RESPONSABILIDADES PARENTAIS
HORÁRIO FLEXÍVEL
PARECER DA CITE
PODERES DO EMPREGADOR
Sumário

I.– O regime especial de horário flexível previsto no art.º 56, n.º 2, do Código do Trabalho, tem por escopo a adequação do tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem um filho menor de 12 anos.

II.– Cabe ao empregador, no exercício do seu poder de direção, a concretização do horário de trabalho, devendo ter em atenção, designadamente, a necessidade de o trabalhador conciliar a atividade profissional com a sua vida familiar (art.º 212, n.º 1 e 2, al. b., e 56/3, corpo, do CT).

III.– A indicação pelo trabalhador dos limites que balizarão a determinação, pelo empregador do concreto horário de trabalho há de ter em conta, por um lado, a premência das suas responsabilidades familiares, que podem justificar limites muito apertados na indicação feita pelo trabalhador quando esta é a única forma de conciliar a sua vida familiar com a profissional, e, por outro, as necessidades de gestão e o poder de determinação do empregador.

IV.– Tendo sido requerido pela trabalhadora demandada, que tem um horário semanal de 35 horas, um horário flexível, entre as 08h00 e as 16h00 horas de 2.ª a 6.ª feira, sendo o sábado e domingo dias de folga, apenas motivado pela circunstância de o marido também trabalhar por turnos, tal significa que a mesma se colocou fora do âmbito da prestação da atividade aos fins-de-semana e que, sem motivo suficientemente premente, em situação de beneficiária exclusiva – ao contrário do que acontece com os colegas – de um horário fixo, impedindo na prática o empregador de qualquer determinação que vá além da mera gestão do intervalo de descanso (art.º 213 e 56, n.º 4, CT). Isto porque acabaria sempre por entrar e sair às horas que indicou, quaisquer que sejam os imperativos da atividade prosseguida pelo empregador.

V.– Nestas circunstâncias, que ultrapassam a razão de ser do direito, é de concluir que a trabalhadora não indicou um horário flexível, não tendo o empregador qualquer escolha razoável, e que o empregador tem motivo justificativo para recusar o seu pedido.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO:


O A. demandou a R. pedindo que seja “…declarado que o horário pedido pela Ré não é um horário flexível na aceção do art.º 56º do C.T., não lhe conferindo o direito a exigir que o horário seja fixado de 2ª a 6ª no período das 08h às 16h. Ainda que assim não se entenda deve ser reconhecida como legítima a recusa da A. em adotar o regime de horário pedido pela Ré”.

