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ALTERAÇÃO DE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
CRIME
ABUSO DE PODER
CRIME CONTINUADO
Sumário
I – A mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, mantendo-se estes inalterados, não dá sequer lugar à nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 2, b), do Código de Processo Penal, porquanto esta tem como pressuposto ou fundamento uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, conduzam eles a uma alteração substancial ou não substancial; pese embora a lei, no artigo 358.º, n.º 3, desse Código, mande aplicar à alteração de qualificação jurídica a norma do n.º 1 do mesmo artigo, prevista para a alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, fá-lo apenas tendo em vista a comunicação ao arguido dessa alteração e a concessão, se aquele o requerer, do tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, não indo além disso a equiparação entre uma e outra alteração. II – Em caso de alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, a comunicação exigida pelo artigo 358.º do Código de Processo Penal é relativa aos factos, não às provas que os sustentam. III- O crime de abuso de poder previsto no artigo 382.º do Código Penal abrange os atos praticados por gestores de empresas públicas (não apenas, pois, atos de funcionários públicos que exerçam poderes de autoridade). IV – Não se verificam os pressupostos do crime continuado quando os comportamentos sucessivos são reveladores de uma resolução criminosa de renovada intensidade, a qual era heterogeneamente exigida pela especificidade de cada caso, a exigir uma permanente atenção e reordenação da atuação em função das concretas circunstâncias.
Texto Integral
Processo n.º 4887/15.4T9VNG.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO 1.1 Por acórdão de 25/05/2018, após realização da audiência de julgamento, no Proc.º n.º 4887/15.4T9VNG, que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi decidido o seguinte: “Em face do exposto, o tribunal coletivo, na procedência parcial da ação penal decide: 1º- Declarar extinto o procedimento criminal relativo ao crime de infidelidade, p. e p. no art.º 224º, nº 1, por falta de legitimidade do Ministério Público para a respetiva instauração e prosseguimento. 2º- Absolver os arguidos B… e C… da prática, respetivamente, dos dois e dos três crimes de peculato de uso, p. e p. nos art.ºs 376º, nº 2, do Código Penal de que vinham pronunciados. 3º- Absolver os arguidos D… e C… da prática do crime de Abuso de Poder, p. e p. no art.º 382º, do Código Penal, de que vinham acusados. 4º- Condenar o arguido B… como autor material, com dolo direto e em concurso real, de cinco crimes de Abuso de Poder, p. e p. no art.º 382º, do Código Penal, com referência ao art.º 386º, nº. 1, al. d), do mesmo diploma legal na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, a que correspondem as penas parcelares respetivas de, 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, de um ano de prisão, de um ano de prisão, de um ano de prisão e de um ano de prisão. 5º- Suspender a execução daquela pena de prisão pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão anos. Condicionar a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art.º 50º, nº 2, do Código Penal, à obrigação do arguido proceder ao depósito nos autos da quantia de euros 12.000,00 (Doze Mil euros) a ser entregue a instituições de solidariedade social que se dediquem ao apoio a crianças desfavorecidas. 6º- Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pelo Município E… e consequentemente: - Absolver os arguidos C… e D… do pedido. - Condenar o arguido B… a pagar ao Município E… a quantia global de euros 59.996,25 (cinquenta e nove mil, novecentos e noventa e seis euros e 25 cêntimos) 7º- Condenar o arguido B… no pagamento das custas do processo e dos demais encargos a que a sua atividade deu causa, fixando-se em 6 UC´s o valor da taxa de justiça.” 1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpuseram recursos o Ministério Público, o assistente/demandante cível Município E…, e o arguido B…, apresentando motivações que terminam com as seguintes conclusões: 1.2.1. Do Ministério Público
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…………………………… 1.2.3. Do arguido B…
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…………………………… 20.º - Sem prescindir e admitindo por mera hipótese académica como provados os factos em que assentou o Acórdão objeto do presente Recurso, verifica-se, claramente, que o Recorrente não praticou qualquer crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Código Penal. 21.º - A contratação pública não se enquadra dentro do âmbito do artigo 382.º do Código Penal 22.º - Por consequência, o Tribunal a quo não poderia ter condenado o Recorrente pela prática de cinco crimes de abuso de poder, porquanto o caso dos autos contende com factos inerentes à contratação pública e esta encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 382.º do Código Penal. 23.º - Ou seja, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o artigo 382.º do Código de Processo Penal, sendo que deveria ter interpretado essa norma no sentido de a mesma não abranger quaisquer factos interligados com matéria da contratação pública, e, por isso, deveria ter absolvido o Recorrente. 24.º - Caso tal não se entenda, sem prescindir, e por hipótese meramente académica, se conclua que a matéria da contratação pública se enquadra no âmbito do artigo 382.º do Código de Processo Penal, sempre se dirá que, mesmo assim, face aos elementos factuais dos autos, o Arguido deveria ter sido absolvido da prática dos cinco crimes de abuso de poder. 25.º - No caso é evidente que se não justifica uma intervenção do direito penal, à luz de tais princípios, já que o valor a proteger se mostra devidamente tutelado pelo direito civil e pelo direito administrativo. 26.º - Ora, conhecimento de instrumentalização de poderes e violação de deveres, bem como do carácter ilegítimo de um benefício ou prejuízo, é coisa que se não descortina nos autos. 27.º - Por consequência, resulta, inequivocamente dos autos, um erro sobre os elementos de direito do crime de abuso de poder, que ao abrigo do artigo 16.º, n.º 1 do Código Penal, exclui o dolo! 28.º - Assim, o Tribunal a quo deveria ter relevado a existência do erro quanto aos elementos de direito do tipo de abuso de poder (artigo 16.º, n.º 1 do Código Penal) e, por, consequência, deveria ter dado como não verificados os elementos do tipo-de-ilícito e absolvido o Recorrente. 29.º - Pelo exposto, o Tribunal a quo não interpretou, nem aplicou, corretamente o artigo 382.º do Código Penal. 30.º - Caso tal não se entenda, sem prescindir, e por hipótese meramente académica, se conclua que se encontram verificados os elementos do tipo-de-ilícito do crime de abuso de poder e que existia, portanto, fundamento para condenar o Recorrente, essa condenação teria de ocorrer nos termos e segundo o regime do crime continuado. 31.º - Por isso, numa mera hipótese académica de que o Recorrente praticou o crime de abuso de poder, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o artigo 382.º do Código Penal, ao não aplicar o regime do crime continuado. 32.º - No dia 10 de janeiro de 2018, após o encerramento da Audiência de Discussão e Julgamento, foi o Arguido notificado pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal, para, querendo, se pronunciar e/ou requerer o que tiver por conveniente no âmbito da sua defesa, porquanto, o douto Tribunal Coletivo ponderava a possibilidade de o Arguido «vir a ser condenado como autor não de um crime de abuso de poder p. e p. pelo art.º 382 do Código Penal, como vinha pronunciado, mas de cinco crimes de igual natureza (abuso de poder)» e considerava a hipótese de considerar dois factos como provados, interligados com as empresas elencadas no Despacho comunicado. 33.º - Entende o Recorrente, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo, ao ter efetuado a alteração da qualificação jurídica dos factos, bem como a alteração não substancial dos factos, nos termos em que o fez, violou o disposto no artigo 358.º, n.º 3, no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, porquanto alterou todo o sentido da acusação, em total prejuízo das garantias de defesa do Recorrente. 34.º - A indicação patente no n.º 3 do 358.º do Código de Processo Penal não pode ser utilizada mecânica e automaticamente mal estejamos perante um caso em que a qualificação jurídica é alterada, antes terá de ser casuisticamente averiguado se, no caso sub judice, deverá recorrer-se à equiparação do regime: se o caso em apreço se traduzirá nas situações em que a nova qualificação adotada não implique um juízo de ilicitude completamente díspar do anterior, isto é, que possa condenar o arguido com base numa norma sobre a qual ele não tinha qualquer conhecimento, nem mesmo do interesse que aquela visa proteger 35.º - O regime da alteração da qualificação jurídica apenas se assemelha ao da alteração não substancial de factos, quando não há mudança para um crime diverso, nem quando existe uma agravação da moldura penal, caso contrário, estaríamos perante uma situação factualmente diferente o que colidiria com as garantias de defesa do Arguido. 36.º - A alteração da qualificação jurídica consistiu na condenação do Recorrente em CINCO crimes de abuso de poder e não de APENAS UM, como inicialmente se encontrava pronunciado, o que implicou um agravamento, em abstrato, da moldura penal máxima de 3 para 15 anos prisão e, em concreto, de uma pena de prisão máxima de 3 anos para 5 anos e 10 meses! 37.º - Ou seja, verifica-se inequivocamente que, o sentido da acusação NÃO se mantém o mesmo, não sendo o mesmo pedaço de vida que se discute! 38.º - O Tribunal a quo ao efetuar esta alteração nos termos efetuados e condenando o Arguido pela prática de cinco crimes de abuso de poder originou que um dos elementos cruciais da punibilidade do agente fosse ignorado e, no limite, condenou-se o Recorrente por cinco crimes dos quais não tem consciência. 39.º - Por outras palavras, o Tribunal a quo decidiu por uma condenação ilegal que afronta os direitos consagrados na Lei Fundamental e inerentes ao Estado de Direito. 40.º - tendo o Tribunal a quo condenado por cinco crimes de abuso poder o Recorrente, submetido a julgamento sob acusação apenas de um crime de abuso de poder, sem previamente lhe ter comunicado, nos termos e para os efeitos do artigo 359.º, o Acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, porquanto condenou o Recorrente por factos diversos dos descritos na acusação (alteração da qualificação jurídica dos factos), fora dos casos e condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. 41.º - O Tribunal a quo violou, assim, o disposto no n.º 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal e o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Porquanto o «Tribunal não poderia ter alterado a qualificação jurídica dos factos como o fez e, como tal, não respeitou as garantias de defesa do arguido». 42.º - o Tribunal a quo ao considerar os factos, a que se reporta a comunicação da não alteração substancial dos factos, como provados, violou os artigos 61.º, n.º 1, alínea c) e 358.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal e 32.º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. 43.º - Pelo exposto, o Acórdão recorrido é, igualmente, nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, porquanto condenou o Recorrente por factos diversos dos descritos na acusação (alteração da qualificação jurídica dos factos), fora dos casos e condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. 44.º - Consequentemente, o Tribunal a quo interpretou erradamente os artigos 358.º, n.º 1 e n.º 3 e o artigo 359.º, ao ter condenado o Recorrente pela prática de cinco crimes de abuso de poder e ao ter considerado factos como provados, tudo ao arrepio das mais elementares garantias de defesa do Recorrente. 45.º - Com efeito, estes preceitos deviam ter sido interpretados e aplicados no sentido de que: i) a alteração da qualificação jurídica dos factos, no caso concreto, não se poderia equiparar a uma alteração não substancial dos factos e, por isso, o Tribunal a quo deveria ter efetuado a comunicação da alteração da qualificação jurídica nos termos do artigo 359.º do Código de Processo Penal; e ii) o Tribunal a quo apenas poderia ter considerado como factos provados, os descritos no Despacho da comunicação da alteração não substancial dos factos, se tivesse assegurado todas as garantias de defesa do Recorrente, o que não o fez, porquanto, não indicou concretamente os meios de prova dos quais seriam inferidos a prova desses factos. 2.2.3.Da nulidade do acórdão, por nele se ter condenado por factos diversos dos descritos na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos art.ºs 358º e 359º do CPP
Neste segmento do recurso, cujas conclusões deixámos acima transcritas, entende o recorrente B… que “o Tribunal a quo, ao ter efetuado a alteração da qualificação jurídica dos factos, bem como a alteração não substancial dos factos, nos termos em que o fez, violou o disposto no artigo 358.º, n.º 3, no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, porquanto alterou todo o sentido da acusação, em total prejuízo das garantias de defesa do Recorrente.” E isto porque, traduzindo-se a alteração operada na condenação por cinco crimes de abuso de poder e não de apenas um crime, como inicialmente se havia concluído na pronúncia, uma tal alteração implicou um agravamento, em abstrato “da moldura penal máxima de 3 para 15 anos de prisão e, em concreto, de uma pena de prisão máxima de 3 anos para 5 anos e 10 meses”. Dizendo ainda o recorrente não se tratar do mesmo pedaço de vida, tendo sido condenado por cinco crimes dos quais não tinha consciência, sendo por isso uma tal alteração substancial, e, não tendo a comunicação da mesma, legalmente exigida, sido efetuada de harmonia com os art.ºs 358º e 359º do CPP, não foram asseguradas todas as garantias de defesa do arguido, sendo o acórdão recorrido nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, tendo sido violados odisposto no n.º 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal e o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Sendo ainda que, ao considerar como provados os factos, a que se reporta a comunicação da não alteração substancial, violou o mesmo Tribunal também o art.º 61.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 32.º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. Concluindo o recorrente que “o Tribunal a quo apenas poderia ter considerado como factos provados, os descritos no Despacho da comunicação da alteração não substancial dos factos, se tivesse assegurado todas as garantias de defesa do Recorrente, o que não o fez, porquanto, não indicou concretamente os meios de prova dos quais seriam inferidos a prova desses factos.”
A gravidade do vício invocado pelo recorrente resulta desde logo da possibilidade legal do conhecimento oficioso da nulidade dele consequente, nos termos da melhor interpretação dada ao nº 2 do art.º 379º do CPP[1].
Diz o art.º 379º, nº 1, al. b), do CPP que é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos art.ºs 358º e 359º do CPP, ou seja, fora dos termos em que seja legalmente admitida a alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Sobre esta matéria, justificando a necessidade de cumprimento do art.º 358º do CPP, com data de 09/01/2019, foi exarado em ata o seguinte: “Nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal (Alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia) o Tribunal coletivo comunica o seguinte: A) (nº 3 da norma citada) Após deliberação o Tribunal pondera a possibilidade de o arguido B… vir a ser condenado como autor não de um crime de abuso de poder p. e p. pelo art.º 382º do Código Penal, como vinha pronunciado, mas de cinco crimes de igual natureza (abuso de poder), tendo como base factual os factos já constantes da pronúncia dignamente e relativamente aos contratos celebrados pela “E1…, E.E.M.” com as seguintes empresas: 1º - F…, Lda., G…, Lda., H…, SA., I…, Lda., J…, Lda. e K…, Lda.; 2º - L…, SA./M…, SA.; 3º - N…, Lda., e O…, SA.; 4º - P…, Lda.; 5º - Q…, Lda.; B) (art.º 358º, nº 1) Após deliberação o Tribunal pondera a possibilidade de considerar como (facto) provado: 1º - A circunstância de a celebração dos contratos mencionados supra em A) 3º, 4º e 5º não ter sido precedida de qualquer consulta de mercado (para obtenção do melhor preço/condições) junto de terceiros suscetíveis de prestarem os mesmos serviços em causa. 2 – No âmbito do contrato mencionado supra em A) 5º, o arguido B… sabia que o custo/preço de mercado de colocação de um painel idêntico ao que veio a ser colocado pela Q…, Lda., não era superior a euros 7.000,00 (com IVA incluído) sabendo portanto que a celebração do contrato em causa seria suscetível de causar à E1… um prejuízo de, pelo menos, euros 17.212,55. Notifique todos os intervenientes processuais, sendo arguido B… para, em 10 dias e nos termos do disposto no artigo 358º, nº 1, do Código Processo Penal, querendo, se pronunciar e/ou requerer o que tiver por conveniente no âmbito da sua defesa designadamente a eventual produção de novos meios de prova.”
Após notificação do acórdão, pronunciou-se o arguido B…, nos termos de fls. 6313 e ss., determinando o Tribunal a reabertura da audiência de julgamento, visando a produção de prova ali requerida pelo arguido, tendo ainda o mesmo Tribunal, por acórdão proferido na sessão da audiência de julgamento, de 19/03/2018, indeferido as nulidades ali arguidas, por entender, após deliberação, que nenhuma foi cometida, “uma vez que o art.º 358º e 359º não exige que a deliberação relativa à comunicação de alteração não substancial de factos seja fundamentada com recurso aos meios de prova produzidos”.
Ora, estando em causa a existência ou não de alteração de factos descritos na pronúncia, a primeira pergunta a fazer é o que se pode entender por factos para que se possa considerar que os mesmos foram alterados ou passaram a ser diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, e nessa medida possam também ser constitutivos do objeto do processo?
Subjacente a esta questão está, desde logo, a problemática da fixação do objeto do processo e o princípio da vinculação temática do tribunal, corolário do princípio do acusatório, segundo o qual é a acusação que fixa perante o tribunal esse mesmo objeto, vinculando-o. Podendo dizer-se que o objeto do processo é o objeto da acusação, que um e outro coincidem, com o sentido de que é a acusação que fixa os limites da atividade cognitiva e decisória do tribunal, isto é, o thema probandum e o thema decidendum. Sendo por isso que esse objeto, por regra, deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da sentença – é o que se denomina por princípio da identidade.
Subjacente a tais princípios está, em primeiro lugar, a garantia de um efetivo exercício do direito de defesa por parte do arguido[2], mas também, por outro lado, e numa relação de equilíbrio e de proporcionalidade com aquele direito, outros interesses ou valores essenciais, com ele conflituantes, como seja a descoberta da verdade material, a eficácia da ação penal e a realização da pretensão punitiva do Estado, que não apenas, portanto, meros interesses de economia processual.
Mas devendo em regra o objeto do processo manter-se o mesmo desde a dedução da acusação ou da pronúncia até ao trânsito em jugado da sentença, a questão primeira a colocar, tendo em vista aferir da preservação ou não dessa identidade do objeto do processo, será então a seguinte: quando é que se pode afirmar que tal objeto deixou de ser o mesmo, ou melhor, nas palavras da lei, quando é que, nos termos e para os efeitos dos art.º 358º e 359º do CPP, poderemos dizer que ocorreu uma alteração do objeto do processo? Que é o mesmo que dizer, uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia? Questionamento este que se coloca, como já referimos supra, no âmbito da chamada identidade do objeto do processo ou do princípio da identidade do objeto processo. Isto é, o principio segundo o qual o “objeto do processo deve manter-se idêntico, o mesmo, da acusação à sentença definitiva – o que é acusado deve ser o mesmo (eadem res) sobre que se pronuncie o réu, sobre o que venha a instruir e a alegar, a julgar e finalmente a sentenciar e a recorrer.”[3] E é também um problema de “critério da identidade do objeto do processo” ou do modo como se pode aferir se um determinado problema, aquele que ora nos é posto, no sentido de apurar se o mesmo traduz ou não a existência de um objeto processual distinto do inicialmente proposto.
Na abordagem de tal problema, é essencial debruçarmo-nos sobre as normas que regulam a determinação do objeto do processo e, sobretudo, os termos da possibilidade da sua alteração ou convolação, fundamentalmente na fase de julgamento. Desiderato que nos leva ao art.º 1º, al. f), do CPP, cuja norma nos diz em que consiste a alteração substancial dos factos, ao afirmar que é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Diga-se antes de mais que uma tal alteração é uma alteração grave, no risco que representa para os direitos de defesa do arguido, gravidade que resulta espelhada no regime imposto à possibilidade de uma tal alteração pelo art.º 359º do CPP, e desde logo ao estabelecer que a alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, a não ser que se verifiquem os pressupostos e condições estabelecidos nos números seguintes da mesma norma – e em especial o acordo do Ministério Público, do arguido e do assistente para com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
Ou seja, para haver uma tal alteração, a reclamar o regime rigoroso da sua admissibilidade legal, é necessário, em primeiro lugar, que ocorra uma modificação do acervo factual descrito na acusação ou na pronúncia, em termos tais que implique a imputação de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis – art.º 1º, al. f), do CPP.
Sujeitando-se já ao regime jurídico da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia aquela modificação que, a contrario da noção dada no art.º 1º, al. f), do CPP, não seja qualificável como substancial, mas possa ter relevância jurídico-penal na decisão a proferir, como acontece, por exemplo, com as alterações que contendam com a determinação concreta da espécie e medida da pena a aplicar, seja quanto aos graus de culpa, de ilicitude, etc.. Equiparando a lei à alteração não substancial, com o sentido e alcance que referiremos a seguir, a simples alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, como resulta do art.º 358º, nº 3, do CPP.
Tirando a mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, para que se possa falar em alteração não substancial dos factos é necessário que, além duma modificação da factualidade inicialmente prevista na acusação ou pronúncia, essa modificação seja relevante, jurídico-penalmente relevante, à luz dos princípios que enformam a vinculação temática do tribunal, a identidade do objeto do processo, e as garantias de defesa que lhes estão subjacentes. Daí que, se entendermos como facto, isto é facto com um sentido determinante do objeto do processo, o “acontecimento ou pedaço de vida” suscetível de um determinado “juízo de subsunção jurídico-penal”, então é bom de ver que a factualidade inicialmente descrita na acusação se manteve exatamente a mesma até à decisão final. Isto é, os factos dados como provados na decisão recorrida, pelos contratos celebrados, como se diz no acórdão acima referido, pela E1…, E.E.M., com as sociedades F…, Lda., G…, Lda., H…, SA., I…, Lda., J…, Lda. e K…, Lda., L…, SA./M…, SA., N…, Lda., O…, SA., P…, Lda. e Q…, Lda., constam todos eles da acusação deduzida pelo Ministério Público, constante de fls. 3998 a 4313 (para a qual remete o despacho de pronúncia, dando-a como reproduzida).
Mais precisamente, a matéria de facto dada como provada no “PONTO PRIMEIRO”, §§ “9º”, al A) e seguintes, e §§ “32º” e “33º”, resultava concretamente alegada, por vezes ad nauseam, na acusação, designadamente de fls. 3916 a 3921 e de fls. 3925 a 3928.
E quanto à factualidade atinente aos contratos de empreitada que envolviam aquelas sociedades, nomeadamente a dada como provada no PONTO QUINTO, §§ “1º” a “9º”, com os ajustes diretos referidos de Aa) a As), a mesma já resultava concreta e abundantemente alegada na acusação do Ministério Público, nomeadamente de fls. 3935 a 3997. Ou ainda a factualidade dada como provada no PONTO SÉTIMO, parágrafos “2º”, “3º”, “4º” e “5º”, a qual resultava já alegada a fls. 4024 a 4054 da acusação. Ou ainda os ajustes diretos, regime simplificado, referidos nos §§ “52º” – O…, SA., “53º”, OC/2013/100/€5.000,00 – N…, Lda., e §§ “61º” a “66º”, também dados como provados no PONTO SÉTIMO (artigo 6º), que constam alegados de fls. 4078 a 4082 da acusação.
Ou seja, não houve qualquer alteração do acervo factual constante da acusação, que foi mantido pelo despacho de pronúncia e integralmente respeitado pelo acórdão recorrido.
Assim sendo, a referência a tal factualidade, aliás em cumprimento do disposto no art.º 358º, nºs 1 e 3, do CPP, foi feita pelo Tribunal de julgamento por este entender que relativamente a esses mesmos factos havia apenas que considerar uma mera alteração da sua qualificação jurídica. Foi isso o que o Tribunal disse e é isso que agora se confirma.
Não tem por isso qualquer fundamento a invocação por parte do recorrente de ter havido violação do art.º 359º do CPP, porquanto este conjunto normativo se refere à existência de alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, a qual, como vimos, se não vislumbra.
Temos, portanto, uma mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação. Nesta, assim como no despacho de pronúncia que se lhe seguiu, entendia-se que esses mesmos factos eram constitutivos de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo art.º 382º do Código Penal, enquanto o Tribunal de julgamento veio a considerar que esses mesmos factos eram afinal constitutivos de cinco crimes de abuso de poder, previstos e punidos por aquele mesmo art.º 382º do CP.
Assim sendo, a mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, mantendo-se estes inalterados, ou seja tal como vinham descritos na acusação ou na pronúncia, não dá sequer lugar à nulidade prevista no art.º 379º, nº 2, al. b), do CPP, porquanto esta tem como pressuposto ou fundamento uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, conduzam eles a uma alteração substancial ou não substancial. Sendo que, pese embora a lei, no art.º 358º, nº 3, do CPP, mande aplicar à alteração da qualificação jurídica a norma do nº 1 do mesmo artigo, prevista para a alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, fá-lo apenas tendo em vista a comunicação ao arguido dessa alteração e a concessão, se aquele o requerer, do tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, não indo além disso a equiparação entre uma e outra alteração.
Por outro lado, no que toca à alteração da qualificação jurídica dos factos ocorrida em julgamento, vinha sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência que a mesma cabia na liberdade de decisão exclusiva do tribunal, liberdade esta decorrente do princípio constitucional previsto no art.º 203º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, de que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, e a dar ainda significado ao facto de se não encontrar qualquer norma “que espartilhe ou limite a extensão ou o âmbito daquele exercício”, assim como o de que “as qualificações jurídicas efetuadas por outros sujeitos, no decurso da tramitação do processo, não vinculam o tribunal”[4]. Sendo por isso a questão da alteração da qualificação jurídica dos factos distinta da questão da alteração dos factos[5]. Era este o entendimento perfilhado na versão originária do Código de Processo Penal, segundo o qual, não se alterando o acervo factual constitutivo do objeto do processo, a qualificação jurídica resultante desses mesmos factos poderia ser livremente realizada pelo tribunal, não exigindo a lei, sequer, que para a condenação por uma diferente qualificação jurídica, devesse o tribunal previamente ouvir o arguido, considerando-se que a solução legal adotada era idêntica à do art.º 477º e ao a ele posterior art.º 521º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal Italiano, e não já a adotada pelo art.º 265º do Código de Processo Penal Alemão (StPO), que exigia fosse comunicado ao arguido a alteração da qualificação jurídica[6]. Artigo este que atualmente continua a prever a possibilidade de alteração da qualificação jurídica dada na acusação, desde que essa alteração seja comunicada ao arguido e a este seja ainda dada a oportunidade para dela se defender.
Foi neste sentido que o Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 445/97, se pronunciou, ao considerar “não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respetiva qualificação jurídica, mas tão somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.”
Tal acórdão está na origem da alteração operada ao art.º 358º do CPP, que veio estabelecer, precisamente, a necessidade de ser comunicada a alteração da qualificação jurídico-penal dos factos descritos na acusação, assim como a possibilidade de o arguido requerer prazo para preparação da sua defesa, relativamente a ela. Norma que foi no mesmo sentido da consagrada no art.º 265º do Código de Processo Penal Alemão (StPO).[7]
Sendo isso que ademais resulta do assento nº 3/2000, de 15/12/99, ao estabelecer que “Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respetiva defesa.”[8]
Sendo certo ainda, em bom rigor, como vimos supra, que nem sequer estamos perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, nos termos e para os efeitos do art.º 379º, nº 2, al. b), porquanto este mesmo normativo pressupõe uma alteração fáctica que não ocorreu no processo, mas apenas uma alteração da qualificação jurídica, a clamar embora a aplicação do regime previsto no nº 1 do art.º 358º, por força do seu nº 3, mas insuscetível de traduzir uma condenação por factos diversos, nos termos e para os efeitos do art.º 379º, nº 1, al. b), do CPP.[9]
Podendo concluir-se, citando o Professor Paulo Pinto de Albuquerque, que “O legislador quis decidir a polémica na reforma do CPP de 1998 e fê-lo ‘na continuação lógica do entendimento do Tribunal Constitucional’ (TERESA BELEZA, 1999:99), consagrando a solução da admissibilidade da qualificação jurídica livre pelo tribunal de julgamento, com a restrição da comunicação prévia da alteração ao arguido (artigos 339º, nº 4, e 358º, nº 3, do CPP).”[10]
No mesmo sentido, Frederico Isasca, ao dizer que “a questão da qualificação jurídica é algo que não se dilui no conceito de alteração (substancial ou não) dos factos, nem com ele se confunde. No que à qualificação jurídica se reporta e do nosso ponto de vista, a única interpretação possível correta da definição da alínea f) do art.º 1º, é a de qualquer que seja o juízo de subsunção que se formule sobe os factos constantes do objeto do processo, uma tal divergência nunca implicará uma alteração desse mesmo objeto processual”, assim como Teresa Beleza, ao afirmar não ser exigível “que o arguido tenha uma consciência técnico-juridicamente da exata subsunção da sua atividade em determinado artigo de determinado diploma”, ademais porque “a consciência da ilicitude exigida pelo Código Penal para existir fundamento para ser formulado um juízo de culpa pelo facto ilícito é virtual, normativamente subsumível pela exigibilidade da mesma (art.º 17º), exceto nos raros casos a que se aplique o art.º 16º do Código Penal (na parte em que respeita a ‘erros sobre proibições’). Além disso, a consciência da ilicitude que o Código Penal exige como base parcial do juízo de culpa – além da liberdade de decisão, quero dizer – não deve confundir-se com uma correta identificação por parte do autor do crime da tipificação dessa ilicitude.”[11] E seguindo o pensamento da mesma autora, podemos dizer que não é esse, dos raros casos em que possa haver erro sobre a proibição, o caso dos autos.
E sendo minoritária a posição que defende solução contrária, seja pela invocação do princípio da legalidade, admitindo apenas uma alteração in melius, ou procurando justificar a sujeição ao regime do art.º 359º do CPP a mera alteração da qualificação jurídica quando da mesma resulte a condenação por crime diverso ou o aumento dos limites máximos da pena aplicável, ora no direito do arguido a ser julgado por um tribunal coletivo ou de júri, ou nas implicações que advêm do facto de uma tal alteração poder ser subsequente a uma confissão integral e sem reservas, nos termos e para os efeitos do art.º 344º, nº 2, do CPP, e em que supervenientemente se pudesse suscitar a exceção prevista no nº 3 do mesmo artigo, e a utilidade prática de o arguido se poder vir a retractar[12], são tudo razões que se não vislumbra pudessem ser invocadas no caso dos autos, por ausência de qualquer suporte fáctico que as pudesse alimentar.
Sendo a solução dada ao caso dos autos a que melhor corresponde, não só à letra e ao espírito da lei, mas também à interpretação que dela vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional, como já supra se deixou referido.
No mesmo sentido, e ao nível da doutrina jurídica, entendia o Professor Castanheira Neves dever “seguramente aceitar-se que o Tribunal seja livre de considerar todos os pontos de vista jurídicos pertinentes (iura novit curia)”, desde que pertinentes a algo, algo que supõe um objeto, cuja delimitação seria inaceitável se o juízo material de verdade a produzir sobre ele, embora necessariamente assente ou “informado por um sentido jurídico”, se limitasse, num unilateral dogmatismo, a uma “identificação das suas objetivações com as objetivações conceituais (e conceituais legais, no fundo), a bastar-se com um mundo de objetivações categoriais e de finitude estática logico-teoreticamente redutível – tudo o que é fugir de um unilateral extremismo, o do objetivismo naturalista, para um unilateral extremismo inverso, o do subjetivismo idealista”.[13] Dizendo o mesmo autor que “uma verdadeira autonomia de predicação material da verdade jurídica (…) só pode verificar-se pressupondo-se um objeto de predicação independente da própria predicação, i. é., um objeto que subsista não obstante a variabilidade dos juízos predicativos (só assim se poderá discutir qual destes é o exato)”. Acrescentando: “O que se traz ao tribunal não são as infrações tais como o direito criminal abstrata e analiticamente as pensa, mas os casos jurídico-criminais, tais como concreta e sinteticamente a vida social os realiza e daí que a unidade aqui em causa não seja a unidade do delito dogmática e abstrato-analiticamente pensado, mas a unidade do caso jurídico criminal concreta e processualmente proposto; aquela unidade ou pluralidade de delitos considerada vai influir decerto no conteúdo da decisão, mas não define o objeto concreto a decidir (…)”.
O que fica dito, essencialmente quanto ao princípio da identidade do objeto do processo, é confirmado pelo fundamento do princípio da indivisibilidade do objeto do processo, na medida em que “o mesmo não nos permite que o consideremos apenas em ordem à infração expressamente acusada, antes exige que esgotante e indivisivelmente seja conhecido e julgado todo o caso jurídico-criminal[14]. Só assim verdadeiramente o tribunal não fica vinculado ao ‘pedido’ do acusador, embora seja limitado pelo caso jurídico referido e proposto pela acusação.”[15] Só assim se alcançará um conhecimento individual e total do objeto do processo, que o princípio da indivisibilidade perspetiva, assim como o dever de “esse conhecimento ser considerado como se tivesse sido indiviso e total” – princípio da consunção do objeto processual. Esgotante cognição que, “não só corresponde ao interesse da realização da pretensão punitiva do Estado, como é imposta pela consideração dos interesses do acusado, que verá dessa forma – nos máximos limites possíveis respeitando-se o seu direito de defesa – decidida a sua sorte. Efetivamente, por isso que assim alcança o correspondente caso julgado o mais lato âmbito possível”.[16]
Assim, também Mário Tenreiro, interpretando o pensamento do Professor Jorge de Figueiredo Dias, ao considerar que “O objeto do processo será antes um recorte, um pedaço de vida, um conjunto de factos em conexão natural (e não já naturalística, por tal conexão não ser estabelecida com base em meros juízos procedentes de uma racionalidade própria das ciências da natureza) analisados em toda a sua possível relevância jurídica, ou seja, à luz de todos os juízos jurídicos pertinentes. O objeto do processo será assim a questão-de-facto integrada por todas as possíveis questões-de-direito que possa suscitar.”[17]. Por isso é que, tratando-se de “uma mera alteração na qualificação jurídica (independentemente de qualquer alteração nos factos) o contraditório deve ser assegurado ao réu, não podendo este ser surpreendido na sentença com uma incriminação diversa da acusada.” E citando Ludwig (apud Eduardo Correia), diz o mesmo autor: “Uma condenação com base em preceitos penais diferentes dos enunciados na acusação só será admissível depois que o arguido seja especialmente prevenido de tal modificação de ponto de vista jurídico e lhe seja dada a oportunidade para o esclarecer”.[18]
E no caso dos autos, foi-o. Tendo o arguido ora recorrente deduzido a defesa julgada pertinente, inclusivamente oferecendo prova para tal efeito.
Ou seja, no caso dos autos não ocorre a nulidade prevista no art.º 379º, nº 2, al. b), do CPP, porquanto o Tribunal a quo não procedeu a qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na pronúncia, mas apenas uma alteração da qualificação jurídica desses mesmos factos, a qual não integra a previsão normativa referida.
Por outro lado, tendo em vista a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da pronúncia, o mesmo Tribunal deu integral cumprimento ao nº 3 do art.º 358º do CPP, comunicando aquela alteração e dando oportunidade ao arguido, ora recorrente, para dela se defender, como aliás veio a acontecer, exercendo os direitos de defesa que a lei lhe concede.
Daqui decorre também a manifesta falta de fundamento para a invocação de um vício que não tem qualquer sustentação legal, não só porque de todo não seria sequer equacionável no âmbito da mera alteração da qualificação jurídica dos factos, porquanto se trata de uma operação de mera subsunção jurídica dos mesmos ao direito aplicável, mas também porque, ainda que estivéssemos perante uma mera alteração não substancial dos mesmos, a lei não exige, nem materialmente se justificava que exigisse, a comunicação dos meios de prova que implicassem uma tal alteração ou que impusesse uma verdadeira motivação da decisão de facto, relativamente aos factos que traduzissem essa alteração não substancial.
Nem na letra nem na teleologia da norma do art.º 358º do CPP se pode extrair uma tal imposição. O que, a entender-se assim, e por absurdo, redundaria ou poderia redundar na prolação de uma autêntica motivação da decisão de facto, da qual transparecesse a formação da convicção do Tribunal, como se de uma decisão final se tratasse, mas sem que os sujeitos processuais pudessem usar da palavra para alegações, e sem que uma tal decisão vinculasse o Tribunal relativamente àquilo que sobre a mesma matéria viesse a decidir a final. Ou seja, uma atuação que, além de materialmente injustificada, se podia vir a revelar inútil.
O que o art.º 358º (considerações que valem para a hipótese de se estar perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que não é a que aqui está em causa) exige é apenas a comunicação dos factos que traduzam uma alteração não substancial dos descritos na acusação ou na pronúncia, e não das provas que os sustentam, tanto mais que poderão ainda vir a ser produzidas novas provas, tanto as que faltem produzir e já indicadas, como outras que venham ainda a ser indicadas ou determinadas, quer ao abrigo do art.º 358º, no exercício do direito de defesa relativamente aos factos objeto de alteração, quer ao abrigo do art.º 340º do CPP.
E é em relação a esses factos que se põe a necessidade de respeitar o princípio do contraditório, precisamente por serem novos no processo, mas não já as provas produzidas em audiência, previamente a eles, e em relação às quais já as partes tiveram a oportunidade de se pronunciar e exercer em relação a elas o contraditório. E só se estivéssemos perante a produção de provas novas, isto é, que não tivessem sido previamente indicadas nos autos pela acusação ou pelos demais sujeitos processuais é que se levantaria, em relação a elas, a necessidade de exercer o contraditório. Sendo que não havendo provas novas a comunicar, muito menos se vislumbra que devesse o Tribunal, com base nas que haviam sido previamente comunicadas e em relação às quais foi respeitado o contraditório, fundamentar uma qualquer convicção, como se tivesse de dar como provados tais factos, pois tal entendimento “não só contraria o princípio da vinculação temática, como não respeita, nem o estatuído no art.º 358º, e menos ainda no art.º 359º (…) a produção de prova é algo que pressupõe que os factos sobre que recai, façam parte do objeto do processo. O que nos casos do art.º 358º só é possível após a comunicação ao arguido da alteração e da concessão dos direitos de defesa que o preceito impõe (…) Não é, pois, correto, neste contexto, falar-se de novos factos provados ou não provados. O mais que se poderá afirmar é que estão indiciados ou fortemente indiciados.”[19]
O que tem de se comunicar, portanto, face à letra e ao espírito das normas do art.º 358º do CPP são apenas os factos em relação aos quais se possa ter verificado uma alteração não substancial e não as provas produzidas até à comunicação de tal alteração[20], as quais já haviam sido levadas ao conhecimento dos respetivos interessados, que na sua produção e previamente a ela tiveram já a oportunidade de exercer o contraditório.
Não se vislumbra, portanto, que possa ter havido qualquer violação do princípio do contraditório, mais uma vez quer à luz do art.º 61º, nº 1, al. c), do CPP, quer à do art.º 32º, nºs 1 e 5 da CRP.
Assim sendo, além da não verificação da nulidade invocada, também se não vislumbra como possa ter havido violação de qualquer norma constitucional, e designadamente o art.º 32º, nº 1, da CRP, cujas garantias de defesa aí consagradas, incluindo o direito fundamental ao recurso, assim como a estrutura acusatória do processo penal e a subordinação dos atos processuais ao princípio do contraditório, nos termos previstos no nº 5 do mesmo artigo, se mostraram devidamente salvaguardados.
Razão por que, nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso. ……………………………
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…………………………… 2.2.7. Verificação dos pressupostos objetivos e subjetivos do crime de abuso de poder, previsto e punido pelo art.º 382º do Código Penal;
Neste segmento do recurso, entende o recorrente que não praticou qualquer crime de abuso de poder, previsto e punido pelo art.º 382º do CP. Querendo dizer com isso, desde logo, que não violou deveres inerentes às suas funções, porquanto a conduta típica é referida pela hipótese da norma tanto a “abusar de poderes” como a “violar deveres inerentes às suas funções” de funcionário.[21]
O ponto fulcral da impugnação da decisão de direito recorrida assenta na ideia de “impossibilidade de condenação do recorrente por qualquer crime de abuso de poder, tendo por base a violação de contratação pública”. Ou seja, como se dissesse: tendo por base a mera violação da contratação publica, é impossível o cometimento do crime de abuso de poder. E acrescenta, invocando o douto parecer junto ao processo: “sendo o procedimento de contratação pública matéria de direito administrativo e sendo ainda um procedimento que culmina com o ato administrativo “adjudicação” (o ato que se traduz na escolha da parte contratante), parece-nos, todavia, que não se pode confundir a teleologia destes atos/procedimentos com a teleologia daqueles atos de autoridade “administrativa”: os clássicos “atos administrativos”. Na contratação pública, não estamos perante os denominados “poderes de autoridade”, em sentido tradicional ou em sentido próprio – ou seja, aqueles atos que se repercutem diretamente na esfera jurídica dos cidadãos/administrados, independentemente do seu consentimento (ou seja, sem qualquer base contratual) –, se quisermos, não estamos perante serviço público administrativo, tal qual o (re)conhecemos na doutrina administrativa. (…) De um ponto de vista de enquadramento geral, é seguro que a empresa municipal “E1…” estava submetida à disciplina da contratação pública. A questão que agora se coloca – e é a questão penalmente relevante para o caso – é a de saber se a matéria da contratação pública está compreendida no (conteúdo do) crime de abuso de poder, tal qual está enunciado no art.º 382º do CP.” E explica, logo a seguir, que o crime de abuso de poder “está integrado no designado “abuso de autoridade” (assim o nome da Secção em que se integra tal crime), mas abuso de autoridadeno seu sentido clássico de prestação/atuação do Estado para o exterior, ou seja, numa posição de superioridade ou de supremacia. Quanto a nós, esta conclusão resulta da leitura e da análise sistemática dos preceitos do CP sobre abuso de autoridade/de poder ou abuso de função. Com efeito, o abuso de poder tem por referência a exteriorização do poder do Estado, representado no agente legalmente investido de tais poderes. Desde logo, observe-se que o crime de abuso de poder é um crime que tutela valores “ideais” e não necessária ou exclusivamente “patrimoniais””. E mais adiante ainda: “Com efeito, a contratação pública não nos parece que seja matéria que possa ser considerada incluída no bem jurídico tutelado pelo crime de abuso de poder. Neste caso, parece-nos que, inexistindo no CP tipo legal idêntico ou tipo legal com extensão idêntica, àquele que consta do nº 2 do art.º 26º da Lei de responsabilidade de titulares de cargos políticos, não se afigura possível a imputação de um crime de abuso de poder a quem não detenha a qualidade exigida naquele tipo legal previsto nº 2 do art.º 26º, da Lei nº 34/87 em matéria de contratação pública (ser titular de cargo político).» (sublinhado e negrito nossos) Para, assim, concluir que «Numa interpretação sistemática e teleologicamente orientada do crime de abuso de poder, constante do art.º 382º do CP, cremos que não cabe, no seu conteúdo ou no seu âmbito de proteção, a matéria da contratação pública. Com efeito, o crime de abuso de poder integra-se no denominado “abuso de autoridade” (assim a designação do capítulo em causa); mas esta autoridade refere-se à autoridade administrativa “clássica/agressiva” (não à “atividade contratual” da administração pública). Só quando esteja em causa a atividade administrativa ou judiciária “clássica”, é que se justifica abrir a discussão sobre se os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de abuso de poder, previsto no CP, estarão preenchidos num caso concreto.» (sublinhado e negrito nossos)”
O que o recorrente faz, em bom rigor, arvorando-se nos doutos pareceres juntos ao processo, é uma interpretação restritiva do art.º 382º do CP, e do conceito de funcionário aí referido, entendendo-o apenas como abrangendo a “autoridade no seu sentido clássico de prestação/atuação do Estado para o exterior, ou seja, numa posição de superioridade ou de supremacia”, mas sem que para uma tal interpretação ofereça um mínimo fundamento.
Recordemos que o Professor J. M. Damião Cunha havia já alertado para o facto de o conceito estrito de funcionário público estar normalmente ligado às al. a) e b) do nº 1 do art.º 386º do Código Penal. Mas acrescentando que, nos casos previstos no nº 2 do mesmo artigo, haveria ainda que “considerar hipóteses em que, dentro desta categoria, cabem funcionários em sentido estrito: assim o caso do gestor público, bem como o caso de funcionários da empresa ou de trabalhadores que, enquadrados numa empresa, estejam sujeitos a um regime estatutário análogo ao da função pública.”[22] Ou seja, mesmo no entendimento estrito aí referido, que o mesmo autor tinha do conceito de funcionário público, considerava-o preenchido com os casos referidos, nomeadamente o do gestor público, que estivesse sujeito a um regime estatutário análogo ao da função pública. Para o distinguir dos casos de empresas públicas regidas por normas de direito privado e em que o estatuto do pessoal é o do regime do contrato individual de trabalho (art.ºs 3º, nº 1, e 30º, nº 1, do pretérito DL nº 260/76, de 08/04, atualmente DL nº 133/2013, de 03 de outubro), invocando ademais o Estatuto do Gestor Público (DL nº 464/82, de 09/12, atualmente DL n.º 71/2007, de 27/03) para afirmar que este último delimitava o conceito de gestor público por forma bastante mais restrita (por referência ao art.º 1º daquele diploma, atualmente art.ºs 2º a 4º do DL nº 133/2013, conjugado com os art.ºs 1º e 2º do DL n.º 71/2007, de 27/03) do que o que está previsto no Código Penal. Concluindo o mesmo autor: “E essa interpretação deve ter em atenção as considerações fundamentais que se retiram do art.º 386º, nº 1 (…), isto é, a atribuição da qualificação de funcionário a um agente deve estar dependente ou de uma especial qualificação vinculação ou qualificação pessoal deste, ou do facto de este desempenhar funções ou participar numa empresa em que desenvolva uma atividade de serviço público. Esta conclusão, de resto, parece resultar do próprio Estatuto das Empresas Públicas, na medida em que, como se viu, só quando as empresas públicas explorem serviços públicos é que os seus estatutos podem estar submetidos a um regime de direito público, bem como ser-lhes concedidos especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade; e, por outro lado, o estatuto do pessoal pode ser baseado no Estatuto do Funcionalismo Público. §37 Esta interpretação permite, aliás, uma solução análoga àquela a que procedemos para o art.º 386º, nº 1. Assim serão equiparados a funcionários públicos os “gestores públicos” (tal como são definidos pelas diversas formas pelo DL nº 464/82) e todos aqueles que exerçam funções ou participarem (incluindo os trabalhadores) numa empresa que, independentemente da forma que assuma, explore serviços públicos.”
Ou seja, o ora recorrente, aquando da prática dos factos em causa nos presentes autos, era administrador executivo da E1…, E.E.M., empresa pública criada ao abrigo do DL nº 58/98, de 18/08, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, e sujeita à superintendência da Câmara Municipal E…. Foi uma empresa de direito púbico, nos termos do art.º 33º, nº 1, da Lei nº 53-F/2006 (na redação introduzida pela Lei nº 55/2011, de 15/11), passando a ser pessoa coletiva de direito privado com a entrada em vigor da Lei nº 50/2012, de 31/08 (ou seja, a 01/09/2012, por força do seu art.º 72º).
Como bem referiu o Tribunal a quo, ilação fáctico-conclusiva e jurídica que não foi posta em causa pelo recorrente, o Estatuto do Gestor Público é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do setor empresarial local (art.ºs 1º e 5º do DL nº 71/2007, de 27/03/, Lei nº 53-F/2006, de 29/12, RT.º 47º ex vi art.º 34º, nº 1, e art.º 30º, nº 4, da Lei nº 50/2012, de 31/08.
Do art.º 1º, nº 1, do DL. nº 71/2007, de 20/03, que aprovou o novo estatuto do gestor público, resulta que para os efeitos de tal diploma legal, se considera gestor público quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, e designadamente as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado, designadas por 'entidades públicas empresariais' (E.P.E.), como é o caso da E1… – art.ºs 23º e 24º do DL n.º 558/99.
Do exposto, somos levados a concluir que o arguido ora recorrente, mesmo no entendimento mais estrito do conceito de funcionário propugnado, o mesmo foi por ele abrangido, e, logo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 386º, nº 2, do Código Penal. E por maioria de razão o seria se perfilhado o entendimento de que “os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores das empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos e com participação maioritária de capital público são funcionários quer as referidas entidades explorem serviços públicos, quer explorem outros serviços”, porque “o propósito do legislador foi manifestamente o de evitar lacunas de punibilidade em relação a ‘funcionários’ cujo paralelismo com o funcionário era evidente”.[23] E assim também será funcionário, para efeitos de determinação possível do sujeito ativo do crime de abuso de poder, previsto no art.º 382º do Código Penal[24], porquanto o mesmo terá de ser funcionário no sentido utilizado por aquele artigo 386º, e também na “equiparação a funcionário a que para efeitos da lei penal procede o nº 2 deste artigo”[25].
O conceito restritivo de funcionário como o propugnado pelo recorrente, usando as palavras do Professor Paulo Pinto de Albuquerque, “não é aceitável (…) ele contraria o propósito ampliativo do legislador e a ratio da equiparação legal, já referidos (exatamente nestes termos, com base no § 11º (1) 2.c do StGB, TRÖNDLE-FISCHER, anotação 17ª ao § 11º, SS-ESER, anotação 21ª ao § 11º, e HK-GS-BANNENBERG, anotação 10ª ao § 331º: ‘o fim de proteção desta disposição – a defesa da objetividade do exercício da função e indiretamente a confiança do povo nela – tem lugar no desempenho de tarefas sob formas privadas exatamente como no desempenho de tarefas sob formas de direito público’”. Acrescentando o mesmo autor que sobre essa intentio expansiva do legislador se pronunciou o Professor Faria Costa, relativamente ao nº 2 do art.º 386º, reconhecendo-a como existente, nos seguintes termos: “parece-nos ser evidente, a todas as luzes, que se está perante um alargamento da equiparação a funcionário que, em alguns casos, não tem, a nossos olhos, qualquer ligação substancial com o conceito matricial de funcionário que o direito público nos oferece”. E embora o mesmo autor considerasse que “se foi longe demais na equiparação”[26], a verdade é que uma tal equiparação resulta da própria lei.
Ora, enquanto crime específico próprio que é, porque a sua ilicitude típica se funda na qualidade de funcionário da pessoa que o pratica, o crime de abuso de poder previsto no art.º 382º abrange os atos praticados por gestores com as qualidades e funções que o ora recorrente desempenhava enquanto Presidente do Conselho de Administração da E1…, E.E.M., nos termos já supra referidos.
Por outro lado, considerando ainda que o bem jurídico protegido por tal tipo-de-ilícito é “a integridade do exercício das funções públicas” “e, acessoriamente, os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa”[27], ou “a autoridade e a credibilidade da administração do Estado, ao ser afetada a imparcialidade e a eficácia dos seus serviços”[28], é bom de ver que esse mesmo bem jurídico se mostra atingido pelo comportamento do arguido, na medida em que este, em violação dos deveres inerentes às suas funções, atuou com a intenção de obter para terceiro benefício ilegítimo, e ilegítimo no sentido de que a violação dos deveres que lhe incumbiam, enquanto funcionário, “manifestou-se exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração”[29]
Sendo judiciosas as considerações tecidas pelo Tribunal a quo de que “dificilmente se compreenderia que, punindo o art.º 382º Código Penal qualquer funcionário da administração pública por menores que fossem as suas atribuições ou responsabilidades, deixasse impune factos com a gravidade em apreço cometidos por quem exerce cargos de tamanha responsabilidade.”
De facto, nos termos dados como provados nos pontos I, II,III, V (empreitadas) VII, situações nº 2 (Parceria Comercial e de Apoio à gestão com a M…, SA.), nº 3, (Contrato de prestação de serviços de acessoria de comunicação e imprensa com a N…, Lda.), nº 4 (Acompanhamento do processo de encerramento da E1… pela P…, Lda.), nº 6 – factos provados nºs 52 e 63 (Ajuste Direto nº 11/2013 – O…, SA.) e nº 5 (Aquisição e montagem de tela para outdoor à sociedade Q…, Lda.), resulta que o arguido B...., decidiu adotar procedimentos contratuais ad hoc, afastando conscientemente a consulta de preços ou concurso aberto entre possíveis fornecedores, e assim também a igualdade de oportunidades entre potenciais interessados, assim como as exigências mínimas de transparência e não discriminação, bem sabendo que atuava em violação de normas imperativas do Código dos Contratos Públicos e dos mais elementares deveres de probidade, isenção e prevalência do interesse público que sobre ele impendia por força do cargo que desempenhava. Mais sabia e queria o arguido, ao agir na forma aí descrita, beneficiar as sociedades comerciais acima referidas, ao não assegurar a livre concorrência e ao assumir as obrigações derivadas para a E1…, que no âmbito do contrato celebrado com a N… se viu privada da quantia global de € 25.368,75, causando-lhe, na celebração do contrato com a P…, Lda., um prejuízo patrimonial no montante de, pelo menos, € 17.415,00, e de € 17.212,55 no caso do contrato com a Q…, Lda.
Como referimos supra, para o preenchimento, ao nível subjetivo do tipo, dos pressupostos do crime de abuso de poder ou de violação de deveres inerentes às funções exercidas por funcionário, nos termos em que o mesmo resulta conformado pelas disposições conjugadas dos art.ºs 382º e 386º do CP, não basta o mero conhecimento e vontade de o arguido ter agido e querido agir nos termos em que agiu, e foram dados como provados, mas sim que, além do conhecimento e vontade relativamente ao objeto imediato dessas ações, o arguido as consumou ainda com uma específica intencionalidade, isto é, com o objetivo de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. Sendo esta específica finalidade que surge, ao nível do dolo, como um elemento adicional, exigido pelo tipo legal de crime, que o legislador considerou essencial para o apuramento da responsabilidade penal do agente, “exigindo-se a orientação da conduta em ordem a atingir esse mesmo resultado”[30]. Sendo esta a mais correta interpretação da vontade claramente expressa na letra da lei, como resulta também dos doutos pareceres juntos aos autos, estando o crime de abuso de poder, previsto no art.º 382º do CP, estruturado como um crime de intenção ou de resultado cortado, para verificação do qual se exige, além do dolo do tipo, a intenção de produção de um resultado, que, todavia, não faz parte do tipo objetivo de ilícito[31].
Da factualidade dada como provada, somos levados a concluir que resultam preenchidos, relativamente ao arguido B…, os elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de poder (ou de violação de deveres inerentes às funções exercidas por funcionário), previsto e punido pelo art.º 382º do CP, incluindo o referido elemento adicional do tipo, ou seja, ter agido com o objetivo de obter para terceiro um benefício ilegítimo.
Por outro lado, não se vislumbra como dos autos resulte, como pretende o recorrente, um erro sobre os elementos de direito do crime de abuso de poder, no sentido de ver excluído o dolo, nos termos do art.º 16º, nº 1, do CP. E desde logo porque o recorrente assenta uma tal ilação em factualidade que não resulta espelhada naquela que foi dada como provada, não permitindo esta última (antes pelo contrário, como vimos supra ao abordar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, aliás, julgada improcedente) a sustentação de um tal erro. Seja no segmento em que o recorrente pretende ver reconhecido que atuou “com a falta de cuidado que as suas funções exigiam”, sendo certo que, quer na prática dos factos objeto das ações concretamente consumadas, quer na intenção com que as realizou, resultou provado ter agido com pleno domínio desses mesmos factos e com o sentido da sua ilicitude, assim como com a intenção de beneficiar as empresas envolvidas, nos termos dados como provados.
Neste, tal como nos demais fundamentos usados na motivação do recurso, no âmbito da impugnação da decisão de direito ou fáctico-conclusiva e jurídica, o recorrente parte de uma realidade que não é aquela que foi dada como provada.
Por outro lado, não vemos como possa ser aplicado no caso dos autos o regime jurídico do crime continuado.
Dispõe o art.º 30º, nº 1, do CP que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
Acrescentando, porém, o nº 2 do mesmo artigo que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
São, portanto, pressupostos do crime continuado:
a) A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
b) Homogeneidade da forma de execução, isto é unidade do objetivo da ação;
c) Lesão do mesmo bem jurídico;
d) Unidade de dolo, no sentido de que “as diversas resoluções devem conservar-se dentro de ‘uma linha psicológica continuada’”;
e) E persistência de uma “situação exterior” que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente[32].
Numa pluralidade de factos, aparentemente constitutivos de uma pluralidade de ilícitos típicos (quer os mesmos integrem várias vezes o mesmo tipo-de-ilícito, quer integrem diferentes tipos-de-ilícito, mas que tutelam fundamentalmente o mesmo bem jurídico), é dado verificar uma especial conexão objetiva e subjetiva entre eles que impõe um tratamento de unicidade com consequências ao nível da pena a aplicar. Sendo precisamente a justiça e a economia processual que, num determinado caso concreto, levam a tratar tais factos unitariamente, como se fossem um crime só.[33]
Para o Professor Eduardo Correia esta problemática tinha duas vias essenciais de resolução:
- Uma primeira, partindo dos princípios gerais da teoria do crime, teria como elemento aglutinador das diversas condutas que formariam o crime continuado a “unidade de determinação da vontade”, por parte do agente, ou a unidade de resolução criminosa (teorias ditas subjetivas), ou então a homogeneidade das condutas, a indivisibilidade ou a unidade do objeto (teorias objetivas).
- A segunda via, assentaria numa construção teleológica do conceito de crime continuado, fazendo valer fundamentalmente como seu pressuposto, e do tratamento unitário que o mesmo implica, a gravidade diminuída que o conjunto dos factos apresentaria face ao concurso real de infrações, fazendo com que múltiplas condutas ilícitas típicas fossem aglutinadas numa só, na medida em que revelassem uma considerável diminuição da culpa do agente[34].
Citando o mesmo ilustre Professor: “E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o fato. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direto.”[35]
Ou, nas palavras do Professor Figueiredo Dias, “a figura, tal como se encontra desenhada no direito positivo português, põe o acento tónico na unificação que para a relação de continuação deriva da diminuição da culpa, em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída”[36].
Ou seja, além da verificação dos elementos de conexão objetiva referidos (violação plúrima do mesmo tipo-de-ilícito ou de vários que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; que essa violação seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior), é necessário ainda que os comportamentos ilícitos sejam dominados por uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente – elemento este de conexão subjetiva entre os factos típicos em causa.[37]
Note-se que o texto da lei, isto é, o nº 2 do artigo 30º diz expressivamente que além da execução dos factos ter de ser essencialmente homogénea deverá ser levada a cabo “no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. E não qualquer diminuição, mas sim uma diminuição que se revele considerável, importante, significativa, grande.
Mas para termos uma ideia mais precisa do sentido e alcance da norma citada, e desde logo de situações exteriores típicas que traduzam uma solicitação para o agente que diminua consideravelmente a sua culpa, olhemos para alguns exemplos dados pelo Professor Eduardo Correia:
1º “A circunstância de se ter criado, através da primeira atividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os agentes” – dando o Il. Professor como exemplo, à data, o adultério.
2º “A circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa” (sublinhado nosso) – aqui é dado como exemplo a descoberta de uma porta falsa que dá acesso a uma casa e que se aproveita várias vezes para furtar objetos lá depositados;
3º “A circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa” – dando como exemplo o caso do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la.
4º “A circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua atividade criminosa – como acontece com o ladrão que entra num quarto para furtar uma joia e, verificando depois que lá se encontra dinheiro se apropria dele”.[38]
Outros exemplos análogos possíveis seriam o do caixa que diariamente se vai apropriando de pequenas quantias, mercê da falta de qualquer controlo, para assim poder lanchar com outros colegas. Ou o comerciante que, servindo-se de uma balança descalibrada, vai por esse meio enganando, para seu benefício, os respetivos clientes.
Nos exemplos citados, temos a verificação de todos os elementos de conexão objetiva, supra referidos, como pressuposto do crime continuado, assim como a situação exterior condicionante da atuação do agente, em termos de autodeterminação da vontade e na resistência que normalmente lhe seria exigível que tivesse à reiteração da conduta criminosa, porquanto aquele circunstancialismo, numa dinâmica de fora para dentro, marca ao agente uma linha psíquica contínua de facilitação de decisão e de atuação para além do que seria normal, isto é, têm todas em comum o serem “situações exteriores em face das quais o agente fica sem qualquer possibilidade de se comportar de outro modo, e que excluem, por isso, a exigibilidade de um comportamento diferente”.[39] Sendo precisamente neste elevado grau de “tentação”, ou nas palavras da lei, uma atuação no quadro da solicitação de uma mesma situação externa que diminua consideravelmente a culpa, que o instituto do crime continuado ganha a sua material justificação penal. Ou seja, não pode ser qualquer tentação ou solicitação externa, mas aquela que se revele consideravelmente elevada, de molde a tornar fora do comum a reiteração da conduta penal, permitindo um juízo de diminuída exigibilidade de um outro comportamento e assim também uma reduzida censurabilidade ético-jurídica dessa reiteração criminosa. E isto porque uma qualquer outra diminuição de culpa, inerente à reiteração da prática dos factos, encontrará adequada solução, não só nos critérios da determinação concreta das penas a aplicar, por força do disposto nos art.ºs 71º, nº 1, e 40º, nº 2, do CP, mas também no regime punitivo do concurso de crimes, cuja medida da pena conjunta irá ser encontrada “em função das exigências gerais de culpa e prevenção”, isto é, tendo em conta também os critérios gerais de determinação da medida da pena, contidos no art.º 71º, nº 1, do CP, assim como o especialmente previsto no art.º 78º, nº1, ou seja, de se considerar em conjunto os factos e a personalidade do agente, “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, tendo em conta “a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.”[40] E encontrando a culpa, ainda que diminuída, porque resultante de um quadro de solicitação exterior, adequada solução no regime da punição do concurso de crimes, mesmo que assente numa reiteração criminosa executada de forma essencialmente homogénea, não vemos como seja possível, como pretende o recorrente para o caso dos autos, que uma tal solução seja preterida ou afastada, reclamando a existência de um caso de crime continuado, quando é certo que, dos factos dados como provados nada resulta que permita considerar, quer a mesmidade da situação exterior relativa a todos os crimes e muito menos que ela constituísse um quadro de solicitação para o recorrente, em termos tais que este visse diminuída a resistência contra fática que crime a crime se impunha que tivesse. E de molde a que se considerasse a sua culpa, não só diminuída, mas consideravelmente diminuída, como a lei o exige.
Não é isso que se verifica no caso dos autos. A forma com que o arguido atuou implicou uma diferente e renovada determinação no modo como atuava, de forma especialmente circunstanciada, em contextos de realização concreta dos respetivos factos típicos, não só quanto ao modo de execução como às entidades envolvidas, completamente diferentes das anteriores. Comportamentos esses que são reveladores de uma resolução criminosa de renovada intensidade, a qual era heterogeneamente exigida pela especificidade de cada caso, a exigir uma permanente atenção e reordenação da atuação em função das concretas circunstâncias. A reiteração nas condutas ilícitas típicas foi essencialmente o resultado de uma renovada intensidade do dolo com que o arguido ora recorrente atuou e não porque o modo com que tenha atuado se haja de considerar inserido num quadro de solicitação de uma mesma situação exterior, e de molde a que se pudesse considerar a sua culpa como consideravelmente diminuída. E para tal basta ver que o caso dos autos, na complexidade da execução das condutas típicas e da resolução criminosa nelas pressupostas, não tem qualquer paralelo ou possibilidade de comparação com os exemplos acima referidos, dados pelo Professor Eduardo Correia, em cujo pensamento se baseou o instituto do crime continuado consagrado nos art.ºs 30º, nº 2, e 79º do CP - o grau de simplicidade e de homogeneidade das respetivas condutas, bem como o quadro externo em que elas têm lugar, criam no agente uma menor resistência à reiteração da conduta criminosa, e nessa medida convidam-no ou tentam-no a agir do mesmo modo com que havia agido na primeira realizada. Não sendo esse o caso dos autos.
Razão por que, também nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso.
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…………………………… 3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelo Ministério Público, pelo assistente/demandante cível, Município E…, e pelo arguido/demandado cível, B…, negando ainda provimento aos recursos pelos mesmos interpostos, mantendo na íntegra a decisão recorrida;
b) Condenar o arguido recorrente, B… nas custas do recurso, na parte crime, assim como o assistente Município E…, fixando a respetiva taxa de justiça, respetivamente em 6 UC e em 4 UC;
c) Condenar ainda o demandante e demandado cível nas custas do recurso, na parte cível, na proporção do respetivo decaimento.
Porto, 20 de novembro de 2019
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
__________ [1] Cf. Juiz Conselheiro Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Reimpressão, Almedina, 2014, p. 1183. [2] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 144 e 145. [3] Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, datilografado por João Abrantes, Coimbra 1968, p. 211. [4] Neste sentido, Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 101. [5] Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, Reimpressão, Coimbra, 2016, p. 188 e 189. [6] Frederico Isasca, idem, p. 104 e 105. [7] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, idem, p. 926. [8] Cf. ainda, por todos, Ac. do STJ, de 12/05/2009, Pº nº 33/05.0JBLSB.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt, segundo o qual “O CPP, na sua reforma introduzida em 1998 (Lei 59/98, de 29-08), na esteira do que já era o entendimento do TC, veio consagrar a possibilidade de uma livre alteração da qualificação jurídica em julgamento, desde que se proceda a comunicação prévia da alteração ao arguido, mediante a inserção do n.º 3 no art.º 358.º do CPP.” [9] Neste sentido, Maria João Antunes, Idem, p. 189. [10] Idem, p. 926. [11] Apud Paulo Pinto de Albuquerque, idem, p. 927 e 928 [12] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 8ª Edição, Universidade Católica, p. 286 e 387 [13] Sumários…, p. 239 e 240. [14] Já assim não seria se se adotasse “a solução da ultrapassada doutrina do fait qualifié”, na medida em que “impunha uma estrita vinculação à qualificação jurídico-legal enunciada pela acusação e aceite pelo despacho de pronúncia, em termos de se não poder condenar ou absolver o arguido por qualquer outra infração” – Idem, p. 235. Criticamente, também relativamente a esta doutrina, e quanto a eventuais repercussões no âmbito da mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sustentando que o “pressuposto ideológico da mesma” não foi o adotado pela lei portuguesa, Paulo Pinto de Albuquerque, Obra citada, p. 927 e 929. [15] P. 244 a 247. [16] P. 218 e 219. [17] “Considerações sobre o objeto do Processo Penal”, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 47, Lisboa, Dezembro de 1987, p. 1024 [18] Idem, p. 1031. [19] Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 200, nota 2. [20] Neste sentido, cf. Ac. do TRC, de 14/01/2015, in www.dgsi.jtrc.pt [21] Diz o art.º 382º: “O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter…” [22] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 821. [23] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, p. 1029 e 1030. [24] Paula Ribeiro de Faria, Idem, p. 779. [25] Ibidem. [26] Idem, p. 1030. [27] Paulo Pinto de Albuquerque, idem, p. 1013. [28] Paula Ribeiro de Faria, Idem, p. 774 e 775 [29] Paula Ribeiro de Faria, Idem, p. 778. [30] Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 780. [31] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, p. 379 a 381. [32] Leal Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 1982”, 1986, Vol. I, p. 208 e 209. [33] Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, p. 208. [34] Eduardo Correia, Idem, p. 209. [35] Ibidem. [36] Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 1032 e 1033. [37] Figueiredo Dias, Idem. [38] Idem, p. 210. [39] Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal - Da Unidade à Pluralidade de Infracções, Coimbra, 1996, p. 216 e ss.; [40] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 291.