ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
QUANTIA DEVIDA
Sumário

1 - Permitindo, num juízo sumário, a matéria de facto constante do processo concluir que o requerido será condenado, com elevado grau de probabilidade, a ressarcir os danos sofridos pelo requerente – estando, assim, indiciada a obrigação de indemnizar – e bem assim que a situação de necessidade em que este último se encontra não é compatível com o tempo normal do processo judicial, tal será suficiente para que o tribunal possa arbitrar uma reparação provisória a ser liquidada ao requerente, cujo montante deverá ser suficiente para garantir a sua subsistência até que seja proferida uma decisão com carácter definitivo na ação principal.
2 - Sendo o montante indemnizatório fixado equitativamente pelo tribunal, este deve tomar em consideração diversos critérios tais como as circunstâncias particulares do caso em concreto devendo a renda mensal, por assentar em apreciação sumária e perfunctória, ser arbitrada de forma regrada e prudente.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 163/19.1T8RDD.E1

COMARCA DE REDONDO
JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
APELANTE: (…)
APELADA: ZURICH INSURANCE PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL
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Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
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Acordam os Juízes nesta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:

I – RELATÓRIO

(…), viúva, residente na Rua Dr. (…), 11, 7170-075 , Redondo , intentou procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória contra Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal, com sede na Rua Barata Salgueiro, n.º 41, 1269-058 Lisboa, pedindo que seja decretado o arbitramento da renda mensal de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), a pagar-lhe pela Requerida até à recuperação da sua autonomia ou na pendência da ação principal a propor e até à sua decisão final, conforme o que primeiro ocorra.
Alegou, em síntese, que no dia 30 de Abril de 2019, pelas 08h15m, quando caminhava na Rua das (…), Redondo, em direção ao Cemitério Municipal, foi atropelada pela viatura automóvel, segura na Requerida, de matrícula 84-(…)-97, conduzida na ocasião por (…), a qual circulava naquele momento sem a atenção necessária, o que determinou que embatesse com a parte frontal da dita viatura em si por não ter verificado a sua presença.
Acrescentou ainda que, em consequência do sinistro ocorrido, sofreu vários danos tendo as suas despesas aumentado exponencialmente encontrando-se em situação de absoluta dependência de terceiros para a prática dos atos da vida corrente, auferindo um rendimento mensal de € 544,95, esclarecendo que os seus encargos mensais aumentaram por força do acidente de viação ocorrido, invocando encontrar-se numa situação de necessidade, subsistindo apenas com a ajuda dos filhos, pugnando, consequentemente, pelo decretamento da providência requerida.
Devidamente citada a Requerida apresentou contestação alegando, em síntese, ter o acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva da Requerente, porquanto a mesma deveria circular pela hemifaixa de rodagem esquerda, inexistindo qualquer obstáculo que a impedisse de o fazer, mais acrescentando que o veículo de matrícula 84-(…)-97 circulava a velocidade não superior a 30km/h, tendo sido a respetiva condutora encandeada pelo sol, o qual, após a curva que antecede a reta onde ocorreu o acidente, a impediu de visualizar a Requerente, pugnando, assim, pela improcedência do procedimento cautelar em apreço.
Mais invocou no concernente à situação de necessidade alegada pela Requerente que para conclusão da recuperação da condição de saúde anterior ao acidente e tendo em conta a idade da mesma a Requerente só irá necessitar da ajuda de terceira pessoa por um período de mais seis meses e apenas em três horas por dia, não carecendo de estar internada num lar, impugnando, outrossim, as despesas médicas e medicamentosas alegadas.

Realizou-se audiência de julgamento e de seguida foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente, por provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, decreta-se a providência de arbitramento de reparação provisória, decidindo-se:
A) Condenar a requerida Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal a pagar à requerente (…) a renda mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) até à recuperação da sua mobilidade ou até à decisão final da ação principal, conforme o que primeiro ocorra;

B) Absolver a requerida do demais peticionado;

C) Custas a cargo da requerente e da requerida, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 80% para a requerente e 20% para a requerida, a atender a final, na ação respetiva, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
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Registe e notifique”.