A ré contestou por impugnação, concluindo pela improcedência da acção (fls. 34/39).
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Saneados os autos e realizado o julgamento, o Tribunal lavrou sentença julgando improcedente a ação e absolvendo a R. dos pedidos.
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Não se conformando veio o A. apelar, pedindo a revogação da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
A)– Relativamente à matéria de facto, deve ser eliminada o facto número 4 provado: "Os referidos turnos são organizados/definidos no interesse do serviço, compreendendo os horários das 08h às 14h, das 08h às 19h, das 12h às 20h, das 08h às 15h, das 09h às 20h, das 14h às 20h, das 08h às 14h e das 10h às 20h.";
B)– Porquanto, os factos provados em 3) - de que o Serviço em apreço está organizado por turnos, da seguinte forma: Manhã das 08h às 14h; Tarde: das 14h às 20h; Manhã/Tarde: das 09h às 20h ou das 8h às 19h;
C)– E, bem assim, o provado com o n.º 5) - de que no referido Serviço trabalham 6 auxiliares de ação médica, dos quais 4 laboram em regime de 40 horas semanais e 2 em regime de 35 horas semanais, distribuídos da seguinte forma: Manhã:3 Auxiliares de ação médica; Tarde: 2 Auxiliares de ação médica; Manhã/tarde: 1 auxiliar de ação médica - precludem com a possibilidade de o facto provado em 4 ser aplicado no Serviço;
D)– O facto provado com o n.º 4 tem por base um documento, de onde se pretendia demonstrar apenas não ser o turno pretendido pela recorrida adequado às exigências de laboração numa equipa com 6 elementos, distribuídos nos termos previstos nos factos 3 e 5.
E)– O horário de trabalho decretado pelo Tribunal "a quo", das 08h às 16h, com descanso aos sábados e domingos, não configura um horário de trabalho flexível;
F)– O horário flexível e o trabalho a tempo parcial são as modalidades de horário previstas para a proteção na parentalidade, para trabalhadores com filhos menores de 12 anos, art.º 55° e 56° do Código do Trabalho (CT);
G)– A sentença recorrida mal interpretou e aplicou as referidas normas legais ao considerar que o horário que fixou para a R. era um horário flexível, tal como aquelas normas estabelecem;
H)– A adoção de horários flexíveis é impossível de implementar num serviço que labora em regime de turnos rotativos, na medida em que a rendição de turnos impõe horas fixas de entrada e de saída;
I)– Com o horário fixo atribuído à R. é colocado em crise os termos em que são distribuídos os horários de trabalho por turnos, para os demais colegas que compõem a equipa em que aquela se encontra inserida;
J)– E, bem assim, compromete os termos em que os restantes 5 trabalhadores da equipa da R. gozam os respetivos descansos diários e semanais;
K)– Sendo que, ao abrigo de tal regime de proteção do trabalhador, não se lhe permite escolher os dias em que trabalha (art.º 212°, n°1, 56°, n°3 e 97°, todos do CT);
L)– Pelo que, também é ilícito a R. impor ao A. os dias em que deve gozar o descanso semanal;
M)– Com o deferimento da pretensão da R. esta prolonga a sua jornada de trabalho diário por duas horas ao turno da tarde;
N)– Consequentemente, o serviço que labora com 2 trabalhadores no turno da tarde ficará com trabalhadores em número superior, ou inferior ao necessário e devido;
O)– As referidas duas horas de trabalho entre as 14h e as 16h que prestará a Recorrida correspondem a um trabalho inútil e ineficiente;
P)– Ao empregador não se poderá exigir um tal esforço, pois cabe-lhe gerir as formas de organização do tempo de trabalho, por forma a rentabilizar a atividade prestada;
Q)– A referida ineficiência na prestação de trabalho da R. constitui fundamento de recusa para a prática de horário flexível da R., pois que consubstancia razão imperiosa para o bom funcionamento da empresa;
R)– Assim não considerando, a sentença recorrida violou os arts. 56°, n°s 1 e 2 e 57°, n°s 2 e 5, ambos do Código do Trabalho.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por sentença que dê provimento à ação.
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Contra-alegou a R., pedindo a final a improcedência do recurso, e concluindo: 
A– A R. mantém tudo quanto aduziu antes, entendendo não merecer a douta sentença recorrida, à qual adere, alguma censura;
B– Relativamente ao recurso sobre a matéria de facto, alega o A. que o facto provado sob o n.º 4 deve ser eliminado, por coliderem com os pontos 3 e 5 também da matéria de facto;
C– Segundo documentos juntos ao processo enviado para a CITE e, portanto, informação prestada pelo próprio A., os horários praticados são das 08h às 14h, das 08h às 19h, das 12h às 20h, das 08h às 15h, das 09h às 20h, das 14h às 20h, das 08h às 16h e das 10h às 20h;
D– Existindo dificuldade em compreender a argumentação do A. quando pede que o que consta do n.º 4 da matéria de facto seja eliminado, tanto mais, que tais factos eram já referidos pela R. em sede de contestação, não logrando o A. demonstrar a sua incorreção ou discrepância com a verdade, algo que poderia ter feito em sede de audiência de julgamento e não fez
E– Pelo que não se deverá considerar a matéria de facto que consta do n.º 4 mal julgada, não devendo este ser eliminado;
F– No que concerne ao recurso da matéria de Direito, considera o A. que a douta sentença violou os art.º 56º n.º 1 e 2 e 57º n.º 2 e 5 do Código do Trabalho;
G– A sentença não violou estes preceitos legais, pois a R. requereu, ao abrigo do disposto no art.º 56º do CT, ao A., em 06 de dezembro de 2018, a atribuição de horário flexível, solicitando trabalhar entre as 8h e as 16h, com descanso semanal aos sábados e domingos, pelo período de 10 anos, em detrimento do atual regime de trabalho por turnos entre as 08h e as 20h, conforme documentado nos autos;
H– Em 20 de dezembro de 2018 o A. comunicou à R. a sua intenção de recusa do pedido apresentado, justificando esta posição, sucintamente, com o facto de alegadamente o período indicado de trabalho (8h e as 16h, com descanso semanal aos sábados e domingos) não configurar regime de horário flexível e, ainda, por o horário flexível a praticar pela A. acarretar, supostamente, prejuízos para o normal e eficiente funcionamento do Departamento onde exerce as suas funções profissionais, nomeadamente por tornar impossível assegurar a existência de trabalhadores em número suficiente no período da tarde;
I– Em cumprimento do disposto no n.º 5 do art.º 57º do CT, o A., em 19 de dezembro de 2018 remeteu o processo à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que emitiu parecer desfavorável à intenção de recusa do A., relativamente ao requerimento de trabalho em regime de horário flexível apresentado pela R., conforme se encontra, também, documentado nos autos;
J– Face ao parecer da CITE, o A. somente poderia recusar o pedido apresentado pela R. após decisão judicial que reconheça a existência do motivo justificativo, tal como dispõe o n.º 7 do art.º 57º do CT, tendo, para esse efeito, apresentado a respetiva p.i. onde referiu, uma vez mais, que o pedido de exercício de funções profissionais da trabalhadora das 8h e as 16h, com descanso semanal aos sábados e domingos, prejudica a organização e atividade desenvolvida no Serviço, organizado com outras ou diferentes horas de entrada e saída e em sistema de rotatividade e, também, não configura horário flexível, mas sim horário rígido, argumentos que agora em sede de recurso são repetidos;
K– No que concerne à alegada ilegitimidade por o pedido configurar horário rígido e não flexível, veja-se o teor do art.º 56º do CT, que refere no n.º 3 que este horário, a elaborar pelo empregador, deve conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário, deve indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento e deve estabelecer, também, um período para intervalo de descanso não superior a duas horas;
L– A R. requereu que lhe fosse concedido o regime de trabalho de horário flexível entre as 08h e as 16h, com descanso semanal aos sábados e domingos, pelo período de 10 anos, devendo o A. elaborar o horário de trabalho a praticar dentro destes limites, não fazendo sentido falar em prática de horário rígido, tal como a Recorrente insiste em fazer na sua argumentação;
M– Não existe assim qualquer ilegitimidade no pedido apresentado pela R., não tendo sido, como alega o A., apresentado um pedido de horário rígido, nem praticando a R. esta modalidade de horário de trabalho, sendo o entendimento da sobre este ponto concreto acolhido pela doutrina proferida pela CITE e pela jurisprudência existente sobre esta matéria;
N– Relativamente à alegada inviabilidade ou inexequibilidade do pedido apresentado pela R., argumento também repetido pelo A. em sede de recurso, importa referir que este se insere na organização dos tempos de trabalho em vigor no A., que compreendem, segundo documentos juntos ao processo enviado para a CITE e portanto informação prestada pelo próprio A., os horários das 08h às 14h, das 08h às 19h, das 12h às 20h, das 08h às 15h, das 09h às 20h, das 14h às 20h, das 08h às 16h e das 10h às 20h;
O– O tempo de trabalho solicitado pela R. insere-se dentro de horários de trabalho praticados pelo A., designadamente no horário das 08h às 16h supra indicado, não existindo qualquer inviabilidade ou inexequibilidade no pedido apresentado pela Recorrida;
P– A existir outros trabalhadores do serviço a usufruir de horário flexível ou parcial ou mesmo de outros direitos de conciliação da atividade profissional com a vida familiar como refere o A., estes não poderiam privar a R. do seu legítimo exercício, mas antes deveriam estes direitos ser conciliados e conformar-se entre eles;
Q– A proteção da conciliação da vida profissional com a vida familiar tem sido fortemente reforçada através de Diretrizes Europeias, tal como é indicado na douta sentença recorrida;
R– O A. somente poderia recusar o pedido da ora R. com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável – art.º 57º n.º 2 do CT – exigências estas que não foram, de forma alguma, demonstradas ou concretizadas na p.i. apresentada ou minimamente provadas em sede de audiência de julgamento, sustentando o A. a sua argumentação para recusar o pedido em factos desprovidos de fundamento e sem correspondência legal, repetindo-os, salvo o devido respeito, no presente recurso;
S– Bem andou o Mmo. Juiz a quo em considerar improcedentes os pedidos do A., afigurando-se não merecer a sentença qualquer censura, face à apreciação das normas invocadas e à prova produzida em audiência de discussão e julgamento;
T– O Mmo. Juiz formou a sua convicção de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, analisando criteriosa e ponderadamente o conjunto da prova produzida, sem que se mostrem violadas as regras da experiência comum e sem que se verifique qualquer erro de julgamento, inexistindo no presente caso fundamento para se alterar a matéria de facto, nos termos pretendidos pelo Recorrente, carecendo de razão o recurso sobre a matéria de direito e de facto;
U– Pelo exposto, a R. entende que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura pelo que requer que o recurso seja considerado improcedente com todas as legais consequências.
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O MºPº teve vista e emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.

A R. respondeu ao parecer.

Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se a decisão de facto merece censura e se, atenta a factualidade provada, deve ser reconhecido que o horário pretendido pela R. não é flexível, ou pelo menos se o R. tem o direito de o recusar.
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Da decisão de facto
(…)

Destarte, julga-se improcedente a impugnação da decisão de facto.
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São estes os factos assentes nos autos:
1– A Ré é trabalhadora do A. desde 07.11.1994, com a categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica, prestando as suas funções no Departamento (…) do A., sito na Rua (…) em Lisboa.
2– O período normal de horário de trabalho da Ré é de 35 horas semanais, conforme decorre do respectivo contrato de trabalho, junto com a petição inicial sob doc. 1, a fls. 5v. dos autos, e se dá por integralmente reproduzido.

3– Em cumprimento da respectiva carga horária semanal, a R. actualmente exerce funções em regime de turnos rotativos, nos seguintes períodos definidos no serviço:
- Manhã: das 08h às 14h;
- Tarde: das 14h às 20h;
- Manhã/Tarde: das 09h às 20h ou das 08h às 19h.

4– Os referidos turnos são organizados/definidos no interesse do serviço, em condições de igualdade entre os trabalhadores, compreendendo os horários das 08h às 14h, das 08h às 19h, das 12h às 20h, das 08h às 15h, das 09h às 20h, das 14h às 20h, das 08h às 16h e das 10h às 20h.

