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CONTRATO MISTO
FORMAÇÃO
PROMESSA UNILATERAL
PACTO DE PERMANÊNCIA
Sumário
1– É nula a promessa unilateral de contrato de trabalho a que faltam as menções atinentes à atividade a prestar e retribuição.
2– Traduz um contrato misto o acordo em que, para além do contrato de formação profissional, se acorda num pacto de permanência e se estabelece uma promessa unilateral de contrato de trabalho.
3– A nulidade da promessa não determina a invalidade do pacto de permanência.
4– O pacto de permanência não caduca pela circunstância de a formação pressuposta pelo mesmo se realizar num ou noutro momento ou ser de um ou outro tipo.
5– Não ocorre prescrição de créditos cuja fonte é um contrato firmado em 2017 se o contrato de trabalho que constitui causa de pedir apenas cessou por denúncia do trabalhador em Julho de 2018 vindo a ação a ser interposta em Janeiro de 2019.
(Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AAA, Réu nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do Despacho Saneador e não se conformando com o mesmo, vem: a.- Arguir as nulidades de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão e de omissão de pronúncia e, b.- Interpor Recurso de Apelação.
Pede a procedência da nulidade e que se revogue o Despacho Saneador, e, consequentemente, sejam julgadas procedentes e por provadas as exceções perentórias invocadas, absolvendo-se o Recorrente do pedido.
Apresentou as seguintes conclusões:
A.– O despacho saneador é nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão proferida acerca das exceções de caducidade do pacto de permanência e prescrição dos créditos reclamados no âmbito do acordo de formação, nos termos conjugados do artigo 77.º do CPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto não conheceu da matéria de facto que presidiu à formação ministrada e objeto da presente ação, nem do contexto da celebração do contrato de trabalho a termo certo com duração de 6 meses a 22 de julho de 2017 e termo a 21 de janeiro de 2018 e do contrato de trabalho celebrado a termo certo com a duração de 1 ano, com inicio a 22 de janeiro de 2018 e termo a 21 da janeiro de 2019, ambos com uma cláusula explícita de não renovação. B.– O despacho saneador é ainda nulo por de omissão de pronúncia, nos termos conjugados do artigo 77.º do CPT e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois o tribunal não se pronunciou sobre uma das exceções alegadas em sede de Contestação, designadamente a de «Dos créditos reclamados designados por Flight Crew Recurrent Training Course – A 320 Simulator (2007) e Flight Crew Recurrent Training Course Ground (2018)» e não relegou o seu conhecimento para a decisão final. C.– A exceção perentória de Nulidade da Promessa de Contrato de Trabalho deveria ter sido considerada procedente, nos termos do artigo 103.º do CT, porquanto do acordo de formação que consubstanciava uma promessa de contrato de trabalho não constava a atividade e a retribuição do trabalhador, o que consubstancia exigência de forma, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do CT. A violação deste dispositivo é cominada com nulidade (artigo 220.º do CC), o que significa que a promessa de contrato de trabalho é nula para todos os efeitos legais. Não há conexão com o contrato de trabalho outorgado a 22 de julho de 2017, razão pela qual deve ser o Recorrente absolvido do pedido. D.– Se assim não se entender, a exceção perentória de caducidade do pacto de permanência deve ser considerada procedente, porquanto: i) Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de trabalho a termo certo, com início a 22 de julho de 2017 e termo a 21 e janeiro de 2018, com a duração de 6 meses, não renovável, para o exercício das funções de 2.ª oficial de Piloto, afeto à frota A320, que continha ínsito um pacto de permanência; iii) deste contrato constava um pacto de permanência de 3 anos, sendo que o contrato de trabalho era a termo de 6 meses, pelo que o pacto de permanência, por maioria de razão reduz-se para o prazo do contrato de trabalho; ii) A formação ministrada ao Recorrente (Operator Conversion Course A320 e a de06/04/2017 a 24/07/2017; Flight Crew Recurrent Training Course – A320 Simulator – 06/10/2017 a 29/11/2017) ocorreu antes da celebração deste contrato e/ ou na decorrência deste (sendo que a formação de Flight Crew Recurrent Training Course nunca seria devida nos termos da alínea m) do n.º 1 da cláusula 12.ª do Acordo de Empresa, mas que se faz referência por mero dever de patrocínio); iii) Este contrato caducou a 21 de janeiro de 2018, pelo que caducou o pacto de permanência; iii) a 22 de janeiro de 2018 entre Recorrida e Recorrente passou a vigorar novo contrato de trabalho com prazo de ano, com inicio a 22 de janeiro de 2018 e termo a 21 de janeiro de 2019, não renovável; iv) A única formação ministrada no âmbito deste contrato foi a de Flight Crew Recurrent Training Course – Ground – 29/03/2018 a 05/2018, que como se viu não é devida de acordo com a alínea m) do n.º 1 da clausula 12.º do Acordo de Empresa). E.–Assim, atendendo à alínea D, por maioria de razão, encontram-se prescritos os créditos reclamados no âmbito do acordo de formação, de acordo com o n.º 1 do artigo 337.º do CT, que visa proteger o trabalhador e, não o empregador, uma vez que já tinha decorrido um ano desde a data da cessação do contrato de trabalho e em consequência da caducidade do pacto de permanência até à data da propositura da ação. BBB, S.A., A. nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do Recurso interposto pelo R., vem apresentar Contra-Alegações defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O MINISTÉRIO PÚBLICO declarou nos autos que adere às alegações de recurso e que este merece provimento.
