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PODER JURISDICIONAL
VÍCIOS
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
Sumário
I - Proferida a sentença, o acórdão ou o despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz. II - Não pode, consequentemente, o juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão, ainda que adquira a convicção de que errou ou se torne para ele evidente que a decisão desrespeitou o quadro legal vigente. III - A extinção do poder jurisdicional tem por base a necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais, mas não é absoluta, sofrendo de algumas limitações previstas na lei. IV - Não se verificando in casu os pressupostos da reforma ou da retificação de erros materiais, a prolação do despacho que julgou não verificada a nulidade da citação produziu dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insuscetibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar. V - Embora o legislador tenha traçado um apertado numerus clausus das nulidades da sentença (do acórdão e do despacho), outros vícios podem afetar as decisões judiciais, sendo os vícios de essência aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de ato judicial e dão lugar à sua inexistência jurídica. VI - Seguindo a tese da inexistência jurídica (ou mesmo equacionando a qualificação da nulidade absoluta), tudo se passa in casu como se o despacho posterior, que designou data para a inquirição de testemunhas em sede de incidente de nulidade da citação, nunca tivesse sido proferido.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
1. Na ação executiva contra si intentada pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A., o Executado FM… interpôs recurso do despacho proferido no dia 9.7.2019, no qual se decidiu dar sem efeito a diligência agendada para o dia 30.9.2019, no âmbito do incidente de nulidade de citação por si deduzido, por estar esgotado o poder jurisdicional do Tribunal.
2. O Banco de Investimento Imobiliário, S.A. intentou ação executiva para o pagamento de quantia certa contra FM… e VP…, fundada em instrumento notarial, mediante o qual o Exequente mutuou aos Executados a quantia de 99 510,18 €, para a compra da fração autónoma "T", correspondente ao ….º frente do prédio sito na rua …, n.º …, Paivas, Amora, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o n.º …, tendo sido constituída hipoteca sobre o referido imóvel.
Alega que os Executados deixaram de cumprir o empréstimo em 15.10.2005, altura em que o capital em dívida se cifrava em 93 605,59 €, mantendo-se atualmente a situação de incumprimento, o que tornou vencida toda a dívida, nos termos contratual e legalmente previstos.
3. No dia 14.3.2007, a Agente de Execução prestou o seguinte esclarecimento:
«AG…, Solicitadora de Execução CPN Nº …, vem requerer a V. Exa. juntar aos autos Certidão de Citação Prévia Pessoal. - Junto: - Certidão de Citação Prévia Pessoal dos Executados em 14/03/2007.»
Constam da referida certidão duas assinaturas com o nome dos Executados, e o seguinte teore:
«Corroios, 14 - 03 – 2007 IDENTIFICAÇAO DO PROCESSO N.º do Processo: 2096/06.2TBSXL Tribunal: F. M. da Comarca do Seixal Exequentes: Banco Investimento Imobiliário, S.A, Executados: FM… e VP… Valor: 96.821,51 € Referência interna: PE/47/20065 Exmo(a) Senhor(a) FM… Travessa …. Edif. …, Bloco …, ….º Esq. … – “A Ver o Mar” – Póvoa do Varzim OBJECTO E FUNDAMENTO DA CITAÇÃO Fica(m) V. Exa(s), citado() para a acção executiva a que se refere o duplicado do requerimento executivo e documentos que o acompanham e que se anexam. Nos termos do n.º 6 do artigo 812.º do Código Processo Civil (C.P.C.) tem o prazo de VINTE DIAS PARA PAGAR OU PARA SE OPOR À EXECUÇÃO. Poderá efectuar o pagamento da quantia exequenda (96.821,51 €), acrescida dos despesas previsíveis da execução (n.º 3 do artigo 821.º do CPC) e dos juros. Os honorários e despesas devidos ao Solicitador de Execução ascendem no momento a 45,353 € sem prejuízo de posterior revisão. O pagamento poderá ser feito no escritório do Solicitador de Execução signatário, no horário indicado em rodapé. PATROCÍNIO JUDICIÁRIO Nos termos do disposto no artigo 60º do C.P.C, é obrigatória a constituição de Advogado quando o valor da execução seja superior à alçada do tribunal de primeira instância (3.740,99 €). COMINAÇÃO EM CASO DE REVELIA Caso não se oponha à execuçâo consideram-se confessados os factos constantes do requerimento executivo, seguindo-se os ulteriores termos do processo. INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
(…) Artigo 144º do CPC (…). Artigo 252.º-A do CPC (…) DOCUMENTOS ANEXOS Duplicado/cópia de requerimento executivo, respectivos documentos. ELEMENTOS RELATIVOS AO CUMPRIMENTO DA DILIGÊNCIA Pelas 15.45 do dia 14-03-2007, na Praça …, n, ….º Esq., freguesia de Almada, concelho de Almada 1 x Efectuei a citação de FM… 2 x na própria pessoa do citando.
(…) 4 x Verifiquei a identidade pelo documento de identificação B. Identidade, com o n.º …, emitido em Lisboa,por SIC Lisboa com data de 26-01-2001.(…)» (documento de fls. 9 e 10).
4. No dia 23.11.2007, o referido imóvel foi objeto de penhora no âmbito da presente execução.
5. No dia 12.5.2008, a Agente de Execução prestou a seguinte informação:
«AG…, Solicitadora de Execução nos autos supra referidos, vem pelo presente remeter a V. Exa. os seguintes documentos: a) Notas de notificação após penhora dos executados, bem como os respectivos A/Rs não reclamados. b) Notas de citação para reclamação de créditos, bem como os respectivos A/Rs devolvidos devidamente assinados.»