5– No identificado Serviço de Imagiologia do A. trabalham 6 auxiliares de acção médica, dos quais 4 em regime de 40h semanais e 2 em regime de 35h semanais, distribuídos da seguinte forma:
– Manhã: 3 auxiliares de acção médica;
– Tarde: 2 auxiliares de acção médica;
– Manhã/Tarde: 1 auxiliar de acção médica

6– De entre os 6 auxiliares de acção médica do referido Serviço de Imagiologia, 4 têm filhos menores de 12 anos e, actualmente, a própria Ré encontra-se em regime de redução de horário para aleitação.
7– Por carta datada de 06.12.2018, a Ré, invocando o disposto no art. 56º do Código do Trabalho, solicitou ao Autor a atribuição de “um regime de horário de trabalho flexível para prestar assistência inadiável da Educação e Formação a uma filha com 18 meses de idade (…) pelo período de Dez anos com o seguinte horário de trabalho: Das 08:00 horas às 16:00 horas, períodos de 8 horas, Sendo o descanso semanal Sábado e Domingo", conforme doc. 2, junto com a petição inicial, a fls. 6 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
8– Em resposta a tal solicitação da Ré, o Autor comunicou à Ré o respetivo indeferimento, por carta datada de 19.12.2018, cujo teor se dá aqui por reproduzido como consta de fls. 7v., 8 e 9 dos autos (doc. 3 junto com a petição inicial), sendo o seu teor parcial o seguinte:
“(…) (…)

Pese embora seja invocado o disposto no art.º 56° do Código do Trabalho, para fundamentar o pedido de horário flexível, verifica-se que a pretensão de colocação em horário de “segunda a sexta-feira, no período compreendido entre as 08h00 e as 16h00”, não configura um regime de horário flexível.
Com efeito, o regime de horário flexível encontra-se definido no nº 2 do art. 56° do Código do Trabalho, como sendo aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do horário de trabalho.
Cabendo ao trabalhador, nos termos da alínea a) do mencionado preceito legal, indicar as horas de presença obrigatória, a que se denomina plataformas fixas.
Assim, na referida modalidade de horário de trabalho fica o trabalhador na disponibilidade de organizar as horas de início e termo do período de trabalho normal diário, ficando obrigado à presença física obrigatória nas denominadas plataformas fixas, e, bem assim, a gerir aquelas plataformas flexíveis, de forma a cumprir a carga de horário do trabalho semanal e mensal.
Em bom rigor, a pretensão de colocação em horário de “segunda a sexta-feira, no período compreendido entre as 08h00 e as 16h00”, subsume-se na modalidade de horário rígido, aquele em que os turnos de entrada e saída são fixos e permanentes. Sendo que, tal pretensão não se insere no escopo da proteção dos trabalhadores com responsabilidades parentais.
Ainda assim, procedemos com a maior atenção à análise de viabilidade do pedido de V. Exa., no sentido de verificar do impacto da sua implementação no serviço. Todavia, propendem para o indeferimento imperiosos motivos relacionados com o funcionamento da empresa que, em seguida, se dilucidarão.
O departamento de Imagiologia do hospital do (…) , onde V. Exa. está colocada, labora em regime de turnos rotativos, que são distribuídos da seguinte forma:
Hospital funciona em regime de laboração contínua de 24h/dia, sendo que os Auxiliares de ação Médica terminam a sua jornada às 20h00, com os seguintes turnos rotativos:
a)- Manhã, no período das 08h às 14h, composto por 3 Auxiliares de ação Médica;
b)- Tarde: no período das 14h às 20h, composto por 2 Auxiliares de ação Médica;
c)- Manhã/Tarde: das 09h às 20h ou das 08h às 19h por 1 Auxiliar de acção Médica;
Neste último horário c), há 2 dias em que de acordo com uma escala definida (doc. 1), fazem horário prolongado para assegurar o normal funcionamento do serviço, conforme mapa demonstrativo.
Importa ainda compreender que os Auxiliares de ação Médica detêm diferentes cargas horárias de trabalho, em função dos respetivos contratos. Assim, num total de 6 Auxiliares de ação Médica, 4 encontram-se em regime de 40h semanais e 2 em regime de 35h semanais, e, de entre estes 6, 4 têm filhos menores de 12 anos e, atualmente, a própria requerente encontra-se com redução de horário para aleitação.
Ora, face à exiguidade dos quadros de pessoal da área de atividade em apreço, a necessidade de compatibilização e respeito pelos direitos dos demais trabalhadores, o cumprimento dos limites legais em matéria de horário de trabalho, verifica-se que o regime de turnos rotativos é o único modo possível de assegurar o funcionamento do serviço em laboração contínua, com o número de trabalhadores necessários para o apoio aos gabinetes médicos e, que distribui de forma equitativa entre os trabalhadores condições de compatibilização da vida profissional e familiar.
Por todo o exposto, a ser deferido o horário peticionado, revela-se impossível manter a rotatividade equitativa de horários até então praticada, na medida em que os turnos de tarde e de noite deixariam de ficar convenientemente assegurados, colocando em causa o funcionamento do serviço, com prejuízos sérios para a entidade empregadora.
Assim, impõe-se recusar o formulado pedido de alegado horário flexível, porque, como ficou demonstrado, o solicitado deferimento acarretaria sérios prejuízos para o normal e eficiente funcionamento do Departamento ou Unidade em que se integra V. Exa., consubstanciado na impossibilidade de assegurar a existência de trabalhadores em número suficiente no período da tarde.
Face ao exposto, considera-se indeferido o pedido de horário apresentado por V. Exa. por necessidade imperiosa de funcionamento e organização da Unidade.
(…) (…)”.

9– Na sequência, o Autor remeteu à CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, em 27.12.2018, a comunicação a que a alude o nº 5, do art. 57º do Código do Trabalho, relativa ao expediente do pedido de alteração de horário de trabalho da Ré, conforme doc. 4, junto com a petição inicial, a fls. 10v. e 11 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
10– Na reunião de 23 de Janeiro de 2019, por maioria dos seus membros, a CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego emitiu o parecer nº 35/CITE/2019, que foi desfavorável à intenção de recusa do pedido da ora Ré, nos termos do nº 5 do art.º 57º do Código do Trabalho, sendo tal parecer do seguinte teor (conforme doc. 5, junto com a petição inicial, a fls. 13 a 18 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido – também o documento de fls. 46 a 51 dos autos, doc. 2 junto com a contestação):
“PARECER N.º 35/CITE/2019
Assunto: - Parecer prévio à intenção de recusa do pedido de autorização de trabalho em regime de horário flexível, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
Processo n.º 4015/FH/2018