Eis o curso dos autos: Veio a Autora propor contra o Réu ação declarativa sob a forma de processo comum, peticionando a respetiva condenação no pagamento da quantia de €9.016,77, acrescida de juros de mora vencidos desde a interpelação para pagamento (31.07.2018) e que à data da propositura da ação ascendiam ao montante de €162,05, bem como dos juros vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese:
- Ter sido celebrado entre as partes um contrato de formação, no âmbito do qual a Autora deu ao Réu formação profissional;
- Com a conclusão do contrato com sucesso pelo Réu foi celebrado entre as partes um contrato de trabalho a termo certo com duração de um ano;
- O contrato previa a compensação da Autora com os encargos com formação profissional;
- O Réu denunciou o contrato, não tendo procedido ao reembolso com as despesas de formação.
Em sede de contestação, e para o que ora importa considerar, o Réu invoca as seguintes exceções perentórias:
- Nulidade da promessa de contrato de trabalho no âmbito do acordo de formação;
- Caducidade do pacto de permanência e
- Prescrição dos créditos reclamados no âmbito do acordo de formação.
Foi apresentada resposta à contestação.
Seguiu-se a prolação de despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de nulidade da promessa de contrato de trabalho, caducidade e prescrição de créditos.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 1ª– O despacho saneador é nulo? 2ª– A exceção de nulidade da promessa de contrato de trabalho deve proceder? 3ª– A não se entender assim, a exceção de caducidade do pacto de permanência procede? 4ª– Estão prescritos os créditos reclamados no âmbito do acordo de formação?
FUNDAMENTAÇÃO:
DE FACTO:
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
A. No dia 20 de março de 2017, A. e R. outorgaram um Acordo de Formação, nos termos do qual o réu se obrigou a frequentar o curso denominado “A320 Operator Coversion Course”, com a duração total de 25 dias, sendo 5 destes ministrados em Madrid, Espanha.
B. Na cláusula 6.ª do referido acordo de formação: “1.- Após conclusão com aproveitamento da formação objeto do presente acordo, e até seis meses sob essa data, o Segundo Outorgante obriga-se a celebrar com a Primeira Outorgante um contrato de trabalho para o desempenho da sua atividade profissional, o qual será celebrado nos termos, condições e duração estabelecidos pela Primeira Outorgante. 2.-A conclusão da formação com aproveitamento, não obriga a Primeira outorgante a admitir o Segundo Outorgante ao seu serviço, a qualquer título. 3.- Após a conclusão da formação com aproveitamento ou no período imediato de seis meses, caso seja celebrado contrato de trabalho com a Primeira Outorgante conforme o número 1 da presente cláusula, o Segundo Outorgante obriga-se desde já a prestar serviço efetivo, no âmbito dessa relação de trabalho, por um período de três anos, sem prejuízo da manutenção do direito de denúncia do contrato por parte da Primeira Outorgante.”
C. O Réu concluiu com aproveitamento o curso em causa, e nessa sequência, entre a Autora e Réu foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, com início a 22 de julho de 2017 e termo a 21 de janeiro de 2018, com a duração de 6 meses, não renovável, para o exercício das funções de 2.º oficial de Piloto, afeto à frota A320.
