PRESTAÇÃO DE CONTAS
CABEÇA DE CASAL
BEM IMÓVEL
VALOR LOCATIVO
Sumário


I - A determinação de rendimentos eventualmente deixados de auferir em resultado da administração efetuada não integra o objeto da ação de prestação de contas;
II - O valor locativo de uma casa de habitação pertencente a herança só pode ser considerado como receita, no âmbito da prestação de contas, caso tenha sido efetivamente recebido pelo administrador;
III - Tendo-se concluído que a herança não obteve qualquer receita proveniente do uso da casa, utilizada em exclusivo por um herdeiro, e não estando em causa a realização de despesas relativas a tal prédio, não poderá considerar-se que a obrigação de prestação de contas abranja a administração do aludido bem;
IV - Não se tratando de uma receita auferida, mas de uma verba suscetível de ser obtida em resultado de uma eventual utilização do prédio como meio de produção de rendimentos, o valor locativo do imóvel não deverá ser considerado para efeitos de prestação de contas.

Texto Integral


Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

BB, CC, DD, EE, FF – entretanto falecido, tendo sido declarados habilitados GG e HH –, GG e HH intentaram a presente ação de prestação de contas, com processo especial, contra II, pedindo que seja citado para, em 30 dias, apresentar contas da administração da herança aberta por óbito de Maria … e de Manuel … ou contestar a ação, sob a cominação legal.
A justificar o pedido, alegam, em síntese, que autores e réu foram os herdeiros da mencionada herança, a qual se encontra já partilhada, tendo o réu, desde 2005 até à data partilha, que ocorreu em junho de 2014, administrado de facto, pelo menos, parte dos imóveis que integravam aquela herança, recebendo as correspondentes rendas e não tendo prestado contas de tal administração aos demais interessados.
Citado, o réu contestou a obrigação de prestar contas nos termos indicados pelos autores, admitindo caber-lhe prestar contas respeitantes ao ano de 2005 – em representação da sua mãe, anterior cabeça-de-casal da herança, falecida em 19-01-2006 – e afirmando tê-las já prestado, sem que as contas prestadas tenham suscitado oposição dos autores.
Notificados da contestação, os autores apresentaram resposta.
Foi proferida decisão, na qual se elaborou despacho saneador, se discriminou os factos considerados provados e se conheceu do mérito da causa, tendo-se decidido o seguinte:
Face ao exposto, decide-se:
a) no que respeita aos arrendamentos que tiveram por objeto o prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … e …, em Évora, o prédio misto denominado Herdade da B… e ainda o prédio misto denominado Herdade da C…, condenar o réu a prestar contas aos autores, a partir de janeiro de 2005 até à mencionada partilha, ocorrida em junho de 2014;
b) na parte restante, absolver o réu do pedido;
c) condenar os autores e o réu no pagamento das custas, em partes iguais, com eventual correção a final.
Notifique, sendo o réu notificado para apresentar contas no prazo de 20 dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que os autores apresentem.
Inconformados, os autores interpuseram recurso desta decisão, pugnando no sentido da respetiva revogação, na parte em que não foi admitida a prestação de contas relativamente ao uso pelo réu do prédio urbano que identificam e que fez parte da herança, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1 - Entendeu o tribunal que “Situação diversa ocorre com o prédio urbano sito na Av. …, n.º …, em Évora, o qual foi adjudicado ao ora réu e ao seu pai; este prédio urbano tem sido, desde a morte de Manuel …, usado exclusivamente pelo pai do réu e pelo réu como casa de habitação, onde sempre viveram sem pagar qualquer renda à herança.
2 - Tendo a autora, juntamente com a filha do casal, habitado a casa morada de família, bem comum do casal, desde a separação até à partilha, o valor da utilização exclusiva do imóvel por parte da autora (seja ele o valor locativo ou qualquer outro valor), não corresponde a uma receita obtida com a administração do bem que, como tal, possa ser contabilizada no âmbito de uma prestação de contas, referente a tal administração; (…) a obrigação de pagar tal compensação apenas poderia, eventualmente, radicar em qualquer enriquecimento injustificado da autora à custa do património comum. [acórdão de 28-03-2017 do TRC, Proc. N.º 255/10.2TMCBR-B.C1].
3 - Constata-se, assim, que a suscitada questão respeitante à anterior ocupação, pelo réu, do prédio urbano sito na Av. …, n.º …, em Évora, não pode ser apreciada e julgada neste processo especial.”
4 - Em consequência absolveu o recorrido nesta parte.
5 - Ou seja o decidiu-se que o valor locativo uso da casa de habitação da herança por um herdeiro não é suscetível de prestação de contas.
6 - Ora é contra este entendimento que os recorrentes se insurgem.
7 - A prestação de contas é uma obrigação de quem administra bens alheios
8 - Nas contas entram os rendimentos e proveitos da administração dos bens da herança bem como as despesas com a conservação. (Artigo 2093 do CC)