I–OBJETO
1.1.– A CITE recebeu em 28.12.2018, por correio registado, com aviso de receção, do Hospital (…) (…), cópia do processo relativo ao pedido de autorização de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela trabalhadora BBB, Auxiliar de Ação Médica, a exercer funções no Serviço de Imagiologia do Hospital (…)  para efeitos da emissão de parecer nos termos do n.º 5 do artigo 57.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
1.2.– O pedido de horário flexível apresentado pela trabalhadora, datado de 06.12.2018, foi rececionado pela entidade empregadora na mesma data, e vem solicitar trabalhar entre 8:00h e as 16:00h, com descanso semanal aos sábados e domingos, pelo período de 10 (dez) anos.
1.3.– Para tanto alegou ter uma filha menor com 18 (dezoito) meses de idade, com quem vive em comunhão de mesa e habitação, que necessita do horário flexível para lhe permitir prestar assistência inadiável na educação e formação à sua filha, dado que o seu marido trabalha por turnos, com horário rotativo...
1.4.– Em 20.12.2018, a entidade empregadora comunicou à trabalhadora, por carta registada, com aviso de receção, a intenção de recusa, nos termos e com os fundamentos que, de seguida, se reproduz o que se reputa essencial para análise do pedido de parecer prévio:
“(…)
Pese embora seja invocado o disposto no art.º 56. ° do Código do Trabalho, para fundamentar o pedido de horário flexível, verifica-se que a pretensão de colocação em horário de ”segunda a sexta-feira, no período compreendido entre as 08h00 e as 16h00”, não configura um regime de horário flexível.
(…)
O departamento de Imagiologia, do …, onde V. Exa. está colocada, labora em regime de turnos rotativos, que são distribuídos da seguinte forma:
… funciona em regime de laboração contínua de 24h/dia, sendo que os Auxiliares de ação Médica terminam a sua jornada às 20h00, com os seguintes turnos rotativos;
a)- Manhã, no período das 08h às 14h, composto por 3 Auxiliares de acção Médica;
b)- Tarde, no período 14h às 20h composto por 2 Auxiliares de Ação Médica;
c)- Manhã/Tarde: das 9h00 às 20h00 ou das 08h00 às 19h00 por 1 Auxiliar de Ação Médica.
Neste último horário c), há 2 dias em que de acordo com uma escala definida (doc.1), fazem horário prolongado para assegurar o normal funcionamento do serviço, conforme mapa demonstrativo.
Importa ainda compreender que os Auxiliares de Ação Médica detêm diferentes cargas horárias de trabalho, em função dos respetivos contratos. Assim, num total de 6 Auxiliares de ação Médica, 4 encontram-se em regime de 40h semanais e 2 em regime de 35h semanais;
E, de entre estes 6, 4 têm filhos menores de 12 anos e, atualmente, a própria requerente encontra-se com redução de horário para aleitação.
Ora, face à exiguidade dos quadros de pessoal na área de atividade em apreço, a necessidade de compatibilização e respeito pelos direitos dos demais trabalhadores, o cumprimento dos limites legais em matéria de horário de trabalho, verifica-se que o regime de turnos rotativos é o único modo possível de assegurar o funcionamento do serviço em laboração contínua, com o número de trabalhadores necessários para o apoio aos gabinetes médicos e, que distribui de forma equitativa entre os trabalhadores condições de compatibilização da vida profissional e familiar.
Por todo o exposto, a ser deferido o horário peticionado, revela-se impossível manter a rotatividade equitativa de horários até então praticada, na medida em que os turnos de tarde e noite deixariam de ficar convenientemente assegurados, colocando em causa o funcionamento do serviço, com prejuízos sérios para a entidade empregadora.
Assim, impõe-se recusar o formulado pedido de alegado horário flexível, porque, como ficou demonstrado, o solicitado deferimento acarretaria sérios prejuízos para o normal e eficiente funcionamento do Departamento ou Unidade em que se integra V. Exa., consubstanciado na impossibilidade de assegurar a existência de trabalhadores em número suficiente no período da tarde.
Face ao exposto, considera-se indeferido o pedido de horário apresentado por V. Exa, por necessidade imperiosa de funcionamento e organização da Unidade.
No entanto, o AAA sensível à compatibilidade de vida laboral, com a vida familiar e sendo que é do conhecimento do mesmo que o progenitor é também trabalhador do Hospital dos (…), como aliás refere na sua carta, propõe-se ajustar o horário deste, fazendo com que não seja coincidente com o da ora requerente, de forma a compatibilizar os horários, do pai e da mãe, ao necessário apoio aos filhos menores.
(…).”
1.5.– Do processo não consta que a trabalhadora tenha apresentado apreciação à intenção de recusa.
1.6.– Em cumprimento do n.º 5 do artigo 57.º, do Código do Trabalho, a entidade empregadora remeteu o processo a esta Comissão em 19.12.2018, por correio eletrónico.
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1.7.– Cabe à CITE, nos termos do Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março, que aprova a lei orgânica, artigo 3.º, sob a epígrafe: “Atribuições próprias e de assessoria”:
“(…) c) Emitir parecer prévio no caso de intenção de recusa, pela entidade empregadora, de autorização para trabalho a tempo parcial ou com flexibilidade de horário a trabalhadores com filhos menores de 12 anos (…)”.

