ACTO PROCESSUAL
ATO PROCESSUAL
CITIUS
PRINCÍPIO GERAL DE APROVEITAMENTO DO PROCESSADO
IRREGULARIDADE
JUSTO IMPEDIMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Sumário


I. — Em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que confirme o despacho do juiz de 1.ª instância que não admita o recurso de apelação.
II. — Exceptua-se os casos em que o recurso seja sempre admissível, por estar preenchida alguma das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
III. — O recurso apresentado por meio não previsto no art. 144.º do Código de Processo Civil não deve, sem mais, ser rejeitado.
IV. — Quando a que a irregularidade não esteja coberta por um justo impedimento, a parte faltosa deverá ser condenada nas custas do incidente processual — e, desde que estejam preenchidos os pressupostos das alíneas c) ou d) do art. 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, poderá ser condenada como litigante de má fé.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. AA interpôs, em suporte de papel e por correio registado, recurso de apelação da decisão proferida em 4 de Julho de 2018 no incidente de reclamação da conta de custas.


 2. O recurso interposto não foi admitido, por se ter entendido que a apresentação a juízo dos actos processuais através do sistema Citius é obrigatória para os processuais forenses (cf. art. 144.º do Código de Processo Civil, em ligação com o art. 3.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto), com ressalva exclusiva do regime do justo impedimento (art. 144.º, n.º 8, do Código de Processo Civil).


3. Inconformado, o Recorrente interpôs reclamação do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil.


4. Em decisão singular do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator de 17 de Janeiro de 2019, foi indeferida a reclamação e confirmado o despacho reclamado.


 5. O Recorrente reclamou da decisão singular para a conferência, ao abrigo do art. 652.°, n.º 3, do Código de Processo Civil.


 6. Em acórdão de conferência de 14 de Março de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão singular de indeferir a reclamação e confirmar o despacho reclamado.


7. Inconformado, AA interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, invocando a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão de conferência do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 6886/13.1TBALM.L1.


8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


1.ª — A questão fundamental de direito em discussão tanto no Acórdão recorrido, quanto no Acórdão fundamento, é a de saber se é, ou não, legalmente admissível, a prática de um acto processual escrito por mandatário, consistente no envio a juízo de um requerimento de recurso através de suporte de papel, em correio registado e não através da forma legalmente prevista ou seja, por transmissão electrónica de dados através do portal Citius, nos termos do art.º 144.º, n.º 1 do Novo C.P.C. e Portaria n.º 280/2013, de 26/08, sem que tenha sido invocado o justo impedimento e, no caso de se considerar que ele é admissível, por se tratar de mera irregularidade, que não nulidade, se ele pode, ou não, ser sanado, por intervenção do próprio juiz;

2.ª — Quer o Acórdão recorrido quer o Acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, decidiram de forma contraditória, sendo que o último já transitou em julgado, pelo que estão reunidos os pressupostos de admissão do presente recurso;

3.ª — Como o Recorrente sempre referiu, a sua mandatária cometeu um lapso ao enviar o requerimento de recurso a juízo em formato de papel e por correio registado, sem ao mesmo tempo invocar qualquer causa de justo impedimento, porque se tratou de um acto involuntário, o que fez por negligência e não por dolo ou com qualquer intenção;

4.ª — Ao longo de todo o processo o Recorrente sempre respeitou as regras processuais, designadamente as que dizem respeito à forma dos actos por si praticados, tendo sido o acto processual em causa a excepção, precisamente porque se tratou de um lapso;

5.ª — O acto processual em discussão padece de um vício de forma, não constituindo, contudo, uma nulidade, uma vez que a lei assim não o comina expressamente mas, tão só, de irregularidade processual, passível de ser suprida por intervenção do juiz no exercício do seu poder/dever de gestão processual e de suprimento de deficiências formais de actos das partes – art.ºs 6.º e 146.º, n.º 2 do C.P.C.;

6.ª — A prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare expressamente ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, como resulta do art.º 195.º do C.P.C.;

7.ª — Fora dos casos previstos no art.º 195.º do C.P.C., estaremos em face de meras irregularidades, que podem ser sanadas por intervenção do Tribunal;

8.ª — Sendo certo que do facto do requerimento de recurso ter sido enviado em papel e através de correio registado, nenhuma dificuldade acrescida resultou, que pudesse influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que o Tribunal recebeu o requerimento de recurso e as respectivas alegações de que teve conhecimento;

