LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RESPONSABILIDADE
Sumário

I - Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do CPC -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual, estando associada à responsabilidade por litigância de má fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito meramente processual.
II - A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
III - Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça.
IV - Incorre em litigância de má fé a Autora, demonstrada a prática de ilícito processual consciente, de alegação de factos pessoais, cuja verdade bem conhecia, atuação que vai contra a verdade dos factos e que leva a uso manifestamente reprovável do processo, o que é manifestamente censurável (cfr. b) e d) do nº2, do art. 542º, do CPC).
V - A litigância de má fé dá lugar à condenação em multa e, a pedido da parte contrária, lesada, a indemnização. A multa é fixada com a condenação por má fé dentro dos limites estabelecidos pelo art. 27º do Regulamento das Custas Processuais (entre 2 UC e 100 UC). A indemnização por litigância de má fé não é ressarcitória, mas sancionatória e compensatória, e tem o conteúdo consagrado no art. 543º, do CPC.

Texto Integral

Apelação nº 11964/17.5T8PRT.P1

Processo do Juízo Central Cível do Porto – Juiz 3

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO
Recorrente: B…
B… intentou ação declarativa em processo comum, contra C… - Associação Cultural, pretendendo com a ação a condenação do Réu a reconhecer o seu direito de propriedade sobre a fração autónoma “CK” e que da referida fração faz parte integrante o lugar de garagem sito no piso -3 do imóvel, assinado com o nº 07.12 que é também da sua propriedade exclusiva, a abster-se de utilizar/ocupar ou praticar qualquer ato que impeça ou diminua a utilização (ou a faculdade de utilizar) por parte da Autora o seu lugar de garagem, bem como a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de €2.500,00 acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou, para tanto e resumidamente, ser proprietária do imóvel descrito nos autos e, que no dia 29/10/2015, quando acedeu à garagem foi confrontada com o estacionamento de uma viatura da marca Toyota, modelo …, de matrícula .. - .. - QA no seu lugar de garagem, pelo que, não tendo consentido naquele estacionamento participou tal facto à PSP, que se deslocou ao local e presenciando o referido estacionamento elaborou o auto junto aos autos, tendo posteriormente logrado a Autora apurar que esse veículo pertencia ao aqui Réu, concluindo a Autora que, a conduta do Réu lhe causou desgosto, transtorno e perturbação psicológica, que vive assustada com medo de represálias/vinganças por demandar judicialmente quem ilegitimamente se apropria do seu lugar de garagem, não tendo sido um ato único e isolado, sendo que esse temor e receio levaram-na a estacionar apenas na rua, ficando o veículo sujeito, nos dias de inverno, à chuva, à trovoada, intempéries e furtos, sujeito a uma maior degradação, tendo de se deslocar de sua casa até ao carro sempre que quer sair de casa, o que lhe causa transtornos no seu dia-a-dia, sendo a conduta do Réu abusiva porque bem sabia que estava a estacionar num lugar que não era seu, sem o seu consentimento/conhecimento, invadindo propriedade alheia.
O Réu apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pela Autora, alegando, em síntese, que, nessa ocasião quem era o condutor habitual e exclusivo daquele veículo era um dos seus associados fundadores, que também habitava no mesmo prédio e no mesmo 7º piso da Autora, estando-lhe destinado o lugar de garagem nº ....., o qual utilizava diariamente, sendo os dois lugares de garagem praticamente iguais, porque têm do seu lado esquerdo um pilar estrutural do prédio, só concebendo a possibilidade de ter estacionado naquele lugar da Autora por mera distração, apenas na noite mencionada na participação policial, em caso único e pontual, do qual nem sequer tem memória, porque nunca teve conhecimento de qualquer irregularidade ou incidente deste género, até ter sido demandado nesta ação, concluindo que à Autora não é conhecido qualquer veículo automóvel, nem utiliza o lugar de garagem para o estacionamento de qualquer veículo.
Formulou, ainda, pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao Réu em montante a fixar a final, bem como o reembolso das despesas, por ter invocado factos cuja falsidade bem conhece, fazendo imputações ao Réu que igualmente sabe não corresponderem à verdade, fazendo um uso reprovável do processo.
A Autora respondeu à matéria da litigância de má-fé suscitada na contestação, impugnando-a.
Foi realizada tentativa de conciliação, a qual ficou frustrada por a Autora não abdicar do pedido indemnizatório.
Foi proferido despacho a fls. 53 a convidar a Autora a esclarecer determinada matéria de facto relativa aos alegados danos de natureza não patrimonial, tendo sido apresentada petição inicial aperfeiçoada, sobre a qual o Réu exerceu o princípio do contraditório, impugnando-a.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com fixação dos factos assentes e temas de prova, que não sofreram reclamação.
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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condeno o Réu a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a fracção autónoma “CK” e que da referida fracção faz parte integrante o lugar de garagem sito no piso -3 do imóvel, assinado com o nº 07.12 que é também da sua propriedade exclusiva, bem como a abster-se de utilizar/ocupar ou praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização (ou a faculdade de utilizar) por parte da Autora do seu lugar de garagem, absolvendo o Réu do pedido indemnizatório contra si formulado.
Condeno a Autora como litigante de má-fé, na multa de 7 uc, relegando-se a indemnização a atribuir ao Réu para o momento posterior à pronúncia prevista no art. 543º nº 3 do CPC.
Custas a cargo de Autora e Réu, na proporção de 75% e 25%, respectivamente.
Transitada a presente sentença, quanto à condenação da Autora como litigante de má-fé, dê-se dela conhecimento ao ISSS,IP para efeitos do art. 10º nº 1 al. d) da Lei nº 34/2004 de 29/7”.
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A Autora apresentou recurso de apelação, pugnando por que se revogue a sentença recorrida quanto à condenação da Recorrente como Litigante de Má-fé e aplicação de multa por má-fé, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
A) A Douta Sentença ora em crise condenou a Recorrente como litigante de má-fé.
B) Tal condenação teve unicamente por base o facto de a Recorrente não possuir qualquer veículo automóvel.
C) E por, face a tal inexistência de veículo automóvel, ter intentado uma ação para ver reconhecida a sua propriedade de um lugar de garagem e lograr a abstenção de estacionamento da Recorrida no lugar de garagem em causa.
D) A verdade é que a Recorrente pugnou por um direito erga omnes, com o objetivo de ver inteiramente respeitada a sua legítima propriedade.

E) Nada interessando ao caso que a Recorrente seja ou não proprietária de um veículo automóvel e que não lograsse fazer prova deste facto.
F) Assim sendo, não se compreende nem se aceita que o simples exercício do direito de acesso aos tribunais e à justiça tenha motivado a condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
G) A este propósito, cite-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça: "Ato entanto,, deve continuar-se a ser cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre. de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça." (Ac. STJ de 2 de Junho de 2016, Proc. N.° 1116/11.3TBWD.G2.S1, Relator: António Joaquim Piçarra, disponível em www.dosi.pt).
H) Não decorre dos presentes autos, por qualquer forma, a atuação dolosa da Recorrente com vista a deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, nem sequer a verificação de lide temerária baseada em erro grosseiro ou culpa grave.
I) Deverá assim ser revogada a decisão recorrida, que decidiu condenar a Apelante como litigante de má-fé, por falta de verificação dos pressupostos legais a tal condenação.
SEM PRESCINDIR,
J) A Recorrente foi condenada em multa no valor de 7 UCs, em virtude da sua qualificação como litigante de Má-fé.
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K) A Recorrente é uma pessoa com debilidades económicas, facto que justifica, inclusivamente, a atribuição de Proteção Jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, bem como nomeação e pagamento de compensação ao Patrono.
L) Nestes termos, e ainda que se considere que deve a Recorrente ser condenada como litigante de má-fé, o que só por mero dever de cautela e patrocínio se concede, o valor da multa sempre teria de ser muito inferior a 7 UC's, dadas as evidentes condicionantes económico-financeiras da Recorrente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO -
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é, apenas, a seguinte:
- Da inexistência de responsabilidade processual da Autora por litigância de má fé ou, existindo, se a multa deve ser reduzida.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):
1. A Autora, B…, é proprietária da fração autónoma, designada pelas letras “CK”, correspondente a uma habitação, sita no piso … e um aparcamento no piso - …, identificado pelos ns.º 07.12, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º …, no Porto, descrita em nome da Autora na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 4033/20041122 e inscrita na respetiva matriz urbana sob o artigo n.º 11184.º da freguesia de …, no Porto, cujo valor tributável do imóvel é no valor de 50.500,00€ (Doc. de fls. 8, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais);
2. O lugar de garagem correspondente à fração de que a mesma é proprietária, encontra-se assinalado na planta do edifício com o n.º 07.12 (Doc. de fls. 9, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais);
3. O acesso à garagem do Edifício é efetuado através do Parque de Estacionamento do Centro Comercial “D…”, no Porto (atualmente designado por “E…”);
4. O acesso à referida garagem é exclusivo a moradores, conforme resulta expressa e inequivocamente de uma placa, aposta no portão da garagem;
5. Sendo necessário um comando elétrico para aceder ao interior da garagem, que apenas e só os moradores do Edifício possuem;
6. A Autora intentou outras acções judiciais contra outros proprietários de viaturas que ocuparam o seu lugar de garagem: Processo n.º 14843/16.0T8PRT – Juízo Central Cível do Porto – J7 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto e Processo n.º 336/16.9T8PRT – Juízo Local Cível – Juiz 5 - Tribunal Judicial da Comarca do Porto;
7. A Autora foi confrontada com o estacionamento de uma viatura da marca Toyota, modelo … (J9), matrícula .. - .. - QA, do ano de 1996, de cor …, com o n.º de chassis …………….. no seu lugar de garagem (.....)
8. E participou tal facto à P.S.P. que elaborou o Auto no dia 29/10/2015 que consta do documento junto a fls. 10v e 11, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo os Senhores Agentes F… e G… - Polícia de Segurança Pública - 6.ª Esquadra - Antas - presenciando o referido veículo estacionado no lugar de garagem da aqui Autora;
9. Posteriormente, a Autora soube que estava registada a propriedade do aludido veículo em nome da Ré, com o registo de propriedade n.º …..;
10. A utilização do veículo de matrícula .. - .. - QA foi autorizada a vários colaboradores do Réu;
11. À data de 29 de Outubro de 2015 era o Sr Prof. H…, associado fundador do Réu, que utilizava habitualmente o referido veículo;
12. Nessa data o Prof. H… morava no mesmo prédio e no mesmo 7º piso da Autora, mais precisamente na fracção autónoma designada pelas letras “CH” também designada ....., com o respectivo lugar de garagem .....;
13. Aí tendo a sua residência permanente desde 1 de Setembro de 2012 até Maio de 2017;
14. E, utilizando, diariamente, o lugar de garagem que lhe era destinado, o .....;
15. Ao qual acedia através do parque de estacionamento do Centro Comercial D…, como morador, munido do respectivo comando elétrico;
16. O lugar de garagem ...... é muito próximo do lugar de garagem 07.12;
17. Os lugares de garagem são praticamente iguais, porque têm do seu lado esquerdo um pilar estrutural do prédio;
18. O Prof. H… terá estacionado naquele lugar por mera distracção, apenas na noite mencionada na participação policial;
19. O Réu nunca teve conhecimento de qualquer irregularidade ou incidente com o veículo, nem foi contactado pela Autora ou qualquer outra pessoa, ou intimado pelas autoridades policiais para prestar quaisquer esclarecimentos sobre a ocupação do lugar de garagem 07.12;
20. À Autora não é conhecido qualquer veículo automóvel, nem utiliza o lugar de garagem para o estacionamento de qualquer veículo.
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Factos considerados não provados:
1. A Autora viu o referido veículo de matrícula .. - .. - QA por diversas vezes estacionado no seu lugar de garagem;
2. A conduta do Réu causou à Autora desgosto, transtorno e perturbação psicológica;
3. A Autora vive assustada, com medo de represálias/vinganças por demandar judicialmente quem ilegitimamente se apropria de forma reiterada do seu lugar de garagem;
4. Esse temor e receio levaram a Autora a procurar outro local para estacionar;
5. A Autora agora só estaciona na rua, atenta a violação periódica pelo aqui Réu do seu lugar de garagem;
6. Quando o veículo fica estacionado na Rua, o mesmo fica sujeito, nos dias de inverno, à chuva, à trovoada, a intempéries e a furtos;
7. Ficando o veículo automóvel que utiliza sujeito a uma maior degradação e a riscos que não teria se o pudesse estacionar, sem medos, no lugar de garagem de que é proprietária;
8. Tendo a Autora que se deslocar de sua casa até ao carro (estando ele estacionado na Rua) sempre que quer sair de casa;
9. O que lhe causa angústia, tristeza, revolta e transtornos no seu dia-a-dia;
10. O Réu bem sabia que estava a estacionar num lugar que não era seu.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da responsabilidade processual da Autora por litigância de má fé
O Tribunal a quo apreciou a questão da litigância de má-fé e condenou a Autora como tal, por ter alegado matéria que sabia não corresponder à realidade, na multa de 7 UC e relegou a fixação da indemnização a atribuir ao Réu para o momento posterior à pronúncia prevista no art. 543º, nº 3, do CPC, referindo “Este instituto legal, visa sancionar os deveres impostos às partes, nos arts. 7º e 8º de cooperação, de probidade, de lisura processual.
Já no Ac RL de 7-1-2002 (CJ ano XXVII, tomo III, p.92) se decidiu que “ é necessário que a parte tenha alegado factos contrários à verdade dos factos, sabendo a mesma parte da sua falta de correspondência com a verdade. Pode também essa discrepância entre a verdade e a alegação não ser conhecida pelo alegante, mas ser fortemente censurável a alegação, nomeadamente, por aquele ter podido desconfiar da verdade da alegação e poder verificá-la antes da alegação, sem que o tenha feito. Por outras palavras diremos que essa censurabilidade decorre de a parte não ter observado os deveres de cuidado que todos em princípio observam, observância essa que teria permitido o conhecimento do carácter não verdadeiro da alegação em causa”.
Atendendo às pretensões formuladas pela Autora nesta acção e aos fundamentos em que as mesmas se alicerçavam, tem de se concluir que a Autora litigou de má-fé, se não com dolo, pelo menos com negligência grave, porquanto alterou a verdade dos factos por si alegados na petição inicial quanto à utilização do seu lugar de garagem e necessidade do mesmo, tendo alegado que agora só estaciona na rua, atenta a violação periódica pelo aqui Réu do seu lugar de garagem, que quando o veículo fica estacionado na Rua, o mesmo fica sujeito, nos dias de inverno, à chuva, à trovoada, a intempéries e a furtos; ficando o veículo automóvel que utiliza sujeito a uma maior degradação e a riscos que não teria se o pudesse estacionar, sem medos, no lugar de garagem de que é proprietária; tendo que se deslocar de sua casa até ao carro (estando ele estacionado na Rua) sempre que quer sair de casa, factos alegados para justificar a alegação de que isso lhe causa angústia, tristeza, revolta e transtornos no seu dia-a-dia, bem sabendo desde o início, enquanto facto pessoal que é, que não lhe é conhecido qualquer veículo automóvel, nem utiliza o lugar de garagem para o estacionamento de qualquer veículo.
Mais, essa alegação inverídica foi já sancionada no Proc. nº 14945/16.2T8PRT, por sentença transitada em julgado e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto (que apenas reduziu o valor da multa aplicada) e, mesmo assim a Autora não se coibiu de a manter e até reforçar aquando do aperfeiçoamento à petição inicial, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo.
Assim sendo, tendo a conduta da Autora, em parte, preenchido o circunstancialismo previsto no art. 542º al. b) e d) do CPC, actuando com evidente e manifesta má fé, de forma repetente, é passível de condenação em multa, a qual se fixa em 7 uc ( art. 27º do RCP).
Peticionou ainda o Réu, a condenação da Autora numa indemnização a seu favor, correspondente ao reembolso das despesas realizadas, a fixar a final, nos termos do art. 543º do CPC.
Segundo o referido preceito legal, “A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé”.
Quanto à indemnização peticionada pelo Réu, não havendo elementos de facto para ser fixada desde já na sentença, por desconhecimento das despesas em que incorreu e cujo reembolso pretende, concede-se-lhe o prazo de 10 dias para concretizar esse pedido de indemnização, ao abrigo do art. 543º nº 3 do CPC”.
Consagrando o legislador o direito de acesso aos Tribunais, a lei não reserva tal acesso aos detentores da razão, estabelecendo, contudo, regras e entraves à introdução em juízo de pretensões e cominando certas atuações como litigância de má fé.
E, na verdade, “não deve confundir-se a litigância de má fé com:
a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo;
b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 2-3-10, 6145/09)[1].
Assim, mesmo resultando não ter a parte razão, não se segue, como consequência necessária, a condenação como litigante de má fé.
A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando alcançar o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
Conclui a Autora que a sua condenação como litigante de má fé “teve unicamente por base o facto de a Recorrente não possuir qualquer veículo automóvel” (o que é outra falsidade) que não litiga de má fé, pois, não decorre dos autos, “atuação dolosa da Recorrente com vista a deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar”, não se verificando os pressupostos legais para tal condenação. Mais conclui que sempre a multa de 7 UCs se apresenta como excessiva.
Ora, como já supra se exarou, o Tribunal a quo considerou que “a Autora litigou de má-fé, se não com dolo, pelo menos com negligência grave, porquanto alterou a verdade dos factos por si alegados na petição inicial quanto à utilização do seu lugar de garagem e necessidade do mesmo, tendo alegado que agora só estaciona na rua, atenta a violação periódica pelo aqui Réu do seu lugar de garagem, que quando o veículo fica estacionado na Rua, o mesmo fica sujeito, nos dias de inverno, à chuva, à trovoada, a intempéries e a furtos; ficando o veículo automóvel que utiliza sujeito a uma maior degradação e a riscos que não teria se o pudesse estacionar, sem medos, no lugar de garagem de que é proprietária; tendo que se deslocar de sua casa até ao carro (estando ele estacionado na Rua) sempre que quer sair de casa, factos alegados para justificar a alegação de que isso lhe causa angústia, tristeza, revolta e transtornos no seu dia-a-dia, bem sabendo desde o início, enquanto facto pessoal que é, que não lhe é conhecido qualquer veículo automóvel, nem utiliza o lugar de garagem para o estacionamento de qualquer veículo”. Mais considerou “preencher a conduta da Autora o circunstancialismo previsto no art. 542º al. b) e d) do CPC, actuando com evidente e manifesta má fé”.
Bem decidiu o Tribunal a quo em face dos factos que resultaram provados.
Analisando o pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pelo Réu contra a Autora, entendeu o Tribunal a quo que a conduta desta se enquadra no n.º 2, do artigo 542.º, pois que, desde logo, alegou factos falsos, para além de que fez um uso manifestamente reprovável do processo (quanto à parte a que os factos falsos se reportam).
Segundo o dever da boa-fé processual estabelecido no artigo 8.º do Código de Processo Civil, as partes têm a obrigação de, conscientemente, não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, não requerer diligências meramente dilatórias.
Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do Código de Processo Civil -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.
O instituto da má fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.
Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes. Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.
Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em que a parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada)[2].
Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro[3].
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º, do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”[4].
“Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios”[5] – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
“Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão”[6].
Destarte, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[7] ou em que sustenta a defesa.
Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual[8]. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” [9].
A má fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material[10]; as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental[11].
A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual”[12].
Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civi”, Colecção Teses, Almedina ).
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).
O dever de litigar de boa - fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça”[13].
A questão da má fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.
A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.
Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada"[14].
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e \o saber que se está a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida”[15].
Emergente dos princípios da cooperação, da boa fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça.
Quanto à sua aplicabilidade, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, vindo aquela a ser restritiva na admissão da litigância de má fé.
Esta interpretação impõe-se por ser a mais razoável e a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo: não é humanamente exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas e o litígio. O inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais): provado isto, haverá litigância de má-fé. Esse é o limite à compreensão e aceitação, relativamente à posição vivida pelas partes.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir[16].
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes[17].
À litigância de má fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos[18].
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má fé, e analisando a conduta processual da Autora não podemos deixar de considerar que a mesma atuou com dolo ou, pelo menos, com negligência grava, pondo em causa os seus deveres como litigante, pelo que se justifica plenamente, como bem se decidiu, a sua condenação como litigante de má fé.
Resulta, assim, que a Autora alterou a verdade dos factos, deduziu pretensão parcialmente infundada com base em factos falsos, praticando omissão grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável. Altera, pois a Autora a verdade de factos por si bem sabida, já que se trata de factos pessoais, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo (cfr facto provado nº 20).
Ora, resultando verificar-se a referida atuação como litigante de má fé, bem foi proferida condenação da mesma como tal.
Como se referiu, a violação dos referidos deveres dá lugar a sanção pecuniária, a multa, e, ainda, a indemnização, se pedida pela parte lesada. Esta, ao contrário daquela reverte para o pleiteante lesado.
Tendo a Autora, como vimos, litigado de má fé, bem foi, nos termos do nº1, do art. 542º, do CPC, condenada em multa e em indemnização à parte contrária que a pediu, a fixar, sendo que a multa aplicada foi pouco acima do montante mínimo legal, de 2 UCs, estabelecendo o art. 27º, nº3, do RCP[19] a moldura legal entre 2 a 100 UC, sendo que estamos perante uma repetição da falta – v.“a Autora não se coibiu de a manter e até reforçar aquando do aperfeiçoamento à petição inicial, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo” -, pelo que a multa fixada é de manter, por bem ter sido aplicada - 7 UCs.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Porto, 10 de dezembro de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol.I, Almedina, pág. 593
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes
[3] Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou s eja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457
[5] Ibidem, pág 457
[6] Ibidem, pág 457
[7] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”.
[8] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221
[9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457
[10] Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264).
[11] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net
[12] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461
[13] Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net
[14] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263.
[15] Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703
[16] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263
[17] Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net
[18] Ac. do STJ de 10/12/2015, Processo551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706
[19] Ibidem, pág 595