IIENQUADRAMENTO JURÍDICO

2.1.A igualdade entre homens e mulheres é um princípio fundamental da União Europeia. Em conformidade com o parágrafo segundo do n.º 3 do artigo 3.º do Tratado da União Europeia (TUE), a promoção da igualdade entre os homens e as mulheres é um dos objetivos da União.
2.2.O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) dispõe no seu artigo 8.º que a União, na realização de todas as suas ações, tem por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres, mais dispondo alínea i) do n.º 1 do artigo 153.º que “A fim de realizar os objetivos enunciados no artigo 151.º, a União apoiará e completará a ação dos Estados-Membros nos seguintes domínios: (...) (i) Igualdade entre homens e mulheres quanto às oportunidades no mercado de trabalho e ao tratamento no trabalho”.
2.3. A Carta Social Europeia Revista, ratificada por Portugal em 21 de setembro de 2001, reconhece como objetivo de política a prosseguir por todos os meios úteis, nos planos nacional e internacional, a realização de condições próprias a assegurar o exercício efetivo de direitos e princípios como o que estabelece que todas as pessoas com responsabilidades familiares que ocupem ou desejem ocupar um emprego têm direito de o fazer sem ser submetidas a discriminações e, tanto quanto possível, sem que haja conflito entre o seu emprego e as suas responsabilidades familiares.
2.4.A Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de julho de 2006, trata da aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de emprego e atividade profissional com vista a facilitar a conciliação da vida familiar com a vida profissional.
2.5.A Diretiva 2010/18/EU do Conselho, de 8 de março de 2010, que aplica o Acordo-Quadro revisto sobre licença parental, que revogou a Diretiva 96/34/CE, com efeitos a partir de 8 de março de 2012, retomou a necessidade de as “politicas da família [deverem] contribuir para a concretização da igualdade entre homens e mulheres e ser encaradas no contexto da evolução demográfica, dos efeitos do envelhecimento da população, da aproximação entre gerações, da promoção da partilha das mulheres na vida ativa e da partilha das responsabilidades de cuidados entre homens e mulheres” (Considerando 8), de “tomar medidas mais eficazes para encorajar uma partilha mais igual das responsabilidades familiares entre homens e mulheres” (Considerando 12), e de garantir que “o acesso a disposições flexíveis de trabalho facilita aos progenitores a conjugação das responsabilidades profissionais e parentais e a sua reintegração no mercado de trabalho, especialmente quando regressam do período de licença parental.” (Considerando 21).
2.6.A Recomendação (UE) 2017/761 da Comissão, de 26 de abril de 2017 sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais adotou, no seu ponto 9 (capítulo II), sob a epígrafe “Equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada” recomendar que “Os trabalhadores com filhos e familiares dependentes têm o direito de beneficiar de licenças adequadas, de regimes de trabalho flexíveis e de aceder a serviços de acolhimento. As mulheres e os homens têm igualdade de acesso a licenças especiais para cumprirem as suas responsabilidades familiares e devem ser incentivados a utilizá-las de forma equilibrada”.
2.7.O Pilar Europeu dos Direitos Sociais1, proclamado pelos líderes da União Europeia no dia 17 de novembro de 2017, em Gotemburgo, é constituído por três capítulos: I – Igualdade de oportunidades e de acesso ao mercado de trabalho; II – Condições justas no mercado de trabalho e III – Proteção social e inclusão, e integra 20 princípios fundamentais a prosseguir pela Europa, nomeadamente o da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e privada.
2.8.O ordenamento jurídico português, na Lei Fundamental consagra as orientações, acima expostas, de direito internacional e de direito europeu, desde logo, no artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao estabelecer como tarefas fundamentais do Estado a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático; a promoção do bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; e, promover a igualdade entre homens e mulheres.
2.9.No artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) vem consagrado o princípio fundamental da igualdade, princípio estruturante do Estado de Direito democrático, impetrando o tratamento igual do que é igual e o tratamento diferenciado do que é diferente, concretizando-se em dois vetores, designadamente, a proibição do arbítrio legislativo e a proibição da discriminação.
2.10.O n.º 1 do artigo 68.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), estabelece que “Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.”, e o n.º 2 do mesmo dispositivo legal dispõe que “A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.”.
2.11.Consagra-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos os trabalhadores têm direito “(…) à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.”
2.12.Passando, agora, a analisar a legislação laboral, importa, antes de mais, referir que a mesma consubstancia a concretização dos princípios constitucionais atrás enunciados.
2.13.Na subsecção IV, do capítulo I, do título II, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, é tratada a matéria dedicada à parentalidade, e sob a epígrafe “horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares”, prevê o artigo 56.º daquele diploma legal, que o trabalhador, com filho menor de 12 (doze) anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário flexível, entendendo-se que este horário é aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
2.14.O/A trabalhador/a que pretenda exercer o direito estabelecido no citado artigo 56.º, designadamente trabalhar em regime de horário flexível, deverá solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, indicando qual o horário pretendido e a justificação da sua pretensão, bem como indicar o prazo previsto, dentro do limite aplicável, e declarar que o menor vive com ele/a em comunhão de mesa e habitação – cfr. artigo 57.º, do Código do Trabalho (CT).
2.15.Uma vez solicitada autorização de trabalho em regime de horário flexível, a entidade empregadora apenas poderá recusar o pedido com fundamento em uma de duas situações, quando alegue e demonstre, de forma objetiva e concreta, a existência de exigências imperiosas do funcionamento da empresa que obstem à recusa, ou a impossibilidade de substituir o/a trabalhador/a se este/a for indispensável, nos termos do disposto no n.º 2, do mencionado artigo 57.º.
2.16.Dispõe o n.º 3 daquele preceito legal, que o empregador tem de comunicar a sua decisão, por escrito, ao/à trabalhador/a, no prazo de 20 (vinte) dias, contados a partir da receção do pedido. No caso de não observância pelo empregador do prazo indicado, considera-se aceite o pedido do/a trabalhador/a, nos termos da alínea a) do n.º 8 do artigo 57.º do Código do Trabalho.
2.17.Quando o empregador pretenda recusar a solicitação, é obrigatório o pedido de parecer prévio à CITE, nos 5 (cinco) dias subsequentes ao fim do prazo estabelecido para apreciação pelo/a trabalhador/a da intenção de recusa, implicando a sua falta a aceitação do pedido, nos termos da alínea c) do n.º 8 do artigo 57.º, do Código do Trabalho.
2.18.Nos termos do nº. 3 do mesmo artigo, caso o parecer desta Comissão seja desfavorável, a entidade empregadora só poderá recusar o pedido do trabalhador/a após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
2.19.Regressando ao conceito de horário flexível, previsto no artigo 56.º, n.º 2 do Código do Trabalho, já citado, note-se que o n.º 3 do mesmo artigo esclarece que “O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a)- Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b)- Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c)- Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas”.
2.20.– Neste regime de trabalho, o/a trabalhador/a poderá efetuar até 6 (seis) horas consecutivas de trabalho e até 10 (dez) horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
2.21.– A intenção do legislador que subjaz à feitura da norma, prende-se com a necessidade de harmonizar o direito do trabalhador/a à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, conferindo-lhe a possibilidade de solicitar ao seu empregador a prestação de trabalho em regime de horário flexível, sempre que tenha filhos/as menores de 12 (doze) anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica. Tal direito é materializável mediante a escolha, pelo/a trabalhador/a, e dentro de certos limites, das horas para início e termo do período normal de trabalho diário, cabendo ao empregador elaborar esse horário flexível, observando, para tal, as regras indicadas no n.º 3 daquele artigo 56.º.
Assim, incumbe ao empregador estipular, dentro da amplitude de horário escolhida pelo/a trabalhador/a requerente, períodos para início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento/serviço.
2.22.–É doutrina maioritária desta Comissão considerar enquadrável no artigo 56.º do Código do Trabalho, a indicação, pelo/a requerente, de um horário flexível a ser fixado dentro de uma amplitude temporal diária e semanal apontada como a mais favorável à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, por tal circunstância não desvirtuar a natureza do horário flexível se essa indicação respeitar o seu período normal de trabalho diário2. Importa, ainda, que a amplitude indicada pelo/a trabalhador/a seja enquadrável na amplitude dos turnos que lhe podem ser atribuídos.3
2.23.Assim, entende-se a indicação pelos/as trabalhadores/as da amplitude horária diária em que pretendem exercer a sua atividade profissional, por forma a compatibilizá-la com a gestão das suas responsabilidades familiares, não consubstancia um pedido de horário rígido ou uma limitação ao poder de direção do empregador, a quem compete determinar o horário, nos termos previstos no artigo 212.º do Código do Trabalho, observando o dever de facilitar a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, tal como expressamente referido na alínea b) do n.º 2, do referido preceito legal.
2.24.– Refira-se, ainda, a propósito desta matéria, que é dever da entidade empregadora proporcionar às/aos trabalhadores/as condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal [a este propósito vide o n.º 3 do artigo 127.º, do Código do Trabalho (CT)], bem como, deve facilitar ao/à trabalhadora a conciliação da atividade profissional com a vida familiar [alínea b) do n.º 2, do artigo 212.º do Código do Trabalho (CT)].