Inconformada, a Requerente apresentou para este Tribunal Superior recurso de Apelação da sentença proferida no Tribunal a quo alinhando no requerimento recursivo as seguintes conclusões devidamente aperfeiçoadas:
“- A nulidade -
a. A douta Sentença recorrida é omissa quanto aos fundamentos que levaram à concreta determinação do concurso de culpas entre a requerida e requerente e à fundamentação da fixação do montante da reparação provisória em € 250,00 mensais.
b. Pelo que padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, devendo a mesma ser conhecida apenas em caso de decaimento na impugnação da matéria de facto relevante para a imputação da ilicitude.
- Impugnação da matéria de facto (factos provados e não provados) -
c. A douta Sentença recorrida julgou erradamente como indiciariamente provados os factos constantes dos pontos 4) na sua parte final, 8), 9), 10), 11), 13), 18), 19), 20), 23), 36), 54) e 66).
d. O facto 4) da douta Sentença recorrida foi erradamente dado como provado, porquanto não foi admitido por acordo, e é contrário ao que resulta do depoimento de (…), transcrito nas alegações, contrariando ainda os factos assentes em 3 e 10 da sentença.
e. Assim, deveria ter sido dado como assente que o veículo seguro circulava encostado ao seu limite direito.
f. O facto constante do ponto 8) foi dado erradamente como provado porquanto é contrariado pela fundamentação a fls. 12 da sentença.
g. Termos em que o ponto 8) deve ser eliminado e aditado ao ponto 10, com a sua redação devidamente corrigida (ou seja, deveria constar daí o seguinte: “após transcrever a curva ficou encadeada” e não “após percorrer cerca de … ficou encadeada”).
h. O ponto 9) foi erradamente dado como provado porquanto existe contradição nos depoimentos em que o tribunal se sustenta na fundamentação.
i. Motivo pelo qual, tal facto em 9 deve ser considerado não provado ou, subsidiariamente, provado que a condutora do veículo 84-(…)-97 foi encandeada pelo sol.
j. O ponto 10) da douta sentença recorrida foi erradamente dado como provado porque tal é contrário ao que resulta do depoimento do guarda da GNR, devendo ser aditado a este ponto 10 que a condutora percorreu cerca de 100 metros no troço de estrada reta até embater na requerente.
k. O ponto 11) dos factos assentes foi dado erradamente como provado porquanto contraria os factos assentes em 3 e 4 e padece de qualquer fundamentação para a correspondente decisão da matéria de facto, pelo que deve ser dado como provado que o embate ocorreu a 0,5 m de distância do limite direito da faixa de rodagem, já que era a distância a que a requerente circulava na via relativamente ao seu limite.
l. O ponto 13) dos factos assentes foi erradamente dado como provado porquanto tal é contrário ao facto assente em 14, pois que a requerente ficou deitada no solo a 1,62 m do veículo, pelo que deve ser corrigido aditado a este facto que: “…ato contínuo, sido projetada 1,62 m e caído no solo”.
m. O ponto 18) da matéria de facto foi erradamente dado como provado porque não existem bermas na estrada, como resulta provado em 16).
n. De igual modo resulta da prova produzida que o mato entra para dentro da faixa de rodagem, ocupando-a.
o. Pelo que o tribunal recorrido devia ter dado como provado que “Na hemi-faixa contrária, à data do embate, a faixa de rodagem confinava com mato que pendia e entrava para dentro da faixa de rodagem, existindo nesse local gravilha na faixa de rodagem”.
p. O ponto 19) da fundamentação de facto foi dado erradamente como provado, uma vez que tal ponto constitui uma conclusão de direito e não um facto, pelo que o ponto 19) deveria ser eliminado. Ou, subsidiariamente, deve ser corrigido, para passar a constar dele a utilização do conceito legal previsto no artigo 100.º, n.º 2, do Código da Estrada: “existia à data do acidente um comprometimento de segurança a que a requerente transitasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda”.
q. O ponto 20 dos factos assentes foi erradamente dado como provado porquanto tal não resulta da prova produzida, desconsiderada, neste caso.
r. Devendo ser admitida a declaração emitida pelo Município de Redondo respeitante às condições da via naquele local e naquele lado esquerdo, e cuja admissão, nos termos do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, se mostra fundamentada por só se ter relevado necessária após o julgamento e ter chegado ao poder da ora Recorrente depois do encerramento do julgamento, sendo relevante para a impugnação efetuada ao teor dos artigos 18, 19 e 20 da matéria assente.
s. O ponto 23) da fundamentação de facto foi dado erradamente como provado porquanto tal não é o que resulta do depoimento de (…), sendo por isso a motivação do tribunal incongruente com o testemunho em que se fundamenta, devendo por isso ser alterado, eliminando-se do mesmo a referência ao lado esquerdo da faixa de rodagem.
t. O ponto 36) dos factos assentes foi dado erradamente como provado, porquanto em 35) a douta Sentença deu como assente que a requerente passou a despender mais € 10 em medicamentos em resultado do acidente.
u. O ponto 54) dos factos assentes foi dado erradamente como provado, porquanto tal não resulta sequer da prova produzida.
v. O ponto 66) dos factos assentes padece de um erro material, uma vez que os encargos da requerente antes do sinistro eram de € 500,00 e não de € 475,00, como tal se encontra assente nos pontos 36) a 38).
w. Quanto aos factos indiciariamente dados como não provados, a Recorrente impugna as alíneas a) e e) desses factos.
x. Deveria ter sido dado como provado que a condutora circulava sem a atenção necessária, uma vez que condutora não adaptou suficientemente a sua condução às condicionantes da via (alínea a) dos factos indiciariamente não provados).
y. O tribunal recorrido andou ainda mal por não ter dado como provado o facto constante da alínea e) dos factos indiciariamente não provados, porquanto a condutora era frequentadora assídua daquela via, devendo saber de que lado as pessoas se deslocam.
- Da errada aplicação do direito -
z. A douta Sentença andou mal na subsunção dos factos ao direito aplicável, confundindo conceitos legais, porquanto construiu a sua decisão no conceito de “obstáculo” ou “impedimento” à circulação na hemi-faixa esquerda no sentido do cemitério.
aa. O tribunal recorrido omitiu, assim, a apreciação da questão relevante e pertinente para a decisão jurídica da causa, que é a de saber se circular naquelas concretas condições pelo lado esquerdo da faixa de rodagem comprometia a segurança, nos termos do artigo 100.º, n.º 2, do Código da Estrada.
bb. Andou, pois, mal o tribunal recorrido, por se ter referido a “obstáculos” e “impedimentos”, interpretando erradamente o disposto no artigo 100.º, n.º 2, do Código da Estrada, devendo ter reconhecido que a circulação de peões pelo lado esquerdo da faixa de rodagem comprometia a sua segurança, dada a prova amplamente produzida.
cc. E aplicou erradamente o disposto no artigo 570.º do Código Civil, relativo ao concurso de culpas, sem que se tenha satisfeito o ónus de prova de culpa da requerente (contributo para a produção do dano e comportamento censurável) que impendia sobre a requerida, nos termos do artigo 572.º do Código Civil.
dd. Ademais, o douto tribunal recorrido, pura e simplesmente, desconsiderou a aludida presunção de culpa decorrente do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, na douta sentença recorrida.
ee. Optando, sem atenção aos factos e com base no errado conceito de obstáculo ou impedimento, por afirmar uma culpa inexistente da requerente na produção do acidente.
ff. De igual forma, o tribunal recorrido desaplicou a norma do artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil, da qual decorria a responsabilidade objetiva ou pelo risco de quem detiver a direção efetiva do veículo pelos danos derivados dos riscos próprios do veículo segurado.
gg. A Requerente discorda ainda da douta sentença em recurso na parte em que desconsidera todas as despesas da requerente, porquanto, ao manter a sua residência, para a qual deseja regressar assim que possível, continua a ter despesas de água, luz e gás, ainda que possam ser mais reduzidas, ou outras despesas, imprevistas.
hh. O raciocínio do tribunal recorrido, também na imputação da totalidade da pensão de reforma da requerente ao pagamento parcial do lar em que se encontra, desconsiderando todas as outras despesas que esta continuará a ter, viola a medida necessária à reparação provisória prevista no artigo 388.º, n.º 1, do CPC, bem como a medida indemnizatória prevista nos artigos 487.º, 493.º e 203.º, todos do CPC”.
*
Na sua resposta às alegações da Recorrente a Recorrida apresentou as seguintes conclusões:
“A – Vem a recorrente alegar nulidade da douta sentença recorrida, em virtude de a mesma ser omissa quanto aos fundamentos que levaram à repartição percentual das culpas.
B – Como é consabido, só a absoluta falta de fundamentação produz nulidade.
C – A douta sentença recorrida está fundamentada, de facto e de direito, e não pode deixar de atender-se a que estamos no âmbito de um procedimento cautelar, no qual, nos termos da lei, a decisão deve ser sucintamente fundamentada.
D – A sentença recorrida não é, por isso, nula.
E – Vem, por outro lado, a recorrente impugnar a decisão da matéria de facto em 15 (quinze) dos seus concretos pontos.
F – No modesto entender da recorrida, a recorrente não cumpre nas conclusões da sua alegação os requisitos exigidos pelo disposto no Artigo 640º, nº 2, a), do C. P. Civil no que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, uma vez que não indica, de todo, “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”.
G – É sabido que são as conclusões das alegações que delimitam o objeto do recurso, e nelas a recorrente não indica nenhuma passagem, de nenhum depoimento, com o qual pretende fundamentar o erro na apreciação das provas, daí que, no entender da recorrida, o recurso deva ser rejeitado.
H – Mas se assim não for doutamente entendido, sempre o certo é que o recurso não pode proceder.
I – A recorrente impugna a convicção do tribunal a quo, nomeadamente a valoração que a Meritíssima juíza fez da prova testemunhal.
J – Como é consabido, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, todas as provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento são da livre apreciação do julgador, o qual, para formar a sua convicção, analisa criteriosamente todo o acervo de provas e a conjugação entre todas elas, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção, atendendo, nomeadamente, às contradições, hesitações e inverosimilhanças que transpareçam, quer de um depoimento, quer da conjugação de uns depoimentos com outros, quer da conjugação de depoimentos testemunhais com outros meios de prova, nomeadamente documental.
K – Sobre a valoração das provas decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2017, no processo 1050/14.5PFCSC.L1-3, disponível em www.dgsi.pt, que “1 - Os fundamentos pelos quais o tribunal de primeira instância confere credibilidade a determinadas provas e não a outras depende sempre de um juízo de valoração efetuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
(…) 5 - O tribunal não se encontra adstrito à desvalorização de um meio de prova, quer por relacionamento direto com os interesses em litígio, quer por outro motivo e a lei não impõe qualquer “contabilidade de provas”, nem exige a confirmação acrescida para a prova por depoimento da/o ofendida/o.”
L – Por sua vez, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-11-2016 no processo 2355/11.2TBPBL.C1, igualmente disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se que “8.- Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal – a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. O que, circunstancialmente, não ocorre.”
M – Ora revertendo todos estes ensinamentos para o caso sub judicio é manifesto que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto não merece qualquer censura.
N – Quanto ao Facto Provado 4), temos de atender ao depoimento da testemunha (…), que disse aos minutos 6:29 e 21:40 do seu depoimento que assim que ocorreu o embate entre o peão e o carro este parou logo, e mais disse ao minuto 10:11 que entre o momento do acidente e a chegada da GNR não houve nenhuma movimentação do veículo, sendo que aquilo que a GNR viu foi a realidade do acidente, bem como ao depoimento da testemunha (…) que declarou ao minuto 4:19 que quando ocorreu o embate já estava parada, e ainda ao depoimento de (…), que confirmou ao minuto 1:21 as medidas do croqui de fls. 24, e, conjugando todos estes depoimentos com as medidas do croqui de fls. 24, resulta provado que o automóvel circulava a uma distância de cerca de 1 metro do limite direito da faixa de rodagem.
O – Quanto ao Facto 8), a recorrente apenas entende tratar-se de um erro de linguagem ou de sintaxe na construção frásica, mas não invoca nenhum concreto depoimento para fundamentar esse erro, pelo que nesta parte o seu recurso não pode ser atendido.
P – Quanto ao Facto Provado 9), há que atentar nos depoimentos da testemunha (…), que explicou entre os minutos 2:26 e 3:50 que foi por causa do encadeamento pelo sol que não conseguia ver a estrada e, como tal, a requerente; da testemunha (…), que declarou, de forma espontânea e totalmente credível, ao minuto 6:32, que naquele momento o sol estava a bater no vidro do carro, reafirmando ao minuto 17:32 que a condutora não conseguia ver com o sol; e da testemunha (…), que entre os minutos 4:50 e 5:05 confirmou que naquele dia àquela hora o sol impedia a visibilidade. Da conjugação de todos estes depoimentos com o facto de o veículo ter parado de imediato e de circular “muito devagarinho”, se conclui que foi o encadeamento do sol que impediu a condutora de ver a requerente.
Q – Quanto ao Facto 10) a recorrente alega que o mesmo deve ser aditado, dele passando a constar que a condutora percorreu cerca de 100 metros no troço de estrada reta até embater na requerente, valendo-se, para tanto, do depoimento da testemunha (…).
R – Desde logo, não se vislumbra como possa tal questão ser aditada neste ponto dos Factos Provados, que nada tem que ver com a distância percorrida pelo veículo antes do embate!
S – Mas, neste ponto ou noutro, a verdade é que o depoimento da testemunha (…) no que se refere a distâncias foi de tal forma impreciso e sem rigor, que não é possível dar-lhe credibilidade, como, e bem, não deu, nesta parte, a Meritíssima Juíza. É que, desde logo, o mandatário da Requerente perguntou-lhe qual a distância que vai “mais ou menos” do fim da curva até à zona do poste, ao que a testemunha (…) respondeu, ao minuto 9:23 “Cem, duzentos, (…), para aí cem, duzentos metros, julgo. (…) . Julgo que sim. (…). Não consigo precisar; E, como sabemos, e é da experiência comum, dizer duma distância que tanto pode ser 100 metros como 200 metros, não tem qualquer rigor que permita aceitá-la.
T – O Facto Provado 10) deve, pois, manter-se.
U – Quanto ao facto provado 11) o mesmo está totalmente consentâneo com a conjugação da prova produzida, documental e testemunhal. É que conjugando: os depoimentos das testemunhas (…), que aos minutos 3:30 e 4:19 disse que quando ocorreu o embate o seu carro já estava parado; e (…), que aos minutos 6:29 e 21:40 disse igualmente que assim que bateu o carro parou logo e que o carro não foi mexido até à chegada da GNR; com o croqui de fls. 24 que descreve a posição das rodas do lado direito do veículo a 1,34 metros do limite direito da faixa de rodagem e o local de embate na frente do veículo; com o Facto 10) pelo qual se sabe que o embate ocorreu com a frente direita do veículo, na zona da matrícula, no corpo da requerente; e ainda com a largura do veículo, que, sendo um Renault (…) de 2015 como o atesta a apólice junta aos autos a fls., é de 1,639 metros, estando a matricula da frente colocada ao centro do veículo, ou seja a cerca de 81,5 cm de distância do limite da frente direita do mesmo, conclui-se com total clareza que o meio da matrícula do veículo 84-(…)-97 estava aquando do embate a 2,15 metros do limite direito da faixa de rodagem. A tudo isto acresce ainda que o peão ficou caído a 2,20 metros do limite direito da faixa de rodagem e que, como o disse a testemunha (…) ao minuto 6:50, após o embate com o carro o corpo do peão caiu para o chão e rebolou para a frente.
V – Conjugando todos estes meios de prova, só poderia o Tribunal concluir, como concluiu, que o embate ocorreu a cerca de dois metros do limite direito da faixa de rodagem, pelo que o Facto 11), que deve manter-se assim provado.
X – Tal como deve manter-se inalterado o Facto Provado 13) porquanto, ao contrário do que alega a recorrente, o que ficou provado, pelo depoimento da testemunha (…), mormente pelo que declarou entre o minuto 6:50 e o minuto 7:40, é que o que aconteceu foi que após o embate com o carro a requerente caiu para a frente do carro a rebolar. Ou seja, não houve nenhuma projeção do corpo da requerente. Muito menos se pode afirmar, como pretende a recorrente, que foi projetada 1,62 metros e caiu no solo!! Esta afirmação deturpa de forma grotesca o que disse a testemunha!
Y – O Facto provado 13) não merece, pois, qualquer censura.
Z – Como censura não merece o provado em 18), que deve manter-se. As fotografias juntas de fls. 17 verso a 21 verso, que todas as testemunhas afirmaram traduzirem uma reprodução fiel do local à data dos factos, mostram que a hemi-faixa esquerda, contrária ao local do acidente, confinava com mato e que nuns pontos da estrada existia mato até ao limite da faixa de rodagem e noutros o mato ia só até à gravilha, existindo depois uma faixa, que equivale a uma berma, ainda que não definida, até ao alcatrão. Nomeadamente as fotografias de fls. 18 e 19 verso mostram uma berma em gravilha. O que nenhuma fotografia das que estão nos autos mostra é gravilha na faixa de rodagem! Para lá das fotos, a testemunha (…) declarou perentoriamente ao minuto 19:02 a propósito da gravilha que Na estrada não há. Desculpe lá. (…) tem é pasto, não tem gravilha. (…) tem alcatrão como tem de um lado tem do outro. E a testemunha (…), ao minuto 11:32 do respetivo depoimento disse que o piso é igual de ambos os lados da faixa de rodagem, não havendo diferença.
AA – Pelo que não pode dar-se como provado que na hemi-faixa contrária, à data do acidente, o mato pendia e entrava para dentro da faixa de rodagem, nem que existia nesse local gravilha na faixa de rodagem.
AB – Também a matéria de facto provada em 19) deve manter-se inalterada. Saber se existia ou não impedimento à circulação de peões naquela hemi-faixa de rodagem é matéria de facto e não uma conclusão de direito! E é um facto de muito relevo para, isso sim, depois se proferir a decisão de direito! E tanto é um facto que as testemunhas foram claras na resposta a esta questão. A testemunha (…), filha da requerente, declarou entre o minuto 36:33 e o minuto 36:47 que na hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo não havia nenhum impedimento na estrada. A testemunha (…) ao minuto 4:22 declarou também que na estrada as pessoas podiam circular do lado esquerdo, sem qualquer impedimento. Esta testemunha declarou mesmo que ele próprio, quando vai a pé para o cemitério vai pelo lado esquerdo da estrada. E também a testemunha (…) foi claro ao afirmar ao minuto 4:40 e ao minuto 10:48 e 10:55 que não havia nenhum impedimento, nenhuma perigosidade, para as pessoas circularem do lado esquerdo da estrada. Tudo o que a este propósito disseram as testemunhas mostra que a matéria que consta em 19) traduz um facto e não um conceito, ou uma conclusão, pelo que nada há a eliminar.
AC – Quanto ao Facto Provado 20), a Recorrente vem juntar um documento para fundamentar a alteração que advoga nesta matéria. Se bem que se aceite a junção do documento, face ao que dispõe o Artº 651º, nº 1, do C. P. Civil, o mesmo é um mero documento particular, não foi sujeito a contraditório em audiência de julgamento e reporta-se a toda a Rua das (…) e não apenas ao concreto local do acidente, pelo que, havendo nessa rua zonas onde o declive é mais acentuado e outras onde não o é, ou até mesmo onde não existe declive, apenas se pode dar como provado em 20) que na hemi-faixa contrária existe um ligeiro declive após o fim da faixa de rodagem até à vedação. Mas nada mais que isso.
AD – Já quanto ao Facto Provado 23) não existe qualquer fundamento para acolher a pretensão da recorrente. É que a testemunha (…) disse ao minuto 4:50 do seu depoimento que ele próprio quando vai a pé para o cemitério vai do lado esquerdo da estrada, do lado da tapada. E a testemunha (…), militar da GNR, declarou ao minuto 16:57 que nas suas funções de patrulha é costume passar no local e que do que conhece e vê, as pessoas costumam deslocar-se para o cemitério circulando pelos dois lados da estrada, pelo lado direito e pelo lado esquerdo.
AE – A este propósito importa não esquecer que para que o julgador dê como provada determinada factualidade não basta que venham pessoas ao tribunal dizê-lo! É necessário que os seus depoimentos sejam credíveis, que exista coerência entre os vários depoimentos e entre estes e outros meios de prova. O julgador não é uma mera “caixa recetora” das declarações que perante ele são feitas. Cabe-lhe analisar criteriosamente essas declarações e valorá-las.
AF – Não existe, pois, fundamento para imputar “grave erro” ao decidido em 23) dos Factos Provados.
AG – No Facto 36) ocorre um mero lapso de escrita no tempo do verbo, devendo constar “despendia” onde consta “despende”.
AH – E no Facto 66) ocorre um mero erro de cálculo, devendo constar € 500,00 onde consta € 475,00.
AI – Já quanto ao Facto 54) não existem fundamentos para a sua alteração.
AJ – Quanto ao facto não provado em a) deve manter-se o decidido porquanto, como salienta a Meritíssima Juíza a quo na sua fundamentação, o que resultou da prova produzida não foi que a condutora do veículo conduzisse sem a atenção necessária, mas sim que naquele dia e hora por força da incidência do sol, a mesma conduzia com reduzida visibilidade, o que a impediu de avistar a requerente na via.
Nenhum facto permite concluir que a condutora conduzia sem a atenção necessária, bem antes pelo contrário.
AK – E o mesmo se diga quanto ao facto não provado em e), pois que, quanto a esse, nenhuma prova foi produzida, sequer, uma vez que o que não se provou foi que os residentes do Redondo, nomeadamente (…), tivessem conhecimento da via em que a requerente costumava circular quando se deslocava para o cemitério, e não o conhecimento desses residentes quanto às deslocações dos residentes.
AL – Em suma, a decisão sobre a matéria de facto, com exceção de uma alteração na matéria provada no número 20) quanto ao declive, e da correção dos dois lapsos, um de escrita e outro de cálculo quanto à matéria dos números 36) e 66), deve ser inteiramente confirmada.
AM – Quanto à decisão de direito, se ocorreu erro na aplicação do direito aos factos foi, seguramente, ao julgar a condutora do veículo seguro na recorrida corresponsável na produção do acidente.
AN – A prova indiciária produzida leva a concluir que foi o comportamento da Requerente, ora Recorrente, que deu causa ao acidente, ao circular pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido do trânsito automóvel, ou seja, de costas para este, e ainda por cima a uma distância de cerca de 2 metros do limite direito da faixa de rodagem.
AO – É que a Requerente circulava pelo lado direito da estrada, em vez de circular pelo lado esquerdo, e caminhava cerca de 2 metros afastada do limite direito da via.
AP – Caso a Requerente circulasse na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido, em direção ao cemitério, tão afastada do limite esquerdo da faixa de rodagem como circulava no lado direito afastada do limite do seu lado direito, ou seja, a cerca de 2 (dois) metros, se fosse assim posicionada não existia naquele lado esquerdo nada que dificultasse ou comprometesse a sua segurança.
AQ – Por força das disposições conjugadas dos artigos 99º, nº 2, b) e 100º, nº 2, do Código da Estrada, na falta de passeios ou locais destinados ao seu trânsito, os peões devem transitar pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, a não ser que tal comprometa a sua segurança, e dispõe o nº 3 do Artigo 100º que na falta de locais destinados ao seu trânsito, os peões devem transitar o mais próximo possível do limite da faixa de rodagem.
AR – Tendo a faixa de rodagem a largura total de 7,70 metros, conforme consta de fls. 24 dos autos, cada hemi-faixa tem uma largura de cerca de 3,85 metros, pelo que a requerente transitava sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem direita, ou seja em violação do disposto nos números 2 e 3 do Artigo 100º do Código da Estrada.
AS – A requerente podia e devia ter circulado pelo lado esquerdo da via, e foi a sua violação das normas do Código da Estrada que deu causa ao acidente.
AT – A Requerida e ora Recorrida espera que a ação principal que forçosamente há-de seguir-se ao presente procedimento venha a ser julgada totalmente improcedente, com a caducidade da presente providência.
AU – No âmbito do presente procedimento cautelar, porque a prova é indiciária e porque o Tribunal aqui decide fundamentalmente de acordo com a equidade, a douta sentença recorrida deve ser inteiramente confirmada, com o que se fará JUSTIÇA”.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, que assim delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artigo 5º, nº 3, do CPC).
O Tribunal da Relação também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas na medida em que os recursos se destinam apenas a reapreciar decisões proferidas.
Neste sentido as questões a decidir são as seguintes:
1) Nulidade da sentença;
2) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
3) Reapreciação de mérito, assente na questão da culpa da Apelante e no montante da reparação provisoriamente arbitrada.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da sentença recorrida decorre a seguinte matéria de facto:
“1. Factos Indiciariamente Provados

1) No dia 30 de abril de 2019, pelas 08h15m, a requerente caminhava na Rua das (…), em Redondo, em direção ao Cemitério Municipal de Redondo.

2) A Rua das (…) não tem passeios em nenhum dos sentidos.

3) A requerente fez o seu percurso na faixa de rodagem, encostada ao lado direito, no mesmo sentido de marcha dos veículos automóveis, i.e., de costas voltadas para o trânsito.

4) No dia, hora e local mencionados em 1), (…) conduzia o veículo de matrícula 84-(…)-97, propriedade de (…), em direção ao Cemitério Municipal de Redondo, pela metade direita da estrada atento o seu sentido de marcha, a uma distância de cerca de um metro do limite direito da faixa de rodagem.

5) No dia 30.04.2019, o veículo 84-(…)-97 encontrava-se segurado pela requerida Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal, através do contrato com a apólice n.º (…).

6) O veículo 84-(…)-97 circulava a velocidade não superior a 30 km/hora.

7) Cerca de cem metros antes da entrada do Cemitério Municipal de Redondo, a Rua das (…) contém uma curva acentuada para a direita, atento o sentido de marcha dos intervenientes no acidente, peão e automóvel, e é ladeada por um muro com mais de dois metros de altura.

8) Após efetuar a curva que figurava à direita e após percorrer cerca de 50m no troço de estrada reta, a condutora do veículo 84-(…)-97 ficou encandeada pelo sol que, naquela hora, após a curva, ficou na sua frente, por cima do cemitério e precisamente à altura dos seus olhos.
9) Perante o encandeamento pelo sol, a condutora do veículo 84-(…)-97 não conseguiu ver a requerente.

10) Por força do vertido em 9), o veículo 84-(…)-97 foi embater com a frente direita, mais exatamente com a zona da matrícula, no corpo da requerente, atingindo-a por trás, na perna esquerda.

11) O embate ocorreu a cerca de 2 metros do limite direito da faixa de rodagem.

12) Após o embate, a condutora do veículo 84-(…)-97 imobilizou-o de imediato no local.

13) Com o embate, a requerente caiu para o capô e para-brisas do veículo automóvel conduzido por (…) tendo, em ato contínuo, caído no solo.

14) A requerente ficou imobilizada na estrada a 1,62m do local onde ocorreu o embate.

15) O local do embate era uma reta, tendo a faixa de rodagem a largura de 7,7 metros e trânsito em ambos os sentidos.

16) A faixa de rodagem não tem bermas definidas nem sinalização horizontal.

17) Do lado direito – local em que a requerente e (…) circulavam –, a faixa de rodagem é delimitada por um bloco em cimento que separa a estrada de um canteiro.

18) Na hemi-faixa contrária, à data do embate, a faixa de rodagem confinava com mato, existindo nesse local uma berma em gravilha.

19) À data em que ocorreu o sinistro, não existia qualquer impedimento a que a requerente transitasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido oeste-este, ou seja, em direção ao cemitério no sentido contrário ao do trânsito.

20) Na hemi-faixa contrária encontra-se um declive, que dista cerca de 1m da faixa de rodagem.

21) A requerente nasceu em 08 de junho de 1931 e tinha, à data do embate, 87 anos de idade.

22) A requerente costumava deslocar-se a pé ao Cemitério Municipal de Redondo, entre duas a três vezes por semana, pelo facto de ter falecido um seu filho e o seu marido, utilizando sempre o mesmo percurso e seguindo a mesma direção.
23) É habitual os visitantes do Cemitério Municipal de Redondo deslocarem-se a pé na faixa de rodagem (face à inexistência de passeios no local), quer junto ao lado direito, quer junto ao lado esquerdo da mesma.

24) (…) desloca-se ao Cemitério Municipal de Redondo cerca de uma vez por mês.

25) O piso, na data do embate, encontrava-se seco e limpo.

26) Como consequência do embate, a requerente apresentava as seguintes lesões: “fratura do 4-8.º arcos costais esquerdos; fratura do tornozelo esquerdo; lesão nodular 22x11mm junto à suprarrenal”.

27) A requerente foi submetida a outros exames complementares de diagnóstico no mesmo dia e admitida para internamento em sala de observações (SO).

28) No relatório de urgência efetuado na sequência do sinistro ocorrido, consta, no campo destinado a “história da doença atual”, designadamente, “depressão” e “demência”.

29) Consta de tal relatório que, do exame realizado para estudo crânio-encefálico, constam “sinais de leucoencefalopatia isquémica. Associam-se lacunas isquémicas nos núcleos da base.”

30) Por força das lesões identificadas, a requerente foi submetida a intervenção cirúrgica em 14 de maio de 2019.

31) A Requerente ficou internada entre o dia 30.04.2019 e 16.05.2019, data em que recebeu alta, mantendo “tala gessada tibiopodalica no membro inferior esquerdo o qual permanece elevado. Apresenta edema nas extremidades do membro inferior esquerdo, sem outras alterações neuro-circulatórias aparentes”.

32) A requerente encontra-se dependente do auxílio de terceiros para os atos da vida corrente, designadamente, para efetuar sua a higiene e alimentação.

33) Até à data do sinistro, a requerente vivia sozinha na sua casa em Redondo, deslocando-se a pé para efetuar as tarefas diárias, fazendo a sua higiene e alimentação sem necessitar do auxílio de terceiros.

34) A requerente aufere uma pensão no valor mensal de € 544,95 (quinhentos e quarente e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
35) A requerente, após o sinistro ocorrido, passou a despender mais € 10,00 (dez euros) para aquisição de medicamentos.

36) A requerente despende cerca de € 50,00 (cinquenta euros) por mês com a aquisição de medicamentos.

37) A requerente despendia a quantia mensal aproximada de € 100,00 (cem euros) com água, luz, televisão e gás.

38) A requerente suportava as despesas com a sua alimentação, no valor aproximado de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).

39) Por força da situação física em que se encontra após o acidente, a requerente utiliza fraldas, despendendo, com a aquisição desses artigos, cerca de € 60,00 (sessenta euros) por mês.

40) A requerente não se consegue deslocar pelos seus próprios meios.

41) Precisa de auxílio para se levantar e para se deitar.

42) A requerente não é capaz de, por si própria, se deslocar, cozinhar, fazer a sua higiene ou vestir-se.

43) Quando recebeu alta hospitalar, a requerente foi levada pela filha (…) para a residência desta, em Évora, onde pernoitou até ao dia 02/07/2019.

44) Foi (…) quem, por regra, diariamente, acompanhou a requerente naquele período, fazendo-lhe as tarefas do dia-a-dia, como a higiene pessoal, o vestir e as deslocações para as consultas médicas.

45) No entanto, (…) não tinha, nem tem, possibilidade de prestar o apoio contínuo e necessário à requerente, uma vez que presta serviço diário na (…) – Medicina Apoiada, S.A..

46) O outro filho da requerente, (…), reside em Bruxelas, na Bélgica, desde, pelo menos, novembro de 1984.

47) Durante o período em que a requerente residiu na casa de (…), foi contratado o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), prestado pela Associação de Reformados Pensionistas e Idosos de … (ARPIC).
48) O SAD da ARPIC foi contratado em 20/05/2019 e incluía apenas os serviços de higiene pessoal diária e tratamento de roupa, entre segunda e sábado.

49) O serviço referido em 47) tinha um custo mensal de € 138,99 (cento e trinta e oito euros e noventa e nove cêntimos).

50) A requerente esteve perto de dois meses na situação referida em 48), tendo pago o total de € 206,00 (duzentos e seis euros).

51) De acordo com relatório social efetuado pela ARPIC, “caso a idosa consiga recuperar alguma mobilidade, não conseguirá recuperar a autonomia total que tinha antes do atropelamento, pelo que se prevê que continue a necessitar de apoio, nomeadamente: Alimentação (preparação e confeção das refeições); Higiene pessoal 2 vezes por dia; Higiene habitacional; Tratamento de roupa”.

52) Para realização dos serviços elencados em 51), a ARPIC orçamentou € 432,41 (quatrocentos e trinta e dois euros e quarenta e um cêntimos).

53) A quantia referida em 51) não engloba o apoio ao domingo e nos restantes dias ao deitar.

54) A requerente decidiu ficar num alojamento permanente numa instituição sita na sua terra, em Redondo.

55) Desde o passado dia 02/07/2019, a requerente foi admitida, como residente, na Residência Particular de idosos “(…)”.

56) Pelo alojamento nesta instituição, a requerente suporta o pagamento do valor mensal de € 1.000,00 (mil euros).

57) O serviço contratado assegura o alojamento, a alimentação, a higiene pessoal diária e os cuidados preventivos de saúde referentes a cuidados de enfermagem.

58) As despesas com medicação, consultas, exames complementares de diagnóstico, fraldas e outros consumíveis continuarão a ser suportadas pela requerente.

59) As deslocações da requerente são efetuadas em ambulância.

60) Em deslocações entre a residência da filha para o local onde decorriam as consultas e, posteriormente, para a Residência Sénior onde se encontra atualmente, a Requerente fez o pagamento global de € 76,50 (setenta e seis euros e cinquenta cêntimos).
61) A requerente teve de adquirir uma cadeira sanitária encartável de alumínio, no valor de € 81,00 (oitenta e um euros), onde fazia as suas necessidades fisiológicas durante o dia, sempre com auxílio de outra pessoa.

62) A requerente adquiriu um andarilho, no valor de € 43,40 (quarenta e três euros e quarenta cêntimos).

63) Através de carta datada de 06/05/2019, a requerente comunicou o sinistro à requerida.

64) Pela obtenção do auto de participação de acidente, necessário para efetuar a respetiva participação à requerida, a requerente despendeu €72,00 (setenta e dois euros).

65) A requerente, permanecendo num lar, tem um acréscimo de despesa que se estima em € 1.070,00 (mil e setenta), sendo € 1.000,00 (mil euros) referentes ao custo com o alojamento na Residência Particular de Idosos “(…)”, € 10,00 (dez euros) respeitantes aos custos adicionais com medicação e € 60,00 (sessenta euros) para aquisição de fraldas.

66) Os encargos mensais fixos da requerente cifravam-se, antes do sinistro, em € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros), sem prejuízo de outras despesas imprevisíveis, como roupas e calçado.

67) A requerente tem conseguido fazer face às despesas com a ajuda dos filhos.

68) No relatório de consulta datado de 24.06.2019 consta, no campo destinado às notas de avaliação, “Escara do calcâneo; Perda de substância anterior do tornozelo com exposição de tendão (em zona de necrose, relacionada com o trauma)”.

2. Factos Indiciariamente não provados

a) Que (…) circulasse sem a atenção necessária.

b) Que a requerente caminhasse afastada mais de 1,50 metros do limite direito da faixa de rodagem, ou seja, sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido do trânsito automóvel.

c) Que a requerente tivesse ficado imobilizada na estrada a mais de 1,62m do local onde ocorreu o embate.
d) Que o local do embate, à hora em que o mesmo ocorreu, tivesse boa visibilidade.

e) Que os residentes em Redondo, nomeadamente (…), tivessem perfeito conhecimento da via em que a requerente costumava circular quando se deslocava para o Cemitério Municipal de Redondo.

f) Que (…) utilizasse aquela rua diariamente, quer na sua vida diária, quer pela sua profissão de entrega de pão.

g) Que, presentemente, a requerente só se desloque em cadeira de rodas.

h) Que, por força do acidente ocorrido, a requerente tivesse sofrido uma perfuração da pleura e tivesse colocado uma prótese na perna.

i) Que, para recuperação da cirurgia ao tornozelo esquerdo, a requerente tivesse necessitado da ajuda de terceira pessoa apenas durante um período de três meses, até à recuperação da marcha.

j) Que, para conclusão da recuperação da sua condição anterior ao acidente, e tendo em conta a sua idade, a requerente só necessite da ajuda de terceira pessoa por um período de mais seis meses e apenas em 3 horas por dia.

k) Que, antes do sinistro, a requerente despendesse a quantia mensal de € 25,00 (vinte e cinco euros) para aquisição de medicamentos.

l) Que a requerente, por força do sinistro ocorrido, gaste mais cerca de € 50,00 (cinquenta euros) em medicamentos, por comparação à sua situação anterior.

m) Que, para realização dos serviços referidos em 53), a requerente tivesse de despender € 500,00 (quinhentos euros) mensais.

n) Que a requerente despenda mensalmente € 500,00 (quinhentos euros) em deslocações, consultas, tratamentos e exames complementares.

o) Que, com despesas de manutenção do imóvel onde a requerente residia, despenda mensalmente a quantia de € 110,00 (cento e dez euros).

p) Que, antes do sinistro, a requerente residisse num imóvel que faz parte integrante da herança aberta por óbito do seu marido, (…), da qual a aqui requerente é herdeira, em conjunto com os seus dois filhos, (…) e (…).

Inexistem outros factos indiciariamente provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
Os restantes factos alegados pelas partes são conclusivos, respeitantes a matéria de direito ou repetidos, pelo que não foram elencados”.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1) Nulidade da sentença.
Decorre do artigo 615º, nº 1, do CPC que:
“É nula a sentença quando:
[…]
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
Segundo a lição do Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140), só a falta absoluta de motivação constitui nulidade, sendo que a insuficiência ou a mediocridade da motivação afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
Por seu turno, em douto Parecer (Col. Jur., 1995, 1º - 7) o Prof. Calvão da Silva defendeu que na sentença, o tribunal tem de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sob pena de se verificar falta de fundamentação de direito.
Jurisprudencialmente podemos a este respeito destacar, entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 05/05/2005, Proc.º 05B839; de 21/12/2005, Proc.º 05B2287; de 18/05/2006, Proc.º 06B1441; de 19/12/2006, Proc.º 06B3791; de 10/04/2008, Proc.º 08B396 e de 06/07/2017, Proc.º 121/11.4TVLSB.L1.S1, todos acessíveis para consulta in www.dgsi.net, reportando-se os indicados, à excepção do último, ao artigo 668º, nº 1, b), do CPC, anterior ao actual CPC, cuja redacção, todavia, é idêntica à do actual artigo 618º, nº 1, b).
Neste último aresto do S.T.J., de 2017, refere-se a propósito da nulidade prevista no supra citado normativo que, “A nulidade apontada tem correspondência com o nº 3 do artigo 607º do mesmo C. P. Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «descriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes…».
Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa”.
Retornando ao caso vertente verifica-se, sem margem para rebuços, que na sentença recorrida foram especificados os factos considerados indiciariamente como provados, assim como os indiciariamente não provados, bem como assinaladas as normas jurídicas consideradas aplicáveis.
Se tal fundamentação fáctica e jurídica é, ou não, a mais correcta, isso é assunto a abordar numa dimensão diversa da que se prende com o fundamento de nulidade da sentença invocado pela Apelante.
Registe-se ainda que a pretensão manifestada no recurso de que tal nulidade apenas fosse objecto de apreciação no caso de não proceder a impugnação apresentada contra a decisão da matéria de facto carece de razão de ser, desde logo porque, regra geral, as nulidades invocadas devem ser apreciadas no segmento da fundamentação jurídica anteriormente a quaisquer outras questões suscitadas, sendo certo ainda que no caso concreto, como acima acabámos de deixar expresso e independentemente de a impugnação da decisão relativa à matéria de facto vir a proceder, ou não, a sentença recorrida encontra-se provida de fundamentos de facto e de direito.
Pelo exposto julga-se, desde já, improcedente a invocada nulidade de sentença.