9 - A utilização de um bem da herança como casa de habitação cabe no âmbito da fruição do bem que excede largamente o poder de administração de cada herdeiro e o direito de fruição dos co-herdeiros
10 - Herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha.
11 - Assim, sendo o uso casa sita Av. …, n.º …, em Évora um direito suscetível de avaliação económica, deve ser determinado que esse valor seja considerado na prestação de contas e o recorrido obrigado a prestar contas desse mesmo uso.
12 - Nestes termos requer-se a V. Exa se digne dar provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a douta sentença na parte em que não admitiu a prestação de contas relativamente ao uso pelo recorrido da casa de habitação que fez parte da herança sita na Av. … nº … em Évora.»
O réu apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência da apelação.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se o uso do prédio urbano onde o réu habita integra no objeto da obrigação de prestação de contas.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
Em 1 de maio de 1978, faleceu, no estado de casada sob o regime da comunhão geral com Manuel …, Maria ….
Sucederam-lhe o seu marido e os seus filhos:
a) Maria M…, casada no regime de comunhão geral com Glicério …, ambos já falecidos, ela Maria M…, em 19-01-2006 e ele, Glicério …, em 11 de janeiro de 2015;
b) Artur L…, casado no regime de comunhão geral com BB e que faleceu em 22 de novembro de 2014; o falecido Artur L… deixou, como seus únicos e universais herdeiros, a sua mulher BB…e os filhos CC, DD e EE;
c) Maria L…, casada no regime de comunhão geral com FF e falecida em 11-01-1999; a falecida Maria L… deixou como herdeiros o seu marido FF e os filhos GG, casado no regime de separação de bens, e HH, solteiro.
Em 15 de novembro de 1989 veio a falecer, no estado de viúvo, Manuel …, que deixou como herdeiros os seus filhos e netos supra identificados.
Foi instituída como cabeça de casal da herança dos seus pais, a filha mais velha, Maria M….
Os falecidos Manuel … e Maria … deixaram bens móveis e imóveis que foram objeto de partilha no âmbito do processo de inventário n.º 808/09.1 TBERV do então Segundo Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Évora, tendo sido celebrado um acordo de partilha, homologado por sentença, transitada em julgado em 13 de junho de 2014.
Os bens imóveis da herança eram os seguintes:
i. prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … e …, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º …, da freguesia da Sé, S. Mamede, inscrito na matriz da citada freguesia e concelho sob o artigo ….º; o r/c deste prédio, com entrada pelo numero …, foi dado de arrendamento a Manuel F… por Manuel …, em 1 de julho de 1986, arrendamento que, à data da partilha, tinha uma renda mensal de € 63,44; o r/c deste prédio, com entrada pelo numero …, esteve arrendado a Vicente C…, pelo valor de € 40,00 mensais, até à partilha;
ii. prédio misto denominado Herdade da B…, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ….º da secção D, descrito na CRP de Évora sob o n.º …/20140730, da freguesia da Sé, e na matriz predial urbana sob os artigos ….º e ….º, o qual foi adjudicado aos ora autores em partilha;
iii. prédio misto chamada Herdade da C…, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ….º da secção D, descrito na CRP de Évora sob o n.º …, da freguesia da Sé, e na matriz predial urbana sob o artigo ….º, o qual foi adjudicado ao ora réu e ao seu pai, Glicério …; estes dois prédios (identificados em ii. e iii.) estiveram arrendados ao pai do réu mediante a renda anual de € 12.469,95;
iv. prédio urbano sito na Av. …, n.º …, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora, sob n.º …, da freguesia da Horta das Figueiras e Malagueira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º, o qual foi adjudicado ao ora réu e ao seu pai; este prédio urbano, que foi a casa de habitação dos autores da herança, tem sido, desde a morte de Manuel …, usado exclusivamente pelo pai do réu e pelo réu como casa de habitação, onde sempre viveram sem pagar qualquer renda à herança; tal prédio urbano é composto por casa, com jardim, cave com sete divisões, r/c com seis, primeiro andar com seis divisões e terraço, com a área coberta total de 529,68 m2 e descoberta de 607,44 m2, cujo valor locativo mensal não é inferior a € 800,00.
Até ao início de 2005, a então cabeça de casal Maria M… prestou contas aos irmãos e cunhados; após essa data, não mais houve prestação de contas.
Naquela prestação de contas nunca entrou os valores de uso da casa da Av. …, que é habitação do réu e que ali viveu com seu pai e onde continua a residir.
Com o objetivo de prestar as contas respeitantes ao ano de 2005, o réu, em 25 de março de 2015, enviou cartas endereçadas a “BB e Filhos” e a “FF e Filhos, acompanhadas de documentos, conforme consta de fls. 58 e seguintes [documentos juntos com a contestação].
Com o falecimento da mãe do réu, as funções de cabeça de casal da herança passaram a caber ao Artur L….
A partir do ano de 2005 até à mencionada partilha, o réu, conforme consta dos documentos de fls. 198 verso a 321, emitiu os recibos de renda respeitantes aos arrendamentos dos prédios identificados em i., ii. e iii..

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
Quem, de facto, sempre exerceu o cabecelato até à partilha da herança foi o Glicério …, pai do ora réu.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Pretendem os autores, com a presente ação, exigir a prestação, pelo réu, de contas da administração de determinados bens imóveis que integraram a herança aberta por óbito de Maria … e de Manuel …, da qual autores e réu foram herdeiros, relativas ao período compreendido entre 2005 e a data partilha, ocorrida em junho de 2014.
A decisão recorrida considerou verificada a obrigação de prestação de contas pelo réu, limitando o respetivo objeto ao arrendamento de três dos bens imóveis que integravam a herança – a saber: o prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … e …, em Évora, o prédio misto denominado Herdade da B… e o prédio misto denominado Herdade da C… –, tendo condenado o réu a prestar contas aos autores, a partir de janeiro de 2005 até à mencionada partilha, ocorrida em junho de 2014, absolvendo-o no mais peticionado.
Vem questionada na apelação a não inclusão na obrigação da prestação de contas, pela decisão recorrida, do valor correspondente ao uso pelo réu do prédio urbano sito na Av. …, n.º 8, em Évora, onde o mesmo habita e que integrava a herança.
Consta da fundamentação da decisão recorrida que tal exclusão da obrigação de prestação de contas se baseou no seguinte:
(…) o réu, a partir do ano de 2005 até à mencionada partilha, ocorrida em junho de 2014, relativamente ao prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … e …, em Évora, ao prédio misto denominado Herdade da B… e ainda ao prédio misto denominado Herdade da C…, emitiu os recibos de renda respeitantes aos arrendamentos daqueles prédios, conforme consta dos documentos de fls. 198 verso a 321.
(…) Isto é, no caso concreto, dado que o réu emitiu os referidos recibos, dando quitação quanto ao recebimento das rendas neles mencionados, pode presumir-se que o mesmo réu recebeu efetivamente as quantias correspondentes, cabendo a este demonstrar que não ocorreu tal recebimento.
Assim, quanto à sua gestão de facto dos identificados prédios arrendados, o réu está obrigado a prestar contas desde o ano de 2005 até à realização da partilha dos bens da indicada herança.
(…) Situação diversa ocorre com o prédio urbano sito na Av. …, n.º …, em Évora, o qual foi adjudicado ao ora réu e ao seu pai; este prédio urbano tem sido, desde a morte de Manuel …, usado exclusivamente pelo pai do réu e pelo réu como casa de habitação, onde sempre viveram sem pagar qualquer renda à herança.
(…) Constata-se, assim, que a suscitada questão respeitante à anterior ocupação, pelo réu, do prédio urbano sito na Av. …, n.º …, em Évora, não pode ser apreciada e julgada neste processo especial.
Discordando deste entendimento, sustentam os apelantes que o valor locativo de uma casa de habitação pertencente a herança, utilizada em exclusivo por um herdeiro, é suscetível de prestação de contas, defendendo que o réu deve ser obrigado a prestar contas do uso da casa sita na Av. …, n.º …, em Évora, na qual residiu no período em causa.
Vejamos se lhes assiste razão.
A ação de prestação de contas tem por objeto, conforme dispõe o artigo 941.º do Código de Processo Civil, o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. Esclarece o artigo 944.º, n.º 1, do mesmo código, que as contas são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo.
Daqui decorre que a ação de prestação de contas visa apurar o saldo emergente das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios, de forma a aferir da existência de crédito ou de débito e, em conformidade, apreciar da eventual condenação no respetivo pagamento, caso seja apurado um valor positivo.
Assim sendo, para apuramento do saldo final deverão ser consideradas as receitas efetivamente obtidas e as despesas realizadas pelo administrador dos bens em causa, devendo o saldo a apurar resultar do confronto entre as verbas entradas e as verbas saídas.
Como tal, só haverá que prestar contas o administrador de bens alheios que, no exercício da administração, tiver obtido receitas ou realizado despesas, bem como se tiverem ocorrido ambas as situações, não se destinando a ação de prestação de contas à determinação de rendimentos eventualmente deixados de auferir em resultado da administração efetuada.
Neste sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-04-2003 (relator: Moreira Alves), proferido na revista n.º 73/03 - 1.ª Secção (disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário se extrai o seguinte: I - O cabeça-de-casal só tem de prestar contas quando, no exercício da sua administração tenha obtido receitas e realizado despesas, ou tenham ocorrido ambas as situações; II - O processo especial de prestação de contas não é o adequado para averiguar da boa ou má administração da pessoa obrigada a prestar contas e para a determinação dos rendimentos eventualmente deixados de auferir em consequência da má administração; III - O pedido de indemnização fundado no uso dos prédios sob administração do cabeça-de-casal não pode ser decidido no processo especial de prestação de contas, antes em processo comum.
No caso presente, encontra-se assente que o réu administrou determinados bens imóveis pertencentes à herança, tendo a decisão recorrida considerado, o que não vem questionado na apelação, que lhe incumbe a obrigação de prestar contas relativas ao arrendamento de três prédios no período compreendido entre 2005 e a data partilha, ocorrida em junho de 2014.
Cumpre apreciar se tal obrigação de prestação de contas abrange, ainda, o valor correspondente ao uso pelo réu do prédio urbano sito na Av. …, n.º …, em Évora, pertencente à herança e que veio a ser adjudicado ao réu e a seu pai, o qual foi por ambos exclusivamente usado como casa de habitação desde a morte de Manuel … e onde sempre viveram sem pagar qualquer renda à herança.
Encontrando-se assente que, desde a morte de Manuel …, ocorrida em 15-11-1989, o réu e seu pai sempre viveram no aludido prédio urbano sem pagar qualquer renda à herança, cumpre concluir que a herança não obteve qualquer receita proveniente do uso daquela casa; por outro lado, o valor correspondente ao uso de tal casa nunca foi considerado nas contas anteriormente prestadas pela, entretanto falecida, cabeça de casal.
Tendo-se concluído que a herança não obteve qualquer receita proveniente do uso da casa pelo réu e não estando em causa a realização de despesas relativas a tal prédio, não poderá considerar-se que a obrigação de prestação de contas abranja a administração do aludido bem, dado inexistir qualquer verba de receita auferida ou de despesa efetuada a indicar.
O valor locativo do mencionado prédio urbano, embora tenha sido determinado e conste da factualidade provada, só poderia ser considerado como receita, no âmbito da prestação de contas, caso tivesse sido efetivamente recebido pelo administrador, o que não sucedeu no caso presente.
Neste sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2013, (relator: Tavares de Paiva), proferido na revista n.º 5372/04.5TBGMR-A.G1.S1 - 2.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se considerou o seguinte: O valor locativo como valor (de mercado) de utilização do imóvel só pode ser considerado como receita para efeitos de prestação de contas, a que alude o n.º 1 do art. 1014.º do CPC, se o administrador auferir de facto esse valor como rendimento do prédio.
Não se tratando de uma receita auferida, mas de uma verba suscetível de ser obtida em resultado de uma eventual utilização do prédio como meio de produção de rendimentos, o valor locativo do imóvel não deverá ser considerado para efeitos de prestação de contas. Acresce que a apreciação da administração do prédio, da qual resultou o uso exclusivo do bem por um herdeiro, em detrimento da respetiva utilização como meio de produção de rendimentos da herança, consiste numa questão que extrapola o objeto da ação de prestação de contas, nos termos definidos no citado artigo 941.º.
Daqui não decorre que os autores não tenham, eventualmente, direito a ser indemnizados pelo uso exclusivo da casa pertencente à herança por parte de um herdeiro; porém, tal questão, extrapolando o objeto da ação de prestação de contas, deve ser decidida no âmbito de uma ação declarativa com processo comum, conforme considerou a decisão recorrida.
Improcede, assim, a apelação.


Em conclusão:
I - A determinação de rendimentos eventualmente deixados de auferir em resultado da administração efetuada não integra o objeto da ação de prestação de contas;
II - O valor locativo de uma casa de habitação pertencente a herança só pode ser considerado como receita, no âmbito da prestação de contas, caso tenha sido efetivamente recebido pelo administrador;
III - Tendo-se concluído que a herança não obteve qualquer receita proveniente do uso da casa, utilizada em exclusivo por um herdeiro, e não estando em causa a realização de despesas relativas a tal prédio, não poderá considerar-se que a obrigação de prestação de contas abranja a administração do aludido bem;
IV - Não se tratando de uma receita auferida, mas de uma verba suscetível de ser obtida em resultado de uma eventual utilização do prédio como meio de produção de rendimentos, o valor locativo do imóvel não deverá ser considerado para efeitos de prestação de contas.


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.

Évora, 19-12-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
José António Moita