2.25.– Atenda-se a que no horário flexível a elaborar pelo empregador, nos termos do n.º 3 do artigo 56.º, do Código do Trabalho, cabe sempre a possibilidade de ser realizado um horário fixo, o que até é mais favorável ao empregador, na medida em que naquele tipo de horário, o/a trabalhador/a poderia não estar presente até metade do período normal de trabalho diário, desde que cumpra o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas, conforme dispõe o n.º 4 do referido artigo 56.º do mesmo Código.
2.26.– Da aplicação das normas legais citadas, resulta a obrigação de a entidade empregadora elaborar horários de trabalho destinados a facilitar a conciliação dos/as trabalhadores/as com responsabilidades familiares, de acordo com o disposto nos artigos 56.º e 57.º, do Código do Trabalho (CT), sendo legítimo ao empregador recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, o que equivale a afirmar que impende sobre a entidade empregadora um dever acrescido de demonstrar nestes casos, concretizando objetiva e coerentemente, na prática, em que se traduzem tais exigências imperiosas.
2.27.– No caso em análise, a trabalhadora vem requerer que lhe seja concedido o regime de trabalho em horário flexível entre as 8:00h e as 16:00h, com descanso semanal aos sábados e domingos, pelo período de 10 (dez) anos.
2.28.– Para tanto alegou ter uma filha menor, com 18 (dezoito) meses de idade, com quem vive em comunhão de mesa e habitação, que necessita do horário flexível para lhe permitir prestar assistência inadiável na educação e formação, dado que o seu marido trabalha por turnos no hospital, com horário rotativo.
2.29.No que concerne à intenção de recusa, a entidade empregadora alega que as necessidades de funcionamento do serviço não são compatíveis com o horário solicitado, pelos motivos seguintes:
- O pedido de horário não obedece aos pressupostos do regime de horário flexível nos termos definidos no artigo 56.º, do Código do Trabalho; mas antes subsume-se na modalidade horário rígido, aquele em que os turnos de entrada e de saída são fixos e permanentes, pelo que, a pretensão da trabalhadora não se insere no escopo da proteção dos trabalhadores com responsabilidades parentais;
- O Serviço funciona em laboração contínua, 24h/dia;
- O pessoal Auxiliar de Ação Médica termina a prestação de trabalho diária às 20:00h;
- Os turnos rotativos do serviço estão organizados em 3 (três) períodos:
Manhã - 8:00h/ 14:00h; Tarde - 14:00h/ 20:00h; Manhã/Tarde - 9:00h/20:00h ou 8:00h/ 19:00h;
- O turno da Manhã integra 3 (três) trabalhadores/as;
- O turno da Tarde integra 2 (dois) trabalhadores/as;
- O turno Manhã/ Tarde integra 1 (um) trabalhador/a;
- No turno Manhã/ Tarde, há 2 (dois) dias em que, de acordo com a escala definida, os/as Auxiliares de Ação Médica realizam “horário prolongado para assegurar o normal funcionamento do serviço”;
- Os/As Auxiliares de Ação Médica detêm diferentes cargas horárias de trabalho semanais, em função dos respetivos contratos de trabalho;
- Num total de 6 (seis) Auxiliares de Ação Médica, 4 (quatro) têm uma carga horária semanal de 40 horas e 2 (dois) têm carga de 35 horas;
- De entre os/as 6 (seis) auxiliares, 4 (quatro) têm crianças menores de 12 anos e, atualmente, a própria requerente encontra-se com redução de horário para aleitação;
- Assevera que o regime de turnos rotativos é o único modo possível de assegurar o serviço em laboração contínua, face à exiguidade dos quadros de pessoal naquela área de atividade e à necessidade de salvaguardar os direitos dos/as demais trabalhadores/as;
- O deferimento do pedido tornaria impossível manter a rotatividade equitativa dos horários em vigor, na medida em que os turnos da tarde e da noite deixariam de ficar convenientemente assegurados, colocando em causa o funcionamento do serviço, acarretando prejuízos sérios para o empregador.
2.30.– Posto isto, analisemos.
Compete à entidade empregadora gerir de forma equilibrada o horário de trabalho dos/as seus/suas trabalhadores/as, por forma a garantir a plenitude do funcionamento do serviço, organizando-o com ponderação dos direitos de todos/as e de cada um/a deles/as, onde se inclui o direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar.
2.31.– Resulta claro da exposição da requerida que o pedido se enquadra na organização dos tempos de trabalho em vigor no serviço onde trabalha, que decorrem entre as 8:00h/ 14:00h, 14:00h/ 20:00h e as 9:00h/ 20:00h ou 8:00h/19:00h, pelo que se conclui que o horário solicitado se contém dentro do período de funcionamento do serviço, incluindo-se no primeiro turno.
2.32.– Resta saber se a trabalhadora caso lhe fosse atribuído o primeiro turno (Turno da Manhã) cumpriria a carga horária semanal a que se encontra obrigada por força do seu contrato de trabalho.
2.33.– Ora, a requerente pede para trabalhar 8 (oito) horas diárias e para que os dias de descanso semanal coincidam com o sábado e domingo.
2.34.Não resulta da leitura do pedido de horário da trabalhadora, nem da intenção de recusa, qual o número de horas a que se encontra obrigada a trabalhar semanalmente. No entanto, a trabalhadora afirma querer realizar períodos de 8 (oito) horas diárias, cinco dias por semana, o que perfaz um total de 40 (quarenta) horas semanais, facto não contestado pelo empregador.
2.35.O turno da Manhã decorre entre as 8:00h e as 14:00h, com duração de 6 (seis) horas diárias, o que perfaz um total de 35 (trinta e cinco) horas semanais.
2.36.Ora, de acordo com os turnos comunicados pela entidade empregadora, a trabalhadora ao ter de trabalhar mais 2 (duas) horas diárias terminaria o turno da manhã às 14:00h e teria de iniciar o segundo turno (14:00h/20:00h) aí permanecendo até às 16:00h, ficando a descoberto o período até às 20:00h.
2.37.Todavia, integram o presente processo dois mapas do serviço, que constituem doc. 1 e doc. 2. (a folhas do processo instrutor)
2.38.– Analisados os referidos mapas constata-se existirem 8 (oito) horários diferentes, a saber 8:00h/14:00h, 8:00h/19:00h, 12:00h/20:00h, 8:00h/15:00h, 9:00h/20:00h, 14:00h/20:00h, 8:00h/16:00h e 10:00h/20:00h.
2.39.– Assim sendo, o horário solicitado pela Requerente tem correspondência com um dos turnos praticados no serviço ao qual se encontra afeta.
2.40.– Entende a entidade empregadora que o pedido não preenche os requisitos do regime de horário flexível. Contudo, será de chamar à colação o exposto nos pontos 2.22 a 2.26.
2.41.– Acresce que será também de remeter para o entendimento da jurisprudência patente no Acórdão da Relação do Porto, de 02.03.2017, de que se transcreve o seguinte excerto: - “(…) Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art. 56.º, n.º 2 do C.T., aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se refere o n.º 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário. Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo.” (negrito e sublinhado nossos).
2.42.– Esclarece aquele Acórdão, quanto ao poder de direção do empregador, que:
“São constitucionalmente protegidos os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial (cfr. arts. 61.º, e 80.º, n.º 1, al. c) da Constituição da República Portuguesa). Tais interesses e direitos enfrentam, porém, as restrições decorrentes dos direitos fundamentais dos trabalhadores como os supra referidos direitos à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à maternidade e paternidade em condições de satisfazer os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar, já que estes se sobrepõem àqueles quando em confronto e que estes só cedem perante aqueles, quando em presença de interesses imperiosos.” (negrito e sublinhado nossos).
2.43.O horário flexível surge como resposta à necessidade de pais mães que trabalham prestarem apoio às suas crianças, acudindo às necessidades destas enquanto dependentes e, simultaneamente, continuarem a cumprir com as suas obrigações laborais, pelo que, o direito plasmado no artigo 56.º do Código do Trabalho é resultado do reconhecimento pelo legislador e com consagração nas normas laborais de valores humanos básicos relacionados com a parentalidade e que aqui encontram tutela especial.
2.44.Argumenta o empregador que 4 (quatro) de 6 (seis) trabalhadores/as do serviço têm filhos/as menores de 12 (doze) anos, porém nada dizendo quanto à modalidade de horário praticada, designadamente se algum/a deles/as presta trabalho em regime de horário flexível ou a tempo parcial.
2.44b.- Quanto à colisão de direitos, concretamente do direito da Requerente com os direitos de outros/as trabalhadores/as, resultantes do exercício da atividade profissional em regime de horário flexível ou decorrentes do gozo de outros direitos iguais ou da mesma espécie, máxime relacionados com a parentalidade, entende-se que “O direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar e o direito à proteção da paternidade e maternidade estão inseridos na Parte I da Constituição da República Portuguesa relativa aos Direitos e Deveres Fundamentais e, não podem ser postergados por outros direitos ou deveres profissionais, mas sim conformar-se com eles.” (Parecer n.º 25/CITE/2014).
2.45.Face ao que antecede, não ficou demonstrado de que forma a atribuição do regime de horário flexível à requerente pode ser determinante para concluir pela inexistência de outros/as trabalhadores/as para realizarem os demais horários, impossibilitando a rotatividade equitativa dos horários pelos elementos da equipa, na medida em que não se concretizam factos que permitam concluir pela verificação de exigências imperiosas do funcionamento do serviço e eventuais prejuízos daí resultantes.
2.46.Analisados o pedido e os fundamentos da intenção de recusa e a apreciação da trabalhadora, afigura-se que não existem impedimentos legais ou contratuais que impeçam a realização do horário solicitado e conclui-se que se encontram preenchidos todos os requisitos consignados nos artigos 56.º e 57.º, do Código do Trabalho.
2.47.De salientar que o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras com responsabilidades familiares não implica a desvalorização da atividade profissional que prestam nem a depreciação dos interesses dos empregadores. Pelo contrário, o direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, consignado na Constituição da República Portuguesa, é um direito especial que visa harmonizar ambas as conveniências, competindo à entidade empregadora organizar o tempo de trabalho de modo a dar cumprimento ao previsto na lei sobre a proteção ao exercício da parentalidade.