2) Passemos então à apreciação da segunda questão atinente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Dispõe o artigo 662º, nº 1, do C.P.C., que “A relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, fls. 287), que “O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava …através dos nºs 1 e 2 , als. a ) e b ), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
A propósito do exercício do ônus que recai sobre o recorrente de identificação de tais pontos de discórdia quanto à decisão da matéria de facto estatui o artigo 640º do CPC, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
[…]”
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ª edição, págs. 168 -169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a), do artigo 640º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Regressando novamente ao caso em apreço, apreciemos, então, os termos da impugnação apresentada, a qual a Apelada entende dever ser declarada improcedente na totalidade.
- Quanto ao facto indiciariamente provado sob o ponto 4) verifica-se que a Apelante não cumpriu devidamente o ónus de especificação, que sobre si recaia, previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, não objectivando inequívoca e claramente a decisão concreta e integral que deveria ter sido proferida sobre a questão de facto em apreço.
É a seguinte a redacção integral do dito ponto 4):
“No dia, hora e local mencionados em 1), (…) conduzia o veículo de matrícula 84-(…)-97, propriedade de (…), em direção ao Cemitério Municipal de Redondo, pela metade direita da estrada atento o seu sentido de marcha, a uma distância de cerca de um metro do limite direito da faixa de rodagem”.
A Apelante insurge-se designadamente sobre o que foi dado como assente na parte final do ponto em apreço, ou seja, o segmento “a uma distância de cerca de um metro do limite direito da faixa de rodagem”.
Em sede de motivação do recurso a Apelante apenas logrou dizer que: “Do depoimento do Sr. (…) conjugadamente com os nº 3 e 10 da factualidade assente, somente se pode concluir que a Requerida se deslocava na faixa de rodagem muito perto do seu limite direito (encostada ao seu limite, como assente em 3) e não a 1 metro de distância, como erradamente (face à prova testemunhal produzida, ao auto da GNR que confirma o local do veículo danificado pelo embate e a experiência comum) entendeu a douta Sentença recorrida”.
E nas conclusões recursivas aperfeiçoadas apenas referiu que: “Assim, deveria ter sido dado como assente que o veículo seguro circulava encostado ao seu limite direito”.
Ou seja, a Apelante não retratou quer na motivação, quer nas conclusões, de forma objectiva e clara a decisão integral que entendia dever ser proferida sobre a questão no ponto 4) em apreço, uma vez que na motivação se limitou a utilizar a expressão “somente se pode concluir” sem sequer afirmar considerar tal como assente e nas conclusões limitou-se a expressar o que entendia dever considerar-se assente (em discordância do que consta indiciariamente provado), no final do ponto de facto vertido sob o nº 4), não logrando reproduzir integralmente a redacção que, afinal, entendia dever ser proferida sobre tal ponto de facto, o que lhe competia fazer.
Como tal, decide-se rejeitar a impugnação no que concerne ao facto indiciariamente provado sob o ponto 4).
De todo o modo sempre se dirá, a talhe de foice, que a expressão proposta pela Apelante “encostado”, considerando que se referia ao modo como circulava uma viatura automóvel, sempre teria que ser rejeitada por consubstanciar um conceito patentemente conclusivo.
- Quanto ao facto indiciariamente provado sob o ponto 8) verifica-se que a impugnação não se encontra fundada nos termos do disposto no artigo 640º do CPC, uma vez que a Apelante não especifica os concretos meios probatórios que no seu entender justificariam uma decisão factual diversa da adoptada, aludindo, ao invés, à convicção manifestada em sede de motivação pelo Tribunal a quo no que tange a este ponto que no entender da Apelante justificaria uma redacção diversa da que foi utilizada ocorrendo na sua perspectiva “manifesto erro de construção frásica (ou de sintaxe) no facto assente em 8)”.
Termos em que improcede a impugnação no que tange a este ponto 8), que assim se mantem inalterado na sua redacção.
- Quanto ao facto indiciariamente provado sob o ponto 9), pretende a Apelante que o mesmo seja julgado como não provado ou subsidiariamente alterada a sua redação para o seguinte: “A condutora do veículo 84-(…)-97 foi encadeada pelo sol”.
É a seguinte a redação do ponto em apreço constante da sentença recorrida:
“Perante o encadeamento pelo sol, a condutora do veículo 84-(…)-97 não conseguiu ver a requerente”.
Na motivação respeitante a este facto o Tribunal a quo referiu o seguinte:
“Quanto aos factos 8) a 10) e 13), a convicção do tribunal adveio do teor dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), em conjugação com a participação de acidente junta aos autos. (…) relatou que, após contornar a curva, ficou encadeada pelo sol, deixando de conseguir visualizar o que se passava à sua frente; por esse motivo, afirmou “continuei a andar devagar” (sic); após o encadeamento continuou a andar “conforme ia andando ia vendo a estrada” (sic); viu, primeiramente, uma pessoa perto do cemitério a fazer-lhe sinal com o braço e, de imediato, viu “ uma pessoa em cima do carro” (sic), (…) e (…) confirmaram que, àquela hora, com a incidência do sol a visibilidade dos condutores fica bastante reduzida. (…) afirmou que estava a cerca de 50/60 metros do local onde ocorreu o embate (facto complementar que adveio da instrução da causa – artigo 5º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil). Ora sendo o local do sinistro uma reta com cerca de 100 metros até ao cemitério, é possível concluir que a condutora do veículo terá percorrido cerca de 50 metros após ter sido encadeada pelo sol”.
A impugnação da Apelante quanto a este facto não se baseia em meios de prova não considerados pelo Tribunal a quo na motivação, sendo certo que limita-se a retirar do extracto que seleciona atinente aos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) e (…) conclusões que a nosso ver não resultam inequivocamente desses depoimentos, nem são aptos a alterar a formulação dada ao facto na sentença, sempre se acrescentando que mesmo perante um quadro de encadeamento é razoável supor que seja mais fácil discernir alguém, ainda que possa encontrar-se um pouco mais afastado, a fazer movimentos constantes com um braço dirigidos directamente ao condutor de uma viatura, que outrem que não o esteja a fazer e se encontre numa zona mais lateralizada atenta a visibilidade do condutor, ainda que possa encontrar-se mais perto da viatura conduzida pelo mesmo.
Termos em que se julga improcedente a impugnação apresentada quanto ao facto em apreço, mantendo-se inalterada a sua redacção.
- Quanto ao facto indiciariamente provado sob o ponto 10), a impugnação apresentada pela Apelante funda-se no facto de o mesmo já estar reproduzido como provado no ponto 8) na base da alteração que entende deveria ser feita a este último.
Ora, na medida em que supra considerámos inexistir fundamento para alterar a redacção do facto assente sob o ponto 8), o que desde logo conduz a que se considere prejudicada a apreciação do facto assente sob o ponto 10) e sendo facilmente percetível pela sua leitura que o facto indiciariamente provado sob o ponto 10) é distinto do indiciariamente provado sob o ponto 8), embora com ele (e com o facto vertido sob o ponto 9)), relacionado por suceder em consequência destes últimos dois, impõe-se considerar igualmente improcedente a impugnação no que tange ao facto vertido sob o ponto 10), mantendo-se inalterada a sua redacção.
- Quanto ao facto indiciariamente provado sob o ponto 11), refere a Apelante não se encontrar motivado na sentença recorrida, acrescentando que o mesmo contraria os factos assentes sob os pontos 3) e 4), invocando o depoimento da testemunha (…) para sustentar que deveria dar-se como provado que o embate ocorreu a 0,50 metros de distância do limite direito da faixa de rodagem.
É a seguinte a redacção do ponto em apreço:
“O embate ocorreu a cerca de 2 metros do limite direito da faixa de rodagem”.
É certo que da leitura da motivação não se descortina qualquer referência a um ponto 11).
Porém, surge-nos referido por duas vezes o ponto 10), sendo certo que tudo indica existir um mero lapso de escrita aquando da segunda referência a esse ponto, indiciando-se fortemente que se pretenderia escrever “facto 11)”.
Com efeito, tal segunda referência aparece logo no parágrafo seguinte ao que se debruçou sobre a convicção do Tribunal a quo relativamente aos factos indiciariamente provados sob os pontos 8) a 10) e 13) (já acima reproduzida), daquele constando o seguinte: “No mais (facto 10)), o tribunal atendeu ao anexo à participação de acidente, em conjugação com o depoimento de (…), tendo este relatado que, logo após o embate, a requerente caiu para o capô do veículo e, em ato contínuo, para o solo”.
Na verdade, verifica-se que a motivação expressa é compatível e adequada ao facto que indiciariamente se considerou provado sob o ponto 11), consubstanciando-se o “anexo à participação de acidente” no croqui efectuado sobre o mesmo, sendo certo que também aqui constatamos que a Apelante não indica outros meios probatórios diversos dos considerados pelo Tribunal a quo, limitando-se a retirar quer do croqui, quer do extracto que selecionou do depoimento prestado pela testemunha (…), conclusões que os mesmos manifestamente não suportam.
Acresce que não existe directa contradição entre o indiciariamente provado sob este ponto com o que resultou indiciariamente provado sob os pontos 3) e 4), dado que, por um lado não decorre do que ficou assente sob o ponto 3) a distância concreta relativamente ao limite direito da faixa de rodagem a que seguia na sua caminhada a Apelante sendo que, por outro, da conjugação com o facto indiciariamente assente sob o ponto 10) se retira que o embate se deu com a zona da matrícula da viatura segura na Apelada, matrícula essa que encontrando-se colocada a meio daquela, como sucede em todos os veículos Renault, modelo (…), nunca poderia ter ocorrido a cerca de um metro do limite direito da faixa de rodagem e menos ainda a 0,50m, como sustenta a Apelante.
Pelo exposto, julga-se igualmente improcedente a reclamação quanto ao ponto 11), o qual se mantem inalterado.
- No que concerne à impugnação do ponto indiciariamente provado sob o ponto 13), funda-se a mesma apenas no auto lavrado pela GNR entendendo a Apelante que a sua redacção, “por lapso linguístico”, é incoerente e desajustada com o que resultou indiciariamente provado sob o ponto 14), pugnando pelo acrescento à redacção de tal ponto a expressão “ato contínuo, sido projectada 1,62m e caído no solo”.
É a seguinte a redacção do facto vertido sob o ponto 13 ): “Com o embate, a requerente caiu para o capô e para-brisas do veículo automóvel conduzido por (…) tendo, em ato contínuo, caído ao solo”.
Decorre da motivação atinente a este facto (já acima expressa aquando da apreciação da impugnação apresentada contra o facto indiciariamente provado sob o ponto 8)), que o Tribunal a quo levou em consideração, conjugadamente com o teor do auto de participação, os depoimentos das testemunhas (…) e (…), ambas testemunhas presenciais do sinistro que vitimou a Apelante, sendo certo que esta última no seu depoimento referiu mesmo que viu a Apelante “em cima do carro”, de que resulta ser coerente ter-se considerado provado que em acto continuo ao embate a Apelante tenha, antes da queda no solo, caído para o capô e para-brisas da viatura segura na Apelada.
De resto, não se vislumbra incoerência ou desajustamento entre a redacção deste ponto 13) com a do facto indiciariamente provado sob o ponto 14) dado que, como é lógico, ao cair da zona do capô para o solo o corpo da Apelante sofreu alguma movimentação que não é incompatível com a distância de imobilização na estrada mencionada neste último ponto.
Termos em que se julga também improcedente a impugnação no concernente a este facto, que, assim, se mantem inalterado.
- Impugna ainda a Apelante o facto indiciariamente provado sob o ponto 18), considerando que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “Na hemi-faixa contrária, à data do embate, a faixa de rodagem confinava com mato que entrava para dentro da faixa de rodagem, existindo nesse local gravilha na faixa de rodagem”.
Fundamenta a sua posição na circunstância de a redacção conferida ao ponto em apreço pelo Tribunal a quo entrar em conflito com a redacção conferida pelo mesmo ao facto indiciariamente assente sob o ponto 16) e de não resultar do auto de participação da GNR, nem das fotografias do local juntas aos autos, a existência de uma berma em gravilha, chamando à colação extractos de depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…).
É a seguinte a redacção do ponto 18) dos factos indiciariamente provados:
“Na hemi-faixa contrária, à data do embate, a faixa de rodagem confinava com mato, existindo nesse local uma berma em gravilha”.
O Tribunal a quo motivou este facto da seguinte forma:
“Os factos 14) a 18) foram considerados indiciariamente provados através do anexo à participação de acidente de viação de fls. 24, em conjugação com as fotografias do local de fls. 17 verso a 21 verso e 93 a 94 verso”.
A análise conjugada desta documentação foi feita de forma “pormenorizada”, conforme assinala o Tribunal a quo logo no 1º parágrafo do segmento da sentença recorrida epigrafado “3. Motivação”, sendo certo que o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto não se estende aos termos da motivação alicerçada pelo Tribunal a quo, até porque este (com a estrita excepção prevenida na 2ª parte do mesmo preceito legal que não se aplica à situação em concreto), aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, nos termos do disposto no 1º período do nº 5 do artigo 607º do CPC.
Acresce que da conjugação dos extractos de depoimentos selecionados pela Apelante não resulta evidente e cristalino que, à data do embate, o mato confinante com a faixa de rodagem na hemi-faixa contrária (ou seja, a esquerda de acordo com o sentido de marcha da Apelante e da viatura segura na Apelada), entrasse para dentro da faixa de rodagem, tanto mais que nenhuma das quatro testemunhas acima referidas presenciou o sinistro.
Por conseguinte, da análise dos documentos em que se baseou o Tribunal a quo entendemos que de facto não resulta provado que o mato entrasse para dentro da faixa de rodagem.
Porém, quanto à existência de uma “berma em gravilha” entendemos que além de não resultar com clareza a sua existência do exame das imagens fotográficas juntas aos autos, nem tal resultar mencionado no auto de participação e croqui elaborados pela GNR, afigurando-se, aliás, que a admitir tal seria de admitir o mesmo no que tange à hemi-faixa direita, pois não resulta na zona do sinistro diferenças sensíveis no pavimento no que tange à presença de tal “berma” em gravilha, acresce ainda que no facto indiciariamente provado sob o ponto 16) se registou (e bem, segundo o que se percepciona nas imagens fotográficas disponibilizadas aos autos), que “A faixa de rodagem não tem bermas definidas”, pelo que, a nosso ver, a manutenção da expressão “berma” neste ponto 18) sempre seria susceptível de contradição com o referido no ponto 16).
Destarte, procede parcialmente a impugnação no que tange a este ponto 23) dos factos indiciariamente provados, devendo alterar-se a sua redacção nos seguintes termos:
18) Na hemi-faixa contrária, à data do embate, a faixa de rodagem confinava com mato existindo gravilha no local onde a faixa confina com o mato.
- Quanto ao facto indiciariamente provado sob o ponto 19), sustenta a Apelante que o mesmo deve ser eliminado por traduzir uma conclusão de direito e juízos de valor errados nos seus pressupostos jurídicos e não um facto.
Ora, afigura-se que este fundamento não poderá encaixar-se no âmbito da impugnação da decisão respeitante à matéria de facto desde logo porque esta pressupõe que o impugnante dê devido cumprimento, por constituir um ónus que sobre si recai, ao disposto nas alíneas a) a c) do nº 1, do artigo 640º do CPC, o que no caso do referido ponto e no que concerne à alínea b) não foi cumprido.
De todo o modo , recordando que do ponto em causa decorre que: “À data em que ocorreu o sinistro, não existia qualquer impedimento a que a requerente transitasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido oeste-este, ou seja, em direção ao cemitério no sentido contrário ao do trânsito”, não se vislumbra onde consta a aludida “conclusão de direito”, não devendo olvidar-se que a solução jurídica da questão envolve uma apreciação conjugada e não isolada dos factos relevantes indiciariamente apurados.
Termos em que se julga igualmente improcedente a impugnação no que tange ao ponto de facto em apreço, que se mantem inalterado.
- Impugna a Apelante a redacção conferida ao facto indiciariamente provado sob o ponto 20), entendendo que do mesmo deveria constar que o declive é imediato ao limite esquerdo da faixa de rodagem escudando-se no depoimento da testemunha (…) e num documento apresentado nos autos já em sede recursiva, mais referindo ainda que o tribunal percepcionou mal as fotografias juntas aos autos atinentes ao local em apreço.
É a seguinte a redacção do ponto 20) dos factos indiciariamente provados:
“Na hemi-faixa contrária encontra-se um declive, que dista cerca de 1 metro da faixa de rodagem”.
Decorre da motivação atinente a este facto o seguinte:
“Quanto aos factos 19), 20) e 23), o tribunal formou a sua convicção através das fotografias do local juntas aos autos, em conjugação com os depoimentos das testemunhas (…) e (…) que relataram ser usual os peões circularem pelo lado direito da faixa de rodagem, embora não exista impedimento para o fazerem do lado esquerdo. Apesar de existir um declive do lado esquerdo da faixa de rodagem, a mera observação das fotografias permite perceber que tal declive apenas tem início cerca de 1 metro após o término da faixa de rodagem e, mesmo tendo quantidade superior de gravilha, tal não constitui impedimento à circulação por esse lado”.
Como já sobejamente salientámos acima recai sobre o impugnante o ónus. além do mais, de dar cumprimento ao disposto na alínea b) do artigo 640º do CPC, sendo certo que na mesma não se inclui a impugnação da convicção do julgador, pelo que necessariamente se desvaloriza a alusão da Apelante a errada leitura por parte do Tribunal a quo das imagens traduzidas pelas fotografias juntas aos autos.
Acresce que o Tribunal a quo alicerçou ainda a sua convicção, conjugadamente com as ditas imagens, nos depoimentos das testemunhas (…) e (…), que conhecem sobejamente o local, sendo despropositada, por não devidamente justificada pela Apelante, a pretendia descredibilização do depoimento deste último, militar da GNR em exercício de funções na vila do Redondo, competindo apenas referir que o extracto do depoimento selecionado pela Apelante e a análise das imagens fotográficas juntas aos autos atinentes ao local permite de facto sustentar ao nível indiciário (pois é nesse prisma que nos situamos no caso vertente ) que o declive existente não será “imediato”, mas sim que poderá distar perfeitamente cerca de 1 metro da faixa de rodagem.
Acresce dizer que o extracto selecionado pela Apelante do depoimento de (…) além de não permitir cristalinamente concluir no sentido da redacção pretendida por aquela sempre tem que ser conjugado com os demais depoimentos, mormente os das duas testemunhas acima referidas e com o que se percepciona nas ditas imagens fotográficas.
Já quanto ao documento apresentado em sede recursiva impõe-se dizer que apenas por não ter sido deduzida por parte da Apelada oposição à apresentação do mesmo nesta fase, o que fez saber expressamente na sua resposta às alegações de recurso, abdicámos de apreciar do bem fundado da sua junção neste momento.
Do exame e leitura do mesmo conclui-se que se trata de um documento subscrito em nome próprio pelo Presidente da Câmara Municipal do Redondo, não se consubstanciando numa certidão, ou cópia certificada, nem num relatório decorrente de inspeção pericial realizada ao local a que se alude, pelo que o seu valor é o do simples documento particular que se traduz numa informação decorrente de mais uma percepção pessoal sobre o que se vislumbra no local, tal como sucede com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, com a diferença de ter sido subscrito por pessoa que não foi arrolada como testemunha nos autos.
Nesta conformidade e realçando, de novo, estarmos apenas no domínio indiciário, entendemos não existirem, também aqui, razões para alterar a redacção do facto indiciariamente vertido sob o ponto 20), improcedendo a impugnação quanto ao mesmo.
- Mais impugna a Apelante a redacção de parte do facto indiciariamente provado sob o ponto 23), entendendo que se deve eliminar do seu teor a referência ao lado esquerdo da faixa de rodagem sustentando que nenhuma prova resultou nesse sentido, estribando-se nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…) e acrescentando ser “dúbio” o depoimento da testemunha (…).
É a seguinte a redacção do ponto 23) dos factos indiciariamente provados:
“É habitual os visitantes do Cemitério Municipal de Redondo deslocarem-se a pé na faixa de rodagem (face à inexistência de passeios no local), quer junto do lado direito, quer junto ao lado esquerdo da mesma.
Ora, a nosso ver e segundo as várias soluções plausíveis da questão jurídica subjacente ao procedimento cautelar em apreço, afigura-se-nos desnecessário ao caso concreto saber se as deslocações a pé para o cemitério por parte dos visitantes do mesmo ocorrem habitualmente quer junto do lado direito, quer junto do lado esquerdo da faixa de rodagem, ou apenas junto do lado direito, razão pela qual se julga, sem mais, improcedente a impugnação igualmente quanto a este ponto 23), que se mantem inalterado.
- A Apelante logrou também impugnar a redacção conferida ao facto indiciariamente provado vertido sob o ponto 36).
Porém, também aqui não logrou dar cumprimento adequado ao ónus de especificação que sobre si recaia previsto na alínea c), do nº 1, do artigo 640º, do CPC, uma vez que não concretizou de forma objectiva a decisão que entendia dever ter sido a proferida pelo Tribunal a quo sobre a questão de facto impugnada.
Na realidade, como se alcança das conclusões recursivas aperfeiçoadas apresentadas pela Apelante sobre esta questão a mesma limitou-se a referir o seguinte: “t. o ponto 36 dos factos assentes foi dado erradamente como provado, porquanto em 35) a douta Sentença deu como assente que a requerente passou a despender mais € 10,00 (dez euros) em medicamentos em resultado do acidente”.
Termos em que se rejeita a impugnação no que tange a este facto indiciariamente provado no ponto 36), mantendo-se inalterada a sua redacção.
- Na sua peça recursiva a Apelante impugnou também o facto indiciariamente provado sob o ponto 54), considerando não ter resultado provado, colocando em causa a motivação expressa na decisão recorrida, o concernente ao facto em apreço e estribando-se num extracto do depoimento da testemunha (…).
É a seguinte a redacção do ponto 54):
“A Requerente decidiu ficar num alojamento permanente numa instituição sita na sua terra em Redondo”.
Na motivação da sentença recorrida relativamente a este facto diz-se o seguinte:
“No que tange aos factos 47) a 57), o tribunal para formar a sua convicção, considerou o contrato de prestação de serviços celebrado com a ARPIC em 06.06.2019, fls. 38 verso a 40; as faturas de fls. 40 verso a 41 verso; o relatório social efetuado pela ARPIC de fls. 37 verso e 37; e o contrato de prestação de serviços celebrado com a residência particular de idosos ‘Terceiros (…)’ de fls. 42 a 43 verso”.
Além disso recorde-se que estamos no patamar da prova indiciária e que o Tribunal aprecia livremente as provas carreadas aos autos segundo a sua prudente convicção, levando ainda em consideração as regras de experiência comum.
Acresce que da leitura do extracto do depoimento selecionado pela Apelante não pode necessariamente concluir-se em sentido contrário ao que resultou indiciariamente provado no ponto 54), assentando o mesmo essencialmente em opiniões e conclusões da testemunha, pelo que se julga improcedente a impugnação no que tange ao ponto em apreço, mantendo-se inalterada a sua redacção.
- No concernente aos factos considerados provados a Apelante impugnou ainda o facto indiciariamente provado sob o ponto 66), considerando existir um lapso material na indicação de € 475,00, devendo ser corrigido para € 500,00 por virtude de ser o resultado numérico a que se chega somando as despesas indiciariamente provadas nos pontos 36) a 38).
É a seguinte a redacção do facto indiciariamente provado sob o ponto 66):
“Os encargos mensais fixos da requerente cifravam-se, antes do sinistro, em € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros), sem prejuízo de outras despesas imprevisíveis, como roupas e calçado”.
Quanto à motivação deste facto consta da sentença recorrida o seguinte:
“Os factos 65) e 66) resultaram da soma das despesas que foram indiciariamente comprovadas nos autos como motivadas pela ocorrência do acidente, bem como das despesas elencadas em 37) e 38).
Ora, as despesas elencadas em 37) e 38) somam € 450,00 (100,00 + 350,00), sendo que da conjugação da factualidade indiciariamente provada sob os pontos 35) e 36), que igualmente respeitam a encargos mensais fixos da Apelante (com a aquisição de medicação), resulta uma despesa a esse título anterior ao acidente sofrido de € 40,00 (50,00-10,00), pois provou-se que actualmente essa despesa orça em € 50,00 e que aumentou em € 10,00 na sequência do acidente sofrido pela Apelante, de que resulta não uma despesa de € 475,00, nem de € 500,00, mas sim de € 490,00 (450+40).
Termos em que relativamente ao facto indiciariamente provado sob o ponto 66) julga-se parcialmente procedente a impugnação e decide-se alterar a sua redacção, que passa a ser a seguinte:
66) Os encargos fixos da requerente cifravam-se, antes do sinistro, em € 490,00 (quatrocentos e noventa euros), sem prejuízo de outras despesas imprevisíveis, como roupas e calçado.
No âmbito da factualidade considerada como indiciariamente não provada, a Apelante impugnou o facto vertido sob a alínea a), entendendo, como especifica em sede de motivação, que o Tribunal a quo deveria ter considerado indiciariamente provado que (…) circulava sem a atenção necessária.
Ora, sem mais, cumpre referir que a decisão pretendida pela Apelante redunda num juízo eminentemente conclusivo, que apenas pode resultar de factos concretos que apontem nesse sentido.
Termos em que se julga improcedente a impugnação no que tange ao facto não provado vertido na alínea a).
- Impugna, por último, a Apelante o facto não provado vertido na alínea e), entendendo, como especifica em sede de motivação, que o Tribunal a quo deveria ter considerado indiciariamente provado que “a condutora do veículo em causa conhecia perfeitamente a via em que os peões e nomeadamente a Requerente circulavam”, por virtude da dita condutora ser frequentadora assídua daquela via, devendo saber de que lado as pessoas se deslocam, estribando-se num extracto do depoimento prestado pela condutora (…).
Ora de acordo com a redacção conferida na sentença recorrida ao facto vertido na dita alínea e), resultou não provado que: “Os residentes em Redondo, nomeadamente (…), tivessem perfeito conhecimento da via em que a requerente costumava circular quando se deslocava para o Cemitério Municipal de Redondo”.
Sobre esta alínea referiu o Tribunal a quo, em sede motivatória, o seguinte: “Relativamente ao facto elencado em e) não resultou demonstrado que os residentes em Redondo, inclusivamente a condutora do veículo, soubessem que a requerente costumava circular por aquela via. Resultou apenas da prova produzida que sabiam que é usual as pessoas que se deslocam a pé ao Cemitério Municipal de Redondo caminharem pelo lado esquerdo e pelo lado direito da faixa de rodagem (facto 23))”.
Ora, impõe-se, mais uma vez, relembrar que o Tribunal aprecia livremente a prova segundo a sua prudente convicção temperada por regras da experiência comum, perfeitamente aceitáveis quanto à questão em apreço, sendo certo ainda que não decorre claro do depoimento extractado pela Apelante, assim como do depoimento de … (que a mesma também refere), a factualidade em que assenta a decisão que entende ser correcta, a qual se baseia, isso sim, em conclusões indevidamente retiradas pela própria Apelante dos mesmos.
Pelo exposto, julga-se ainda improcedente a impugnação no que concerne ao facto considerado não provado vertido na alínea e).
Por fim, atendendo ao disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC , por resultar claro do ponto 36) dos factos indiciariamente provados que a Apelante despende cerca de € 50,00 por mês com a aquisição de medicamentos e constar ainda inequivocamente na parte da fundamentação jurídica da sentença recorrida que “a requerente necessita, por mês, de quantia não inferior a € 1.110,00 (mil, cento dez euros) para pagamento da mensalidade do lar (€ 1.000,00), porquanto necessita de apoio permanente face à redução de mobilidade de que padece), despesas medicamentosas (€ 50,00) e com fraldas (€ 60,00) …” decide-se alterar a redacção do ponto 65) dos factos indiciariamente provados que passa a ser a seguinte:
65) A requerente permanecendo num lar tem um acréscimo de despesa que se estima em € 1,110,00 (mil, cento e dez euros), sendo € 1.000,00 (mil euros) referentes ao custo com o alojamento na Residência Particular de Idosos “Terceiro (…)”, cerca de € 50,00 (cinquenta euros), com despesas com aquisição de medicação, correspondendo € 10,00 (dez euros) a custos adicionais com a mesma resultantes do acidente e € 60,00 (sessenta euros) para aquisição de fraldas.

Temos, então, como definitiva, a seguinte fundamentação de facto, evidenciando-se em negrito as alterações feitas.

“1. Factos Indiciariamente Provados

1) No dia 30 de abril de 2019, pelas 08h15m, a requerente caminhava na Rua das (…), em Redondo, em direção ao Cemitério Municipal de Redondo.

2) A Rua das (…) não tem passeios em nenhum dos sentidos.

3) A requerente fez o seu percurso na faixa de rodagem, encostada ao lado direito, no mesmo sentido de marcha dos veículos automóveis, i.e., de costas voltadas para o trânsito.

4) No dia, hora e local mencionados em 1), (…) conduzia o veículo de matrícula 84-(…)-97, propriedade de (…), em direção ao Cemitério Municipal de Redondo, pela metade direita da estrada atento o seu sentido de marcha, a uma distância de cerca de um metro do limite direito da faixa de rodagem.

5) No dia 30.04.2019, o veículo 84-(…)-97 encontrava-se segurado pela requerida Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal, através do contrato com a apólice n.º (…).

6) O veículo 84-(…)-97 circulava a velocidade não superior a 30 km/hora.

7) Cerca de cem metros antes da entrada do Cemitério Municipal de Redondo, a Rua das (…) contém uma curva acentuada para a direita, atento o sentido de marcha dos intervenientes no acidente, peão e automóvel, e é ladeada por um muro com mais de dois metros de altura.

8) Após efetuar a curva que figurava à direita e após percorrer cerca de 50m no troço de estrada reta, a condutora do veículo 84-(…)-97 ficou encandeada pelo sol que, naquela hora, após a curva, ficou na sua frente, por cima do cemitério e precisamente à altura dos seus olhos.
9) Perante o encandeamento pelo sol, a condutora do veículo 84-(…)-97 não conseguiu ver a requerente.

10) Por força do vertido em 9), o veículo 84-(…)-97 foi embater com a frente direita, mais exatamente com a zona da matrícula, no corpo da requerente, atingindo-a por trás, na perna esquerda.

