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VENDA EXECUTIVA
DIREITO REAL
Sumário
O despacho proferido nos termos do art. 888º do CPC, que ordena o cancelamentos dos direitos reais, deve especificar cada uma das inscrições prediais a cancelar.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa instaurados no Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, onde foram distribuídos ao .º Juízo sob o nº ../1999, por B………. contra C………., L.da, foi penhorado o imóvel “fracção M, correspondente a uma habitação no .........., tipo T., composto por… descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canavezes sob o nº 00211/160987 – M da dita freguesia de ………., inscrita na matriz urbana sob o Art. 610 – M”.
Ordenada a venda do dito imóvel mediante propostas em carta fechada, verificou-se que ninguém compareceu á diligência, nem foram apresentadas quaisquer propostas, vindo a ser aceite o preço oferecido pelo Banco exequente, após o que, cumpridos os formalismos legais inerentes, por despacho de fls. 365, se determinou a adjudicação do dito imóvel, “…sendo ordenada a passagem do título de transmissão, livre de quaisquer ónus e encargos…”.
Após tal despacho, o Banco veio dizer que o título de transmissão não concretiza os ónus e encargos cancelados, referindo-se apenas que foi ordenado o cancelamento de quaisquer ónus ou encargos, sendo que para que os respectivos ónus sejam cancelados na respectiva Conservatória de Registo Predial é necessário apresentar a certidão do despacho que ordene o cancelamento específico de cada ónus e encargos a cancelar, especificando tais ónus nos termos seguintes:
a) C-2 – Ap.05/260796 - Hipoteca
b) C-2 – Av.1 - Ap.10/121196 – Rectificação da Hipoteca
c) C-2 – Av. - Ap.02/131196 – Conversão da Hipoteca
d) F-1 – Ap.24/29052000 – Penhora
e) F-1 – Av.1 - Ap.22/20062000 – Conversão da Penhora
f) F-2 – Ap. 09/20040906– Penhora.
Requer, pois, que ao abrigo do art. 888º do CPC se digne ordenar o cancelamento das inscrições referidas, ordenando a entrega da certidão com vista a tal cancelamento.
Veio então o Senhor Juiz dizer, por via do despacho de fls. 410, que “o despacho que ordenou o levantamento dos ónus ou encargos (de fls. 365) é claro, referindo-se a quaisquer ónus ou encargos que incidem sobre a fracção em causa. Razão pela qual se mostra desnecessário proceder à sua individualização, devendo a competente Conservatória proceder ao seu cancelamento nos termos legais (art. 888º do CP e art. 824º nº 2 do CC)”
Mais tarde, de novo, a fls. 435, foi proferido despacho nos termos seguintes:
“Ordeno o levantamento de todos os ónus e encargos e o cancelamento dos respectivos registos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 888º do CPC, que incidem sobre o imóvel melhor identificado a fls. 182/268 dos autos”.
Após tal despacho, veio de novo o banco exequente, dizer que diligenciou junto da Conservatória de Registo Predial pelo referido cancelamento, sendo alertado que o mesmo seria recusado, uma vez que é necessária a especificação dos ónus e encargos a cancelar, conforma Parecer da Direcção geral das Conservatórias e do Notariado, acabando por mais uma vez requerer que seja ordenado o cancelamento das inscrições prediais acima discriminadas.
Perante tal requerimento, de novo o Tribunal entendeu que “O despacho de fls. 435 é claro ao ordenar o levantamento de todos os ónus e encargos e o cancelamento dos respectivos registos, nos termos do art. 888º do CPC, pelo que nada há a acrescentar”.
Inconformado com aquele despacho de fls. 435
Notificado de tal despacho, veio o Banco exequente agravar do despacho de fls. 435, supra transcrito, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1ª. O despacho recorrido não ordenou o cancelamento específico dos ónus e encargos do imóvel objecto da venda, requerido a fls. 463 e 464 dos autos, pelo facto do despacho proferido a fls. 435 dos autos ter ordenado, em termos genéricos, o levantamento de todos os ónus e encargos e o cancelamento dos respectivos registos, nos termos do art. 888º do Código de Processo Civil, que incidiam sobre o imóvel objecto da venda.
2ª. Para se proceder ao cancelamento dos ónus e encargos do imóvel objecto da venda, na Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses, é necessário que o despacho judicial de cancelamento identifique, especificadamente, os registos dos direitos, ónus e encargos que devam caducar nos termos do art. 824º, nº 2 do Código Civil, o que não sucedeu quer no despacho recorrido, quer no despacho proferido a fls 435 dos autos.
3ª O cancelamento dos ónus e encargos do imóvel objecto da venda mandados cancelar pelo douto despacho proferido a fls. 435 dos autos é fundamento de recusa, por parte da Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses, nos termos dos art. 13º, 68º e 69º, nº1 alínea b) do Código de Registo Predial, pelo facto daquele despacho judicial não especificar os registos dos direitos, dos ónus e dos encargos mandados cancelar.
4ª Para se proceder ao cancelamento, junto da Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses, dos ónus e encargos do imóvel objecto da venda, que caducaram nos termos do art. 824º, nº 2 do Código Civil, deve ser proferido despacho judicial de cancelamento que identifique, especificadamente, os registos dos ónus e dos encargos que devam caducar nos termos do artº 824º nº 2 do Código Civil, melhor identificados no nº 8 destas alegações.
5ª O despacho recorrido violou o art. 888º do Código de Processo Civil, o art. 824º nº 2 do Código Civil e os art. 13º, 68º e 69º, nº1 alínea b) do Código de Registo Predial.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente agravo e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, e ordenar-se que o Senhor Juiz “a quo” o substitua por outro em que ordene e identifique, especificadamente, o cancelamento dos registos dos ónus e encargos que incidiam sobre o imóvel objecto da venda, melhor identificados no nº 8 destas alegações, conforme é de
justiça
Não foram produzidas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
À nossa decisão interessa apenas a tramitação supra consignada.
APRECIANDO:
A questão que nos cumpre apreciar e decidir prende-se com saber se o despacho proferido nos termos do art. 888º do CPC, que ordena o cancelamentos dos direitos reais, deve especificar cada uma das inscrições prediais a cancelar, ou pode ser genérico, ordenando o cancelamento de todas e quaisquer ónus e encargos, tal como procedeu o Tribunal recorrido.
Dispõe o art. 888º do CPC que “após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, o agente de execução promove o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam nos termos do nº 2 do artigo 824º do Código civil e não sejam de cancelamento oficioso pela Conservatória”.
Por seu turno, nos termos do nº 2 do art. 824º do CC, “os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer aresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”.
Nos termos do art. 13º do Código de Registo Predial (CRP), “Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos ou em execução de decisão judicial transitada em julgado”.
Dispõe o art. 68º do CRP (Princípio da legalidade), que “Compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo, em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regulariedade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos.”
Finalmente, prescreve o art. 69º nº 1 al. b) de tal diploma que “o registo deve ser recusado … quando for manifesto que o facto constante do documento não está titulado nos documentos apresentados”.
O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.
Por outras palavras, é através da informação disponibilizada pelo registo que poderá ficar a saber qual a composição de determinado prédio, a quem pertence e que tipo de encargos (hipotecas, penhoras, etc) sobre que incidem.
Da leitura dos preceitos acima transcritos, e considerando o elemento teleológico subjacente ao registo predial, maxime a segurança do comércio jurídico imobiliário, não podem restar dúvidas que o despacho judicial que ordena o cancelamento de determinado ónus ou encargo predial, deve individualizar descritivamente qual a natureza do ónus e bem assim o registo cujo cancelamento determina, deve reportar-se especificadamente
a tal ónus ou encargo e ao respectivo registo cujo cancelamento ordena.
Só desta foram nos parece devidamente garantida a apontada certeza e segurança do comércio jurídico imobiliário, que um despacho judicial de reporte genérico tipo “todos os ónus e encargos” não satisfaz de forma alguma, tanto quanto é certo que um mero lapso que se verifique neste âmbito criaria relevantes prejuízos, evitáveis com a discriminação vertida em tal despacho.
Só dessa forma diremos titulado o despacho judicial com o facto específico ordenado, o cancelamento do registo de determinado direito real.
Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Évora de 2 de Julho de 1998 (in BMJ 479, 732):
“O despacho judicial que ordene o cancelamento dos registos de ónus incidentes sobre prédio arrematado em hasta pública, deve identificar, especificadamente, os registos dos direitos que devam caducar nos termos do art. 824º nº 2 do código civil, não bastando a simples determinação genérica de cancelamento da inscrição de quaisquer direitos reais posteriores que caducam”.
Neste sentido se pronunciaram os seguintes pareceres Jurídicos do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado, a que o agravante fez referência:
I - Parecer nº 14 de 1992:
1 - Para que se possa efectuar o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam é necessário que a decisão judicial os especifique e que a certidão desta comprove o respectivo trânsito em julgado.
2 - A ordem de cancelar é dada oficiosamente no processo de execução, mas o cancelamento tem de ser pedido no registo.
3 - Quando sobre os bens incida registo de aquisição é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.
II – Parecer nº 18 de 1990:
1 - Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos ou em execução de decisão judicial transitada em julgado.
2 - Os documentos apresentados devem, em qualquer caso, especificar os registos a cancelar e, sendo caso disso, a menção do trânsito em julgado da decisão que ordene o cancelamento.
Não sendo estes pareceres vinculativos para os Tribunais, afigura-se-nos institucional e funcionalmente adequado, até porque nenhum motivo válido existe que possa sustentar a tese inversa, que a respectiva doutrina seja por “nós” acolhida.
Assim procedeu o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 2 de Julho de 1998 (in BMJ 479, 732), a que o agravante também fez alusão:
“O despacho judicial que ordene o cancelamento dos registos de ónus incidentes sobre prédio arrematado em hasta pública, deve identificar, especificadamente, os registos dos direitos que devam caducar nos termos do art. 824º nº 2 do código civil, não bastando a simples determinação genérica de cancelamento da inscrição de quaisquer direitos reais posteriores que caducam”.
Assim deveria ter procedido o tribunal recorrido.
Há, pois, que conceder razão ao Banco agravante, merecendo provimento o agravo, devendo o Senhor Juiz especificar os ónus e encargos cujo registo predial ordena cancelar.
DECISÃO
Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro onde sejam devidamente especificados e individualizados os ónus e encargos que incidem sobre o prédio adjudicado ao banco exequente, cujo registo predial se ordena cancelar.
Sem custas, nos termos do art. 2º do CCJ.
Porto, 7 de Dezembro de 2007
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo