Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
REABERTURA DE INQUÉRITO
INTERVENÇÃO HIERÁRQUICA
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
PRAZOS
CASO JULGADO FORMAL
Sumário
I – A circunstância de o arquivamento do inquérito ter sido efectuado ao abrigo do nº 1 do artigo 277º do CPP não invalida a possibilidade de reabertura do inquérito, tanto mais que o artigo 279 do CPP não distingue as causas de arquivamento ínsitas naquele normativo. II – Compete apenas ao Ministério Público declarar reaberto um inquérito arquivado nos termos do artigo 277º, nºs. 1 e 2 do CPP. III – Do despacho que deferir ou recusar tal prosseguimento da investigação apenas há reclamação para o superior hierárquico imediato. IV – Num novo processo assim originado por certidão do anterior, admitindo-se tal viabilidade, não pode o assistente ter mais faculdades processuais do que aquelas que lhe seriam concedidas no processo original. V – A circunstância de ter sido proferido um despacho liminar e genérico de abertura de instrução não impede que a final seja proferida decisão em que se reconheça a inadmissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução em apreço, pois aquela declaração original não faz caso julgado formal sobre a questão, não concretamente analisada, da inadmissibilidade legal da instrução.
Texto Integral
Proc. n.º 335/18.6T9GDM.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 5
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Inquérito n.º 41/15.3GTPNF, a correr termos na 1.ª Secção do DIAP de Gondomar, por despacho de 24-03-2017, foi deduzida acusação contra B…, sendo imputada à mesma, para além da prática de contra-ordenações estradais, o cometimento de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137.º, n.º 1, 13.º, 15.º e 69.º, n.º 1, al. a), todos do CPenal, na pessoa do seu companheiro C….
O assistente D…, filho da vítima mortal, por requerimento entrado em juízo em 02-05-2017, veio requerer a intervenção hierárquica do imediato superior da Magistrada do Ministério Público titular do inquérito, dado o seu desacordo quanto à não dedução de acusação e à não realização de actos de inquérito relativamente ao condutor do outro veículo interveniente no acidente de viação, E…, o qual nem como arguido foi constituído, alega.
Requereu, assim, a constituição de E… como arguido, a inquirição de testemunhas que indica e o prosseguimento dos demais termos do processo até final.
Na mesma data, deu entrada em juízo pedido de indemnização deduzido pelo assistente contra a seguradora do referido condutor E….
Na mesma data ainda, a arguida B… deu entrada em juízo a um requerimento de abertura de instrução, onde requereu fosse proferido, a final, despacho de não pronúncia, imputando a responsabilidade do acidente ao outro condutor. Requereu diligências de prova.
Por despacho de 03-05-2017, foi apreciado o requerimento de intervenção hierárquica, tendo sido decidido que era legalmente inadmissível a intervenção hierárquica tendente a atacar não um arquivamento mas o facto de não ter sido deduzida acusação contra determinada pessoa, quando o foi contra outra.
Nesse despacho reconhece-se, contudo, que a falta de promoção pelo Ministério Público, ao não tomar posição sobre a eventual responsabilidade criminal do condutor do outro veículo, E…, constitui nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, al. b), do CPPenal, a qual é de conhecimento oficioso e torna inválido o despacho em que se verificou.
Nessa medida, foi determinada a repetição do acto inválido (despacho de encerramento do inquérito), de forma a ser tomada posição sobre a responsabilidade criminal de E….
Por despacho de 04-05-2017, a titular do inquérito, em cumprimento do assim decidido, declarou nulo todo o processado após o anterior despacho de encerramento do inquérito, incluindo este, e voltou a proferir despacho de encerramento de inquérito, agora visando expressamente, entre o mais, a responsabilidade criminal de E…, cujo arquivamento determinou, e a proferir despacho de acusação contra a arguida B….
De novo, o assistente, filho da vítima mortal, por requerimento entrado em juízo em 26-05-2017, veio suscitar a intervenção hierárquica do imediato superior da Magistrada do Ministério Público titular do inquérito, dado o seu desacordo face à decisão de arquivamento no que respeita à responsabilidade criminal de E….
Requereu que o mesmo fosse constituído como arguido e fossem efectuadas as diligências de prova que indica.
Na mesma data, a arguida B… deu entrada em juízo a um requerimento de abertura de instrução, onde requereu que fosse proferido, a final, despacho de não pronúncia, imputando a responsabilidade do acidente ao outro condutor. Requereu diligências de prova e juntou um documento.
Por despacho de 16-06-2017, foi apreciado o requerimento de intervenção hierárquica assinalado, sendo, a final, após análise dos elementos probatórios existentes no processo, decidido o respectivo indeferimento, concluindo-se aí que não há nenhuma diligência de prova a desenvolver que permita concluir de forma diferente quanto à inexistência de indícios suficientes de que E… tivesse praticado um crime de homicídio por negligência, pelo que o único despacho a proferir quanto ao mesmo só poderia ser o de arquivamento.
Por despacho de 03-07-2017 foi declarada aberta a fase de instrução requerida pela arguida B…, tendo a final, por decisão de 05-01-2018, sido proferido despacho de não pronúncia.
Contudo, a Senhora Juiz de Instrução determinou ainda a extracção de certidão e a sua remessa ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes, inscrevendo-se entre parêntesis “eventual instauração de inquérito contra o condutor do veículo BA…. E… melhor identificado nos autos a fls. 55”.
É dessa certidão que nascem os presentes autos de inquérito n.º 335/18.6T9GDM, onde, por despacho de 09-03-2018, foi declarado encerrado o inquérito e determinado o arquivamento dos autos por inadmissibilidade legal do procedimento, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPPenal.
Em síntese, é aí argumentado que nos autos de inquérito n.º 41/15.3GTPNF já foi proferida decisão final de arquivamento pelos mesmos factos que constituem o objecto deste segundo processo e quanto ao condutor E…, pelo que, «face ao princípio constitucional da proibição da dupla incriminação (artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa- Violação do principio ne bis in idem), que impõe que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, os presentes autos não podem prosseguir.»
E mais adiante acrescenta-se: «Está em causa o despacho de arquivamento, proferido pelo Ministério Publico em 04/05/2017, findo o inquérito, ao abrigo do art.º 277º 1 Código de Processo Penal, e os factos ali denunciados e arquivados constam também do inquérito destes autos (que se iniciou posteriormente ao arquivamento com a certidão datada de 10/01/2018.
Qual a consequência jurídica de um despacho de arquivamento, dado que não estamos perante um acto jurisdicional susceptível de transitar em julgado strictu sensu?
Estando em causa como está, o despacho de arquivamento se ter concluído que havia prova bastante de que E…, não havia cometido o crime de homicídio por negligencia, e tendo sido submetido à apreciação do superior hierárquico através de reclamação, foi confirmado tal despacho de arquivamento, e por outro não tendo, nessa parte o despacho de arquivamento sido submetido à apreciação jurisdicional através da abertura da instrução, o art.º 279º Código de Processo Penal, dispõe que o inquérito “só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo ministério publico”.
Ora nenhum destes argumentos foi invocado nos autos de onde foi extraída a certidão e o inquérito não foi reaberto.
Daqui resulta que o despacho de arquivamento não é definitivo, mas implica um despacho de reabertura por parte do Ministério Publico, nos termos expressos no art.º 279º, n.º 2, do Código de Processo Penal, onde verificará dos pressupostos necessários a tal reabertura, sujeito ele próprio à apreciação através de reclamação para o superior hierárquico, sendo que “ não é um acto discricionário, antes está sujeito a estritos critério de legalidade” – G.M. Silva, Curso de Proc. Penal III Vol. 3ª ed. pág. 128
Assim apesar de o despacho não ter a força do caso julgado que o torna definitivo, ele – o arquivamento - está limitado “sob reserva da cláusula rebus sic stantibus, ou seja condicionada à superveniência de novos elementos de prova que devem considerar-se “novos” em relação aos já apreciados” – Anabela Rodrigues, in O novo código de Processo Penal, Jornadas de direito processual penal, CEJ, Almedina 1988, pág. 76.
O assento tónico está assim na existência de novos elementos de prova verificados e analisados no despacho de reabertura.
O que sejam esses ou melhor o que sejam novos elementos de prova, diz-nos o Prof. F. Dias, Cód, Processual Penal, I Vol, reimpressão, 1984, pág. 410/ 411 “… a novidade dos factos terá de ser aferida, por um lado de ponto de vista normativo (idêntico àquele que, em matéria de objecto do processo e de caso julgado, é decisivo para a resolução do problema da identidade do facto) e, por outro lado, com rigor e critério semelhantes aos que orientam a rescisão de sentenças condenatórias com base em factos novos. A reabertura de um processo posterior a um despacho que o manda aguardar melhor prova é com efeito, no fundo, uma verdadeira revisão, embora simplificada no que toca à sua tramitação processual e diferente quanto à autoridade que a ordena”
Daqui decorre em face do caso concreto, que não existiu despacho de reabertura do inquérito, nem foram apresentadas novas provas, em face do que o inquérito não podia sequer ter incidido sobre tais factos já investigados e arquivados.»
Perante tal decisão, D…, filho da vítima mortal, por requerimentos entrados em juízo em 07-05-2018, pediu a sua constituição como assistente e requereu a abertura de instrução.
Aqui, invocou a nulidade insanável do despacho proferido por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos dos arts. 48.º e 119.º, al. b), do CPPenal, expôs a dinâmica do acidente que considera consentânea com os elementos dos autos e enunciou os factos, e respectiva qualificação jurídica, pelos quais considera que E… deve ser submetido a julgamento. Requereu diligências de prova.
Foi realizado debate instrutório e proferida, com data de 21-09-2018, decisão em que se considerou legalmente inadmissível a presente instrução.
*
Inconformado, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido interpôs recurso, salientando a sua discordância em face da parcela da decisão em que é feita a distinção entre a reabertura do inquérito e a instauração de um novo inquérito e solicitando a revogação do despacho recorrido, pois entende que o Tribunal a quo devia ter proferido decisão de pronúncia ou de não pronúncia.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): 1.ª No dia 07-08-2015 ocorreu um acidente de viação, que envolveu dois veículos automóveis, um deles conduzido por B… e o outro por E…; deste acidente veio a ocorrer a morte de um peão, C…. 2.ª No processo então instaurado (NUIPC 41/15.3GTPNF), o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos relativamente a E… e deduziu acusação apenas contra B…. 3.ª Nesses autos veio a ser proferida decisão de não pronúncia da arguida B…, tendo o Tribunal considerado, após produção de prova, que «o condutor do veículo BA…. [E…] foi o único que com a sua conduta contribuiu para a produção do acidente e dos danos subsequentes, por conduzir com excesso de velocidade e de forma desatenta, sem observar as precauções exigidas pela prudência, cautela e cuidado que qualquer condutor nas mesmas circunstâncias era capaz de adoptar e que este era capaz e deveria ter adoptado para impedir a verificação do resultado, dando assim causa ao embate descrito, do qual resultaram de forma directa e necessária as lesões físicas sofridas pela vítima C… e que determinaram a morte.». 4.ª E determinou, em face disto mesmo, que se extraísse certidão e fosse a mesma remetida ao Ministério Público «para os efeitos tidos por convenientes (eventual instauração de inquérito contra o condutor do veículo BA…. E…, melhor identificado nos autos a fls. 55).» 5.ª Quando tal certidão foi recebida no Departamento de Investigação e Acção Penal de Gondomar, foi a mesma autuada com o NUIPC 335/18.6T9GDM, seguindo-se imediato despacho de arquivamento que, por apelo ao princípio ne bis in idem, declarou inadmissível tal procedimento para apreciação dos mesmos factos já apreciados no inquérito n.° 41/15.3GTPNF. 6.ª Inconformado, o assistente D… veio requerer a abertura da instrução, pugnando, a final, pela pronúncia do arguido E… pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1, 13.º, 15.º e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. 7.ª Tal requerimento foi admitido e declarada aberta a fase da instrução e, em sede de debate instrutório, o Ministério Público pugnou pela pronúncia do arguido E…, assim como o assistente; o arguido pugnou pela decisão de não pronúncia. 8.ª A final, em sede de decisão instrutória o Tribunal a quo considerou «inadmissível a presente abertura da instrução» por considerar que não podia haver lugar a um novo inquérito, pelos mesmos factos, e que «a sindicância pelo juiz de instrução deveria ter sido requerida, no devido tempo, no processo instaurado em 1.º lugar, ou seja, no aludido processo 41/15.3GTPNF». 9.ª A instauração de novo inquérito foi consequência directa e necessária do formalismo seguido pela Mm.a Juiz de Instrução que, ao mandar arquivar o primeiro processo (NUIPC 41/15.3GTPNF), ordenou a extracção de certidão e a sua remessa “para eventual instauração de inquérito”, já que, fisicamente, o processo ficou arquivado no Juízo de Instrução Criminal do Porto. 10.ª Nada obsta ao procedimento adoptado e a jurisprudência vem admitindo que a investigação prossiga através de certidão, como se fez, (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2002, Proc. n.º 0141271) ou através da devolução do processo ao Ministério Público competente, (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14-02-2007, Proc. n.º 0646485 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-11-2007. Proc. n.º 2747/2007-3). 11.ª instauração de novo inquérito (mero formalismo justificado pelo arquivamento em sede de instrução, ficando o processo primitivo à ordem do Tribunal) não contende nem com o princípio da legalidade, nem com quaisquer direitos do arguido. Até porque, em rigor, não se trata de um novo inquérito. É exactamente o mesmo. A sua composição física é, tal-qual o primeiro, composta pelas mesmíssimas 822 páginas. Apenas tem um outro número. 12.ª A administração da justiça penal - em prol da salvaguarda e tutela de bens jurídicos como a vida - não pode esmorecer perante uma questiúncula puramente formal. 13.ª E… não foi nunca constituído arguido no âmbito do “inquérito original” pelo que o investigação dos factos com base numa certidão não contende com a «paz jurídica do arguido». 14.ª O crime em investigação tem natureza pública e a responsabilidade criminal poderá ser apurada enquanto não se mostre decorrido o prazo de prescrição. 15.ª O argumento utilizado na decisão instrutória (a incerteza jurídica do arguido), apoia-se na violação do princípio ne bis in idem e na protecção das expectativas do arguido em face de um despacho de arquivamento, violação que o Tribunal declarou não se verificar. 16.ª Resta, portanto, uma vez admitida a requerida instrução, como o foi, e sem questões prévias ou incidentais a decidir, decidir pela pronúncia, ou não pronúncia, do arguido E…, nos termos prefigurados no artigo 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. 17.ª A decisão instrutória recorrida violou os artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e 17.º, 69.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 279.º, n.º 1, 288º, n.º 4, 292º, n.º 1, 307º, n.º 1, e 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.»
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado procedente, argumentando que «Como é consabido, o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação – art. 262.º, n.º 1 Cód. Proc. Penal -, competindo ao Ministério Público praticar os actos e assegurar os meios de prova necessários à realização das referidas finalidades, conforme art. 267.º do mesmo diploma legal.
Recebida a queixa, deve o Ministério Público analisar crítica e ponderadamente a factualidade objecto da mesma para verificar se é susceptível de configurar a prática de um crime, praticando depois os actos e assegurando os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no artigo 262.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal.
É o que emana do princípio da legalidade a que está sujeita toda a actividade do Ministério Público, que tanto o obriga a promovero processo penal (isto desde que para tenha legitimidade) sempre que adquira notícia de factos que integrem a prática de um crime, como de igual modo o obriga a não promovero processo penal sempre que os factos da denúncia não integrem a prática de um crime ou seja desconhecida a identidade do(s) seu(s) autor(es).
Preceitua o art.120.º, n.º 2, al. d) do Cód. Proc. Penal que se verifica nulidade de insuficiência de inquérito quando haja omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Decorrente de um tal comando legal, vem sendo entendido que apenas a omissão de acto que a lei prescreva como obrigatório, tal como sucede com o interrogatório de arguido quando seja possível notificá-lo para tal diligência, é que uma tal omissão consubstancia a insuficiência de inquérito, entendimento que se colhe, v. g., do Ac. do TRG 25-01-2016, consultável na base de dados da DGSI, no qual foi decidido: “Apenas a omissão de acto que a lei prescreva como obrigatório, como seja o interrogatório de arguido quando seja possível notificá-lo, pode consubstanciar a nulidade de insuficiência de inquérito prevista na al. d) do nº 2 do artº 120º do CPP.”
Por sua vez, e sobre os efeitos da declaração de nulidade, estabelece o artigo 122.º do Cód. Proc. Penal:
“1 - As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar.”
Descendo ao caso dos autos, e seguindo o entendimento expresso pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho, no qual nos arrimamos, na medida em que foi apurado indiciariamente na instrução que os factos integrantes do crime de homicídio por negligência terão sido praticados pelo suspeito E…, dado este não ser sujeito processual, nomeadamente por não ocupar a posição de arguido, antes no processo figurava em tal qualidade uma outra pessoa, impunha-se abrir, como, de resto, sucedeu, um novo inquérito.
E, na decorrência da instauração deste «novo inquérito», tal como decorre do acima referido, impunha-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, sem prejuízo das já realizadas, efectuar as necessárias diligências com vista ao apuramento do cometimento pelo indicado suspeito E… do crime em causa nos autos, porquanto se nos afigura, continuando a ressalvar o respeito que é devido pela opinião contrária, não dever ser chamada à liça a questão dos fundamentos da reabertura do inquérito ou mesmo do instituto do caso julgado, por o inquérito autuado com base na certidão extraída do processo n.º 41/15.3GTPNF ter sido criado ex novo, não se confundindo com o inicial inquérito dos autos acabados de referir.
Em tal contexto, crendo-se que as diligências já realizadas no âmbito de tais autos serão suficientes para satisfazerem o desiderato constante do supra referido art. 267.º, na medida em que não foi, em momento algum, o supra referido suspeito E… constituído arguido e, em tal qualidade, interrogado, proceder a esta diligência, perfeitamente passível de ser concretizada, porquanto é conhecido o seu paradeiro, como o impõe o disposto nos arts. 57.º a 61.º e 271.º, todos do diploma legal a que se vem fazendo por último referência e assim decidido pelo Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2006, de 23-11-2005, in DR I-A, n.º 1, de 02-01-2006, o que, sendo omitido, constitui a nulidade prevista no supra indicado art. 120.º, n.º 2, al. d).
Ora, não tendo sido adoptado tal obrigatório procedimento, mostra-se cometida esta nulidade, que, embora não subsumida a tal preceito legal, mas cuja fundamentação aí deve ser reconduzível, foi atempadamente arguida (n.º 3, al. c) do último preceito legal citado.
Em tal conformidade, deverá ser declarada a referida nulidade e, em consequência, ser o processado anulado, a partir de fls. 846, a fim de poder sanada tal nulidade, com a constituição de arguido do suspeito e respectivo interrogatório.
Não procedendo o entendimento de que se mostra verificada a supra aludida nulidade, atendendo à defesa de que os autos foram devidamente instaurados e, por via disso, dever ser nestes decida a questão em causa, como decorre do acima exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada e, em sua substituição, ser prolatada uma outra a considerar admissível a instrução, seguindo-se os demais termos de tal fase processual».
*
II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que cumpre apreciar é a de saber se é incorrecta a decisão da Senhora Juiz de Instrução que concluiu, no termo da fase de instrução, pela inadmissibilidade legal da instrução, devendo o processo seguir os termos nesta fase e ser proferida decisão instrutória de pronúncia ou de não pronúncia.
Antes de passarmos à apreciação do recurso importa ter presente a decisão que constitui seu objecto, que é do seguinte teor (transcrição):
«O Tribunal é competente.
*
O M.P. proferiu o despacho de arquivamento de fls.824 e segs por inadmissibilidade legal.
Tal inquérito teve origem numa certidão extraída do processo 41/15.3GTPNF para eventual instauração de inquérito contra E… condutor do veículo BA…., como autor material de factos que em abstracto constituiriam a prática de um crime de homicídio por negligência p.p. pelo artº 137º do Cod. Penal ocorrido no dia 07/08/2015.
Considerou o M.P. que, do confronto entre os factos constantes dos presentes autos e os constantes dos autos com o número 41/15.3GTPNF, os factos são exactamente os mesmos.
Considera o M.P. que no caso concreto, não existiu despacho de reabertura de inquérito, nem foram apresentadas novas provas, em face de que o inquérito não podia sequer ter incidido sobre tais factos já investigados e arquivados.
Reagiu o assistente suscitando desde logo a nulidade insanável por falta de promoção do M.P. nos termos do disposto no artº 48º e 119º al.b) do C.P.P. e sem prescindir, considera o assistente que não se mostra verificada a excepção de caso julgado, porquanto, em sede instrução, surgiram e foram apreciados, novos meios de prova. Cumpre apreciar: Da nulidade por falta de promoção do M.P.
As orientações jurisprudenciais e a interpretação das normas do art.º 119º, alíneas b) e d) do C.P.Penal, “a omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito” uma vez que, “a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público que detém a titularidade do inquérito, bem como a sua direcção, ex vi dos art.ºs 262º e 263º do Código de Processo Penal, sendo este livre - dentro do quadro legal e estatuário em que se move e a que deve estrita obediência- art.ºs 53º e 267º do Código Processo Penal - de promover as diligências que entender necessárias ou convenientes, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar" (cfr., entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 29-03-2007 in www.dgsinpt).
Assim, só a ausência absoluta de inquérito ou a omissão de diligências impostas por lei determinam nulidade do inquérito.
“O Ministério Público é livre, salvaguardados os actos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou de promover as diligências que entender necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito e não determina a nulidade do inquérito por insuficiência a omissão de diligências de investigação não impostas por lei (Acórdão do Tribunal Constitucional 395/04 de 2.6.2004, DR 11 série de 9.10. 04, p. 14975)”
No caso concreto, verifica-se que o M. P., a quem compete a direcção do inquérito, logo que foi extraída certidão dos autos com o nº41/15.3GTPNF analisou os factos e tomou posição tanto mais que considerou estar verificada a excepção de caso julgado. Desse modo, não se vislumbra que ao M. P. se impusesse a realização de diligências.
Nestes termos, considera-se que não foi violado o disposto no art.º 119º, alíneas b) do C.P. Penal, dado que, não existiu omissão de inquérito. Da verificação da excepção de caso julgado:
O M.P. no despacho de fls.824 e seguintes considerou que do confronto entre os factos constantes dos presentes autos e os constantes dos autos com o processo nº41/45.3GTPNF, constata-se que são exactamente os mesmos. Visto que foi proferida decisão final de arquivamento nos autos de inquérito (41/15.3GTPNF), pelos mesmos factos que constituem o objecto do presente processo e quanto ao condutor E…, face ao princípio constitucional da proibição de dupla incriminação (artº 29º nº5 da C.R.P.), os presentes autos não poderiam prosseguir.
O princípio em causa é o consagrado no número 5, do artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual, “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
No Código de Processo Penal existem, apenas, duas disposições normativas que se reportam à figura em causa - o caso julgado, que são: o artigo 84º, respeitante à decisão que conhece do pedido civil; o artigo 467º, n.º 1, ao estatuir que, as decisões penais condenatórias, logo que transitadas, possuem força executiva. O princípio ne bis in idem consagrado no art. 29º, n.º5, da Constituição da República, “embora pensado e estruturado em razão da segurança e paz jurídica”, “assume também uma garantia fundamental do cidadão que se traduz na certeza, que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto” – cfr. Frederico Isasca, in Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância em Processo Penal, p. 218 e 226.
Em caso de hipótese de arquivamento do inquérito nos termos do art. 277.º do CPP, pode manter-se ainda numa certa indefinição, quanto ao objecto do processo, que tem como consequência que em caso de reabertura do inquérito os factos podem ser ampliados, restringidos ou ser qualificados diversamente.
O art. 277.º apenas exige a prova de que os factos noticiados, com os desenvolvimentos que o inquérito entretanto propiciou, não constituam crime ou que não se indicie suficientemente que o constituam, mas não que não constituam um determinado crime. Só não é assim relativamente aos crimes dependentes de queixa ou participação das autoridades em que a decisão de arquivamento por inexistência de crime ou insuficiência de indiciação se há-de reportar ao crime objecto da queixa ou participação.
O arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277.º do CPP, não tem efeitos preclusivos, pois o inquérito pode ser reaberto nos termos do art. 279.º n.º1 do mesmo diploma, ou seja, caso surjam novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento.
O despacho de arquivamento neste âmbito é da exclusiva competência do Ministério Público e nele não há qualquer intervenção judicial. A decisão não é, pois, jurisdicional e consequentemente, não é susceptível de recurso, nem de trânsito em julgado.
Em termos conceptuais, entende-se que o despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação que produz efeitos endoprocessuais), pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo.
A relevância da motivação do despacho de arquivamento propaga-se para além dos momentos da sua sindicabilidade (intra-orgânica ou judicial) aos efeitos futuros do despacho que vale como caso decidido, pois os novos elementos de prova têm de por em causa esses fundamentos e não apenas a bondade da decisão. (este sentido Paulo Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, a fls.291 e 292, nota de rodapé n.º 96.) Em face do que fica exposto, temos como certo que não ocorre qualquer violação do princípio “ne bis in idem”, como defende o assistente no requerimento de abertura de instrução. (Em sentido contrário, o acórdão da Relação de Lisboa de 2.10.2002, in www.gde.mj.pt, no qual se decidiu que “Arquivado um processo de instrução relativo a determinado crime, a eventual descoberta de novos factos, não pode dar lugar a novo processo atenta a regra "ne bis in idem", só podendo eventualmente ser apreciados no processo primitivo.”
Como supra se referiu, a Constituição da República Portuguesa consagra, no n.º 5 do artigo 29.º, o referido princípio “ne bis in idem” dizendo que “ninguém pode ser julgado mais de uma vez pela prática do mesmo crime”.
Desta enunciação do princípio decorre a proibição de aplicar mais de uma sanção com base na prática do mesmo crime e também a de realizar uma pluralidade de julgamentos criminais com base no mesmo facto delituoso.
Como defendem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, no seu livro “CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, em anotação ao art. 29.º, “o princípio “ne bis in idem” comporta duas dimensões: - (a) Como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); - (b) Como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.”
A opção pelos efeitos do caso julgado material acaba por pôr no mesmo plano as absolvições decretadas em julgamento por falta de provas e os casos de mero arquivamento do inquérito com o fundamento em indiciação insuficiente, ou por, no entender do titular da acção penal existir prova bastante de o visado não ter praticado o crime. O paradoxo está em que no primeiro caso, em que de autêntico caso julgado material se trata, já se exigia um qualificado grau de indiciação como pressuposto da acusação e da remessa para julgamento.
O despacho de arquivamento, resultante de não se terem confirmado indícios da comissão de um crime, ou por concluir que o/os visado/os não o praticaram, não é uma decisão de mérito. E também assim é em todos os casos de não pronúncia, pois o tribunal conhece simplesmente da não verificação dos pressupostos necessários para que o processo prossiga com a acusação deduzida e submetida à comprovação na fase da instrução; trata-se sempre, pois, de uma decisão de conteúdo estritamente processual.
Em processo penal, a não pronúncia, sendo decisão final, determina o arquivamento do processo, pelo que à possibilidade de instauração de novo processo no domínio do processo civil, quando tenha havido absolvição da instância, corresponde no âmbito do processo penal a reabertura do processo arquivado. Esta conclusão impõe-se por analogia com o que determinam os art. 277.º e 279.º para o arquivamento e reabertura do inquérito.
A questão dos autos prende-se, por conseguinte, com a legalidade do processo instaurado em segundo lugar, ou seja, com a existência destes autos.
Com efeito, determina o art. 2.º do CPP que “a aplicação das penas e medidas de segurança só pode ter lugar em conformidade com as disposições deste Código”.
Participados os factos que foram investigados no processo de inquérito que correu termos sob o n.º41/15.3GTPNF e que foi mandado arquivar, a investigação poderia, porém, prosseguir perante “novos elementos de prova” – art. 279.º n.º1 do CPP -, naturalmente naquele mesmo processo.
Ora, tendo a mesma concreta e hipotética acção jurídico-penal sido novamente participada, dando origem a novo inquérito, que veio a ser igualmente arquivado, desta vez por o Ministério Público ter considerado legalmente inadmissível tal procedimento, nos termos do art. 277.º n.º1 do CPP, é inadmissível a instrução formulada pelo assistente no inquérito posterior, pois só no anterior inquérito podia ser requerida, posto que lograsse a respectiva reabertura nos termos do art. 279.º do CPP e em face de uma nova abstenção de acusar (Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 6.11.96, proferido no proc.10.425/94, acessível in www.gde.mj.pt/jtrp).
O exercício da acção penal compete ao Ministério Público que a deve exercer em conformidade com a lei.
A sindicância da legalidade da actuação do Ministério Público, quando se abstenha de acusar, é promovida pelo assistente a quem a lei atribui o direito de submeter à apreciação judicial a decisão do Ministério Público.
Admitida esta fiscalização da decisão do Ministério Público no termo do inquérito, o legislador estrutura esta fase processual a ela destinada em termos de evitar desperdícios processuais e em lugar de aguardar que o Ministério Público formule acusação em conformidade com a decisão do tribunal, admite como legítima a promoção do assistente em substituição do Ministério Público, admitindo-o a exercer uma função pública.
Porém, no caso em apreço, a referida sindicância pelo juiz de instrução deveria ter sido requerida, no devido tempo, no processo instaurado em 1.º lugar., ou seja, no aludido processo 41/15.3GTPNF).
Não se trata, propriamente, duma situação de litispendência (que o CPP de 1929 previa no art.146.º com contornos diversos em relação ao processo civil, ou seja, só podia verificar-se a partir da introdução do feito em juízo, mediante acusação), pois o primitivo processo encontra-se arquivado, mas de uma violação da lei do processo.
A invocação de factos novos não constitui fundamento de abertura de instrução, mas sim de reabertura de inquérito (cfr. artigo 279°, do Código de Processo Penal). Ou seja, a eventual descoberta de factos novos apenas poderia ter sido apreciada no processo primitivo. O princípio da legalidade do processo penal impunha, no caso, a reabertura do primitivo inquérito e não a instauração de novo inquérito – até porque o direito de queixa já tinha sido exercitado naquele processo e a invocada existência de factos novos só no primitivo processo poderia ser invocada e apreciada.
Esta solução processual é a única compatível com a natureza cognitiva da actividade judiciária sujeita ao primado da verdade e justiça e ordenada pela objectividade e legalidade. Trata-se também de uma questão de economia processual, mas sobretudo de considerações de política criminal atinentes à salvaguarda do valor da paz jurídica do arguido.
Entender o contrário é admitir que reine a incerteza para todos quantos um dia foram denunciados ou constituídos arguidos num processo e que viram o mesmo ser arquivado por o Ministério Público ter concluído de que não se verificou o crime ou que não se colheram indícios suficientes da sua verificação, mas cuja prescrição ainda não tenha ocorrido, de verem ser instaurado outro processo com o mesmo objecto, sem sujeição do denunciante ao controlo do Ministério Público que um pedido de reabertura do inquérito pressupõe (cf. art.279.º do CPP).
Como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pag. 102, o Código “não considera a busca da verdade como um valor absoluto e, por isso não admite que a verdade seja procurada através de quaisquer meios, mas só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis”.
“A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não é uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida. (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pag.194).
Pelo exposto, (ainda que por razões diversas do despacho de arquivamento), considero inadmissível a presente abertura de instrução.
Custas pelo assistente que se fixam em 2 UC.
Notifique e oportunamente, arquive.»
*
Vejamos.
A questão suscitada pelo Ministério Público no seu recurso prende-se fundamentalmente com a questão de forma – denominando-a questiúncula puramente formal – sobre se o prosseguimento da investigação pode ser realizado num processo autónomo nascido de certidão ou se deve ocorrer no processo original, através da devolução do mesmo ao DIAP, posto que já se encontrava no TIC.
Considera irrelevante a formalidade adoptada, pelo que o Tribunal a quo devia ter proferido despacho de pronúncia ou de não pronúncia.
Não concordamos, contudo, que se trate apenas de uma questão de forma, nem a decisão recorrida o afirma desse modo.
Na verdade, ao contrário do que se refere no recurso, a questão nuclear a resolver não é a de saber como deve ou pode desenvolver-se formalmente o prosseguimento a investigação relativamente ao cidadão E….
A questão que deve ser colocada, e foi, quer no despacho de arquivamento proferido nestes, quer no despacho recorrido, embora por razões e com fundamentos diferentes, é se pode prosseguir contra aquele cidadão a investigação da prática do crime de homicídio negligente realizada no Proc. n.º 41/15.3GTPNF, de onde foi extraída a certidão que aos presentes autos deu origem.
Independentemente se se abordar a questão de saber se seria no processo primitivo ou em processo autónomo que a investigação prosseguiria[2] – opções que a jurisprudência tem aceite[3] –, é preciso ter presente que, no caso de se aceitar aquela realização em novo processo, valem neste as limitações a que estaria sujeito o prosseguimento da investigação caso este fosse realizado no processo primitivo.
Ora, no caso dos autos, o putativo prosseguimento formal da investigação parte, a nossa ver, de erradamente se entender que o despacho da Senhora Juiz de Instrução teve a virtualidade de reabrir o inquérito, o que nunca poderia acontecer, pois é ao Ministério Público que compete a decisão de reabrir o inquérito, como decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 279.º do CPPenal.
Não competia à Senhora Juiz de Instrução determinar a extracção de qualquer certidão quanto à averiguação da responsabilidade criminal de E…, tanto mais que a instrução estava delimitada à apreciação da conduta da única arguida e única acusada do processo.
E a partir dessa errada leitura da tramitação dos autos, foi-se laborando demasiado em cima de tal falha até chegarmos ao momento actual.
Voltando um pouco atrás na dinâmica processual e acompanhando a tramitação do Proc. n.º 41/15.3GTPNF, de onde os presentes autos emergiram, verificamos que relativamente ao dois intervenientes no acidente de viação que se discute nesse e neste processo, E… e B…, a investigação chegou a duas soluções opostas: arquivou os autos quanto ao primeiro e acusou quanto à segunda.
Encerrado o inquérito com tal desfecho, a arguida, acusada, requereu, como lhe era facultado pelo art. 287.º, n.º 1, al. a), do CPPenal, a abertura da instrução, solicitando que, a final, fosse proferido despacho de não pronúncia, o que ocorreu. Era esse, e tão-somente esse, o objectivo da instrução.
Por seu turno, o assistente, filho da vítima mortal, podia pedir a intervenção do superior hierárquico do magistrado do Ministério Público titular do processo nos termos do art. 278.º do CPPenal ou requerer a abertura da instrução nos termos do art. 287.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal.
No caso em apreço a opção foi pela primeira solução.
Porém, uma vez tomada esta, ou seja, suscitada a intervenção hierárquica, estava o assistente impedido de, não vendo satisfeita a sua pretensão por esta via, requerer a abertura da instrução.
Esta sempre foi a posição jurisprudencial dominante, embora existissem posições divergentes. É nesse contexto que aquela impossibilidade processual – de o assistente recorrer simultânea ou sucessivamente a ambas as formas de reacção contra o despacho de arquivamento – veio a ser reconhecida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência n.º 3/2015, de 08-01-2015 (DR n.º 56/2015, I Série, de 20-03-2015), que fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«O prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, conta-se sempre e só a partir da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua, ao abrigo do artigo 277º do mesmo código, não relevando para esse efeito a notificação do despacho do imediato superior hierárquico que, intervindo a coberto do artigo 278º, mantenha aquele arquivamento».
Para fundamentar tal posição argumenta-se a dado passo do referido aresto:
«Por isso, se o assistente suscitou a intervenção hierárquica, esta teve lugar e culminou em decisão que manteve o despacho de arquivamento, não se inicia a partir da notificação desta última decisão novo prazo para aquele requerer a abertura de instrução. Nessa altura já não há possibilidade de haver instrução, por ter passado o tempo em que podia ter sido requerida. Depois de passar o tempo da instrução, o assistente, como parece claro, não pode mais requerê-la, enquanto a situação do processo não se alterar. E a situação processual, para este efeito, não se altera com a decisão do imediato superior hierárquico que mantenha o arquivamento, pois não traz ao processo elementos novos em relação aos quais se coloque a necessidade de o assistente defender qualquer direito que não pudesse já ter defendido.
Há uma só oportunidade para o assistente requerer a abertura de instrução: o prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento proferido ao abrigo do artigo 277º do Código de Processo Penal pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua. Se tal prazo decorreu, sem que a instrução tenha sido requerida, ou se no decurso desse prazo foi suscitada a intervenção hierárquica, acto com o significado de renúncia à instrução, como decorre do nº 2 do artigo 278º, acabou o tempo de requerer a instrução, que se define sempre por referência ao arquivamento previsto no artigo 277º.
Depois disso, só volta a haver oportunidade de o assistente requerer a abertura de instrução se vier a ser proferido novo despacho de arquivamento nos termos do artigo 277º, situação que pode ocorrer em função da decisão do imediato superior hierárquico do magistrado titular do inquérito que, no âmbito da intervenção prevista no artigo 278º, determine o prosseguimento das investigações, com a realização de determinadas diligências de prova, ou da reabertura do inquérito nos termos do artigo 279º.
Nem seria coerente com o espírito de racionalidade, eficiência e celeridade de que o Código de Processo Penal de 1987 se mostra imbuído a solução que contemplasse a possibilidade de o assistente, depois de ter optado por suscitar a intervenção hierárquica, em vez de requerer a abertura de instrução no prazo facultado pelo artigo 287º, nº 1, alínea b), beneficiar, no caso de insucesso, de novo prazo de 20 dias para requerer a instrução, a contar da notificação da decisão do imediato superior hierárquico que mantivesse o arquivamento. Essa duplicação de prazos não acautelaria qualquer valor do processo penal que não estivesse já acautelado por outra forma [com a possibilidade de o assistente de requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar do despacho de arquivamento], redundaria num desperdício de meios e prolongaria, sem verdadeira necessidade, a duração do processo penal.»
Fosse por estar em consonância com tal posição jurisprudencial fosse por outro motivo, o assistente nada mais requereu naqueles autos, conformando-se com a posição do imediato superior hierárquico do Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, que secundou a decisão de arquivamento dos autos no que respeita à responsabilidade criminal de E…, o que fez ao abrigo do art. 277.º, n.º 1, do CPPenal, por ter concluído que o mesmo não cometeu qualquer facto ilícito e «muito menos o indicado crime de homicídio por negligência».
Com a confirmação daquela solução processual pelo superior hierárquico ficou arquivado o processo nesta parte e, consequentemente, qualquer possibilidade de investigação quanto à responsabilidade de E… pela prática de factos ilícitos no âmbito do acidente de viação em causa, ressalvando-se a hipótese de o inquérito ser reaberto nos termos do art. 279.º do CPPenal, por entretanto terem surgido novos elementos de prova que invalidassem os fundamentos invocados pelo Ministério Público para o arquivamento. Trata-se de um arquivamento condicionado à cláusula rebus sic stantibus.
No que concerne à amplitude da reabertura, não sendo líquida tal posição em termos jurisprudenciais, cremos que a circunstância de o arquivamento ter sido efectuado ao abrigo do n.º 1 do art. 277.º do CPPenal não invalida a possibilidade de reabertura do inquérito, tanto mais que a lei (art. 279.º do CPPenal) não distingue as causas de arquivamento no âmbito do n.º 1 ou do n.º 2 do art. 277.º CPPenal[4].
E a este propósito afirma Germano Marques da Silva[5]:
«1. O arquivamento do processo no âmbito do art. 277.º tem por fundamento a falta de pressupostos da acusação, quer a decisão assente numa apreciação negativa (art. 277.º, n.º 1) quer dubitativa (art. 277.º, n.º 2).
O despacho de arquivamento neste âmbito é da exclusiva competência do Ministério Público e nele não há qualquer intervenção judicial. A decisão não é, pois, jurisdicional e consequentemente não é susceptível de trânsito em julgado, produzindo apenas efeitos intraprocessuais. II. Ainda que o despacho proferido ao abrigo do art. 277.º não possa transitar em julgado, a lei poderia dispor que uma vez arquivado o processo não seria nunca reaberto, como, aliás, dispõe o art. 282.º, n.º 3, relativamente ao arquivamento, também da competência exclusiva do Ministério Público, na sequência da suspensão provisória do processo.
O caso está decidido, não pode ser reaberto.
Poder-se-iam invocar boas razões atinentes à paz jurídica do arguido na defesa da extinção do processo pelo arquivamento no termo do inquérito.
Não foi essa, porém, a opção do legislador. Como expressamente resulta do art. 279.º, o inquérito pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento.
O art. 279.º refere-se às hipóteses de arquivamento previstas nos n.os 1 e 2 do art. 277.º, como resulta também do art. 278.º O Código como que estabelece um meio-termo entre as posições extremas assumidas pela doutrina na vigência do CPP/29, aceitando o carácter não definitivo do despacho de arquivamento, mas só admitindo a reabertura do inquérito se surgirem novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados para o arquivamento.
Como já referimos, o arquivamento com fundamento na inadmissibilidade legal do procedimento pode resultar da verificação de uma causa de extinção do procedimento ou simplesmente da falta de uma condição de procedibilidade. Esta condição pode consistir na prática de um acto jurídico que ocorra apenas depois do arquivamento, v.g., a apresentação da queixa nos crimes semipúblicos ou particulares. III. O processo será reaberto pelo Ministério Público, surgindo novos elementos de facto ou de prova que invalidem os fundamentos do arquivamento, mas do despacho que deferir ou recusar a reabertura só cabe reclamação para o superior hierárquico (art. 279.º, n.º 2).
Se o Ministério Público recusar a reabertura, esta decisão não é susceptível de fiscalização judicial, mas se a admitir e na sequência arquivar o inquérito ou acusar, já estas decisões ficam sujeitas ao regime geral de fiscalização judicial das decisões do Ministério Público e também da própria legalidade da reabertura do inquérito. É que a reabertura do inquérito não é um acto discricionário, antes está sujeito a estreitos critérios de legalidade e se a recusa de reabertura não é susceptível de impugnação judicial isso é devido a considerações de política criminal ainda aqui atinentes ao valor da paz jurídica do arguido. IV. O despacho de arquivamento é sempre passível de revisão, nos termos do art. 449.º, n.º 1, als. d) e b), e n.º 2.»
Mas o que a lei deixa bem claro é que a decisão de reabertura do inquérito compete ao Ministério Público.
Esta posição não suscita grandes dúvidas, como resulta da letra do art. 279.º do CPPenal e está patente na jurisprudência indicada ou na posição de Germano Marques da Silva reflectida na parcela supracitada.
E deste preceito resulta não só que compete ao Ministério Público, e só a ele, declarar reaberto um inquérito arquivado nos termos do art. 277.º, n.ºs 1 e 2, do CPPenal como ainda que do despacho que deferir ou recusar tal prosseguimento da investigação apenas há reclamação para o superior hierárquico imediato.
Ou seja, esta fase liminar da reabertura o processo não é passível de controlo jurisdicional, sem prejuízo de, uma vez reaberto o inquérito, o novo despacho de encerramento que vier a ser proferido voltar a estar sujeito à disciplina dos arts. 278.º e 287.º do CPPenal, isto é, em caso de acusação pode o arguido requerer a abertura da instrução ao abrigo do art. 287.º, n.º 1, al. a), do CPPenal e em caso de arquivamento pode o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente solicitar a intervenção do superior hierárquico do magistrado do Ministério Público titular do processo nos termos do art. 278.º do CPPenal ou a requerer a abertura da instrução ao abrigo do art. 287.º, n.º 1, al. b), do CPPenal.
Sendo esta a disciplina que devia ser aplicada no âmbito do Proc. n.º 41/15.3GTPNF, ela funciona obrigatoriamente como padrão, exactamente nos mesmos termos, para a tramitação deste processo surgido na sequência de certidão daquele extraída, sob pena de deixarmos entrar pela janela aquilo que pela porta a lei não permitiu.
Assim, num novo processo assim originado, admitindo-se tal viabilidade, não pode o assistente ter mais faculdades processuais do que aquelas que lhe seriam concedidas no processo original.
No caso em apreço, em momento algum, nem no processo original nem nos presentes autos, o Ministério Público proferiu despacho a reabrir o inquérito quanto à actuação de E….
Aliás, não houve qualquer requerimento do assistente nesse sentido e não houve despacho do Ministério Público que oficiosamente declarasse reaberto o processo.
E o despacho inicialmente proferido nestes autos, concorde-se ou não com alguns dos fundamentos ali aduzidos, não configura qualquer declaração de reabertura do processo, antes se referindo aí expressamente que o inquérito não foi reaberto, e concluindo-se, a final, pela inadmissibilidade legal do procedimento.
Mais, ainda que atribuamos à Senhora Juiz de Instrução legitimidade para desencadear uma tramitação equivalente a um requerimento para reabertura de inquérito – o que configura manifesta erro processual, pois extravasa a sua competência, não lhe reconhecendo a lei a possibilidade de tal impulso processual –, a recusa de tal reabertura só poderia ser fiscalizada através de reclamação para o superior hierárquico do magistrado do Ministério Público titular do inquérito, como decorre do disposto no art. 279.º, n.º 2, do CPPenal, jamais sendo possível nesta fase liminar, como se enunciou, requerer a abertura da instrução.
Bem andou, por isso, a Senhora Juiz de Instrução ao proferir despacho a decidir pela inadmissibilidade legal da instrução, sendo certo que as questões formais que levantou a propósito de se estar perante um novo processo têm na sua base as limitações processuais e incongruências acima assinaladas.
Por fim, importa lembrar que a circunstância de ter sido proferido um despacho liminar e genérico de abertura de instrução não impede que a final seja proferida decisão em que se reconheça a inadmissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução em apreço, pois aquela declaração inicial não faz caso julgado formal sobre a questão, não concretamente analisada, da inadmissibilidade legal da instrução.
O Supremo Tribunal de Justiça, em matéria criminal, já se pronunciou em dois acórdãos para fixação de jurisprudências, embora relativos a questões processualmente diversas (acórdão 2/95 de 16-05-1995[6], DR 135/95 Série I-A de 12-06-1995, e o recente acórdão n.º 5/2019[7] de 04-07-2019, DR 185/2019, Série I de 2019-09-26), sobre aquele conceito.
No acórdão 2/95 é afirmado a tal respeito:
«3.2 – Generalidades sobre o caso julgado em processo penal:
O fundamento central do caso julgado, como escreveu Beling, radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dela aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto (in Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Coimbra, 1983, p. 302).
Isto vale um pouco quer para o caso julgado material, como para o caso julgado formal, sendo certo que aqui nos interessa considerar tão-só este último, dado que a nossa análise apenas incidirá sobre o efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, ao passo que o caso julgado material consubstancia a eficácia da decisão proferida relativamente a qualquer processo ulterior com o mesmo objecto (cf. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. III, Lisboa, 1958, p. 35).
O Código de Processo Penal de 1929, no capítulo das excepções, aludia expressamente ao caso julgado (artigo 138.º, 3.ª) e a partir do artigo 148.º e seguintes regulamentava com algum pormenor a referida excepção, com especial relevo para o caso julgado material e efeitos do caso julgado civil no processo penal.
Não acontece o mesmo no actual Código de Processo Penal e tal ausência de regulamentação constante e sistemática de matéria tão importante só pode significar, a nosso ver, uma de duas coisas: ou que o legislador entendeu como suficiente para resolver o problema da aplicação genérica e indiferenciada ao processo penal dos vários normativos que no processo civil tratam a questão, ao abrigo do regime estabelecido no artigo 4.º do Código de Processo Penal, ou então que não quis, pura e simplesmente, firmar regras rígidas no processo penal em matéria de caso julgado, dada a natureza deste ramo do direito.
Inclinamo-nos decisivamente para esta última posição, que se encontra verdadeiramente em harmonia com a especial natureza do processo penal.
(…) 5 – Conclusões
As considerações feitas permitem tirar as seguintes conclusões:
1.ª A falta de regulamentação sistemática e específica do caso julgado no Código de Processo Penal não permite, por si própria, o recurso nos termos do artigo 4.º deste Código aos preceitos sobre tal matéria constantes do Código de Processo Civil;
2.ª Em matéria de caso julgado formal, quanto ao despacho previsto no artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não existe qualquer lacuna que imponha por indício normativo o recurso à analogia para aplicação do regime constante do artigo 672.º do Código de Processo Civil e do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal;
3.ª Se se verificasse a existência de lacuna, a sua integração, com base no artigo 4.º do Código de Processo Penal, só se poderia operar desde que se não produzisse uma diminuição dos direitos processuais dos arguidos;
4.ª A aplicação ao processo penal dos normativos processuais civis acima referidos implica uma manifesta diminuição relativa ao estatuto processual dos arguidos;
5.ª Também a aplicação neste caso dos referenciados normativos processuais civis infringe o princípio da igualdade jurídica, essencial entre o caso regulado e o caso a regular, e o princípio da harmonização contido no artigo 4.º do Código de Processo Penal;
6.ª Isto porque não existe a mesma identidade de natureza e finalidade entre o despacho saneador contemplado no artigo 510.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, do Código de Processo Civil e o despacho de saneamento a que se refere o artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
7.ª Igualmente a aplicação da doutrina do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963 colide e não se harmoniza com os princípios fundamentais do processo penal, tais como o princípio da verdade material, do favor rei e do favor libertatis, sendo nessa parte irrelevante a ressalva contida no mesmo assento que condiciona o efeito de caso julgado formal sobre a legitimidade à superveniência de factos que nela se repercutam;
8.ª O artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (como, de resto, o artigo 338.º, n.º 1) não tem, quanto à sua preclusão, o valor de estabelecer força de caso julgado formal para o despacho genérico sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido anteriormente, mas tem apenas por finalidade estabelecer uma ordem de análise das várias questões, pretendendo evitar a duplicação da sua apreciação;
9.ª Assim, o despacho sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido em termos genéricos, ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não reveste o valor de caso julgado formal.»
E no acórdão 5/2019 a questão é abordada do seguinte prisma:
«65 - O caso julgado, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. 66 - É o princípio do ne bis in idem, que se encontra consagrado como garantia fundamental pelo artigo 29.º n.º 5, da CRP: ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. 67 - Os conceitos de caso julgado formal e material comportam diferentes efeitos. 68 - A lei distingue entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa (artigos 619.º, n.º 1, e 620.º, do CPC). 69 - O trânsito em julgado dos despachos, das sentenças e dos acórdãos decorre da circunstância de já não serem susceptíveis de recurso ordinário ou da reclamação (artigo 628.º, do CPC). 70 - O caso julgado material penal tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento, na medida em que o direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado. 71 - Já a propósito do caso julgado formal, aqui em referência, dispõe-se que os despachos, as sentenças e os acórdãos que recaiam unicamente sobre a relação processual apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 620.º n.º 1, do CPC). 72 - No que concerne ao alcance do caso julgado, determina-se que a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga (artigo 673.º, do CPC). 73 - O caso julgado formal apenas tem força dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes, pelo mesmo tribunal ou por outro, entretanto chamado a apreciar a causa. 74 - Assim, estamos perante caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
«E perante caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï)» – acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 2002 (processo 3924/01), e de 3 de Março de 2004 (processo 215/04).
O caso julgado formal respeita a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito - acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Setembro de 2013 (processo n.º 438/08.5SGLSB.L1-B.S1). 75 - No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Novembro de 2008 (processo 08P268), refere-se, designadamente:
«O caso julgado formal constitui noção separada do caso julgado que, como categoria geral (caso julgado material) está construída para a decisão definitiva do direito do caso, nas condições da sua existência, conteúdo e modalidades de exercício; no processo penal respeita à declaração sobre a culpabilidade e determinação da sanção, bem como da não culpabilidade (seja por não pronúncia ou por absolvição).
«O caso julgado formal respeita ao efeito da decisão no próprio processo em que é proferida».
«O caso julgado material consubstancia a eficácia da decisão proferida relativamente a qualquer processo ulterior com o mesmo objecto» e «tem um valor impeditivo da renovação da apreciação judicial sobre a mesma matéria» - cf. Cavaleiro de Ferreira, loc. cit., p. 25.
O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais quanto à definição e concretização judicial da relação controvertida ou objecto material do processo, é o caso julgado material – fixado e estável com fundamento na vinculação às decisões e na realização dos valores da justiça, certeza e segurança, também no âmbito do exercício do direito de punir do Estado em relação ao cidadão arguido da prática de uma infracção penal.
Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial.
Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati) - cf. acórdão do Supremo Tribunal de 23 e Janeiro de 2002, proc. 3924/01.
O caso julgado formal respeita a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Em processo penal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, mas supondo a inalterabilidade subsequente dos pressupostos de conformação material da decisão.
No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta.
O procedimento é dinâmico, sequencial e, como contínuo instrumental, subsiste até ao momento em que o processo atinja a sua finalidade – a obtenção de uma decisão que lhe ponha termo, seja decisão final sobre pressupostos negativos de procedimento ou sobre a verificação de condições extintivas, seja decisão final de determinação, positiva ou negativa, da culpabilidade ou de aplicação da sanção que couber. Mas no contínuo dinâmico e instrumental, submetido a regras próprias, o procedimento pode sempre cessar por motivo que produza esse efeito – v. g., a prescrição.
Mas, assim, na perspectiva instrumental e no espaço de garantias que é o processo, mudando os pressupostos de que depende a realização da finalidade a que está vinculado – a realização da justiça do caso, no respeito por regras materiais e de acordo com princípios estruturantes – deixa de subsistir a razão do caso julgado formal que não pode impedir a realização da finalidade que justifica a sua razão instrumental.
(…) 79 - Dispõe o artigo 338.º, do CPP:
«1 - O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.
2 - A discussão das questões referidas no número anterior deve conter-se nos limites de tempo estritamente necessários, não ultrapassando, em regra, uma hora. A decisão pode ser proferida oralmente, com transcrição na acta.» 80 - Conjugando estes normativos, verifica -se que a decisão (tabelar) proferida pelo tribunal de forma genérica quanto à tempestividade do recurso não impede que, posteriormente, o tribunal se pronuncie expressamente sobre essa questão – a menos que sobre ela se tenha pronunciado expressamente e não se verifique alteração superveniente. 81 - Com efeito, resulta da leitura conjugada dos artigos 331.º e 338.º, ambos do CPP, que este último preceito legal permite que mesmo depois de designada a data para o julgamento, dentro dos actos introdutórios da audiência de julgamento, o tribunal possa conhecer de questões prévias ou incidentais que sejam susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa – que podem ser de natureza substantiva (morte do arguido, amnistia, prescrição, despenalização, etc.) ou adjectiva (incompetência do tribunal, desistência de queixa, ilegitimidade, etc.), acerca das quais não tenha havido decisão expressa e de que possa desde logo conhecer. 82 - É que só a decisão que conheça de questões concretas produz o efeito de caso julgado formal e já não aquela que se limita a declarar, genericamente, a verificação dos pressupostos processuais e a regularidade da instância (ou seja, as situações em que o juiz se limita a exarar a fórmula vaga e abstracta «o tribunal é competente em razão da matéria; as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias; são legítimas; não há nulidades, excepções ou outras questões susceptíveis do obstar ao conhecimento do mérito da causa»). 83 - No caso dos autos, o despacho de admissão do recurso da impugnação judicial é meramente tabelar, limitando-se, na parte em apreço, a declarar a tempestividade do requerimento, pressupondo-a em termos genéricos, razão pela qual não deverá ter a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida. 87 - Com efeito, a verdadeira ratio do artigo 338.º, do CPP, é de não tomar propriamente posição sobre a natureza das decisões a que se refere, mas apenas estabelecer uma ordem de análise das várias questões, pretendendo evitar a repetição da sua apreciação. 88 - Por isso que o despacho proferido nos autos em que se considerou o recurso tempestivo pode ser alterado por decisão posterior que aprecie, em concreto, a verificação da tempestividade do respectivo requerimento, e decida em sentido contrário. 89 - Neste sentido vide acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 1995, n.º 2/95, que fixou jurisprudência quanto à questão de saber se o despacho sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido em termos genéricos, ao abrigo do artigo 311.º n.º 1, do CPP, constitui caso julgado e, cuja fundamentação vale, mutatis mutandis, para a situação aqui em apreço».
Concorda-se com a análise dos conceitos de caso julgado material e formal que consta dos referidos arestos, à qual se adere, sem necessidade de aprofundar neste ponto a argumentação, bem como às soluções a que ali se chega.
A relação enunciada nos referidos arestos entre as decisões a proferir ao abrigo do art. 311.º, n.º 1, do CPPenal e no âmbito dos arts. 338.º, n.º 1, ou 368.º, n.º 1, do mesmo diploma, e que permite concluir que um despacho inicial genérico e tabelar não preclude a possibilidade de posteriormente vir a ser apreciada e decidida em sentido diverso alguma questão respeitante a pressupostos processuais, encontra paralelismo na relação que se pode estabelecer entre o despacho inicial de abertura de instrução, a proferir nos termos do art. 287.º do CPPenal, e o despacho a proferir no final da instrução, ao abrigo do art. 308.º do mesmo diploma legal, o qual, de acordo com o seu n.º 3, «começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer».
No caso em apreço, o despacho inicialmente proferido nos autos declarou aberta a instrução mas não se pronunciou concretamente sobre a (in)admissibilidade legal da instrução.
É certo que, em face da decisão que veio a ser prolatada a final, podia a Senhora Juiz de Instrução, ao abrigo do art. 287.º, n.º 3, do CPPenal, ter proferido despacho inicial de rejeição do requerimento de abertura de instrução com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução, como veio a decidir posteriormente.
Mas não o tendo feito e não tendo igualmente realizado qualquer concreta apreciação sobre a viabilidade da instrução na perspectiva que veio a constar do despacho final nada a impedida de o proferir no momento e nos termos em que o fez, estando mesmo obrigada a apreciar as nulidades e as questões prévias ou incidentais de que pudesse conhecer – art. 308.º, n.º 1, do CPPenal.
Solução diversa, designadamente o entendimento de que ocorreu caso julgado formal quanto a um juízo de admissibilidade da instrução, levar-nos-ia a uma situação de iniquidade processual.
Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 19-04-2017[8], onde se decidiu:
«I - O inquérito é da exclusiva titularidade do Ministério Público e só se permite a intervenção do juiz nos casos expressamente previstos na lei. O juiz de instrução é sobretudo um juiz de garantias e de liberdades, sem qualquer intervenção de tutela hierárquica ou se supervisão dos actos do Ministério Público.
II - Assim sendo, a apreciação da necessidade de actos de inquérito, quando não legalmente impostos, é da competência exclusiva do Ministério Público e o juiz de instrução não pode declarar, durante o inquérito, a invalidade de actos processuais presididos pelo Ministério Público, tendo em atenção o principio da autonomia deste consagrado no artigo 219°, n°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
III - A lei impõe no artigo 308.° n° 3 do C.P.P. que na decisão instrutória o juiz proceda à apreciação da regularidade dos actos de inquérito, conhecendo em primeiro lugar das nulidades e das questões prévias de que possa conhecer, e por maioria de razão este dever se tem de considerar extensível à decisão de rejeição por inadmissibilidade legal a que se refere o artigo 287° n° 3 do C.P.P.»
Atente-se também na posição do Senhor Conselheiro Souto Moura[9], que corrobora o entendimento exposto:
«Nesse saneamento preliminar (o do despacho prévio previsto no art. 308.º n.º 3 atrás referido) se abordarão antes de mais os pressupostos processuais, a começar pela competência do tribunal. Conhecer-se-ão as nulidades ou eventuais questões incidentais. Se nada obstar ao conhecimento do mérito da causa, produzirá o JIC a pronúncia ou não pronúncia. Parece-nos portanto que a decisão instrutória incluirá o saneamento e a apreciação do mérito, redundando este na pronúncia ou na não pronúncia. Daí que a falência dum pressuposto processual não dê origem a uma não pronúncia. Rigorosamente originará uma decisão instrutória de "forma" que não aborda o fundo da questão. Implicará em regra a absolvição da instância, sem mais».
No mesmo sentido se posiciona Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, 2009, anotação 18 ao art. 277.º, pág. 716 e anotação 4 ao art. 286, pág. 751.
E ainda Germano Marques da Silva[10], explanando sobre a esta matéria nos seguintes termos:
«I. Antes de formular o juízo de indiciação, o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer, dispõe o art. 308.º, n.º 3.
(…)
II. A decisão sobre as questões prévias corresponde sobretudo à ideia de saneamento do processo. Essas questões respeitam à instância, são independentes da questão de mérito com a qual estão conexas só por via da relação formal que entre ambas se estabelece.
Importa averiguar da regularidade da instância para que o processo viciado não prossiga; há que saneá-lo, sendo possível, para que se possa vir a proferir a decisão de mérito para que tende todo o processo ou para evitar que prossiga inutilmente. O juiz deve procurar remover os obstáculos que se opõem à decisão de mérito ou evitar que o processo prossiga inutilmente se a decisão de mérito não for possível.
As questões prévias são, pois, questões de natureza processual; são os pressupostos da existência ou requisitos de validade ou regularidade do procedimento e dos actos processuais.
No momento da decisão instrutória podem estar em aberto questões incidentais. Quando tal se der, a lei manda decidi-las também, se tal for já possível.
A decisão instrutória abrange a decisão das questões prévias e incidentais porque também estas são necessárias para a decisão sobre se o processo há-de prosseguir ou não para a fase seguinte. A decisão destas questões inere à decisão instrutória.
(…)
I. O juiz pode concluir que o processo não deve prosseguir para a fase de julgamento em razão da ocorrência de um vício processual. Neste caso duas hipóteses se nos deparam:
a) o processo nem sequer deveria ser instaurado por falta de uma condição de procedibilidade ou não pode prosseguir por falta de uma condição de prosseguibilidade;
b) o processo sofre de vícios que implicam a sua remessa para uma fase anterior, como será o caso da nulidade da acusação, por falta de um dos seus requisitos formais.
O juiz não se pronuncia sobre o mérito da causa. A sua decisão tem apenas por fundamento a regularidade do procedimento.
O Código não utiliza a expressão inadmissibilidade legal do procedimento quando trata da decisão instrutória, diversamente do que sucede no art. 277.º a propósito do arquivamento. Bem se compreende que o não faça, pois em qualquer caso a inadmissibilidade legal do procedimento é também uma falta de pressuposto da punibilidade, mas se o procedimento é inadmissível, porque não deveria sequer ser instaurado ou não pode prosseguir por falta de um pressuposto processual, não pode ter lugar a pronúncia.»
A decisão recorrida mostra-se em consonância com o entendimento exposto, sendo, por isso, perfeitamente válida e legal.
Deve, assim, ser negado total provimento ao recurso.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.
Sem tributação.
Porto, 10 de Dezembro de 2019
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
_______________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção. [2] Por uma questão de economia processual, não havendo qualquer impedimento nesse sentido, não se vê qualquer inconveniente em que o processo regresse à titularidade do Ministério Público. Cremos que as diferentes opções que na prática se detectam resultam mais da concreta situação processual que surge, por exemplo, de o processo prosseguir para julgamento relativamente a outro ou outros arguidos, impossibilitando a sua remessa ao Ministério Público, do que propriamente da assunção de uma ou outra das posições processuais enunciadas. [3] No sentido de que os próprios autos, depois do trânsito em julgado de decisão de não pronúncia, devem voltar ao Ministério Público para prosseguimento da investigação caso o assistente assim o requeira e aquela entidade conclua pela reabertura do inquérito veja-se o acórdão da Relação do Porto de 14-02-2007 (Proc. n.º 0646485, acessível inwww.dgsi.pt) e considerando que pode ser extraída certidão para tal fim, mesmo depois de prolatado despacho de não pronúncia por insuficiência de indícios para acusar, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 16-01-2002 (Proc. n.º 0141271, acessível inwww.dgsi.pt). [4] Contra a reabertura do inquérito quando ocorre arquivamento nos termos do disposto no art. 277.º, n.º 1, do CPPenal veja-se o acórdão da Relação de Évora de 15-11-2016, proferido no âmbito do Proc. n.º 52/15.9 PEEVRE1, acessível inwww.dgsi.pt, onde se decidiu: «I - Apenas nos casos de arquivamento do inquérito abrangidos pelo n.º 1 do artigo 277.º do CPPenal é que há consolidação do decidido, não podendo ser reaberto o inquérito. Não se trata propriamente de “caso julgado” pois este respeita apenas a decisões de natureza jurisdicional, mas de um caminho paralelo. Tendo entendido o Ministério Público arquivar o inquérito porque não se verificou um crime, ou porque o arguido não é o autor do crime ou porque é inadmissível o procedimento, não pode vir mais tarde, em nome da segurança e da certeza jurídicas, afirmar o contrário. II - Já assim não sucederá, se o inquérito for arquivado por insuficiência de indícios, ao tempo». Mas admitindo a reabertura do processo no caso de arquivamento nos termos do art. 277.º, n.ºs 1 e 2, do CPPenal, embora não seja esse o enfoque principal da decisão, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2018, proferido no âmbito do Proc. n.º 821/16.2T9GDM.P1, acessível inwww.dgsi.pt. [5] In Direito Processual Português Do Procedimento (Marcha do Processo), vol. 3, Universidade Católica Portuguesa, 2018, págs. 120 a 122. [6] Este aresto fixou a seguinte jurisprudência: «A decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final ser dela tomado conhecimento». [7] Este aresto fixou a seguinte jurisprudência: «O despacho genérico ou tabelar de admissão de impugnação de decisão da autoridade administrativa, proferido ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, não adquire força de caso julgado formal». [8] Proc. 684/14.2T9SXL.L1 3ª Secção, acessível inwww.pgdlisboa.pt. [9] InInquérito e instrução - Jornadas de Direito processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, AAVV, Livraria Almedina, pág. 130. [10] Ob. cit. págs. 164, 165 e 174.