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OBRIGAÇÕES PLURAIS
OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS
OBRIGAÇÕES CONJUNTAS
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
DIREITO DE REGRESSO ENTRE OS OBRIGADOS
Sumário
I - Nas obrigações plurais, o regime regra é a “conjunção” e não a “solidariedade”, que apenas existe do lado ativo e passivo, se for determinada por lei, ou estipulada pelos interessados (art. 513º do CC), pelo que tem natureza conjunta a obrigação dos co-réus, condenados no acórdão dado á execução, de restituição do sinal, em consequência da anulação do contrato promessa de compra e venda de quota social. II - Nas obrigações conjuntas ou parcelares, cada um dos devedores apenas se encontra obrigado á sua parte na prestação total, já que estas obrigações caraterizam-se pela autonomia e independência do vínculo respeitante a cada um dos obrigados de tal modo que os factos relativos a cada um daqueles não produzem qualquer efeito quanto às obrigações dos restantes. III - Inexiste por isso titulo executivo se, nas relações internas entre devedores, um deles paga ao credor para além da quota parte da obrigação que lhe corresponde, uma vez que o direito de regresso é apenas reconhecido ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real quota, nos termos gerais dos artº 524º e 516º do Código Civil.
Texto Integral
Processo 4853.16.2T8OAZ-A.P1
SUMÁRIO:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I– RELATÓRIO
Por apenso aos autos principais de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, que lhes move B…, vieram os executados C… e mulher deduzir oposição mediante embargos de executado.
Alegaram em suma que a sua responsabilidade resultante da condenação feita aos RR pelo Acórdão do STJ é de 1/3 da quantia em causa, e não de ¼, já que são apenas três os devedores e não quatro, como consta do requerimento executivo.
Invoca a exceção do abuso de direito, dizendo em suma que o embargante não interveio no negócio de cessão de quotas, já que o capital social da sua quota nunca lhe pertenceu, invocando ainda a compensação de créditos, alegando que o exequente deve aos executados a quantia de €30.000,00 euros.
Alega ainda que, relativamente a ambas as exceções, foi sócio da sociedade D…, Lda. mas que, na realidade, nunca foi proprietário da sua quota, a qual, efetivamente, pertencia ao co-executado E…, tendo acordado com este fazer-lhe o favor, gratuitamente e sem qualquer contrapartida, de pertencer ao capital social da referida sociedade, por ele não reunir na altura os requisitos legais previstos para que a sociedade pudesse funcionar como escola de condução.
O exequente embargado apresentou a sua contestação, contrariando a versão dos executados embargantes e invocando a exceção do caso julgado, dizendo em suma que a quantia exequenda tem fundamento no direito de regresso, uma vez que tendo sido executado pelo credor, pagou a totalidade da dívida, dívida essa que era da responsabilidade também dos ora executados, condenados que foram a pagá-la em regime de solidariedade no âmbito da ação condenatório, cujo acórdão se encontra ora em execução.
Requereu a condenação do executado como litigantes de má fé.
Os executados responderam, concluindo não se verificar a exceção de caso julgado, nem a respetiva litigância de má fé.
Teve lugar audiência prévia, na sequência da qual, e após audição das partes, veio a ser proferido despacho que determinou a retificação da forma de processo, tendo sido mandada seguir a execução como sumária, por o tribunal a quo ter entendido que a execução se baseia “ainda que em segunda linha” na decisão proferida no processo 2714/07.5TBVFR.
Considerou-se ainda que os autos reuniam os elementos necessários à prolação de decisão, pelo que foram as partes notificadas, para, querendo, apresentarem as respetivas alegações por escrito, convite que as mesmas aceitaram.
Foi de seguida proferida sentença, que decidiu os Embargos nos seguintes termos (parte decisória): “Por todo o exposto, julgam-se os presentes embargos parcialmente procedentes, por parcialmente provados, e, em consequência, determina-se a redução da execução nos termos supra explanados, respondendo os executados embargantes, solidariamente com o co-executado E…, por dois terços do pedido condenatório contido no Acórdão exequendo que o exequente comprovadamente efetuou. Absolvem-se os executados embargantes do pedido de condenação como litigantes de má fé. Custas por exequente embargado e executados embargantes na proporção do respetivo decaimento – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.”