11) O embate ocorreu a cerca de 2 metros do limite direito da faixa de rodagem.

12) Após o embate, a condutora do veículo 84-(…)-97 imobilizou-o de imediato no local.

13) Com o embate, a requerente caiu para o capô e para-brisas do veículo automóvel conduzido por (…) tendo, em ato contínuo, caído no solo.

14) A requerente ficou imobilizada na estrada a 1,62m do local onde ocorreu o embate.

15) O local do embate era uma reta, tendo a faixa de rodagem a largura de 7,7 metros e trânsito em ambos os sentidos.

16) A faixa de rodagem não tem bermas definidas nem sinalização horizontal.

17) Do lado direito – local em que a requerente e (…) circulavam –, a faixa de rodagem é delimitada por um bloco em cimento que separa a estrada de um canteiro.

18) Na hemi-faixa contrária , à data do embate , a faixa de rodagem confinava com mato existindo gravilha no local onde a faixa confina com o mato.
19) À data em que ocorreu o sinistro, não existia qualquer impedimento a que a requerente transitasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido oeste-este, ou seja, em direção ao cemitério no sentido contrário ao do trânsito.

20) Na hemi-faixa contrária encontra-se um declive, que dista cerca de 1 metro da faixa de rodagem.

21) A requerente nasceu em 08 de junho de 1931 e tinha, à data do embate, 87 anos de idade.

22) A requerente costumava deslocar-se a pé ao Cemitério Municipal de Redondo, entre duas a três vezes por semana, pelo facto de ter falecido um seu filho e o seu marido, utilizando sempre o mesmo percurso e seguindo a mesma direção.
23) É habitual os visitantes do Cemitério Municipal de Redondo deslocarem-se a pé na faixa de rodagem (face à inexistência de passeios no local), quer junto ao lado direito, quer junto ao lado esquerdo da mesma.

24) (…) desloca-se ao Cemitério Municipal de Redondo cerca de uma vez por mês.

25) O piso, na data do embate, encontrava-se seco e limpo.

26) Como consequência do embate, a requerente apresentava as seguintes lesões: “fratura do 4-8.º arcos costais esquerdos; fratura do tornozelo esquerdo; lesão nodular 22x11mm junto à suprarrenal”.

27) A requerente foi submetida a outros exames complementares de diagnóstico no mesmo dia e admitida para internamento em sala de observações (SO).

28) No relatório de urgência efetuado na sequência do sinistro ocorrido, consta, no campo destinado a “história da doença atual”, designadamente, “depressão” e “demência”.

29) Consta de tal relatório que, do exame realizado para estudo crânio-encefálico, constam “sinais de leucoencefalopatia isquémica. Associam-se lacunas isquémicas nos núcleos da base.”

30) Por força das lesões identificadas, a requerente foi submetida a intervenção cirúrgica em 14 de maio de 2019.

31) A Requerente ficou internada entre o dia 30.04.2019 e 16.05.2019, data em que recebeu alta, mantendo “tala gessada tibiopodalica no membro inferior esquerdo o qual permanece elevado. Apresenta edema nas extremidades do membro inferior esquerdo, sem outras alterações neuro-circulatórias aparentes”.

32) A requerente encontra-se dependente do auxílio de terceiros para os atos da vida corrente, designadamente, para efetuar sua a higiene e alimentação.

33) Até à data do sinistro, a requerente vivia sozinha na sua casa em Redondo, deslocando-se a pé para efetuar as tarefas diárias, fazendo a sua higiene e alimentação sem necessitar do auxílio de terceiros.

34) A requerente aufere uma pensão no valor mensal de € 544,95 (quinhentos e quarente e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
35) A requerente, após o sinistro ocorrido, passou a despender mais € 10,00 (dez euros) para aquisição de medicamentos.

36) A requerente despende cerca de € 50,00 (cinquenta euros) por mês com a aquisição de medicamentos.

37) A requerente despendia a quantia mensal aproximada de € 100,00 (cem euros) com água, luz, televisão e gás.

38) A requerente suportava as despesas com a sua alimentação, no valor aproximado de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).

39) Por força da situação física em que se encontra após o acidente, a requerente utiliza fraldas, despendendo, com a aquisição desses artigos, cerca de € 60,00 (sessenta euros) por mês.

40) A requerente não se consegue deslocar pelos seus próprios meios.

41) Precisa de auxílio para se levantar e para se deitar.

42) A requerente não é capaz de, por si própria, se deslocar, cozinhar, fazer a sua higiene ou vestir-se.

43) Quando recebeu alta hospitalar, a requerente foi levada pela filha (…) para a residência desta, em Évora, onde pernoitou até ao dia 02/07/2019.

44) Foi (…) quem, por regra, diariamente, acompanhou a requerente naquele período, fazendo-lhe as tarefas do dia-a-dia, como a higiene pessoal, o vestir e as deslocações para as consultas médicas.

45) No entanto, (…) não tinha, nem tem, possibilidade de prestar o apoio contínuo e necessário à requerente, uma vez que presta serviço diário na (…) – Medicina Apoiada, S.A..

46) O outro filho da requerente, (…), reside em Bruxelas, na Bélgica, desde, pelo menos, novembro de 1984.

47) Durante o período em que a requerente residiu na casa de Maria da Conceição Raposinho, foi contratado o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), prestado pela Associação de Reformados Pensionistas e Idosos de … (ARPIC).
48) O SAD da ARPIC foi contratado em 20/05/2019 e incluía apenas os serviços de higiene pessoal diária e tratamento de roupa, entre segunda e sábado.

49) O serviço referido em 47) tinha um custo mensal de € 138,99 (cento e trinta e oito euros e noventa e nove cêntimos).

50) A requerente esteve perto de dois meses na situação referida em 48), tendo pago o total de € 206,00 (duzentos e seis euros).

51) De acordo com relatório social efetuado pela ARPIC, “caso a idosa consiga recuperar alguma mobilidade, não conseguirá recuperar a autonomia total que tinha antes do atropelamento, pelo que se prevê que continue a necessitar de apoio, nomeadamente: Alimentação (preparação e confeção das refeições); Higiene pessoal 2 vezes por dia; Higiene habitacional; Tratamento de roupa”.

52) Para realização dos serviços elencados em 51), a ARPIC orçamentou € 432,41 (quatrocentos e trinta e dois euros e quarenta e um cêntimos).

53) A quantia referida em 51) não engloba o apoio ao domingo e nos restantes dias ao deitar.

54) A requerente decidiu ficar num alojamento permanente numa instituição sita na sua terra, em Redondo.

55) Desde o passado dia 02/07/2019, a requerente foi admitida, como residente, na Residência Particular de idosos “Terceiro (…)”.

56) Pelo alojamento nesta instituição, a requerente suporta o pagamento do valor mensal de € 1.000,00 (mil euros).

57) O serviço contratado assegura o alojamento, a alimentação, a higiene pessoal diária e os cuidados preventivos de saúde referentes a cuidados de enfermagem.

58) As despesas com medicação, consultas, exames complementares de diagnóstico, fraldas e outros consumíveis continuarão a ser suportadas pela requerente.

59) As deslocações da requerente são efetuadas em ambulância.

60) Em deslocações entre a residência da filha para o local onde decorriam as consultas e, posteriormente, para a Residência Sénior onde se encontra atualmente, a Requerente fez o pagamento global de € 76,50 (setenta e seis euros e cinquenta cêntimos).
61) A requerente teve de adquirir uma cadeira sanitária encartável de alumínio, no valor de € 81,00 (oitenta e um euros), onde fazia as suas necessidades fisiológicas durante o dia, sempre com auxílio de outra pessoa.

62) A requerente adquiriu um andarilho, no valor de € 43,40 (quarenta e três euros e quarenta cêntimos).

63) Através de carta datada de 06/05/2019, a requerente comunicou o sinistro à requerida.

64) Pela obtenção do auto de participação de acidente, necessário para efetuar a respetiva participação à requerida, a requerente despendeu €72,00 (setenta e dois euros).

65) A requerente permanecendo num lar tem um acréscimo de despesa que se estima em € 1,110,00 (mil, cento e dez euros), sendo € 1.000,00 (mil euros) referentes ao custo com o alojamento na Residência Particular de Idosos “Terceiro (…)”, cerca de € 50,00 (cinquenta euros), com despesas com aquisição de medicação, correspondendo € 10,00 (dez euros) a custos adicionais com a mesma resultantes do acidente e € 60,00 (sessenta euros) para aquisição de fraldas.

66) Os encargos fixos da requerente cifravam-se, antes do sinistro, em € 490,00 (quatrocentos e noventa euros), sem prejuízo de outras despesas imprevisíveis, como roupas e calçado.
67) A requerente tem conseguido fazer face às despesas com a ajuda dos filhos.

68) No relatório de consulta datado de 24.06.2019 consta, no campo destinado às notas de avaliação, “Escara do calcâneo; Perda de substância anterior do tornozelo com exposição de tendão (em zona de necrose, relacionada com o trauma)”.

2. Factos Indiciariamente não provados

a) Que (…) circulasse sem a atenção necessária.

b) Que a requerente caminhasse afastada mais de 1,50 metros do limite direito da faixa de rodagem, ou seja, sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido do trânsito automóvel.

c) Que a requerente tivesse ficado imobilizada na estrada a mais de 1,62m do local onde ocorreu o embate.
d) Que o local do embate, à hora em que o mesmo ocorreu, tivesse boa visibilidade.

e) Que os residentes em Redondo, nomeadamente (…), tivessem perfeito conhecimento da via em que a requerente costumava circular quando se deslocava para o Cemitério Municipal de Redondo.

f) Que (…) utilizasse aquela rua diariamente, quer na sua vida diária, quer pela sua profissão de entrega de pão.

g) Que, presentemente, a requerente só se desloque em cadeira de rodas.

h) Que, por força do acidente ocorrido, a requerente tivesse sofrido uma perfuração da pleura e tivesse colocado uma prótese na perna.

i) Que, para recuperação da cirurgia ao tornozelo esquerdo, a requerente tivesse necessitado da ajuda de terceira pessoa apenas durante um período de três meses, até à recuperação da marcha.

j) Que, para conclusão da recuperação da sua condição anterior ao acidente, e tendo em conta a sua idade, a requerente só necessite da ajuda de terceira pessoa por um período de mais seis meses e apenas em 3 horas por dia.

k) Que, antes do sinistro, a requerente despendesse a quantia mensal de € 25,00 (vinte e cinco euros) para aquisição de medicamentos.

l) Que a requerente, por força do sinistro ocorrido, gaste mais cerca de € 50,00 (cinquenta euros) em medicamentos, por comparação à sua situação anterior.

m) Que, para realização dos serviços referidos em 53), a requerente tivesse de despender € 500,00 (quinhentos euros) mensais.

n) Que a requerente despenda mensalmente € 500,00 (quinhentos euros) em deslocações, consultas, tratamentos e exames complementares.

o) Que, com despesas de manutenção do imóvel onde a requerente residia, despenda mensalmente a quantia de € 110,00 (cento e dez euros).

p) Que, antes do sinistro, a requerente residisse num imóvel que faz parte integrante da herança aberta por óbito do seu marido, (…), da qual a aqui requerente é herdeira, em conjunto com os seus dois filhos, (…) e (…).

Inexistem outros factos indiciariamente provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
Os restantes factos alegados pelas partes são conclusivos, respeitantes a matéria de direito ou repetidos, pelo que não foram elencados.