D. No dia 16 de janeiro de 2018, Autora e Réu outorgaram um Contrato de Trabalho a Termo Certo, nos termos do qual o Réu foi admitido ao serviço da Autora para, por conta da mesma, exercer as funções inerentes à categoria de 2º Oficial Piloto, ficando afeto à frota A320.
E. O contrato de trabalho em causa tinha a duração de 1 ano e teve início em 22 de janeiro de 2018.
F. Nos termos da cláusula 12.ª dos contratos referidos em C. e D.: “Compensação pelos encargos com formação profissional 1.- Como compensação pelos encargos suportados pela Primeira Outorgante com a formação profissional do Segundo Outorgante, nomeadamente para efeitos de qualificação aquando da admissão, promoção, progressão técnica ou transição, o Segundo Outorgante obriga-se a prestar à Primeira Outorgante, uma vez concluída a formação, quando esta tiver interesse efetivo, a sua atividade profissional por período de três anos, a contar da data da sua largada. 2.- O Segundo Outorgante pode, porém, desobrigar-se do disposto no ponto 1, mediante a restituição das importâncias despendidas pela Primeira Outorgante com a sua formação. 3.- Se a desobrigação se verificar após a prestação de um ano de serviço pelo Segundo Outorgante, a importância a restituir será reduzida proporcionalmente ao tempo de serviço prestado.”
G. No dia 01.06.2018 o Réu remeteu comunicação à Autora denunciando o referido contrato de trabalho, com efeitos 30 dias após a receção da comunicação. O DIREITO:
A 1ª questão acima elencada prende-se com a nulidade do despacho.
O Apelante sustenta tal nulidade a dois passos: de um lado, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida acerca das exceções de caducidade do pacto de permanência e prescrição dos créditos reclamados no âmbito do acordo de formação; de outro, por omissão de pronúncia sobre uma das exceções alegadas em sede de Contestação.
Comecemos pela primeira. O Artº 615º/1-b) do CPC dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Pretende o Apelante que o Tribunal recorrido não conheceu da matéria de facto que presidiu à formação ministrada e objeto da presente ação, nem do contexto da celebração do contrato de trabalho a termo certo com duração de 6 meses a 22 de julho de 2017 e termo a 21 de janeiro de 2018 e do contrato de trabalho celebrado a termo certo com a duração de 1 ano, com inicio a 22 de janeiro de 2018 e termo a 21 da janeiro de 2019, ambos com uma cláusula explícita de não renovação. Compulsado o despacho verificamos que ali se exarou um conjunto de factos – os especificados infra – e se teceram considerandos a propósito da questão jurídica em análise. Tanto basta para que o mesmo se não possa considerar eivado de nulidade, porquanto apenas a absoluta falta de fundamentação fere as decisões do invocado vício. E, além disso, a questão suscitada aponta para insuficiência de facto, questão que não fundamenta o invocado vício, antes podendo apreciar-se no âmbito da impugnação da matéria de facto conforme decorre do que se dispõe no Artº 662º/2-c) do CPC. No concernente à omissão de pronúncia, alega o Apelante que o tribunal não se pronunciou sobre uma das exceções alegadas em sede de Contestação, designadamente a de «Dos créditos reclamados designados por Flight Crew Recurrent Training Course – A 320 Simulator (2007) e Flight Crew Recurrent Training Course Ground (2018)» e não relegou o seu conhecimento para a decisão final.
Na contestação que apresentou o R. – ora Apelante – invocou diversas exceções – incompetência territorial, nulidade da promessa de contrato de trabalho, caducidade do pacto de permanência e prescrição de créditos, e, sob uma alínea c), enquadrada ainda no âmbito do que titulou por exceções, a referência acima transcrita.
Este subcapítulo é concluído com a seguinte fórmula: não são devidos os valores a que se reportam estas duas rubricas constantes do artigo 21.º, no montante total de € 2.337,40.
Para o efeito alegou: “24.º Os Cursos de Flight Crew Recurrent Training A-320 Simulator e o Flight Crew Recurrent Training Course Ground reportam-se a uma data posterior à constante do acordo de formação. 25.º Estes cursos são efetuados pela empresa de 6 meses a todos os pilotos, têm carater interno e visam manter o nível de proficiência e atualizar seus conhecimentos e habilidades de todas as situações normais e de emergência. 26.º Ora, de acordo com a cláusula 12.ª do AE, são deveres da Autora «m) Efetuar, as suas expensas, as verificações de proficiência dos seus pilotos, de acordo com os requisitos exigidos pela autoridade aeronáutica competente» 27.º Se incumbe à empresa efetuar às suas expensas as verificações de proficiência dos seus pilotos, não pode a mesma agora vir a exigir o pagamento das mesmas em sede de ação.” Como é bom de ver esta matéria não integra qualquer defesa por exceção. Na verdade, o réu defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (Artº 571º/1 do CPC). Os factos acima transcritos não se enquadram em nenhuma das situações. Antes se traduzem em defesa por impugnação tal qual a mesma vem definida na 2ª parte do nº 2 do Artº 571º - os factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor. Neste pressuposto, o Tribunal, ao conhecer das exceções, não tinha que se pronunciar sobre a matéria. E, tendo, por um lado, circunscrito a decisão às exceções e, por outro lado, definido o objeto do litígio no âmbito do qual inscreveu “Aferir se assiste à Autora o direito receber do Réu as quantias peticionadas”, a nada mais estava obrigado, bem podendo o Apelante, a partir daí inferir que a questão que suscitara não deixaria de poder vir a ser apreciada no momento processual próprio. Termos em que se indefere a reclamação, e se conclui pela improcedência da questão em apreciação. ***
Reapreciemos agora a decisão no concernente à nulidade da promessa de contrato de trabalho.
A fundamentar a sua pretensão invoca o Apelante que do acordo de formação que consubstanciava uma promessa de contrato de trabalho não constava a atividade e a retribuição do trabalhador, o que consubstancia exigência de forma, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do CT. A violação deste dispositivo é cominada com nulidade (artigo 220.º do CC), o que significa que a promessa de contrato de trabalho é nula para todos os efeitos legais. E, sendo a promessa nula, é nulo o pacto de permanência ínsito no acordo porquanto não há conexão com o contrato de trabalho outorgado a 22 de julho de 2017, razão pela qual deve ser o Recorrente absolvido do pedido.
Contrapõe a Apelada que decorre dos autos que foi celebrado um contrato misto, de formação e de promessa de contrato de trabalho. Por outro lado, decorre da Cláusula 6ª do contrato de formação em causa que o réu iria ser contratado para aquilo a que a autora apelidou de “sua atividade profissional” que, como é evidente, era a de Piloto, e foi nessa função que obteve formação, sendo que a respetiva remuneração se encontra estabelecida por Acordo Coletivo de Trabalho. Mesmo que se considere que a promessa de contrato de trabalho seja nula, isso só seria relevante se o trabalhador não tivesse celebrado o contrato de trabalho, com cláusula do pacto de permanência, o que não sucedeu. O facto de a promessa poder ser considerada nula não inviabiliza nem faz caducar o acordo de formação – art. 292º C. Civil. E nesse acordo de formação, o réu obriga-se a reembolsar a autora “do montante correspondente ao custo da ação de formação que lhe foi proporcionada” caso recusasse a prestação do trabalho pelo período de 3 anos.
Vejamos!
Ao ser interposta a presente ação invocou-se a celebração de um acordo de formação no âmbito do qual o R. se obrigou a frequentar um certo curso, o pagamento do curso pela A., as despesas suportadas e a subsequente celebração de um contrato de trabalho a termo no qual se clausulou a compensação pelos encargos com a formação com a permanência ao serviço por um período de três anos.
Esta é a causa de pedir.
Porém, na sua contestação veio o R., agora Recrte., enquadrar a situação por referência ao contrato de formação celebrado e respetiva vinculação à permanência constante também desse acordo.
As questões que fundamentam a presente exceção têm na sua base a contestação, vindo a ser objeto de decisão.
Apreciemos, pois!
Entre ambas as partes em litígio foi celebrado um acordo de formação profissional no âmbito do qual se clausulou:
“1.– Após conclusão com aproveitamento da formação objeto do presente acordo, e até seis meses sob essa data, o Segundo Outorgante obriga-se a celebrar com a Primeira Outorgante um contrato de trabalho para o desempenho da sua atividade profissional, o qual será celebrado nos termos, condições e duração estabelecidos pela Primeira Outorgante. 2.– A conclusão da formação com aproveitamento, não obriga a Primeira outorgante a admitir o Segundo Outorgante ao seu serviço, a qualquer título. 3.– Após a conclusão da formação com aproveitamento ou no período imediato de seis meses, caso seja celebrado contrato de trabalho com a Primeira Outorgante conforme o número 1 da presente cláusula, o Segundo Outorgante obriga-se desde já a prestar serviço efetivo, no âmbito dessa relação de trabalho, por um período de três anos, sem prejuízo da manutenção do direito de denúncia do contrato por parte da Primeira Outorgante.”
O Réu concluiu com aproveitamento o curso em causa, e nessa sequência, entre a Autora e Réu foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, com início a 22 de julho de 2017 e termo a 21 de janeiro de 2018, com a duração de 6 meses, não renovável, para o exercício das funções de 2.º oficial de Piloto, afeto à frota A320.
Discorrendo sobre a matéria a sentença recorrida consignou que “O n.º 1 da Cláusula sexta do acordo de formação consubstancia uma promessa unilateral de celebração de contrato de trabalho (art. 410.º e 411.º do Código Civil). A questão que se coloca é a da sua admissibilidade em face do que dispõe o art. 103.º do Código do Trabalho. O art. 103.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Regime da promessa de contrato de trabalho” tem a seguinte redação: “1– A promessa de contrato de trabalho está sujeita a forma escrita e deve conter: a)- Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b)- Declaração, em termos inequívocos, da vontade de o promitente ou promitentes se obrigarem a celebrar o referido contrato; c)- Atividade a prestar e correspondente retribuição. 2– O não cumprimento da promessa de contrato de trabalho dá lugar a responsabilidade nos termos gerais. 3– À promessa de contrato de trabalho não é aplicável o disposto no artigo 830.º do Código Civil.” No entanto, do elemento sistemático, literal e teleológico da norma não se extrai a impossibilidade de, nos termos gerais a que supra se aludiu, se celebre um contrato-promessa de trabalho unilateral (cfr. por todos Pedro Romano Martinez in Código do Trabalho Anotado, 2017, 11.ª edição, anotação ao art. 103.º). Em face do exposto, a cláusula em apreço não padece de qualquer vício.”
Verificada a Clª 6ª constatamos que um dos outorgantes – o segundo, que no caso é o Apelante – se vinculou à celebração futura de um contrato de trabalho para o exercício da sua atividade profissional.
Esta é, efetivamente, uma promessa unilateral.
A promessa unilateral encontra amparo no Artº 103º/1-b) do CT que refere a vinculação mediante declaração da vontade de o promitente ou promitentes se obrigarem a celebrar contrato. Neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 146.
E, da natureza unilateral ou bilateral não resultam quaisquer distinções no concernente à forma a observar.
A forma da promessa de contrato de trabalho é bem mais exigente do que a do próprio contrato, porquanto a mesma está necessariamente sujeita a escrito, devendo conter menções específicas, entre as quais as mencionadas nas alíneas a) a c) do nº 1.
No caso, faltam, conforme alegado pelo Apelante, as menções à atividade e à retribuição, pelo que a promessa, enquanto tal, é, nos termos do disposto no Artº 220º do CC, nula. Aquilatemos, então, das consequências da nulidade no pacto de permanência, começando pela invocada inexistência de conexão entre o pacto e o contrato de trabalho que veio a ser celebrado.
Provou-se que o Réu concluiu com aproveitamento o curso em causa, e nessa sequência, entre a Autora e Réu foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, com início a 22 de julho de 2017.
Neste contrato volta a clausular-se a permanência por um período de três anos, uma vez concluída a formação.
Está estabelecida a conexão entre o contrato e a formação.
Pretende o Recrte. que sendo nula a promessa, é nulo o pacto de permanência ínsito no mesmo acordo, porquanto não há conexão entre aquele acordo e o contrato de trabalho celebrado. A eventual nulidade, podendo equacionar-se – sem admitir – por força da nulidade da promessa, não tem como sustentar-se na ausência de conexão entre o acordo de formação e o contrato de trabalho, visto que em parte alguma da lei se comina de nulo um tal negócio.
Conforme decorre do acervo fático o ora Apelante obrigou-se a prestar serviço efetivo, no âmbito da relação de trabalho que viesse a ser estabelecida, por um período de três anos.
O pacto de permanência encontra amparo no Artº 137º do CT, cujo nº 1 dispõe que as partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.
O pacto de permanência é o acordo entre empregador e trabalhador pelo qual este se obriga a manter-se ao serviço daquele durante determinado período. Configura, como é sublinhado pela doutrina e pela jurisprudência, uma autolimitação do princípio constitucional da liberdade de trabalho, estando, por isso, limitado pela possibilidade de desobrigação mediante pagamento das despesas que o sustentam, (Artº 137º/2) e pela definição do período temporal abrangido (nº 1).
Esta figura, condicionante da liberdade de trabalho, tem consagração no ordenamento jurídico nacional desde a LCT (Artº 36º/3), tendo perpassado para o Código do Trabalho de 2003 (Artº147º) e daí para o atual.
Como se diz no Ac. desta Relação datado de 26/06/2019, “o pacto de permanência tem como pressuposto a realização de despesas pelo empregador com a formação profissional do trabalhador, vinculando-se o trabalhador a não denunciar o contrato e a prestar o seu trabalho para o empregador pelo período de tempo acordado, que não pode exceder os três anos, a contar da data da formação obtida. A celebração deste tipo de acordo no âmbito da execução do contrato de trabalho, por corresponder a limitação da liberdade do trabalhador, está limitado, para além do período temporal máximo aí estabelecido, à natureza da despesa que o empregador efetua com a formação, só legitimando a celebração desse acordo as «despesas avultadas» suportadas pelo empregador com a formação” (Procº 2051/18.0T8VFX, www.dgsi.pt).
Ocorre no caso que o pacto foi, no que à relação inter partes se refere, estabelecido, pela primeira vez, no âmbito do contrato de formação profissional celebrado em 20/03/2017, vindo o contrato de trabalho a ser celebrado em 22/07/2017.
É, pois, prévio ao contrato de trabalho e celebrado em conjunto com uma promessa que já vimos ser inválida.
Esta invalidade atingirá a convenção de permanência?
A resposta é negativa e decorre do regime aplicável quer aos contratos mistos, quer à própria nulidade do negócio jurídico.
Acordou-se então que após a conclusão da formação com aproveitamento ou no período imediato de seis meses, caso seja celebrado contrato de trabalho com a Primeira Outorgante conforme o número 1 da presente cláusula, o Segundo Outorgante obriga-se desde já a prestar serviço efetivo no âmbito dessa relação de trabalho, por um período de três anos.
Conforme defende a Apelada prefigura-se um contrato misto de formação profissional e de promessa unilateral de contrato de trabalho no qual se estabeleceu um pacto de permanência.
A invalidade parcial deste contrato misto não afeta as demais cláusulas a que as partes se vincularam e sobre as quais não incide qualquer crítica.
Na verdade, conforme supra já deixámos explícito, o contrato de trabalho seguiu-se à formação ministrada vindo na sequência do aproveitamento tirado pelo Apelante no curso de formação profissional.
Está, pois, conexionado com a formação.
Nada na lei sugere que um tal pacto tenha necessariamente que constar de contrato de trabalho, discussão, aliás, irrelevante na medida em que o contrato de trabalho o veio a consignar.
Desde logo porque, embora a contratação laboral sofra limitações várias, o princípio da liberdade contratual permite que dentro dos limites da lei, as partes celebrem contratos diferentes dos previstos ou incluam neles as cláusulas que lhes aprouver.
Ora, não só o contrato de formação é legalmente admissível, conforme decorre do que se dispõe no DL 405/91 de 16/10, como a específica cláusula de permanência vai de encontro à lei.
Na verdade, o princípio supra mencionado permite a inclusão nos contratos de regras próprias de diversos contratos, designando-se por contrato misto aquele em que se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Sempre que o contrato misto se traduza numa simples justaposição ou contraposição de elementos pertencentes a contratos distintos, deve, em princípio, aplicar-se a cada um dos elementos integrantes da espécie a disciplina que lhe corresponde dentro do respetivo contrato típico. (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., 240 e 250).
Assim, resultando do texto subscrito que ambas as partes se vincularam, por um lado à formação, e, por outro, que uma delas, se obrigou a permanecer ao serviço da outra durante certo período caso fosse celebrado contrato de trabalho – o que aconteceu-, não pode concluir-se que este contrato não está conexionado com a formação e deve concluir-se que, embora nula a promessa por inobservância de forma legal, daí não advém qualquer consequência negativa para o pacto de permanência.
É que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada (Artº 292º do CC), circunstância esta não evidenciada Por fim, não só não se nos afigura que o pacto de permanência seja atingido pela invalidade da promessa, como também que não possa celebrar-se em momento prévio ao contrato de trabalho.
Conforme deixa antever o Ac. do STJ de 30/06/2011 é irrelevante que o acordo limitativo seja inserido num acordo de formação anterior à celebração do contrato de trabalho, nada obrigando a que o mesmo conste do contrato de trabalho (visível no mesmo sítio).
E não vemos que decorra deste texto que a cláusula limitativa só é válida se a promessa de contrato de trabalho o for, como parece pressupor o Apelante. Aliás, no referido aresto, citando-se Pedro Romano Martinez, diz-se mesmo que a cláusula pode constar de pacto autónomo.
O aresto, que se debruça sobre um caso semelhante ao que ora apreciamos, diz mesmo que “o acordo de formação podia inserir a cláusula que obrigava o formando a exercer a atividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho”.
Conclui-se, assim, pela nulidade da promessa. Porém, sem consequências no pacto, reafirmando que a invalidade da promessa deixou de ter relevância a partir do momento em que foi celebrado contrato de trabalho. E, como já vimos, tal promessa nem sequer integra a causa de pedir da ação. A causa de pedir é o contrato de formação e o subsequente contrato de trabalho e, sobre estes, não incide qualquer vício.
O que dizer sobre a exceção de caducidade do pacto de permanência?
Eis a argumentação do Apelante:
A exceção perentória de caducidade do pacto de permanência deve ser considerada procedente, porquanto: i) Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de trabalho a termo certo, com início a 22 de julho de 2017 e termo a 21 de janeiro de 2018, com a duração de 6 meses, não renovável, para o exercício das funções de 2.ª oficial de Piloto, afeto à frota A320, que continha ínsito um pacto de permanência; ii) deste contrato constava de um pacto de permanência de 3 anos, sendo que o contrato de trabalho era a termo de 6 meses, pelo que o pacto de permanência, por maioria de razão reduz-se para o prazo do contrato de trabalho; iii) A formação ministrada ao Recorrente (Operator Conversion Course A320 e a de06/04/2017 a 24/07/2017; Flight Crew Recurrent Training Course – A320 Simulator – 06/10/2017 a 29/11/2017) ocorreu antes da celebração deste contrato e/ ou na decorrência deste (sendo que a formação de Flight Crew Recurrent Training Course nunca seria devida nos termos da alínea m) do n.º 1 da cláusula 12.ª do Acordo de Empresa, mas que se faz referência por mero dever de patrocínio); iv) Este contrato caducou a 21 de janeiro de 2018, pelo que caducou o pacto de permanência; v) a 22 de janeiro de 2018 entre Recorrida e Recorrente passou a vigorar novo contrato de trabalho com prazo de ano, com inicio a 22 de janeiro de 2018 e termo a 21 de janeiro de 2019, não renovável; vi) A única formação ministrada no âmbito deste contrato foi a de Flight Crew Recurrent Training Course – Ground – 29/03/2018 a 05/2018, que como se viu não é devida de acordo com a alínea m) do n.º 1 da clausula 12.º do Acordo de Empresa).
A análise da presente questão pressupõe factos que a decisão não revela, a saber, os descritos nos pontos iii) e ss.
Contudo, afigura-se-nos irrelevante o respetivo apuramento para apreciação desta questão.
Na verdade, o pacto de permanência foi clausulado no Acordo de Formação e em cada um dos contratos de trabalho subsequentes.
Está provado que o primeiro contrato de trabalho é celebrado na sequência do aproveitamento tido no curso de formação profissional e o segundo contrato de trabalho vem a ser celebrado para produzir efeitos no dia subsequente ao termo do primeiro.
Regista-se, pois, aqui uma continuidade entre os contratos.
Ora, tendo-se, a cada passo, clausulado o mencionado pacto, o que se pode equacionar é a eventual renovação do mesmo. Nunca que caducou.
Certo é que o pacto tem na sua base, como causa justificativa, a realização de despesas de formação. O seu objetivo é compensar o empregador por despesas avultadas de formação profissional (Artº 137º/1 do CT). Nessa medida, a circunstância de a formação se realizar num ou noutro momento ou ser de um ou outro tipo pode relevar no reembolso. Mas não para efeitos de caducidade que pressupõe a extinção de um direito pela verificação de algum facto a que a lei ou o negócio atribua tal efeito.
Improcede, deste modo, a questão que nos ocupa.
Resta a última questão - prescrição dos créditos reclamados no âmbito do acordo de formação.
Conclui o Recrte. que atendendo à conclusão D, por maioria de razão, encontram-se prescritos os créditos reclamados no âmbito do acordo de formação, de acordo com o n.º 1 do artigo 337.º do CT, que visa proteger o trabalhador e, não o empregador, uma vez que já tinha decorrido um ano desde a data da cessação do contrato de trabalho e em consequência da caducidade do pacto de permanência até à data da propositura da ação.
Alega, para o efeito, que uma vez que o primeiro contrato caducou em 21/01/2018 e que os valores despendidos com a formação de dois cursos ocorridos em 2017, ou seja, no âmbito de vigência do primeiro contrato, os mesmos encontram-se prescritos nos termos do Artº 337º do CT, pois aquele contrato caducou a 21/01/2018 e a ação foi intentada a 18/01/2019 com citação a 7/02/2019.
Responde a Apelada que a contratação foi sempre efetuada por acordo entre as partes como se de um contrato único se tratasse e se o trabalhador denunciou o contrato antes de esgotado o período de permanência, a partir dessa data constituiu-se responsável pela reparação do prejuízo causado. A prescrição só começa a contar depois de o R. deixar de prestar serviço à A., sendo irrelevante que a prestação tenha sido titulada por um ou dois contratos de trabalho a termo.
Ponderou-se na sentença que “atenta a continuidade da relação laboral mantida ainda que titulada por dois contratos sucessivos, esta cláusula[1] obrigava o Réu a prestar serviço para a Autora até 22.07.2020. O Réu denunciou o contrato de trabalho a 01.06.2018, com efeitos 30 dias após a receção da comunicação. Não obstante não resultar dos autos a data exata a partir da qual se inicia a contagem do prazo de prescrição, considerando a continuidade da relação laboral e a configuração dos dois contratos como só de um se tratasse, no mínimo esta iniciou-se a 01.07.2018 (presumindo o envio e receção da comunicação no mesmo dia). A ação foi proposta a 18.01.2019, dentro do prazo previsto no art. 337.º n.º 1 do Código do Trabalho. Em face do exposto, improcede a invocada exceção perentória”.
O que dizer?
O Artº 337º/1 do CT dispõe que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Analisada a petição inicial constatamos que a causa de pedir assenta na existência de um contrato de formação e no clausulado sob o nº 12º no contrato de trabalho celebrado em 16/01/2018 (vd. Artº 14º e 16º), ou seja, o último dos acima mencionados contratos de trabalho.
Este contrato cessou em 1/07/2018 mediante a comunicação que o R. remeteu à A., denunciando-o.
A citação, segundo o Apelante, ocorreu em 7/02/2019.
Considerando o disposto no Artº 337º/1 do CT não há como concluir pela prescrição do invocado crédito.
Não deixaremos, contudo, de equacionar a questão ainda de outro ponto de vista.
Não obstante a invocada causa de pedir as despesas reclamadas reportam a 2017, altura em que foi celebrado o acordo de formação, estendendo-se até Maio de 2018.
Alega o Recrte. que o contrato de trabalho celebrado em 2017 caducou em 21/01/2018 e sustenta neste facto a prescrição dos créditos reclamados decorrentes da formação ministrada entre Março e Julho de 2017.
Contudo, não está provada a caducidade do contrato de trabalho celebrado em 22/07/2017.
O que os autos revelam é que, tendo este contrato um termo final a 21/01/2018, antes da verificação desse termo – mais concretamente em 16/01/2018 – foi celebrado novo contrato com início a 22/01/2018.
Improcede, assim, a questão em apreciação.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a reclamação e apelação improcedentes e, em consequência, confirmar a sentença. Custas pelo Apelante. Notifique.
[1]Clª 7ª do Acordo de Formação: Em caso de incumprimento de qualquer das obrigações estabelecidas no presente contrato, ou de recusa de celebração e prestação do contrato de trabalho nos termos da cláusula 6.ª, sem prejuízo de outros deveres indemnizatórios, o Segundo Outorgante obriga-se a proceder ao pagamento à Primeira Outorgante do montante correspondente ao custo da ação de formação que lhe foi proporcionada