9.ª — A interpretação defendida no Acórdão recorrido do disposto no art.º 144.º, n.ºs 1 e 8 do C.P.C., segundo a qual essa norma tem carácter imperativo e, logo, o envio a juízo de peça processual por meio não previsto na norma, sem invocação do justo impedimento, tem como consequência a não admissibilidade da peça processual, com a consequente preterição do direito que com ela se quer fazer valer, no caso o direito a recorrer de decisão desfavorável, viola o princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva ínsito no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa;

10.ª — Decidindo como decidiu, violou o Acórdão recorrido as normas dos art.ºs 6.º, 146.º, n.º 2 e 195.º, n.º 1 do C.P.C. e o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que,

11.ª — Deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, revogar-se o Acórdão recorrido, o qual deve ser substituído por Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça que declare sanado o vício de forma no envio a juízo do requerimento de recurso interposto pelo Recorrente, do despacho que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas, admitindo-o, com todas as consequências legais, designadamente, do recurso ser remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que este dele tome conhecimento.

Assim, decidindo, farão V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!”


 9. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.


 10. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil não admitiu a revista excepcional, com o argumento de que “não é admissível recurso da decisão da Relação que confirme a de 1.ª instância de não admissão do recurso [de apelação]”.


 11. Em todo o caso, como o Recorrente invocasse a contradição entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Março de 2019, agora recorrido, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 6886/13.1TBALM.L1, a Formação considerou que devia apreciar-se a questão da aproveitabilidade da contradição entre os dois acórdãos para efeitos do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil e determinou a distribuição como revista normal.


 12. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


 13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é a seguinte: — se o recurso interposto por correio registado deve ser rejeitado, em consequência do art. 144.º do Código de Processo Civil.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


         OS FACTOS


 14. Os factos que relevam para a apreciação do presente recurso são os descritos no relatório.


       O DIREITO


 15. O art. 643.º do Código de Processo Civil determina, nos seus n.ºs 1 e 4:


1. — Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.

4. — A reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.


 16. O art. 652.º do Código de Processo Civil, esse, determina no seu n.º 3:

Salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.


 17. Coordenando as disposições do art. 643.º, n.ºs 1 e 4, e 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, conclui-se I. — que a decisão proferida pelo juiz de 1.ª instância pode ser impugnada pela reclamação prevista no art. 643.º, n.º 1, — II. — que a decisão singular proferida pelo relator pode ser impugnada pela reclamação para a conferência prevista no art. 652.º, n.º 3 [1].


  18. O Recorrente impugnou a decisão do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator, que manteve o despacho de não admissão do recurso de apelação, requerendo que sobre a matéria do despacho recaísse um acórdão — e, como o acórdão confirmasse a decisão do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator, interpôs recurso de revista.


 19. O art. 652.º do Código de Processo Civil determina, no seu n.º 5, alínea b):


5. — Do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada: […]

b) Recorrer nos termos gerais.


 20. Em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que confirme o despacho do juiz de 1.ª instância que não admita o recurso de apelação  [2] [3].

   O acórdão da Relação que indefere uma reclamação contra um despacho do relator que não admite a apelação não cabe no n.º 1 do art. 671.º do Código de Processo — não é nem um acórdão que conheça do mérito da causa, nem um acórdão que ponha termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos” [4].


 21. Exceptua-se os casos em que o recurso seja sempre admissível, por estar preenchida “alguma das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, [do Código de Processo Civil,] com especial destaque para a eventual existência de uma contradição jurisprudencial” [5] [6].


 22. Estando, em concreto, excluída a hipótese de estarem preenchidas as previsões das alíneas a), b) e c), o problema está em averiguar se o recurso de revista é admissível nos termos gerais, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.


 23. O art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil determina que “[…] é sempre admissível recurso [d]o acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.


 24. O motivo por que do acórdão de conferência não cabe em regra recurso é a circunstância de não estar preenchida a previsão do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil — e, como o motivo é estranho à alçada, deve averiguar-se se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Março de 2019, agora recorrido, está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2017 — proferido no processo n.º 6886/13.1TBALM.L1.


 25. O art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo distingue três requisitos: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.


 26. Os dois acórdãos pronunciaram-se sobre a interpretação de uma, e da mesma disposição legal — do art. 144.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho:


1. — Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.

2. — A parte que pratique o ato processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão eletrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respetivos originais.

3. — A apresentação por transmissão eletrónica de dados dos documentos previstos no número anterior não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não o permitir, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.

4. — Os documentos apresentados nos termos previstos no n.º 2 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.

5. — O disposto no n.º 2 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.

6. — Quando seja necessário duplicado ou cópia de qualquer peça processual ou documento apresentado por transmissão eletrónica de dados, a secretaria extrai exemplares dos mesmos, designadamente para efeitos de citação ou notificação das partes, exceto nos casos em que estas se possam efetuar por meios eletrónicos, nos termos definidos na lei e na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.

7. — Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os atos processuais referidos no n.º 1 também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;

b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;

c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.

8. — Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior [7].


 27. Em segundo lugar, os dois acórdãos pronunciaram-se sobre a mesma questão fundamental de direito — sobre se a consequência jurídica da interposição de um recurso por um meio não previsto pelo art. 144.º do Código de Processo Civil há-de ser a sua rejeição.


 28. As situações de facto são diferentes — o acórdão fundamento considera as consequências da interposição de recurso por correio electrónico [8] e o acórdão recorrido, as consequências da interposição de recurso por correio registado, em suporte de papel [9]. Embora diferentes, as situações de facto são equiparáveis de de um ponto de vista jurídico-normativo [10].

    Em qualquer dos casos o recurso foi interposto por um meio não previsto pelo art. 144.º do Código de Processo Civil para aquela situação e, em qualquer dos casos, a questão está em determinar se o recurso interposto por um meio não previsto deve ser rejeitado.


  29. Em terceiro lugar, os dois acórdãos deram respostas contraditórias à questão formulada.

     O acórdão fundamento decidiu que a consequência jurídica da interposição de recurso por um meio concretamente inidóneo não era (não devia ser) a sua rejeição. A utilização de um meio não idóneo não implicaria (não deveria implicar) a desconsideração do acto praticado. O acórdão recorrido, esse, decidiu que sim — como decorre do seu sumário:


I. — Atendendo ao disposto no n.° 1 do artigo 144.°, do CPC a apresentação a juízo dos actos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através da plataforma Citius, por transmissão electrónica de dados, excepto em caso de justo impedimento;

II. — O justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova [artigos 144.°, n.° 8 e 140.°, n.°s 1 e 2, do CPC].

III. — Tendo o autor e reclamante, por intermédio de mandatária, apresentado o requerimento de interposição de recurso em suporte em papel e não tendo invocado justo impedimento para a não apresentação da peça processual através da plataforma Citius, o acto não pode ter-se por validamente praticado, o mesmo é dizer que tal requerimento não pode ter-se por validamente apresentado.


 30. Estando preenchidos os requisitos do art. 629.º, n.º n.º 2, alínea d). do Código de Processo Civil deve apreciar-se a procedência ou improcedência do recurso — deve averiguar-se se o recurso apresentado por meio não previsto deve ser rejeitado, em consequência do art. 144.º.


  31. A apresentação do requerimento de interposição de recurso por meio concretamente inidóneo não influirá normalmente na apreciação ou na decisão da causa. Em consequência, o acto praticado não será nulo [11] — em lugar de uma nulidade, ter-se-á uma mera irregularidade [12],


“susceptível de ser sanada, nomeadamente, através de convite a formular pelo juiz, para a parte vir regularizar a sua intervenção mediante a apresentação do acto através de uma das formas legalmente previstas” [13] [14].


 32. O critério enunciado está de harmonia com a jurisprudência do STJ e, em especial, com os acórdãos de 21 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 14/06.7TBSCG.L1.S1, e de 5 de Março de 2015, proferido no processo n.º 891/08.7TBILH.C1.S1 — um acto processual praticado de forma irregular, por erro do mandatário judicial, não deve ser, sem mais, desconsiderado.


  33. O raciocínio dos acórdãos de 21 de Janeiro de 2014 e de 5 de Março de 2015 foi recentemente retomado pelo acórdão do STJ de 19 de Junho de 2019, proferido no processo n.º 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1, de cujo sumário constam as passagens seguintes:


I. — O processo civil deve ser encarado no seu papel adjetivo relativamente ao objetivo da justa composição do litígio.

II. — Este modo de ver assume particular acuidade na questão relativa ao modo de apresentação dos atos processuais em juízo.

III. — Com a evolução tecnológica e o seu justificado recebimento pelos tribunais, gerou-se uma situação particularmente mutante e algo confusa, por isso propícia a que as partes possam ver por aqui bloqueadas as suas pretensões de apreciação do mérito dos seus atos processuais.

IV. — Tudo demandando a fixação dum ponto de equilíbrio entre, por um lado, a disciplina processual e, por outro, um grau de tolerância necessariamente elevado. […].


 34. Em resultado da ponderação entre os princípios e valores conflituantes, deve ligar-se ao facto de o recurso ter sido interposto por um meio não previsto consequências menos graves que a consequência extrema da rejeição — do não conhecimento do mérito do recurso.

   Quando a que a irregularidade não esteja coberta por um justo impedimento, a parte faltosa será (deverá ser) sancionada: em primeiro lugar, deverá ser condenada nas custas do incidente processual e, em segundo lugar, desde que estejam preenchidos os pressupostos das alíneas c) ou d) do art. 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, poderá ser condenada como litigante de má fé [15].

   Sancionar a parte faltosa com a condenação em custas ou, em última análise, com a condenação em litigância de má fé é em todo o caso uma solução mais poupada quanto ao direito fundamental de acesso ao direito do que rejeitar o recurso, por causa da sua irregularidade [16].

                       

III. — DECISÃO


  Face ao exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido.


  Custas a final.


Lisboa, 10 de Dezembro de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo dos Santos Geraldes


_______

[1] Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 21 de Fevereiro de 2019 — processo n.º 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2 —, “a situação […] mostra[-se] regulada nas disposições combinadas dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC e a decisão singular proferida pelo tribunal da Relação é sindicada pela via da impugnação para a conferência e não através de recurso para o STJ”.
[2] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 643.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 190-198 (194).
[3] Como se diz, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1 — e de 21 de Fevereiro de 2019 — processo n.º 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2 — “[n]ão cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º 1 do art. 671.º do novo Código de Processo Civil (2013))”.
[4] Cf. acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1: “Trata-se de um recurso interposto de uma decisão de não admissão de recurso, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho do relator, que não admitira a apelação. Não cabe, assim, no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil vigente”.
[5] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 643.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 195.
[6] Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 21 de Fevereiro de 2019 — processo n.º 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2 —, “caso se verifique alguma das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil — nomeadamente a da sua alínea d) —, o recurso de revista é admissível”.
[7] O texto do art. 144.º do Código de Processo Civil foi recentemente alterado pelo Decreto-Lei n.º 79/2019, de 26 de Julho — em todo o caso, como o Decreto-Lei n.º 79/2019 entrou em vigor no dia 16 de Setembro de 2019, deve atender-se à redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[8] Ou seja, por um meio não previsto no art. 144.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[9] Ou seja, por um meio só previsto no art. 144.º, n.º 7, alínea b), do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, para o caso de a parte não estar patrocinada por mandatário e para o caso de, estando patrocinada, haver justo impedimento para a prática dos actos processuais por transmissão electrónica de dados.
[10] Expressão do acórdão do STJ de 29 de Junho de 2017 — processo n.º 366/13.2TNLSB.L1.S1-A —, em relação a um lugar paralelo.
[11] Cf. art. 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
[12] José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 144.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 304-308.
[13] Expressão do acórdão do STJ de 5 de Março de 2015 — processo n.º 891/08.7TBILH.C1.S1.
[14] Em termos em tudo semelhantes, vide António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 144.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 169-173 (171 e 172 — n.ºs 7 e 12).
[15] Vide José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 144.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, cit., pág. 307; António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 144.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 171 (n.º 7).
[16] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 5 de Março de 2015 — processo n.º 891/08.7TBILH.C1.S1 —: “O indeferimento da possibilidade do recorrente ver apreciado o requerimento de interposição de recurso de apelação por si interposto, como consequência deste ter sido apresentado por correio electrónico, e sob a invocação de uma dificuldade inexplicável de acesso à plataforma Citius, atento o princípio constitucional de garantia de acesso ao direito previsto no art. 20.º da CRP, justificava que, no caso, fosse dada a possibilidade ao recorrente de vir praticar o acto por alguma das formas então legalmente admissíveis”.