3) Reapreciação de mérito
Está em causa um procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória.
Sobre ele rege o artigo 388º do CPC, nos seguintes termos:
“1 – Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o nº 3 do artigo 495º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda, como reparação provisória do dano.
2 – O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
3 – A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
4 – O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado”.
Este normativo deve conjugar-se com o artigo 565º do Código Civil (doravante apenas CC), o qual estatui que:
“Devendo a indemnização ser fixada em liquidação posterior, pode o tribunal condenar desde logo o devedor no pagamento de uma indemnização dentro do quantitativo que considere já provado”.
O decretamento deste procedimento cautelar depende, pois, do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
- existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido, na medida em que este procedimento cautelar depende de uma acção principal que tem por objecto o pagamento de uma indemnização.
- verificação de uma situação de necessidade do requerente, que traduz precisamente o periculum in mora inerente a este procedimento cautelar;
- nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar. o que significa que “a situação de necessidade tem necessariamente de ser consequência directa do facto gerador da responsabilidade, não podendo a mesma resultar de factores totalmente alheios a esse facto, sob pena de não se encontrar preenchido um dos requisitos de que depende a procedência da providência de arbitramento e, consequentemente, a mesma ser indeferida por falta de verificação de um dos requisitos cumulativos necessários ao seu decretamento” (Célia Sousa Pereira, “Arbitramento de Reparação Provisória”, 2003, Almedina, página 130).
Assim, “se a matéria de facto constante do processo permitir ao tribunal concluir, num juízo sumário, que o requerido será condenado, com um alto grau de probabilidade, a ressarcir os danos sofridos pelo requerente – estando, assim, indiciada a obrigação de indemnizar – e que a situação de necessidade em que se encontra não é compatível com a delonga normal do processo judicial, tal será suficiente para que o tribunal arbitre uma reparação provisória a ser liquidada ao requerente, cujo montante deverá ser suficiente para garantir a sua subsistência até que seja proferida uma decisão com carácter definitivo na ação principal” (Marco Filipe Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, Almedina, 2017, 3ª edição, págs. 302-303).
Sendo o montante indemnizatório fixado equitativamente pelo tribunal, este deve tomar em consideração diversos critérios tais como as circunstâncias particulares do caso em concreto devendo a renda mensal, por assentar em apreciação sumária e perfunctória, ser arbitrada de forma regrada e prudente, de modo a ser “ adequada não só a colmatar as necessidade de habitação, vestuário, educação e bem-estar do requerente, como também as próprias necessidades dos familiares que dele eventualmente dependam” (“Providências Cautelares”, a pág. 304).
De todo o modo impõe-se lembrar que nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida neste procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento que será realizado na acção principal (artigo 364º, nº 4, do CPC).
Só incorre na obrigação de indemnizar o responsável pela produção de evento gerador de danos para a vítima regendo a este propósito, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, o artigo 483º, cuja previsão é a seguinte:
“1 – Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2 – Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Regressando ao caso concreto impõe-se relembrar que o objecto do recurso no que tange à reapreciação de mérito se cinge apenas à questão da culpa da Apelante na produção do acidente de que foi vitima , concorrentemente com a culpa da condutora da viatura segura na Apelada, o que foi reconhecido na sentença recorrida e não é aceite pela Apelante, assim como ao montante da renda mensal de € 250,00 arbitrada pelo Tribunal a quo a título de reparação provisória à Apelante pelos danos sofridos pela mesma na sequência do atropelamento que a vitimou e que a mesma considera ser insuficiente pugnando pelo montante de € 1200.00 mensais.
Na verdade, constata-se do exame dos autos que a Apelada não logrou interpor qualquer recurso, independente ou subordinado, da sentença recorrida e embora na sua resposta às alegações de recurso da Apelante a Apelada tenha defendido a tese de que a condutora da viatura nela segura não teve qualquer culpa na produção do acidente de viação, a verdade é que termina as mesmas alegações pugnando pela manutenção da sentença recorrida (que, além do mais, reconheceu a culpa concorrente daquela condutora na produção do acidente que vitimou a Apelante e a obrigação de reparação provisória a esta última no montante nela determinado).
Neste conspecto não haverá que apreciar os fundamentos que conduziram o Tribunal a quo a considerar a Apelada responsável pela obrigação de reparar provisoriamente a Apelante, podendo apenas vir a ser alterada na sequência deste recurso interposto pela Apelante a questão da culpa (concorrente), da mesma na produção do acidente e o montante mensal da reparação provisória.
Assim, iniciando pela primeira das questões insurge-se a Apelante contra o facto de não ter sido reconhecido na sentença recorrida que a sua circulação à data do acidente pela hemi-faixa esquerda no sentido do cemitério do Redondo para onde se deslocava comprometia a sua segurança.
Dispõe o artigo 99º do Código da Estrada (doravante apenas CE), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 114/94, de 03/05, na redacção conferida pelo Dec.-Lei n.º 44/2005, de 23/02, o seguinte:

“ Artigo 99.º
Lugares em que podem transitar
1 - Os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas.
2 - Os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nos seguintes casos:
[…]
b) Na falta dos locais referidos no n.º 1 ou na impossibilidade de os utilizar;”

Por seu turno dispõe o artigo 100º do mesmo CE, o seguinte:
“ Artigo 100.º
Posição a ocupar na via
[…]
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior, os peões devem transitar pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, a não ser que tal comprometa a sua segurança.
3 - Nos casos previstos nas alíneas b), c) e e) do n.º 2 do artigo anterior, os peões devem transitar o mais próximo possível do limite da faixa de rodagem.
[…] “
Ora, atendendo à factualidade indiciariamente provada desde logo se conclui que à data do seu atropelamento a Apelante circulava por uma rua com dois sentidos de trânsito, a qual não possui passeios, nem bermas definidas, nem sinalização horizontal, em nenhum dos sentidos (pontos 2), 16) e 18)), que o fazia pelo lado direito da faixa de rodagem ou hemi-faixa direita, no mesmo sentido de marcha dos veículos automóveis, ou seja de costas voltadas para o trânsito encostada ao lado direito (ponto 3)), que desse lado direito em que Apelante e veículo seguro na Apelada circulavam a faixa de rodagem é delimitada por um bloco em cimento que separa a estrada de um canteiro, enquanto na hemi-faixa contrária (lado esquerdo), a faixa de rodagem confinava à data do embate com mato, existindo gravilha no local onde a faixa confinava com o mato e distando cerca de 1 metro da faixa de rodagem um declive (pontos 17), 18) e 20)).
Mais resultou indiciariamente provado que à data em que ocorreu o sinistro, não existia qualquer impedimento a que a Apelante transitasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda, na direcção que a mesma seguia, ou seja a do cemitério, no sentido contrário ao do trânsito e que o piso, à data do embate, encontrava-se seco e limpo (pontos 19) e 25)).
Neste quadro factual não se descortina em que medida estaria comprometida a segurança da Apelante caso à data do embate circulasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda de frente para o trânsito automóvel, ou, por outras palavras, em que medida tal segurança estaria nessa ocasião mais comprometida do que circular pela hemi-faixa de rodagem direita de costas voltadas para o trânsito automóvel.
Note-se que circular pela faixa de rodagem, seja qual for a hemi-faixa por onde se faça, é sempre passível de potenciar o risco de um possível atropelamento de um peão, dado que este acaba por estar a partilhar com o trânsito automóvel o local (faixa de rodagem), que é prima facie destinado ao mesmo e não aos peões.
A escolha legal do lado esquerdo da faixa de rodagem tem uma razão de ser muito razoável, qual seja a do peão poder visualizar a todo o tempo a circulação das viaturas automóveis que se aproximam de si, tornando-o menos vulnerável a um atropelamento por lhe permitir, seguramente nalgumas situações, esquivar-se a um possível embate por alguma viatura que sobre si se precipite, o que não sucede quando se transita pela hemi-faixa de rodagem direita dado que nesses casos o peão de nada se apercebe sobre a circulação automóvel que provem no mesmo sentido que o seu e pelas suas costas.
A Apelante entende que a existência de gravilha e do declive existente na hemi-faixa esquerda comprometeria a sua segurança. Porém, não parece assistir-lhe razão.
Desde logo o declive dista cerca de 1 metro da faixa de rodagem, pelo que não oferece qualquer perigo para quem circule pela faixa de rodagem, sendo certo que a gravilha indiciariamente dada como provada existente na zona onde a faixa de rodagem do lado esquerdo confina com o mato, em piso seco, não permite concluir no sentido de comprometer necessariamente a segurança da Apelante.
Com efeito, não pode fundamentar-se a existência da gravilha como um sério risco à segurança da circulação da Apelante devido à sua avançada idade quando nada resultou sequer indiciariamente provado no sentido de que a mesma antes do acidente padecesse de notórias limitações no andar.
Donde se conclui que nos caso em apreço e na data do acidente por si sofrido a Apelante deveria ter circulado na direcção do cemitério do Redondo pela hemi-faixa de rodagem esquerda de frente para o trânsito automóvel, o que podia ter feito sem comprometer a sua segurança, não podendo deixar de lhe ser censurado o facto de o ter feito pela hemi-faixa de rodagem direita em violação do artigo 100º, nº 2, do CE, competindo sempre ao tribunal conhecer de tal culpa por força do disposto na 2ª parte do artigo 572º do CC.
Nesta conformidade concordamos com o Tribunal a quo no sentido da existência de um concurso de culpas entre as indiciadas condutas ilícitas da condutora da viatura segura na Apelada e da Apelante de acordo com o disposto no artigo 570º do CC, que dispõe no seu nº 1 o seguinte: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Diga-se que não vislumbramos óbice a que seja aplicável esta regra ainda que nos encontremos no patamar da prova indiciária e perfunctória e, consequentemente, de reparação a título provisório, na medida em que esta consubstancia uma indemnização (provisória) como decorre da parte final do nº 2 e ainda mais claramente do nº 4, ambos do artigo 388º do CPC.
Porém, do que resultou indiciariamente provado nos autos não descortinamos razão para dosear de forma diferente no caso em apreço a culpa das partes entendendo-se, como tal, que cada uma delas concorreu para produção do acidente em metade, ou seja na proporção de 50%.
Refira-se ainda, relativamente ao quadro normativo elencado pela Apelante nas suas conclusões recursivas, que no caso em apreço não tem cabimento trazer à colação os preceitos constantes do artigo 493º (“danos causados por coisas, animais ou actividades) e 503º, nº 1 (atinente à responsabilidade pelo risco), ambos do CC.
Entrando na análise da questão do montante da renda mensal a arbitrar e face ao já acima doutrinariamente exposto haverá que evidenciar a situação de necessidade criada para a Apelante em face dos danos sofridos em consequência do acidente, os quais colocam em causa a sua subsistência, relevando-se na reparação provisória a arbitrar o que respeite ao sustento, habitação, vestuário e bem-estar da mesma.
Ora, levando em consideração de forma harmoniosamente conjugada entre si e compreensível o que indiciariamente se provou nos pontos 34), 35), 36), 37), 38), 56), 65), 66) e 67), podemos concluir que antes do acidente a Apelante possuía encargos mensais fixos que ascendiam a € 490,00 mensais, sem contabilizar despesas com roupas e calçado, auferindo uma pensão no valor mensal de € 544,95 e que por causa do atropelamento sofrido passou a ter de despender mensalmente € 1.110,00, sendo € 1.000,00 em alojamento permanente numa instituição (residência particular de idosos), € 50,00 com aquisição de medicação, não abrangida na mensalidade do alojamento (mais € 10,00 mensais que antes do sinistro) e € 60,00 com fraldas (despesa igualmente não abrangida na mensalidade do alojamento), o que revela um sensível acréscimo de despesa comparativamente com o que possuía antes de sofrer o sinistro, sem incluir também aqui despesas com vestuário.
A Apelante apenas pode enfrentar estas despesas acrescidas com a sua pensão e ajuda de dois filhos.
Ora, se subtrairmos do montante actual de despesas que a apelante suporta consequentes ao sinistro sofrido o montante das despesas que tinha antes da sua produção obtemos uma diferença de € 620,00 (€ 1100,00 - € 490,00), que corresponde ao acréscimo de despesa que sobreveio causado pela produção do acidente.
Nada se apurou de concreto quanto ao montante despendido pela Apelante com vestuário e calçado, sabendo-se apenas que tais despesas acresciam ao valor mensal de € 490,00, sendo de admitir, por se tratar de despesas básicas, que se mantenham.
Por outro lado, as despesas indiciariamente provadas sob os pontos 49), 50), 52), 60), 61) e 62), não devem relevar nesta sede, pois não se enquadram em despesas atinentes ao sustento e vestuário, não possuindo sequer cadência regular, podendo ser peticionadas na acção definitiva, sendo certo que a despesa descriminada no ponto 37) não teve como causa o acidente sofrido.
Assim sendo e relembrando a repartição por igual de culpas acima determinada julgamos prudente, adequado e equitativo, arbitrar nesta sede de reparação provisória à Apelada uma renda mensal de € 310,00 (€ 620,00:2), alterando-se o montante arbitrado na sentença recorrida pelo Tribunal a quo.
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V- DECISÃO
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de Apelação interposto por (…) e alterar a alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, que passa a ter a seguinte redacção:
- Condenar a Apelada Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal a pagar à Apelante (…) a renda mensal de € 310,00 (trezentos e dez euros), até à recuperação da sua mobilidade ou até à decisão final da ação principal, conforme o que primeiro ocorra.
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- Custas a cargo de Apelante e Apelada na proporção do respectivo decaimento.
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Notifique.
Évora, 16/01/2020
José António Moita
Silva Rato
Mata Ribeiro