6. No dia 23.6.2008, a Agente de Execução enviou ao Executado, para a morada Travessa …, Edif. …, Bloco … – …º Esqº …-… A Ver O Mar – Póvoa do Varzim, a seguinte informação:
«OBJECTO E FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO Fica V. Exa. notificado da penhora constante do auto em anexo, pelo que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 863-B do Código Processo Civil, (C.P.C.) tem o prazo de DEZ DIAS para deduzir oposição. Mais informo que no prazo da oposição e sob pena de condenação como litigante de má fé, nos termos gerais, deve indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre o(s) bem(s) penhorado(s), bem como os respectivos titulares, podendo requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos da alínea a) do n.º 3 e do n.º 5 do artigo 834.º do C.P.C.»
7. No dia 19.1.2010, o Exequente requereu a junção aos autos de um requerimento e de um acordo assinados pelo Exequente e por ambos os Executados,com o seguinte teor:
«….º Juízo Cível Proc.º n.º 2096/06.2 TBSXL Exm.º Senhor Dr. Juiz de Direito do Tribunal Família, Menores e de Comarca do Seixal BANCO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A. e FM… e VP…, respectivamente exequente e executados nos autos à margem referenciados, vêm de comum acordo, requerer a V. Exa. se digne ordenar a suspensão da instância executiva e o pagamento da dívida exequenda, nos termos do disposto no artigo 882.º do CPC, de acordo c/ o seguinte plano: 1 — As prestações vencidas e não pagas dos empréstimos serão pagas em 54 prestações mensais e sucessivas de 98,66 €, cada, com início em 25-09-2009; 2 — Os referidos pagamentos serão efectuados por depósito na conta n.º … do Banco Exequente; 3 — Paralelamente ao pagamento da prestação referida no ponto 1, os executados retomarão o pagamento dos empréstimos. 4 — O presente acordo fica sujeito à condição resolutiva do seu bom e pontual cumprimento, podendo o Exequente, em caso de imcumprimento, exigir a quantia que se encontra em dívida, considerando o capital peticionado no requerimento inicial, acrescido dos respectivos juros calculados às taxas legais aplicáveis; 5 — Em caso de incumprimento as quantias recebidas peio exequente serão imputadas à dívida nos termos do disposto no art.º 785.º do CC. 6 — As custas em dívida, serão da responsabilidade do executado por ter dado causa à execução; 7 — A falta de pagamento de qualquer das prestações implica o imediato prosseguimento da execução.»
8. No dia 26.1.2010, foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento apresentado por exequente e executados em 19/01/2010: Nos termos do art. 882º CPC, declaro suspensa a instância executiva pelo período acordado para pagamento. Notifique. Dê conhecimento ao Sr. solicitador de execução.»
9. No dia 18.8.2011, o Exequente informou do seguinte:
«BANCO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., exequente nos autos suprareferenciados, vem informar V.Ex.ª que o plano de pagamento em prestações, apresentado em 19-01-2010, foi incumprido pelos executado, não tendo sido paga nenhuma prestação acordada, pelo que, requer a V. Ex.ª se digne ordenar o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos.»
10. No dia 16.1.2012, foi proferido o seguinte despacho:
«Visto o teor do requerimento apresentado pelo exequente em 18/08/2011 e comunicada a este tribunal em 06/12/2011, ordeno o prosseguimento da execução.»
11. No dia 7.8.2015, a Agente de Execução enviou ao Executado, para a morada Travessa …, Edif. …, Bloco … – …º Esqº …-… A Ver O Mar – Póvoa do Varzim, carta como o seguinte teor:
«FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 812º do Código do Processo Civil (CPC), fica V. Exa. notificado, na qualidade executado, para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor base do imóvel penhorado nos presentes autos e melhor identificado no Auto de Penhora datado de 22/09/2007.»
12. No dia 21.8.2015, o Exequente apresentou o seguinte requerimento:
«BANCO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO S.A. exequente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 812.º do CPC, vem requerer a V. Exa. se digne ordenar a venda do bem penhorado nos autos pelo valor base de €54.470,00 (cinquenta e quatro mil quatrocentos e setenta euros.»
13. No dia 10.12.2015, a Agente de Execução proferiu a seguinte decisão:
«Nos termos do artigo 812.º do Código Processo Civil, depois de ouvidas as partes, declara que tomou a seguinte decisão: BENS A VENDER O bem imóvel constante do auto de penhora elaborado na data 22/09/2007. MODALIDADE DE VENDA Venda mediante propostas em carta fechada. VALOR DE VENDA Valor Base: 70.820,00 Euros. Serão aceites propostas iguais ou superiores a 60.197,00 euros, correspondente a 85% do valor de base. CONSTITUIÇÃO DE LOTES Não há lugar à constituição de lotes. ENCARREGADO DA VENDA Não é aplicável ao caso em apreço. INFORMAÇÕES ADICIONAIS A determinação do valor base, efectuada nos termos do artigo 812.º n.º 2 e 3 do CPC, teve em consideração o Valor Patrimonial Tributável de avaliação efectuada há menos de 6 anos. (…)».
14. No dia 10.12.2018, a Agente de Execução enviou ao Executado, para a morada Travessa …, Edif. …, Bloco … – …º Esqº …-… A Ver O Mar – Póvoa do Varzim, carta como o seguinte teor:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 812.º do CPC, fica V. Exa. notificado(a), na qualidade de Executado(a), da decisão sobre a modalidade e valor da venda dos bens penhorados, nos termos constantes do documento anexo. Nos termos do n.º 7 do citado artigo 812.º, se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso. A discordância da decisão deve ser suscitada perante o Juiz, no prazo de DEZ DIAS.»
15. No dia 15.3.2017, a Agente de Execução prestou a seguinte informação:
«Considerando que: a) Foi aprovado, por despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09, a plataforma de venda em leilão eletrónico disponível em www.e-leiloes.pt, encontrando-se esta plataforma já em funcionamento; b) Nos termos do artigo 837.º do CPC, a venda de móveis e imóveis é feita referencialmente em leilão eletrónico; c) A venda por proposta em carta fechada implica um artificial e injustificado protelar da concretização da venda; d) Encontram-se assegurados os direitos das partes; e) Não foi ainda marcada dia e hora certos para a venda em carta fechada. Decide-se: Alterar a decisão anteriormente tomada, apenas na parte respeitante à modalidade de venda (carta fechada), decidindo-se a modalidade de venda em leilão eletrónico, mantendo-se o valor base anteriormente fixado. Da decisão do agente de execução cabe reclamação a ser apresentada, através de requerimento dirigido ao juiz do processo, no prazo de 10 dias contados da presente notificação.»
16. No dia 28.9.2017, a Agente de Execução fez uma pesquisa na base de dados da Segurança Social, da qual resulta que o Executado reside na seguinte morada:
«AV … EDF … … … ESQ, AVER O MAR C Postal: …-… PÓVOA DE VARZIM, Freguesia: AVER-O-MAR, AMORIM E TERROSO, Concelho: PÓVOA DE VARZIM Distrito: PORTO».
17. No dia 28.9.2017, a Agente de Execução fez uma pesquisa na base de dados da AT, Autoridade Tributária e Aduaneira, da qual consta como domicílio fiscal «AV … BL … …-… A VER-O-MAR.»
18. No dia 28.9.2017, a Agente de Execução enviou ao Executado, para a morada AV … BL … …-… A VER-O-MAR, carta com o seguinte teor:
«Fica ainda notificado, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 756.º do CPC, de que fica V. Exa. nomeado fiel depositário do imóvel penhorado, ficando expressamente notificado dos direitos e deveres que lhe são impostos na guarda do bem, nos termos do art. 1187.º do Código Civil. Em face do exposto, mais fica notificado, na qualidade de executado e fiel depositária do imóvel abaixo identificado, de que deverá facultar o acesso ao imóvel a fim de ser constatado o estado de conservação, e obtidas fotos do exterior e interior no mesmo, sob a cominação prevista no 771.º do CPC. Artigo 771.º - Dever de apresentação dos bens 1 - Quando solicitado pelo agente de execução, o depositário é obrigado a apresentar os bens que tenha recebido, salvo o disposto nos artigos anteriores. 2 - Se o depositário não apresentar os bens que tenha recebido dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado pelo juiz arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal. 3 - No caso referido no número anterior, o depositário é, ao mesmo tempo, executado, no próprio processo, para o pagamento do valor do depósito e das custas e despesas acrescidas. 4 - O arresto é levantado logo que o pagamento esteja feito, ou os bens apresentados, acrescidos do depósito da quantia de custas e despesas, que é imediatamente calculada. Imóvel: Fracção autónoma designada pela letra T, que corresponde ao …º andar frente, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº …, Paivas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº … da freguesia de Amora e inscrito na respectiva matriz sob o artigo … da freguesia de Amora, concelho de Seixal, distrito de Setúbal. Em face do exposto, informa-se que, com a receção desta notificação, deverá, no prazo de 10 dias, entrar em contacto com o escritório do agente de execução a fim de ser agendada a diligência.»
19. No dia 22.1.2018, a Agente de Execução apresentou o seguinte auto de diligência:
«No dia 02/01/2018, pelas 15:30 horas, na qualidade de Agente de Execução no processo em epígrafe, desloquei-me à morada do imóvel penhorado, a fim de proceder à notificação de fiel depositário e obtenção de fotografias para consequente inserção do bem na plataforma e-leilões. Neste local premi a campainha mas sem que ninguém tenha atendido ou aberto a correspondente porta. Das indagações realizadas resultou que, na verdade, quem os executados residem na morada referida, não tendo hora certa de permanência na residência. Sem que mais pudesse ser feito, pelas 16:00 horas, dei a diligência por encerrada, e por ser verdade lavrei o presente auto.»
20. No dia 19.3.2018, foi proferido o seguinte despacho:
«Em face do requerido, determino a requisição do auxílio da competente autoridade policial para efectuação da diligência solicitada (art.ºs 828.º, 861.º e 757.º, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável aos presentes autos por força do disposto nos art.ºs 6.º e 8.º dessa mesma Lei). Do acto deverá ser lavrado o respectivo auto. Notifique e proceda às habituais diligências.»
21. No dia 9.5.2018, a Agente de Execução fez uma pesquisa na base de dados da Identificação Civil, da qual consta que a residência do Executado é «r … Nº … - …º ESQ. Lugar: C. Postal:…-… Local.: SEIXAL Dist. Conc. Freg.: SEIXAL, ARRENTELA E ALDEIA DE PAIO PIRES * SEIXAL».
22. No dia 16.5.2018, o Executado juntou aos autos procuração forense e deduziu o incidente da nulidade da citação, pedindo que:
«a) Deve ser declarada a nulidade de todo o processo posterior à interposição do Requerimento Executivo em 2006, ordenando-se a citação pessoal do Executado e ora Requerente para deduzir Oposição/Embargos, com efeito suspensivo automático, desde logo para se exigir o estrito cumprimento da escritura de mútuo com hipoteca que vincula a Exequente num montante máximo a exigir ao abrigo do contrato, com eliminação dos juros ilegais e abusivos; com as consequências da inexistência da interpelação abominatória; etc…; b) Mais se requer a imediata anulação da venda/adjudicação, caso tenha sido efetuada, do andar em causa uma vez que tal transmissão não poderia efetivar-se sem que nos autos ficasse demonstrado sem sombra de dúvidas que o Executado tinha sido regularmente citado, com a advertência que era obrigatória a constituição de Advogado e de que dispunha do prazo de 20 dias para, querendo, apresentar a competente Oposição/Penhora, impugnar a penhora e tal como resulta dos autos tal nunca foi observado o que inquina nulidade todo o processado, a nada obstante o facto de já terem decorrido alguns anos uma vez que a responsabilidade é exclusiva da Exequente que indicou a Agente de Execução a qual não podia deixar de estar ciente dessa obrigatoriedade de citar bem como da proibição de entrega do produto da venda enquanto o presente processo executivo, ou melhor, a sentença que viesse por termo ao mesmo não tivesse transitado em julgado. O trânsito da sentença que não existe ainda não ocorreu e pasme-se apesar disso até já terá sido tentada a desocupação, devendo a Exma. AE providenciar pela respetiva chamada aos autos a fim de ser afastada a existência de boa-fé.»
Alega, em suma, que:
- A Agente de Execução nunca teve qualquer contacto pessoal com os Executados, nos termos do artigo 232.º, n.º 2, do CPC, logo não teve lugar a citação pessoal dos mesmos;
- Não foi entregue ao citando qualquer duplicado do requerimento executivo e documentação junta, nem foi informado do prazo para apresentar a competente Oposição/Embargos (artigo 235.º do CPC). Aliás, não se compreende a origem da morada referente à Praça …, n.º …, ….º Esq., Almada, como resulta do ofício junto aos autos reportado a 29.1.2010;
- Nem sequer consta do processo qualquer auto de certidão negativa de não citação, tal como não consta qualquer aviso postal ou outro assinado pelo Executado;
- Nunca foi dado cumprimento ao disposto no artigo 240.º, n.ºs 3 e 5, do CPC, uma vez que nunca se fez constar que os executados se consideravam citados nem foi afixada no local nota de citação;
- A secretaria deve juntar aos autos uma reprodução em papel do conteúdo da comunicação efetuada por meios telemáticos, que deve ser assinada pelo oficial de justiça;
- No âmbito da citação, o agente de execução está obrigado a juntar os originais comprovativos do ato de citação (efetivada ou negativa) (artigo 3.º, n.º 5 do mesmo diploma).
23. No dia 17.10.2018, foi proferido o seguinte despacho:
«Notifique o exequente e o A.E. para se pronunciarem quanto ao requerimento apresentado pelo executado.»
24. No dia 24.10.2018, a Agente de Execução prestou o seguinte esclarecimento: «1º No seguimento das diligências encetadas para citação dos executados FR… e VC…, a signatária diligenciou pelo envio de Citação Prévias dos executados, mediante carta postal para a morada Rua …, n.º…, ….º Frt, …-… Amora, as quais resultaram frustradas, tendo as mesmas sido devolvidas com indicação de “Mudou-se”. 2º Tendo os executados conhecimento do envio das Citações Postais, estes entraram em contacto com o escritório da signatária, tendo ambos comparecido no escritório da signatária. 3.º Em 14/03/2007 os executados deslocaram-se ao escritório da signatária, à data com morada, sito em Praça …, n.º … – ….º Esq.º, sala …, …-… Almada. 4.º Na data indicada os executados foram citados no escritório da signatária, conforme documentos que se juntam em anexo, nomeadamente certidão de citação, bem como cópia da citação postal entregue, tendo ainda sido entregue cópia do requerimento executivo e documentos em anexo. 5.º Os executados facultaram ainda cópia dos cartões de identidade, conforme documentos em anexo. 6.º Mais vem reforçar que os executados tem total conhecimento da execução, uma vez que consta dos autos acordo alcançado entre as partes, datado de 19/01/2010, conforme documento em anexos. 7.º Por último, de referir que em 18/08/2011, o Ilustre Mandatário do Exequente informa os autos que os executados não cumpriram o acordo alcançado, não efectuando qualquer depósito das prestações acordadas, pelo que foi proferido despacho judicial em 17/01/2012, ref.º 8591862, prosseguindo os autos para recuperação da quantia peticionada pelo Exequente. Face ao exposto, por ora, é o que cumpre informar, aguardando o que V/ Exa. entender por conveniente, quanto ao prosseguimento da venda do bem penhorado.»
25. No dia 13.11.2018, o Executado apresentou o seguinte requerimento:
«1º O executado não reconhece como sua a alegada assinatura aposta no documento datado de 14 de Março de 2007. Não é da sua autoria. 2º Aliás, se atendermos à data aposta de 14 de Março de 2007 temos de convir que o cartão de cidadão cuja cópia foi junta tinha caducado em 26 de Dezembro de 2006!!! 3º A exequente terá tentado simular uma citação penas tendo cometido o descuido de não verificar a data de validade do BI. Seguramente que a exequente terá feito uso indevido de uma fotocópia entregue aquando da celebração do contrato de mútuo com hipoteca anos antes. 4º Mais, não é admissível que a citação não tenha sido efectuada por carta registada com AR. 5º A citação não deve ser efectuada no gabinete da Exma AE. Até que ponto se pode acreditar que um executado se dirige ao escritório de uma AE para ser citado? 6º Não foi junto qualquer registo com AR e nos termos invocados à data dos factos a citação deveria observar outros formalismos não demonstrados pela Exma AE, Tal prova teria de ser documental. 7º Não foi exibido qualquer documento comprovativo da citação e nunca tendo constituído mandatário o processo não poderia prosseguir sem ser junta a competente procuração forense. Conclui que o incidente da nulidade da citação ser julgado procedente por provado concedendo-se ao executado o prazo de 20 dias para deduzir a competente Oposição / Embargos. Requer que a Agente de Execução se abstenha de perturbar o gozo da habitação uma vez enquanto não for conhecido com trânsito em julgado o incidente.»
26. No dia 14.11.2018, foi proferido o seguinte despacho:
«Notifique o expediente que se segue ao exequente e ao A.E., bem como para se pronunciarem.»
27. No dia 27.11.2018, a Agente de Execução prestou o seguinte esclarecimento:
«AG…, Agente de Execução nos autos supra identificados (informando de que, o sistema informático não dispõe de modelo próprio para a comunicação que apresenta, pelo utiliza o presente requerimento), vem, mui respeitosamente requerer a junção aos autos do auto diligência que se anexa, bem como notificação efectuada à Policia de Segurança Pública (PSP) - Cruz de Pau, e respectiva resposta. Face ao exposto, salvo melhor entendimento, vem requerer a V/ Exa., a notificação do Ministério Público do Tribunal de Comarca do Seixal, no âmbito do Ofício remetido pela PSP n.º 232125/2018, a fim deste ser junto aos autos para melhor esclarecimento do sucedido.»
28. Consta do auto de diligência referido no ponto 27 que:
«No dia 08/11/2018, pelas 10:30 horas, AG…, Agente de Execução desloquei-me à morada, sito em Rua …, n.º …, ….º Frt. …-… Amora, a fim de proceder à verificação do estado de conservação e obtenção de fotos do imóvel penhorado, o qual a signatária tomou posse no dia 10/05/2018, conforme auto diligência em anexo. Neste local interpelei um individuo que se apresentou com o nome de RA…, residente no ….º Frt e membro da administração do Condomínio, a quem me identifiquei e infomei sobre a diligência que pretendia realizar, ao que o meu interlocutor redarguiu que os executados passado uma ou duas semanas da tomada de posse do imóvel, voltaram ao imóvel, arrombando a porta e trocando as fechaduras. Mais informou que estes se encontravam em casa, uma vez que reconheceu o veículo matrícula …-…-FG, estacionado na Rua do prédio, afirmando que seria propriedade dos executados. Mais consigno que interpelei o Sr. VG…, Administrador do Condomínio, residente no ….º D.º que me confirmou as informações dadas pelo Sr. RA…. Disse ainda que a PSP da Cruz de Pau deslocou-se ao local e tomou conta da ocorrência. Após estes dois contactos, desloquei-me ao ….º Frt.º, e neste local premi a campainha tendo aberto a porta a Sra. V… e o Sr. F…, executados nos autos informando que não saiam de casa, nem facultavam acesso para verificação do estado de conservação e obtenção de fotografias do imóvel, recusando-se a colaborar. Mais confirmaram o já referenciado pelos Sr.ºs R… e V…, afirmando que procederam à troca de fechaduras, uma vez que a casa é deles e lá não deixam entrar ninguém, nem mesmo eventuais interessados que possam surgir durante a venda do imóvel. Sem que mais pudesse ser feito, pelas 11:20 horas, dei a diligência por encerrada, e por ser verdade lavrei o presente auto.»
29. No dia 28.11.2018, o Exequente apresentou o seguinte requerimento:
«BANCO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A, Exequente nos autos à margem identificados, notificado que foi do douto despacho, vem, muito respeitosamente, requerer que não seja conhecido pelo Tribunal o alegado pelo executado no artigo 3.º, porquanto não é o Exequente que procede à citação e muito menos fez uso indevido de uma fotocópia do cartão de cidadão do executado. Termos em que, desde já, se impugna expressamente o alegado no artigo 3.º, por não corresponder à verdade e constituir, face às informações que já constam dos autos, um mero expediente dilatório à realização da diligência de tomada de posse do imóvel.»
30. No dia 17.12.2018, foi proferido o seguinte despacho:
«Antes de mais, notifique a A.E. para esclarecer o que tiver por conveniente quanto ao alegado pelo executado no requerimento apresentado a 13-11-2018.»
31. No dia 16.1.2019, a Agente de Execução prestou o seguinte esclarecimento:
«AG…, Agente de Execução nos autos supra identificados, notificada do Douto Despacho com ref.ª 382608129, vem, mui respeitosamente, informar V/ Exa, que, no seguimento do requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do Executado, datado de 13/11/2018, a Signatária, em 24/10/2018 prestou os devidos esclarecimentos sobre os autos, conforme documento que se junta em anexo, reiterando todo o seu conteúdo. No entanto, mais vem reforçar a V/ Exa. que, em 19/01/2010, o Ilustre Mandatário do Exequente informou os presentes autos que as partes alcançaram acordo de pagamento em prestações, o qual foi subscrito por ambas as partes, após os Executados terem conhecimento do presente processo executivo e tendo à data os autos conhecimento da citação dos executados. Informados os presentes autos, em 18/08/2011, que o acordo foi incumprido, proferiu V/ Exa. despacho judicial, em 17/01/2012 com a ref.º 8591862, ordenando o prosseguimento dos autos para recuperação da quantia peticionada pelo Exequente. Mais, vem a Signatária reiterar junto de V.Exa. do requerimento datado de 27/11/2018, o qual se anexa e se dá por integralmente reproduzido, requerendo que seja concluso e proferido despacho.»
32. No dia 30.1.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Notifique o executado/reclamante do teor da informação prestada pela A.E. e do requerimento junto com tal informação, bem como para esclarecer o que tiver por conveniente quanto a tal documento.»
33. No dia 14.3.2019, a Agente de Execução afirmou reiterar os requerimentos de 16.1.2019 e de 27.11.2018.
34. No dia 1.4.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Reclamação do acto - nulidade da citação: O executado arguiu a nulidade da sua citação. Nos termos do disposto no art. 189º do Cód. Proc. Civil, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade. No caso dos autos, o executado arguiu a nulidade da sua citação por requerimento de 16-05-2018, sendo que interveio no processo, designadamente por requerimento assinado pelo próprio em 19-01-2010, para informar da existência de acordo de pagamento e pedindo a suspensão da instância. Nestes termos, não tendo a alegada nulidade sido arguida na altura da primeira intervenção do processo, a mesma, a verificar-se, sempre estaria sanada. De resto, a invocação de nulidade de citação, nestas circunstâncias e nesta fase processual, rasa a litigância de má-fé. Pelo exposto, julgo não verificada a invocada nulidade da citação. Custas do incidente a cargo do executado, pelo mínimo.»
35. No dia 2.7.2019, foi proferido o seguinte despacho [proferido por outra Magistrada]:
«Encontra-se por decidir incidente de nulidade de citação. O executado, requerente, no referido incidente apresentou prova testemunhal. Assim, para audição das testemunhas apresentadas, designo o dia 30.09.2019, pelas 15h30m. Notifique. *No mais não se vislumbra dos autos, qualquer ofício da PSP. Assim, notifique a AE para que o junte aos autos, de molde ao Tribunal poder compreender o conteúdo do seu requerimento. *Quanto à autorização da força pública requerida pela AE, tendo em conta o incidente que se encontra pendente, indefere-se o requerido.»
36. No dia 9.7.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Verificamos que, por lapso nosso derivado da tramitação electrónica dos autos, não atentamos no despacho datado de 01.04.2019, o qual julgou, e bem, não verificada a nulidade de citação arguida pelo executado. Face ao exposto, tendo-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto a tal matéria, dou sem efeito a diligência agendada para o dia 30.09.2019. Notifique e desconvoque. Comunique à AE. * No mais, quanto ao requerido pela AE, autorizo a intervenção da força pública, se necessário com arrombamento, para que se proceda às diligências necessárias com vista à venda do imóvel em leilão electrónico.»
37. No dia 13.9.2019, inconformado com o decidido no despacho de 9.7.2019, no sentido de estar esgotado o poder jurisdicional e de ter revogado o despacho que havia determinado o prosseguimento do incidente de nulidade de citação, o Executado FM… interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª Em 13 de Novembro de 2018 o ora Recorrente formulou incidente de nulidade de citação alegando resumidamente que não reconhece a alegada assinatura aposta no documento datado de 14 de Março de 2007. Não é da sua autoria. 2ª Aliás, atenta a data de 14 de Março de 2007 o cartão de cidadão cuja cópia foi junta tinha caducado em 26 de Dezembro de 2006. Fica desde logo demonstrado que a exequente tentou simular uma citação. 3ª Foi ainda alegado que a citação não poderia ter sido efectuada no escritório de uma Distinta AE. Não foi demonstrada a satisfação dos requisitos da citação tal como nessa data se encontrava estipulado. 4ª Não se encontra junto aos autos qualquer documento comprovativo da citação nunca tendo o ora Recorrente constituído mandatário antes de 13 de Novembro de 2018. 5ª Perante tal Requerimento o Tribunal, em 17 de Dezembro de 2018, notificou a Exma AE para esclarecer o que tivesse por conveniente quanto ao alegado pelo executado no requerimento de 13/11/2018. 6ª Em 18 de Janeiro de 2018 a Exma AE vem remeter para um alegado acordo de pagamento em prestações o qual foi subscrito por ambas as partes, após os executados terem conhecimento do presente processo executivo e tendo à data dos autos conhecimento da citação dos executados. 7ª Em 1 de Abril de 2019 foi proferido despacho a indeferir o Requerimento de arguição de nulidade no qual de todas as questões suscitadas apenas foi conhecida a questão apresentada pela Exma a qual apenas teria tomado conhecimento da citação dos executados com base num alegado acordo que teria sido assinado pelos executados. 8ª Ora, sucede que o executado e ora Requerente nega peremptoriamente ter aposto a sua assinatura; mais é notório que não constituiu mandatário num processo em que era obrigatória a constituição de advogado. 9ª Mais, ficam por conhecer as questões suscitadas no incidente de nulidade de citação sendo que todo o processado foi posto em causa! 10ª Por sua vez o Requerimento de junção do alegado acordo para além da impugnação da letra e assinatura na verdade nunca teve lugar, ou seja, nunca foi celebrado e muito cumprido. 11ª Recorde-se que em 25/9/2009 nem o executado nem a esposa se encontravam a viver na Amora, estavam a viver na Póvoa do Varzim, reiterando-se o já alegado quanto ao incidente. 12ª A questão que se coloca é a de saber se perante um despacho judicial a ordenar o prosseguimento do incidente para audição de uma testemunha consubstancia ou não a revogação do despacho de 1 de Abril de 2004. Na verdade foi esse o entendimento do executado. 13ª Daí resulta que quando em 9 de Julho de 2019 se revoga o despacho de 2 de Julho de 2019 o poder jurisdicional estava esgotado, ou seja, o incidente deveria ter prosseguido com diligência agendada para o dia 30 de Setembro de 2019. 14ª Uma vez que não foi esse o entendimento afigura-se tempestiva a apresentação do recurso contra o indeferimento do incidente inclusive na vertente em que não conheceu e deveria ter conhecido as questões suscitadas no mesmo visto que quem deduziu o incidente foi o executado e não a exequente, contando-se o prazo do recurso a partir de 11 de Setembro de 2019 quando sem que nada o fizesse prever a Exma AE compareceu na residência do executado acompanhada pela PSP para proceder ao despejo. 15ª Nas execuções ordinárias cabe à secretaria remeter o processo a despacho liminar e o agente de execução só inicia as diligências (em regra a citação prévia), após informação da secretaria para o efeito. 16ª Resulta dos autos que o Exmo AE nunca teve qualquer contacto pessoal com o citando (artº 232º nº 2 do CPC). Logo, não teve lugar a citação pessoal do mesmo. 17ª Não foi entregue ao citando qualquer duplicado do requerimento executivo e documentação junta, nem foi informado do prazo para apresentar a competente Oposição/Embargos ( artº 235º do CPC). 18ª Não foi efectuada qualquer citação sob registo e constando que a Exma AE juntou provada da citação prévia dos executados ao ser confrontada com a falta de provas nada esclareceu afigurando-se que foram colocadas várias questões de enorme gravidade que não podem deixar de ser explicitadas. Efectivamente, uma assinatura que o executado impugna não pode suprir tais omissões e não se afigura que num processo de obrigatoriedade de constituição de advogado sem junção de procuração uma assinatura falsa possa suprir a citação tanto mais que se encontra demonstrado que em 2006 o processo deveria ser extinto e a simulação de acordo apenas serviu para suprir tais situações e fazer prosseguir o processo de execução que deveria estar extinto! 19ª No âmbito da citação, o agente de execução está obrigado a juntar os originais comprovativos do acto de citação (efectivada ou negativa) (artigo 3.º, n.º 5 do mesmo diploma). 20ª Nos termos do disposto no art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Sucede que a douta sentença recorrida não faz qualquer apreciação critica designadamente sobre a comprovada falta de citação do executado. 21ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. Efectivamente, tal como o A apresenta a causa de pedir tal factualidade apresenta-se controvertida. 22ª A interposição de recurso contra o indeferimento do pedido de citação tem efeito suspensivo.»
Conclui que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a baixa do processo e o prosseguimento com concessão do prazo legal para dedução da Oposição/Embargos.
Supletivamente, pede que a sentença seja revogada, declarando-se a extinção da execução com base na efetividade do pagamento integral da quantia exequenda em 2007 de 6.000,00 €, pagamento que não pode ser escamoteado com um alegado acordo de pagamento em prestações do mesmo valor que não foi assinado pelo Executado nem pela esposa.
38. No dia 24.10.2019, foi proferido despacho de admissão do recurso de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:
- saber se o despacho proferido no dia 9.7.2019 «revogou» validamente o despacho de 2.7.2019, que designara data para a inquirição de testemunhas no âmbito do incidente de nulidade da citação do Executado, ou se, ao invés, se impõe o prosseguimento do incidente e a consequente suspensão do andamento dos autos de execução.
*
III - Fundamentação Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o iter processual descrito no relatório. Enquadramento jurídico
Antes de mais, cumpre salientar que o Apelante recorre do despacho proferido no dia 9.7.2019, com o seguinte teor:
«Verificamos que, por lapso nosso derivado da tramitação electrónica dos autos, não atentamos no despacho datado de 01.04.2019, o qual julgou, e bem, não verificada a nulidade de citação arguida pelo executado. Face ao exposto, tendo-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto a tal matéria, dou sem efeito a diligência agendada para o dia 30.09.2019. Notifique e desconvoque.(…)»
O Apelante sustenta que o despacho proferido no dia 1.4.2019, em que foi indeferido o incidente da nulidade da citação do Executado, foi revogado pelo despacho de 2.7.2019, no qual foi designada data para a inquirição de testemunhas.
Esta questão será apreciada à luz dos preceitos do CPC de 2013, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26.6, pois, não obstante a execução ter sido proposta em 2006, o despacho recorrido foi proferido após a entrada em vigor do referido diploma.
Nos termos do n.º 1 do artigo 613.º do CPC, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Nas palavras de Amâncio Ferreira, «editada a sentença (ou o despacho ou o acórdão) fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa (artº 666º, nº 1). Não pode consequentemente o Juiz, por sua iniciativa, alterar a sentença depois de proferida, quer na parte da decisão, quer na parte dos fundamentos que a suportam. Mesmo que após a sua prolação, no imediato ou algum tempo depois, adquira a convicção de que errou ou se torne para ele evidente que a decisão desrespeitou o quadro legal vigente, não a pode já emendar. A decisão torna-se intangível para o seu autor» (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, 2009, p. 47).
Segundo o n.º 3 do citado preceito, este regime é de aplicar também aos despachos, tenham cunho material ou formal.
Em princípio, está vedado ao juiz «dar sem efeito» um despacho anteriormente proferido, ainda que o faça antes do decurso do prazo concedido às partes para recorrer.
A extinção do poder jurisdicional tem por base a necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais, mas não é absoluto, sofrendo de algumas limitações, previstas na lei, que admite a correção de certos lapsos da decisão, como a reforma e, em certos casos, a retificação por erros materiais.
Incumbe à parte afetada pelo despacho requerer a reforma da decisão, verificados os pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, caso a decisão seja irrecorrível. Cabendo recurso da decisão, pode suscitar a reforma no âmbito desse recurso, competindo ao juiz, no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, apreciar o pedido de reforma (artigo 617.º, n.º 1, do CPC).
Ao tribunal é permitida a retificação de erros materiais, ainda que a decisão tenha transitado em julgado, nos casos previstos no n.º 1 do artigo 614.º do CPC: omissão dos nomes das partes; omissão quanto a custas ou algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou se contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.
Na situação sub judice, não foi interposto recurso do despacho que designou data para a inquirição de testemunhas.
Preceitua o artigo 620.º, n.º 1, do CPC que «As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo». Despacho que recai sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, p. 753).
A decisão em apreço recai sobre a relação processual.
Será que se verifica quanto a ela a força do caso julgado formal?
Ou será que, tendo ocorrido um lapso na prolação do despacho de 2.7.2019, a Juíza a quo poderia ter alterado a decisão, retificando-a?
Lê-se, de facto, no despacho recorrido (9.7.2019) que, por lapso, não se atentou na decisão de 1.4.2019, a qual julgara não verificada a nulidade da citação.
Mas são para nós redutoras e desadequadas respostas afirmativas às duas questões formuladas.
Senão vejamos.
O despacho de 9.7.2019 não revogou o despacho de 2.7.2019, «dando o dito pelo não dito», com sustentáculo num mero lapso material.
Com efeito, da extinção do poder jurisdicional consequente à prolação da decisão de 1.4.2019 decorreram dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insuscetibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
O despacho de 9.7.2019 vem reafirmar o rigor destes dois efeitos e o respeito pelo valor de caso julgado formal do despacho de 1.4.2019, o que é bem diferente.
A aceitar-se a tese do Apelante de que a decisão de 2.7.2019 revogou livremente a decisão de 1.4.2019, então teria de admitir-se que a decisão de 9.7.2019 revogou também livremente a decisão de 2.7.2019.
Ora, a decisão de 1.4.2019 foi a primeira a ser proferida e transitou em julgado, pelo que dúvidas não restam de que o Tribunal a quo, não obstante o lamentável erro em que ocorreu no despacho de 2.7.2019, decidiu acertadamente no despacho recorrido.
Embora o legislador tenha traçado um apertado numerus clausus das nulidades da sentença, aplicáveis também, até onde seja possível, aos despachos (artigo 618.º, n.º 3, do CPC), a verdade é que outros vícios podem afetar as decisões judiciais, englobando categorias diferentes, que Castro Mendes classificava como vícios de essência, de formação, de conteúdo, de forma e de limites, considerando vícios de essência, aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de ato judicial e dão lugar à sua inexistência jurídica (cf. Direito Processual Civil, edição policopiada da AAFDL, vol. III, 1973, p. 369)
Paulo Cunha exemplificou algumas hipóteses de inexistência jurídica de sentenças, como o caso de a sentença ser proferida por quem não tem poder jurisdicional para o fazer e a de, já depois de lavrada a sentença no processo, o juiz lavrar segunda sentença (Da Marcha do Processo: Processo Comum De Declaração, Tomo II, 2.ª edição, p. 360).
No sentido da inexistência jurídica, vide o acórdão do STJ de 6.5.2010 (p. 4670/2000.S1, www.dgsi.pt), que seguimos de perto, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, pp. 730-731).
Para Alberto dos Reis, o vício em questão é de nulidade absoluta porque, apesar de se ter esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, a decisão não deixa de ser proferida por órgão investido de poder jurisdicional (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 5, Reimpressão, 1981, pp. 113 e ss.).
Seguindo a tese da inexistência jurídica ou equacionando a qualificação da nulidade absoluta, podemos concluir, perante tal vício, que tudo se passa como se a decisão de 2.7.2019 nunca tivesse sido proferida, o que se traduz em mais um argumento ponderoso no sentido do acerto da decisão de 9.7.2019.
Voltando ao objeto do recurso, o Apelante invoca a falta de citação, requerendo a anulação do processado, acabando por impugnar o despacho proferido no dia 1.4.2019.
Nos termos do disposto no artigo 194.º do CPC de 1961 (atual artigo 187.º do CPC de 2013), aplicável ex vi do artigo 6.º, n.º 1, da Lei 41/2013 de 26.6, «É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta: a) Quando o réu não tenha sido citado; b) Quando não tenha sido citado, logo no início do processo, o Ministério Público, nos casos em que deva intervir como parte principal.»
Este preceito aplica-se com as necessárias adaptações ao processo executivo, ex vi do artigo 446.º, n.º 1, do CPC de 1961 (atual artigo 551.º, n.º 1).
Pode-se falar em nulidade da citação, lato sensu, em duas circunstâncias distintas: quando ocorra a falta de citação, em que esta não foi realizada, nos termos do artigo 195.º do CPC de 1961 (artigo 188º do CPC de 2013) e aquela, em sentido estrito, em que não foram observadas as formalidades prescritas na lei, regulada no artigo 198º do citado diploma (atualmente artigo 191.º).
Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 195.º, do CPC de 1961 (actualmente artigo 188.º).
A falta de citação deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada - artigos 196.º e 204.º, n.º 2, do CPC de 1961 (atualmente artigos 189.º e 198.º).
O despacho de 1.4.2019 pronunciou-se no sentido de o Executado ter intervindo no processo «designadamente por requerimento assinado pelo próprio em 19-01-2010, para informar da existência de acordo de pagamento e pedindo a suspensão da instância.».
Este despacho transitou em julgado, pelo que nada mais há a apreciar no âmbito do presente recurso.
Urge, pois, concluir que caem por terra todas as conclusões das alegações do Apelante, no sentido da «reavaliação» dos argumentos expendidos em sede de incidente de nulidade da citação do Executado, nos termos em que este foi deduzido no dia 16.5.2018 (ponto 23 do relatório).
Ademais, quanto ao teor das conclusões 7.º e 8.º, o Apelante carreia para o objeto do recurso uma questão nova.
Com efeito, nega ter aposto a sua assinatura no acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações, junto com o requerimento do dia 19.1.2010, do qual constam as assinaturas de ambos os Executados (ponto 7 do relatório).
Já sabemos que alegou em sede de incidente da nulidade da citação que não assinou qualquer certidão de citação.
Alegar agora que também não assinou o acordo de pagamento em prestações é uma novidade.
Como é jurisprudência pacífica, as questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem resolvidas pelo tribunal nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, não podem por tomadas em consideração, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.
*
Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, a apelação do Recorrente deve improceder e, em consequência, a decisão recorrida deve ser confirmada.
Vencido o Recorrente, é responsável pelo pagamento das custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que venha a beneficiar – cf. artigos 527.º, n.º 1, 529.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Mais se decide condenar o Recorrente/Executado no pagamento das custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que venha a beneficiar.
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Lisboa, 11 de dezembro de 2019
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira