Francisco Xavier, Processo n.º 2588/15.2T8GMR.G1, Ac. da RG, de 06.10.2016, Elisabete Valente, Processo n.º 982/16.0TBVNF.G1, Ac. da RC, de 09.05.2017, António Carvalho Martins, Processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1, Ac. da RC, de 27.06.2017, Isaías Pádua, Processo n.º 8389/16.3T8CBR.C1, Ac. da RG, de 11.07.2017, José Amaral, Processo n.º 7057/16.0T8VNG.G1, Ac. da RG de 24.05.2018, Alexandra Rolim Mendes, Processo n.º 5900/17.6T8VNF.G1, Ac. da RC, de 30.04.2019, Barateiro Martins, Processo n.º 2835/18.9T8CBR-E.C1, Ac. da RP, de 10.09.2019, Ana Lucinda Cabral, Processo n.º 433/19.9T8AMT.P1, e Ac. da RG, de 12.09.2019, António José Saúde Barroca Penha, Processo n.º 2623/18.2T8VRL.G1 - este último inédito, sendo o respectivo Relator aqui 2.º Juiz Adjunto.
16. No mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, 8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, págs. 225 e 226.
17. No mesmo sentido, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 311, onde se lê que se trata «de uma hipótese que impõe um juízo de prognose (prognoseentcheidung), muitas vezes complexo, segundo o qual se deve comparar o que o plano prevê para o reclamante com o que para ele resultaria se nenhum plano fosse aprovado (ou seja, se ocorresse a liquidação universal do património do devedor, de acordo com a tramitação supletiva do processo de insolvência)».
18. Neste sentido, Ac. da RG, de 23.11.2007, Manso Raínho, CJ, Ano XXXII, Tomo V, págs. 283 a 285, onde considerou como menos favorável para o credor um plano de insolvência que, embora lhe atribuísse um pagamento de valor superior ao que resultava da imediata execução de duas hipotecas, só lhe permitiria receber ao fim de 15 anos, quando a liquidação do património do insolvente lhe permitia receber imediatamente.
19. No mesmo sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 759, onde se lê que, verdadeiramente, «só na ponderação de cada espécie concreta, nas suas vicissitudes próprias, será possível formar um juízo apropriado, sendo facilmente imaginável que propostas de conteúdo idêntico, plausíveis de admissão em certas circunstâncias, não o sejam, porém, noutras diferentes».