Inconformados os Embargantes C… E MULHER, interpuseram o presente recurso de Apelação, pedindo a revogação a sentença, tendo apresentado as seguintes conclusões: “A-O exequente não dispõe de título válido e eficaz contra os executados/recorrentes – art. 279º alínea a) do CPC, uma vez que, aquele não foi Autor em nenhuma sentença condenatória contra estes. Na verdade, B- A posição processual do exequente B… era a mesma (réu) no processo nº 2714/07.5TBVFR dos ora recorrentes, pelo que, as razões que poderiam ser apostas entre ambos não foram, ainda, discutidas até ao presente. C- Os embargos de executado eram o local próprio para a discussão de tais razões e argumentos, razão porque, não deveria ter sido proferido saneador-sentença!!! D- A inexistência de título executivo constitui uma espécie de nulidade que pode ser arguida a todo o tempo e que pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal de recurso. E- Entendem os ora apelantes que a decisão do tribunal a quo está ferida de nulidade – art. 615º nº 1 al c) e d) do CPC, o que se alega para os devidos efeitos legais. F- Na verdade, e no entender, dos ora recorrentes os fundamentos estão em oposição com a decisão, G- Também, a decisão quanto á matéria de facto, deve ser alterada no sentido de ser aditado aos factos dados como provados o referido no ponto III destas alegações de recurso – arts. 640º e 662º do CPC. H- A decisão do Tribunal de Execução de Oliveira de Azeméis está em oposição com a melhor jurisprudência dos tribunais superiores o que se alega para e para os devidos efeitos legais I-A douta decisão recorrida violou, entre outros preceitos legais o disposto no art. 5º nº3, 615º, 640º e 662º do CPC e arts. 473 e ss do C.Civil.”
B… apresentou contra-alegações de recurso, pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, cumpre decidir.
II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
-Inexistência de título executivo;
-Inexistência de elementos que permitam decisão do mérito no saneador;
-Nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.
III-FUNDAMENTAÇÃO:
É a seguinte a factualidade que o tribunal considerou como demonstrada com interesse para a decisão da causa: 1. Nos autos principais de execução é exequente B…, sendo executados E…, C… e F…. 2. No requerimento executivo, o exequente alegou o seguinte: «O exequente e os agora executados foram condenados solidariamente a pagar pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo 2714/07.5TBVFR.P1.C1, transitado em julgado em 18/04/2013 (…); Com os acréscimos dos juros e despesas com agente de execução o exequente liquidou o valor de € 30.387,05 (trinta mil trezentos e oitenta e sete euros e cinco cêntimos); Para o efeito, o agora exequente foi citado via postal, com data de 23 de Setembro de 2011 para o pagamento da quantia de € 23.210,96 (vinte e três mil duzentos e dez euros e noventa e seis cêntimos), no âmbito do processo executivo proposto c com o n.º 2714/07.5TBVFR-A do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, tendo posteriormente transitado para a 3ª Secção de Execução da Instância Central de Oliveira de Azeméis da Comarca de Aveiro (…); Acontece que o agora exequente liquidou toda a quantia exequenda no processo executivo contra si instaurado, no valor acima referido de € 30.387,05 (trinta mil trezentos e oitenta e sete euros e cinco cêntimos) (…); Uma vez efetuado o pagamento, foi decretada a extinção da instância por pagamento da dívida exequenda, conforme decisão do agente de execução com data de 17-09-2015 (…); Ora, como decorre da letra do artigo 526º do Código Civil presume-se que os devedores participam no pagamento da dívida em partes iguais. Por sua vez, diz o artigo 519º do Código Civil que o sujeito que liquidar a prestação pode exigir dos outros devedores solidários o montante correspondente à sua quota-parte; Uma vez que resulta do Acórdão que a responsabilidade do pagamento era de quatro devedores cabe a cada um a quantia de € 7.596,70, daí que retirando este valor por haver sido liquidado por o aqui exequente resta a quantia de € 22.790,99 e cujo valor é devido pelos aqui executados; Desta forma, a quantia exequenda é certa, liquida e exigível e fundamentada no instituto jurídico de solidariedade entre os devedores que foram condenados pelo mencionado Acórdão do STJ; À quantia exequenda, deve acrescer os respetivos juros legais de mora devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento acrescidos das demais despesas legais resultantes do presente processo». 3. O exequente instruiu o seu requerimento executivo, designadamente, com cópia do Acórdão identificado em 2. 4. Teor do Acórdão identificado em 2, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido. 5. Teor do documento junto pelos executados embargantes como nº 1, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido. 6. Teor do documento junto pelos executados embargantes como nº 2 e 3, os quais se dão aqui por integralmente reproduzido. 7. Teor do documento junto pelos executados embargantes como nº 6, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido. 8. Teor da certidão de fls. 42 e segs., o qual aqui se dá por integralmente reproduzido.
IV-DO DIREITO APLICÁVEL
Na sentença proferida ora sob recurso, o Tribunal a quo considerou que o título executivo dado à execução é constituído por sentença/acórdão, ainda que complementado com os elementos documentais que o acompanham e que visam demonstrar os pressupostos do direito de regresso invocado pelo exequente.
Ora, no presente recurso, veio o Embargante discordar deste entendimento dizendo em suma que “o exequente não dispõe de título válido e eficaz contra os executados/recorrentes – art. 279º alínea a) do CPC, uma vez que, aquele não foi Autor em nenhuma sentença condenatória contra estes”.
De qualquer forma, sempre a questão da existência de título executivo, seria de conhecimento oficioso do Tribunal, pelo que antes do mais, tem este tribunal de recurso que analisar a questão prévia da existência/inexistência do título executivo.
Preceitua o artigo 10º, n.º 5, do CPC, que toda a execução tem por base um título, o qual determina o fim e os limites da ação executiva.
Com efeito, a ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo, o qual, além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado.
Neste sentido, como refere A. Abrantes Geraldes, [1] o título executivo consiste no meio probatório da relação jurídica que constitui a génese do vínculo obrigacional que liga o exequente ao executado.
O facto de constituir condição suficiente da ação executiva significa que na sua presença seguir-se-á imediatamente a execução sem que se torne necessário efetuar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere. [2]
E o título executivo, além de ser condição necessária para a instauração da execução (pois que não existe execução sem que a mesma se baseie em algum dos títulos executivos taxativamente previstos no artigo 703º, do CPC) é, ainda, condição suficiente da ação executiva. [3]
O título executivo apresenta, à partida, uma eficácia incondicional, na medida em que permite dar início à ação executiva sem necessidade de demonstração prévia da existência do direito e apenas encontra limites em face da eventual iniciativa do executado, ao qual a lei reconhece, em função de determinados fundamentos (que variam em função do tipo de título e da certeza que o mesmo representa quanto à existência da causa debendi), a faculdade de provocar uma apreciação jurisdicional acerca da existência do direito de que o credor se arroga titular ou da possibilidade de este mover uma ação executiva, com agressão do património do devedor.
Posto isto, a lei expressamente estabelece a exequibilidade da sentença condenatória (art.703º nº 1 al a) do CPC).
No caso em apreço, o título dado à execução não é uma sentença, mas sim um acórdão, que foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo no processo 2714/07.5TBVFR.P1.C1, tendo transitado em julgado em 18/04/2013.
Como se depreende do teor do Acórdão dado á execução, eram autores nessa ação, G… e esposa, H…, sendo réus B…, (aqui Exequente) e C…, esposa F… e E… (aqui executados).
Nessa ação os autores formularam os seguintes pedidos:
- a título principal, «que os réus sejam condenados a verem resolvido o contrato-promessa e a restituírem a quantia de 40.000€ a título de sinal em dobro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento»; e, - a título subsidiário, «quando assim se não entenda, pedem que seja declarada a anulabilidade do contrato-promessa e por via dela que os réus sejam condenados a restituírem-lhes a quantia de 20.000€ entregue a título de sinal, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral cumprimento».
O dispositivo do acórdão, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça identificado na factualidade assente, é o seguinte: «Face a todo o exposto, em concessão parcial da revista: Revoga-se a decisão recorrida, declarando-se que a resolução contratual levada a cabo não teve suporte legal. Julga-se procedente o pedido subsidiário, anulando-se o contrato-promessa com base no erro-vício referido. Condenam-se os réus a restituírem aos autores a quantia de 20.000€ que deles receberam a título de sinal, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento».
Por força deste Acórdão foram os ali Réus, B…, C… e mulher e E… condenados, a restituírem aos ali autores (que não são parte nesta execução), a quantia de 20.000€ que deles receberam a título de sinal, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, como consequência da anulação do contrato promessa de cessão de quotas, por verificação de erro vicio na vontade.
Um dos Réus ali condenados, o Réu B…, interpôs a presente execução contra os demais co-réus naquela ação, alegando em suma, no requerimento executivo a seguinte factualidade: «O exequente e os agora executados foram condenados solidariamente a pagar pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo 2714/07.5TBVFR.P1.C1, transitado em julgado em 18/04/2013 (…); Com os acréscimos dos juros e despesas com agente de execução o exequente liquidou o valor de € 30.387,05 (trinta mil trezentos e oitenta e sete euros e cinco cêntimos); Para o efeito, o agora exequente foi citado via postal, com data de 23 de Setembro de 2011 para o pagamento da quantia de € 23.210,96 (vinte e três mil duzentos e dez euros e noventa e seis cêntimos), no âmbito do processo executivo proposto c com o n.º 2714/07.5TBVFR-A do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, tendo posteriormente transitado para a 3ª Secção de Execução da Instância Central de Oliveira de Azeméis da Comarca de Aveiro (…); Acontece que o agora exequente liquidou toda a quantia exequenda no processo executivo contra si instaurado, no valor acima referido de € 30.387,05 (trinta mil trezentos e oitenta e sete euros e cinco cêntimos) (…); Uma vez efetuado o pagamento, foi decretada a extinção da instância por pagamento da dívida exequenda, conforme decisão do agente de execução com data de 17-09-2015 (…); Ora, como decorre da letra do artigo 526º do Código Civil presume-se que os devedores participam no pagamento da dívida em partes iguais. Por sua vez, diz o artigo 519º do Código Civil que o sujeito que liquidar a prestação pode exigir dos outros devedores solidários o montante correspondente à sua quota-parte; Uma vez que resulta do Acórdão que a responsabilidade do pagamento era de quatro devedores cabe a cada um a quantia de € 7.596,70, daí que retirando este valor por haver sido liquidado por o aqui exequente resta a quantia de € 22.790,99 e cujo valor é devido pelos aqui executados; Desta forma, a quantia exequenda é certa, liquida e exigível e fundamentada no instituto jurídico de solidariedade entre os devedores que foram condenados pelo mencionado Acórdão do STJ; À quantia exequenda, deve acrescer os respetivos juros legais de mora devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento acrescidos das demais despesas legais resultantes do presente processo».
O tribunal a quo entendeu que em face do exposto, o exequente dispunha de título executivo e que do mesmo decorria, tal como defendido pelo Exequente, uma dívida solidária dos Réus, que o Exequente pagou integralmente ao credor, assistindo-lhe por isso direito de regresso sobre os demais devedores, tendo, na sentença alterado apenas a responsabilidade dos executados para 1/3 cada, como resulta do que ali ficou exposto: “Assim sendo, exercendo o exequente B… o invocado direito de regresso, previsto no art. 524º do Código Civil, tendo procedido no âmbito da execução a que se reporta o ponto 8 da fundamentação de facto ao pagamento da totalidade do pedido exequendo (valor da condenação formulada pelo Supremo Tribunal de Justiça), terá direito ao reembolso de dois terços de tal valor sobre os executados embargantes, sendo que estes, após pagamento, voluntário ou coercivo, terão igualmente direito de regresso sobre o co-executado E… numa terça parte da condenação formulada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão exequendo.”
Vejamos se pode ser assim.
Para Miguel Teixeira de Sousa [4] in a Reforma da Ação Executiva, pg. 69, há que ter presente no atual processo civil que deve ser considerada uma tripartição dos títulos executivos que os distingue em títulos judiciais, títulos de formação judicial e títulos extrajudiciais.
No caso estamos claramente perante um título judicial.
O art. 793º nº1 al a) do C.P. C. estabelece que á execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias (…)”
A expressão “sentenças condenatórias” é desenvolvida pelo Professor João Paulo Remédio Marques [5] que nos diz que “Em rigor sentença é, nos termos do art. 156º/2 do CPC (correspondente ao atual art. 152º) o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura duma causa. E é condenatória se e quando condenar na prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito (art. 4º/2 al b) do CPC (corresponde ao atual art. 10º) .Mas nem sempre será assim”. Desde logo nele se incluindo os acórdãos, como é o caso dos autos, mas não só. “Em primeiro lugar as sentenças condenatórias, a que aquela alínea a) alude, não são necessariamente as que culminam ações de condenação. Antes pode tratar-se de ações constitutivas – nas quais se contenham explicita ou implicitamente obrigações, ainda que futuras – (vg. obrigação de alimentos ou de indemnização, arbitradas em ação de divórcio; condenação na desocupação do locado, numa ação de despejo; a condenação no pagamento de quotas em dinheiro numa ação de divisão de coisa comum; sentença em que se reconheça o direito de preferência, etc).”
Neste sentido já o Professor Alberto dos Reis defendia que “o código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinadas responsabilidades.” [6]. Assim sendo mostra-se desnecessária a condenação no pagamento de uma obrigação bastando tão-só que a obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença [7].
Isto significa, no que ao caso em apreço interessa, que não colhe a afirmação do Apelante de que o exequente “ não foi Autor em nenhuma sentença condenatória contra estes” para afastar a existência de título executivo. Podemos, na verdade não estar perante uma condenação, mas da sentença resultarem determinadas responsabilidades, responsabilidades essas cujo cumprimento pode ser objeto de execução, em execução de sentença.
Constata-se que a questão em apreço, não se situa na relação credor/devedor originários, mas no âmbito das relações internas entre devedores.
Não obstante não haver uma “condenação” dirigida ao executado de pagar ao exequente, (porque aqueles não eram na ação réu e autor, mas co-réus), do acórdão pode decorrer a imposição, no âmbito das relações internas entre os co-réu, de “determinadas responsabilidades”, para usar as palavras do Professor Alberto dos Reis, que permitam a execução de sentença.
O que tem pois de apurar-se, utilizando-se para tanto o aludido conceito amplo de “sentença condenatória” é assim, se do acórdão em causa resultam imputadas aos aqui executados determinadas responsabilidades.
Se estivermos perante uma dívida comum aos co-réus, de natureza solidária, isto é, sujeita ao regime da solidariedade passiva, como defendeu o Exequente no requerimento executivo, poderemos afirmar a existência do título executivo, pois resultaria do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e dos documentos complementares juntos com o mesmo, que, no âmbito das relações internas entre os devedores, em face do pagamento da totalidade da dívida pelo exequente, resultaria a obrigação dos executados na qualidade de condevedores, de satisfação àquele devedor, da parte que àquele excede, por força do direito de regresso legalmente imposto pelo art. 524º do C.Civil.
Na noção do artigo 512º, n.º 1, do Código Civil “A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (…)”.
Neste caso, todos os condevedores teriam sido obrigados a pagar ao credor a quantia de € 20.000, sendo que aquele podia exigir a totalidade daquela quantia, a qualquer deles. Tendo um dos condevedores (o aqui exequente) pago a totalidade da dívida sujeita ao regime de solidariedade tem direito de regresso sobre os demais.
A questão que se coloca então, antes do mais, é a de saber se estamos ou não perante uma dívida solidária, tal como defende o Exequente e tal como entendeu o Tribunal a quo, na sentença proferida.
O acórdão do STJ proferido no âmbito do 2714/07.5TBVFR.P1.C1, transitado em julgado em 18/04/2013 condenou os aqui Exequentes e Executados a pagarem ao ali autor a quantia de 20 mil euros, a título de restituição da quantia de 20.000€ entregue a título de sinal no âmbito de um contrato promessa de cessão de quotas referente á sociedade comercial D…, Lda, como consequência da anulação do negócio.
Não se oferecem dúvidas quanto ao facto de estarmos perante uma obrigação plural, do lado passivo.
Trata-se de uma obrigação plural, pois que incumbe em simultâneo a três sujeitos passivos - aos aqui Exequente e Executados.
Porém, há que ter-se em consideração que, nas obrigações civis, a regra relativamente às obrigações plurais é a da Conjunção e não a da Solidariedade.
A regra nas obrigações comerciais, é a da solidariedade passiva, enquanto que nas obrigações civis é a da conjunção, salvo se, em ambos os casos, houver lei ou convenção em contrário.
Com efeito, o art. 513º do CC. dispõe que a solidariedade de devedores ou de credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
Pires de Lima e A. Varela [8] dizem-no claramente: “Os termos em que a disposição está redigida – dizendo que a solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes – mostram claramente que o regime – regra é o das obrigações conjuntas ou parciárias.”.
Como refere Antunes Varela, [9] “sendo a obrigação plural, a conjunção constitui regime regra, visto a solidariedade, tanto no lado ativo como no lado passivo, só existir se for determinada por lei, ou estipulada pelos interessados (art. 513º do CC).”
Nas palavras de Almeida e Costa [10], “São obrigações conjuntas aquelas em que a cada um dos credores ou dos devedores compete apenas, mesmo nas relações externas, uma fração do crédito ou débito comum, à pluralidade de credores ou de devedores corresponde uma igual pluralidade de vínculos. Assim: haverá tantos vínculos quanto forem os sujeitos do lado plural da obrigação; ou, no caso de simultânea pluralidade ativa e passiva os vínculos igualarão o numero de credores multiplicado pelo de devedores. Não obstante verifica-se nas obrigações conjuntas a comunidade de origem dos vários créditos e débitos, que procedem do mesmo facto jurídico. E, além disso, a prestação é determinada para todos eles globalmente – fixando-se a parte de cada credor ou devedor segundo o princípio da proporcionalidade, salvo convenção em contrário. Exemplifiquemos: A e B emprestam a C 20.000 euros. Sendo a obrigação conjunta, haverá dois vínculos distintos, o que equivale a dizer que cada um dos credores poderá exigir ao devedor comum apenas 10.000 euros. O mesmo acontece “mutatis mutandi”, na hipótese inversa de C emprestar a a A e B 20 mil euros: a cada um dos devedores só poderá ser exigida pelo credor comum a importância de 10.000 euros; logo C terá de interpelar A e B para conseguir o pagamento integral da obrigação”.
E acrescenta, mais á frente: “Cada um dos credores a cada um dos devedores só tem direito ou apenas se encontra obrigado á sua parte na prestação total. Os vínculos obrigacionais dos vários credores e dos vários devedores mostram-se em tudo distintos e independentes uns dos outros, estando cada um deles imune às consequências dos atos ou factos jurídicos praticados pelos restantes credores ou devedores, ou praticados por terceiros, em face destes.”
Também Menezes Leitão, [11] afirma: “Ou seja, nestas obrigações cada credor só pode exigir a sua parte no crédito e cada devedor só tem de emprestar a sua parte na dívida.
Mercê da conjunção, a obrigação divide-se em vários vínculos: tantos quantos os sujeitos do lado plural da relação. Se forem vários ao mesmo tempo os credores e os devedores, o número dos vínculos será igual ao produto do número de uns pelo número dos outros.
Por via dessa regra a parte de cada um dos devedores ou credores no débito ou crédito comum é igual á dos restantes e, por isso a sua prestação se determina dividindo a prestação global pelo número dos sujeitos do lado plural da obrigação.
No caso em apreço, a devolução ou restituição da quantia recebida pelos réus, no âmbito do contrato promessa de cessão de quotas, que foi anulado, não se mostra legalmente sujeita á regra da solidariedade.
Por sua vez, nada nos autos, nomeadamente do teor do acórdão do STJ permite supor que tenha havido acordo das partes nesse sentido, sendo que o acórdão não condena os Réus a pagarem a referida quantia “solidariamente”. Também nada permite concluir que tenha sido essa a vontade das partes. Daqui decorre que a obrigação em causa é conjunta e não solidária.
A natureza da obrigação tem consequências quanto ao regime do seu cumprimento, como vimos.
Do acórdão resulta a obrigação do aqui executado pagar ao credor, ali autor a parte que lhe podia ser exigida de 1/3 daquela quantia.
Por via de regra, nas obrigações conjuntas, a parte de cada um dos devedores ou credores é igual à dos restantes, mas nem sempre assim sucede porque essa igualdade não é essencial à conjunção.
Traço característico da conjunção é que cada vínculo, uma vez constituído, possui vida autónoma, em que os factos relativos a cada um dos credores ou dos co-obrigados não exercem efeito sobre as restantes obrigações. [12]
O credor só podia pedir de cada um dos três devedores, a parte respetiva.
Como se pode ler no Acórdão deste TRP de 11-07-2018, [13] “O benefício da divisão caracteriza e diferencia as obrigações correntemente designadas por conjuntas, das obrigações solidárias. Ao contrário destas, nas obrigações conjuntas cada devedor só é responsável, perante o credor, pela quota parte da obrigação que lhe corresponde e somente ao devedor solidário que pagou mais do que correspondia à sua real quota (nas relações internas entre devedores) é que é consagrado direito de regresso em termos gerais nos termos do artº 524º e 516º e em certas situações específicas, vg artºs 507º e 497º, nº 2, CC.”
Também no Ac. TRP de 12-10-1995, disponível no mesmo local, se pode ler: “O traço característico do regime jurídico aplicável às obrigações conjuntas é o da plena autonomia do vínculo respeitante a cada um dos obrigados de tal modo que os factos relativos a cada um daqueles não produzem qualquer efeito quanto às obrigações dos restantes.”
Assim sendo, se um dos devedores satisfez perante o credor, para além da sua obrigação, a obrigação dos demais, fê-lo não em cumprimento de uma obrigação legal (tal ser-lhe-ia apenas exigível se de dívida solidária se tratasse), mas porque voluntariamente (ou até admitindo-se, no pressuposto erróneo de que era obrigado) cumpriu uma obrigação alheia, porque apenas lhe era exigido o cumprimento da sua quota-parte.
Ou seja, o pagamento feito pelo exequente não se mostra titulado pelo acórdão do STJ, que não condena os aí réus no pagamento em regime de solidariedade, não decorrendo do mesmo a invocada obrigação do Exequente em satisfazer integralmente a obrigação e consequente direito de regresso. Não decorre daquele acórdão a solidariedade da dívida e consequente direito de regresso do devedor que satisfez integralmente o crédito.
Não se quer com isto dizer que o Apelado não tenha direito a obter do aqui executado, a quantia que pagou indevidamente ao credor, (no sentido que a tal não se encontrava obrigado), mas tão-só que não dispõe de titulo executivo para exercer coercivamente tal direito.
Com efeito, não decorrendo do acórdão do STJ dado á execução qualquer responsabilidade do aqui executado perante o exequente, e não cabendo a situação em nenhuma outra das situações expressamente previstas no art. 703º do C.P.C., ou noutra disposição legal aplicável, temos de concluir que se verifica a exceção dilatória de inexistência de título executivo, com a consequente absolvição da instância dos executados aqui Apelantes e consequente extinção da execução contra eles instaurada, nos termos do disposto nos artigos 10º nº 5, 703ºnº 1, 729º al. a) e 732º nº 4 do C.P.C.
V-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este tribunal da Relação, em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a exceção da falta de título executivo, com a consequente extinção da execução quanto aos aqui Apelantes.
Custas pelo Apelado.
Porto, 10 de Dezembro de 2019
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_______________ [1] A. Abrantes Geraldes, “Títulos Executivos”, in “Themis – A Reforma da Ação Executiva”, ano IV, n.º 7, 2003, pág. 36. [2] Anselmo de Castro, A ação executiva singular, comum e especial, p. 14. [3] Sobre o princípio da tipicidade dos títulos executivos, ver MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “A Ação Executiva Singular”, Lex, 1998, pág. 67-68 e A. VARELA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 78. [4] in a Reforma da Ação Executiva, pg 69, [5] In Curso de processo executivo comum a face do código revisto, pg 55 a 65. [6] Processo de Execução, 3º ed. vol I, pg 127 [7] Ver também neste sentido Anselmo de Castro, A ação executiva singular, 2º ed. Pg 16 e ss; Eurico Lopes Cardoso in Manual de Processo Civil, 3º ed. Pg 27 e ss entre outros. [8] In “Código Civil, Anotado”, Vol. I, 3ª Ed, págs. 499-500, nota 3 [9] in Das Obrigações em Geral vol I, 6º ed., pg 717. [10] In Direito das Obrigações, 9º edição, pg 611 e ss. [11] In Direito das Obrigações, vol I, 2º ed. Pg 156 [12] Ver acórdão do TRP de 20-05-1997 (relator Emídio Costa), disponível in www.dgsi.pt [13] Relator Des. Madeira Pinto, disponível in www.dgsi.pt