III–CONCLUSÃO

Face ao exposto:
3.1.A CITE emite parecer desfavorável à intenção de recusa da entidade empregadora Hospital (…)  do AAA relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela trabalhadora com responsabilidades familiares BBB, para trabalhar em horário flexível entre 8:00h e as 16:00h, com descanso semanal ao sábado e ao domingo, até que a sua filha perfaça os 12 (doze) anos de idade.
3.2.O empregador deve proporcionar condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, e, na elaboração dos horários de trabalho, deve facilitar essa mesma conciliação, nos termos, das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 127.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 212.º e do n.º 2 do artigo 221.º, todos do Código do Trabalho(CT), concretizadores do direito fundamental à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes , consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º, da Constituição da República Portuguesa.”

11O A. em resposta ao solicitado e sensível às necessidades da R., cujo companheiro e progenitor da filha menor trabalha também no hospital do (…), propôs-se ajustar o horário deste, em regime de turnos, em horários rotativos, de forma a não coincidir com o da R., mas tal não veio a ser possível porque o companheiro da R. e progenitor do filho menor trabalha também noutros locais para além do hospital do SAMS.
12A Ré vive em comunhão de mesa e habitação com o seu companheiro, (…), progenitor da filha menor de 18 meses, (…)
13A menor (…) tem ficado até à data aos cuidados dos avós paternos, estando inscrita num infantário/jardim infantil, cujo horário é
das 7.30h às 19:30h de segunda a sexta-feira, no qual está previsto ingressar em Setembro de 2019, uma vez que os avós paternos sofrem de doenças que não aconselham continuar a ter a menor aos seus cuidados em permanência.
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De Direito

Está em causa nos autos, essencialmente, apurar se existe motivo justificativo para o A. recusar o pedido da A. de trabalho em regime de horário flexível, face aos problemas que a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal colocam.

Dispõe o art.º 59/1/b da Constituição que “todos os trabalhadores… têm direito (b) a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”, e o art.º 67/2/h estipula que “incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família (h) promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”.

Também o direito social da União Europeia se dirige à proteção da parentalidade, proclamando o art.º 23 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) a igualdade entre homens e mulheres (“Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração”), o art.º 24, n.º 1, que “As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”, e, em especial, para a questão ora em apreciação, 0 art.º 33, que “1. É assegurada a proteção da família nos planos jurídico, económico e social. 2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a proteção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adoção de um filho”. Este documento tem hoje um “valor reforçado e vinculativo”, no dizer da Prof.ª M.R. Palma Ramalho, in Tempo de Trabalho e Conciliação entre a Vida Profissional e a Vida Familiar – Algumas Notas, publicada em Tempo de Trabalho e Tempos de Não Trabalho, Estudos Apodit 4, pag. 106, pelo que se tratam de normas de significativo relevo para o nosso ordenamento jurídico (existem outros diplomas pertinentes nesta área, como a Directiva 2010/18/EU do Conselho, de 8 de Março de 2010, sobre os quais, porém, não nos alongaremos aqui).

Densificando as normas constitucionais, os art.º 33 e ss. do Código do Trabalho protegem a parentalidade no âmbito das relações laborais, tendo em conta que “1 - A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. 2 - Os trabalhadores têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação ao exercício da parentalidade (art.º 33).

Também a al. b. do n.º 2 do art.º 212 determina que ao fixar o horário o empregador “deve facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

Dispõem, nesta sequência, os art.º 56 (Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares) e 57 (Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível) do CT, que (art.º 56)
1O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a)- Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b)- Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c)- Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.

6Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
E o art.º 57:
 
1O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a)- Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b)- Declaração da qual conste:

i)- Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii)- No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii)- No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;

c)- A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3 No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.

8 Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a)-Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b)-Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c)-Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.

10Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2, 3, 5 ou 7.
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A primeira questão que o A. suscita é a de saber se o horário pretendido é flexível.

A CITE entendeu que sim, invocando designadamente o acórdão da RP 2.3.17, (cfr. ponto 10-2.41 da factualidade assente), nomeadamente este excerto: “(…) Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art. 56.º, n.º 2 do C.T., aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se refere o n.º 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário. Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo.”  

O A. insurge-se, considerando que se trata de um horário fixo, ao arrepio do disposto nos art.º 56, 57/1 e 212/1 (cometendo este ao empregador tal poder). Isto porque a R. manifestou o desiderato de prestar a atividade das 8:00 às 16:00 horas, com descanso semanal ao sábado e domingo.

Repare-se que a R. requereu a atribuição de um horário flexível, entre aquelas horas, cabendo, pois, ao empregador a determinação, não o fixando ela própria, cabendo ao A. mover-se no âmbito do n.º 4 do art.º 56 nessa determinação concreta.

No entanto, fê-lo em margens muito apertadas, já que lhe cabe prestar 35 horas semanais. Ao propor que o seu horário seja fixado entre as 8 e as 16:00 horas, sendo certo que terá ter um intervalo de descanso, no máximo após a prestação de seis horas de atividade (art.º 56/4 e 213, do Código do Trabalho), o que resta ao A. para fixar não é mais do que quando terá lugar o intervalo de descanso da trabalhadora. E isto durante 10 anos, e sem que se vislumbre outro motivo – além da idade da filha -, além do facto de o marido trabalhar por turnos.

Nesta matéria existe alguma divergência nomeadamente na jurisprudência, tendo procedido casos em que a margem de escolha dos horários que resta aos empregadores é virtualmente a mesma (assim, no recente ac. da RE de 11.7.19 decidiu-se que I. O regime especial de horário flexível visa adequar o tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem filho menor de 12 anos. II- Tendo sido requerido pela trabalhadora demandada, um horário flexível, entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e domingo como dias de folga, motivado pela circunstância de a trabalhadora não ter ninguém que possa ficar com o seu filho menor de 5 anos, quando o infantário que o mesmo frequenta está encerrado, o horário requerido enquadra-se na definição de horário flexível, prevista no artigo 56.º do Código do Trabalho; no ac. RL. de 27/03/2019, que decidiu que “1.– Comunicando a autora à ré que é mãe solteira, com um filho de 12 anos a seu cargo, não existindo qualquer relação com o progenitor da criança e não beneficiando de qualquer apoio por parte de outros familiares, tendo a mesma indicado as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, com folgas aos fins de semana e feriados que pretende, deve considerar-se que observou o disposto no art.º 57.º n.º 1, do Código do Trabalho. 2.– Dentro dos limites indicados, de modo a possibilitar a conciliação da vida profissional com as responsabilidades da vida familiar da autora, cabia à ré a determinação do concreto horário de trabalho a cumprir em cada momento, nos termos do art.º 212, nº1 do mesmo diploma legal”) [já no caso julgado pela RP, 02/03/2017, que decidiu que “o CT/2009 deu concretização à tutela constitucional da parentalidade nos termos dos arts. 33º e segs, 127º, nº 3, e 212º, nº 2, sendo a própria Lei, no art. 56º daquele, que confere o direito, nos termos nele previstos, à atribuição de horário de trabalho flexível, o que, assim, não consubstancia violação dos direitos constitucionais do empregador à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial, nem limitação ilícita aos seus poderes diretivos consagrados no art. 97º do CT” é óbvia a margem de opção de que o empregador dispõe e que no caso dos autos não tem.

Mesmo assim há que notar que todos estes casos se tratavam de famílias monoparentais (no primeiro havia ainda limites decorrentes do horário de abertura e funcionamento do infantário, no segundo um deficiente para apoiar, sendo que a trabalhadora ainda indicou mais uma hora de opção possível para o empregador).

Um segundo entendimento parece exigir alguma margem de manobra em que se possa concretizar a determinação, pelo empregador, do horário flexível.

Neste sentido, cremos, refere o acórdão desta RL de 18.5.16, na fundamentação, que “A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais”, 3.ª edição, que: Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)… (…)”. E, com efeito, o “horário flexível” que caberia ser fixado à A. como entidade patronal mas de qualquer forma sugerido pela R, questiona quer os próprios termos do contrato que predissemos, principalmente no que respeita aos dias de descanso como também, a sua rigidez, entendida como admissível nos termos do art.º 57º, retiraria eficácia nomeadamente ao poder de direção da A que nesta matéria tem logo como pressuposto o período normal de trabalho contratado (artº 198º e 212º do CT), e ao seu poder de organização e gestão da atividade económica exigida pela empresa (artº 212º do CT). Bem como certo será que a margem de manobra da A. para organizar o horário da R. não pode ficar apenas subordinada aos interesses particulares desta por muito relevantes e respeitosos que sejam, já que sempre se devem ponderar os interesses da própria organização económica onde a R. está inserida e que é também a razão de ser do seu bem-estar através da obtenção de meios de subsistência”.

Do cotejo das normas, nomeadamente contidas nos art.º 56, 57 e 212 do CT e da inserção sistemática dos primeiros, resulta que se pretende proteger a parentalidade, conforme lapidarmente referido no citado ac. da RP de 02/03/2017; que estão em causa prementes razões sociais, que por isso prevalecem sobre outros interesses legítimos, mormente de gestão, propriedade e iniciativa privada do empregador; e que tal opera através de um horário flexível ou da prestação de trabalho em tempo parcial. A própria razão de ser do direito (sobre a razão de ser do direito, veja-se p. ex., a propósito do direito de regresso, Paulo Mota Pinto em O direito de regresso do vendedor final de bens de consumo, Rev. da Ordem dos Advogados, ano 62, 2002, vol. I, nota 87 e al. d), disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2002/ano-62-vol-i-jan-2002/ artigos-doutrinais/paulo-mota-pinto-o-direito-de-regresso-do-vendedor-final-de-bens-de-consumo/) resultante do art.º 56 do CT acarreta, cremos, flexibilidade na interpretação das normas, admitindo alguma assimetria de acordo com as situações. É assim que é razoável uma assimetria de fundamentos consoante as situações em causa: exigir a um progenitor, em família monoparental, que carece necessariamente de sair a determinada hora, que o faça mais tarde, mais não leva do que à inutilização do direito em causa e à impossibilitação da conjugação da vida familiar com a prestação da atividade; já o mesmo não se pode dizer de outros casos, em que se impõe que o empregador possa, de alguma maneira, determinar o horário, nos termos genéricos do art.º 212/1, do CT, não estando a sua margem de manobra tão comprimida pelas circunstâncias. Ou seja: numa certa vulgaridade, ou se se preferir, mediania de situações, há lugar a uma efetiva determinação do horário, a qual carece de uma margem mínima de manobra da empregadora, sob pena de esvaziamento dos seus poderes de direção. Isso impõe que, ao indicar as horas de início e termo, mencionadas no art.º 56/2, o trabalhador o faça deixando alguma margem ao empregador, o qual só assim pode efetivamente concretizar o horário; menos do que isso – que redunda numa mera gestão do intervalo de descanso – só é razoável quando prementes limitações do trabalhador assim o impõem (por ex., quando vive só com o filho e tem de comparecer até determinada hora no infantário, não havendo alternativa razoável) (convergindo, o recente acórdão desta RL de 23.10.19, no proc. Procº 13543/19.3T8LSB, relat. Manuela Fialho, subscrito aliás por dois dos juízes deste coletivo, decidiu que “consubstanciando o art.º 56º do CT um mecanismo de conciliação da atividade profissional com a vida familiar e visando permitir aos trabalhadores o cumprimento das suas responsabilidades familiares, a flexibilização de horário limita-se à definição das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e não à das pausas em dias feridos, sábados e domingos”).

No caso, a trabalhadora, como se viu, 1º excluiu-se de qualquer atividade ao fim de semana, 2º comprimiu a hora de entrada e de saída de tal modo que nada resta ao A. além de gerir intervalos de descanso; e tudo isto, sem outro motivo que não o do companheiro também efetuar turnos (se além disto se atentar para que o prazo em vista do horário anelado é de dez anos, e que em 6 auxiliares de ação médica quatro têm filhos com menos de 12 anos - portanto mais 3 além da R. -, saltam à vista as dificuldades desta forma criadas para a gestão do A.).

Face ao exposto, entendemos que é legítima a recusa do A., não estando no caso ante um verdadeiro horário flexível (art.º 56/2 e 3, e 212/1), além de que existe um motivo justificativo de recusa (art.º 57/7), procedendo, pois, o recurso.
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DECISÃO

Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação procedente, revoga a sentença e declara que o horário em causa não é flexível, nos termos do art.º 56 do CT, sendo legítima a recusa do Autor em adotar o horário pedido pela Ré.
Custas da ação e do recurso pela R.



Lisboa, 29 de janeiro de 2020



Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega