PROVA PERICIAL
OBJECTO DA PERICIA
Sumário


Sumário (da relatora):

I. Uma diligência de prova só será impertinente (e deverá, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.

II. O objecto da perícia é constituído por questões de facto que sejam relevantes para a decisão final de mérito, segundo as várias soluções plausíveis de direito; e, por isso, a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais, como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles primeiros.

III. O direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial não deve precludir com a dispensa da audiência prévia pelo juiz, já que um tal entendimento faria prevalecer uma interpretação do CPC excessivamente formal (face à ausência de uma previsão expressa da lei para esta hipótese), ao arrepio do seu pretendido paradigma (de uma justiça cada vez mais material, à qual se justifica sacrificar os eventuais actos de programação da audiência final que, deste modo, venham a ficar prejudicados).

IV. Sendo o objecto legal da prova pericial a percepção ou apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, deverá a mesma ser indeferida - por impertinente ou desnecessária - quando essa percepção ou apreciação esteja, completa e seguramente, ao alcance do julgador.

V. Para admissão da prova pericial não se exige que a mesma seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto (isto é, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos); poderá ser apenas a prova preferencial, face ao objecto do litígio.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. (…) e (…) (aqui Recorrentes), residentes em(…), em França propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) (aqui Recorrida), residente na Rua (…) , em Barcelos, pedindo que

· a Ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 60.221,73 (sendo € 56.716,20 a título de capital, e € 3.505,53 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, contados até à data de propositura da acção), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados sobre € 56.716,20, desde o dia posterior à entrada em juízo dos autos e até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, tendo constituído seu procurador A. L., marido da Ré, veio o mesmo a vender em seu nome, em 04 de Setembro de 1998, um prédio misto de que eram proprietários, pelo preço de Esc. 15.000.000$00.

Mais alegaram que, dizendo-lhes A. L. que depositara essa quantia em instituição bancária, e que a mesma se encontrava a vencer juros, certo é que, interpelado para a devolver, apenas lhes entregou em 08 de Abril de 2015 a quantia de € 40.000,00, não mais lhes satisfazendo o remanescente de capital em falta, nem os respectivos juros.

Alegaram ainda os Autores que, mercê do exposto, intentaram contra A. L. uma acção especial de prestação de contas, sendo o mesmo aí condenado a pagar-lhes a quantia de € 56.716,20, o que ainda não fez.

Por fim, os Autores alegaram terem direito a obter a condenação da Ré (M. M.) a satisfazer-lhes tal montante, por a mesma ser casada com A. L. sob o regime de comunhão de adquiridos; e a quantia em causa ter sido usada em proveito comum do casal, nomeadamente para custear obras na sua residência e despesas normais do seu agregado familiar.

No final da sua petição inicial, e sob a epígrafe «PROVAS», os Autores requereram «perícia singular ao prédio urbano propriedade da ré e do seu marido».

1.1.2. Regularmente citada, a (M. M.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ainda os Autores condenados como litigantes de má-fé.
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa, nunca ter ela própria, ou o seu marido, alguma vez tirado proveito do valor que foi confiado pelos Autores a este último, tendo o casal levado sempre uma vida frugal, e tendo eles próprios custeado as pequenas obras que foram realizando ao longo dos últimos anos na sua moradia.

1.1.3. Os Autores (M. C. e R. C.) responderam, reiterando o seu pedido inicial, e impugnando o que em contrário fora alegado na contestação.

1.1.4. Proferiu-se despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da acção em € 60.221,73; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio («apreciar a responsabilidade da ré (…) pelo pagamento, aos autores (…), do montante de € 56.716,20 (…), proveniente da venda do prédio misto», nomeadamente se «a) A ré sabia que o seu marido se apropriou da quantia de € 56.716,20, proveniente da venda do prédio misto, (…) da titularidade dos autores, no que consentiu ?», e «b) Tal quantia foi utilizada em proveito comum do casal constituído pela ré e A. L. ?»); enunciando os temas da prova (deles nomeadamente constando «2. A quantia de € 56.716,20 foi utilizada pela ré e pelo seu marido na aquisição de um veículo automóvel de marca Nissan, no ano de 1999 ?», «3. (…) na pintura da casa de morada de família de ambos, no ano de 1999 ?», «4. (…) na construção de uma marquise em vidro e alumínio, no jardim da habitação, no ano de 2002 ?», «5. (…) na construção de uma churrasqueira e na pavimentação do chão da área do jardim da habitação, no ano de 2013 ?»); apreciando os requerimentos probatórios das partes, nomeadamente indeferindo a realização da perícia requerida pelos Autores, lendo-se a propósito no mesmo:

«(…)
Requereram os autores a realização de perícia ao prédio urbano propriedade da ré e do seu marido, sem, contudo, indicarem em concreto o respetivo objeto, limitando-se a mencionar «aquando da audiência prévia (…) indicarão as questões de facto a que o perito deve responder».
De acordo com o disposto no artigo 475.º, n.º1, do Cód. Proc. Civil, «ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência» (negrito e sublinhado nossos).
No presente caso, ao requererem a referida perícia, os autores não indicaram o respetivo objeto, nem enumeraram as questões de facto que pretendiam ver esclarecidas através da diligência, pelo que se rejeita a perícia requerida.
Acresce que, para a avaliação e perceção da matéria de facto que se mostra controvertida não são necessários conhecimentos especiais que o julgador não possua.
Daí que haveria sempre lugar ao indeferimento liminar de tal perícia, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 388.º, do Cód. Civil.
(…)»

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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Autores (M. C. e R. C.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido e se revogasse a decisão recorrida (sendo substituída por outra, ordenando a realização de prova pericial).

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1.ª - O despacho impugnado merece reparo porque, ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, os recorrentes especificaram qual seria o objeto da perícia logo que requereram a sua realização
- vd. n.º 1 do art.º 475.º do CPC

2.ª - Com o devido respeito, o Tribunal fez uma errada interpretação do n.º 1 do art.º 475.º do CPC, porque no momento em que foi requerida a realização de prova pericial não seria exigível aos recorrentes a enunciação das questões de facto que pretenderiam ver respondidas pelo perito: além de não estar previsto nenhum momento processual que seja por si preclusivo, para as partes requererem a perícia, os recorrentes sempre poderiam alterar o seu requerimento probatório na audiência prévia - se a esta houvesse lugar - ou nos 10 dias posteriores à notificação do despacho saneador
- vd. n.º 1 do art.º 598.º do CPC

3.ª - No caso, tendo sido dispensada a realização de audiência prévia, só com a notificação do despacho saneador é que os recorrentes tiveram conhecimento dos temas de prova e só nesse momento estariam em condições de enunciar os factos sobre os quais pretendiam que incidisse a perícia.
- vd. art.º 596.º do CPC

4.ª - A não ser assim, ficaria sem aplicabilidade prática o estatuído no regime de produção de prova pericial, que determina que “a perícia pode reportar-se quer aos factos articulados pelo recorrente, quer aos alegados pela parte contrária” e violar-se-ia o direito fundamental à produção de prova
- vd. n.º 2 do art.º 475.º do CPC
- vd. Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 646/2006 e 934/96

5.ª - Porque tiveram os recorrentes o cuidado de explicar que em sede de audiência prévia indicariam as questões de facto a serem respondidas pelo perito, o Tribunal, ao invés de ter rejeitado a realização da perícia: deveria ter ordenado a notificação dos recorrentes para, no prazo de 10 dias, apresentarem os respetivos quesitos; ou proferido despacho pré-saneador; ou, no mínimo, ter convocado a realização da audiência prévia para suprir essas insuficiências e para, após debate, determinar a tramitação adequada às especificidades da causa
- vd. nºs 2 e 4 do art.º 590.º, al. e) do n.º 1 do art.º 591.º e art.º 517.º do CPC

6.ª - Também merece reparo a decisão do Tribunal porque a realização da prova pericial mostra-se necessária à luz da lei substantiva e pertinente ao conhecimento da matéria controvertida: não apenas porque os factos em causa não são suscetíveis de prova testemunhal e/ou documental, como não existem quaisquer elementos no processo que permitam ao Tribunal compreender a dimensão dos mesmos, como ainda pelo facto de o Tribunal não ter demonstrado dispor de conhecimentos técnicos e especializados sobre construção civil e orçamentação
- vd. Ac. do TRG, de 30.11.2017, proc. 351/15.0T8MAC-H.G1 - vd. n.º 1 do art.º 476.º do CPC
- vd. art.º 388.º do CC
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1.2.2. Contra-alegações

A (M. M.) não contra-alegou.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelos Autores (M. C. e R. C.), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao indeferir a perícia por falta de indicação do respectivo objecto ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao considerar que «a avaliação e perceção da matéria de facto que se mostra controvertida» não exige conhecimentos técnicos especiais que o julgador não possua ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Direito à prova - Prova Pericial

4.1.1. Direito à prova

Lê-se no art. 342.º do CC que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º do CC, e art. 414.º do CPC).
«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207), corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP. (1)
Precisa-se, porém, que incumbe ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7.º, n.º 4 do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411.º do CPC).
O tribunal deverá, ainda, assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art. 4.º do CPC) - emanação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC) - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
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4.1.2. Definição de prova pericial

Lê-se no art. 388.º do CC que «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam».

Deste modo, a prova pericial «traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).

Assim, a «nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas poder trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 576, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que a «prova pericial tanto pode visar a perceção indiciária de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos [maxime, os livros e documentos de suporte da escrita comercial e os documentos electrónicos] ou o reconhecimento de assinatura, letra (art. 482), data, alteração ou falta de autenticidade de documento» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 294).

O perito é, assim, uma «pessoa qualificada», e exerce a sua actividade «sobre dados técnicos, sobre matéria de índole especial», por isso se afirmando que «o perito maneja uma experiência especializada», dando ao «juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica». A sua função é a de «mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, págs. 168, 169 e 181).

Reitera-se, deste modo, que o «traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, págs. 175 e 176, com bold apócrifo).

Concluindo, a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova», sendo que no primeiro caso [factos] visa «a afirmação de um juízo de certeza sobre os» factos «ou circunstâncias» (v.g. perícia sobre ADN de alguém), no segundo [máximas da experiência] visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (v.g. actuando o perito nos «mesmos moldes» que «o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. Artigo 492º, nº 1 do Código de Processo Civil»), e no terceiro [prova sob prova] visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (v.g. «exame grafológico» ou «tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita») (Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem).

Requerida a perícia, será a mesma requisitada «a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria da causa» (art. 467.º, n.º 1 do CPC).

Será, porém, realizada por mais de um perito, até ao número de três», quando «o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas», ou quando «alguma das partes» requeira «a realização de perícia colegial» (art. 468.º, n.º 1 o CPC).
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4.1.3. Objecto da prova pericial - Pressupostos de (in)deferimento

Lê-se no art. 341.º do CC que as «provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos», precisando de forma conforme o art. 410.º do CPC que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» (alterando-se a redacção do art. 513.º do revogado CPC - onde se lia que «a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova» -, mas não o seu sentido último).

Mais se lê, no art. 475.º do CPC que, ao «requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões que pretende ver esclarecidas através da diligência» (n.º 1), podendo a perícia «reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária» (n.º 2).

Entende-se, assim, que o «objeto da perícia é constituído por questões de facto que sejam condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou exeção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis de direito»; e, por isso, «a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 208, pág. 539). (2)

Logo, não constitui fundamento de indeferimento de prova pericial a circunstância de o objecto proposto para a mesma não se sobrepor aos temas da prova, ou mesmo aos factos essenciais alegados nos articulados (Ac. da RP, de 12.06.2014, Processo n.º 1/10). Importa, sim, que se reporte a matéria «com interesse para a solução jurídica da causa» (Ac. da RG, de 19.02.2013, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 3984/10.7TBBCL-C.G1).

Lê-se ainda, no art. 476.º do CPC, que se «entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição» (n.º 1), e incumbindo ainda àquele, «no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade» (n.º 2) (3).

Cabe, assim, ao juiz a fixação definitiva do objecto da perícia, tendo nomeadamente presentes os factos contidos nos temas da prova enunciados.

Recorda-se, porém, que o «requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia» (art. 598.º, n.º 1 do CPC), face nomeadamente à enunciação dos temas da prova que aí tenha lugar (arts. 591.º, n.º 1, al. d) do CPC).

É discutível o âmbito desta admissível alteração do prévio requerimento probatório. Com efeito, e numa interpretação (do art. 598.º, n.º 1 citado):

. ampla - defende-se que, deixando apenas de fora a prova documental (com um regime de proposição e admissão próprio, conforme arts. 423.º a 425.º, do CPC), toda a prova constituenda (isto é, a que se produz no processo) poderá ser substituída ou aditada. «O requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 208, pág. 704). (4)
. mais restrita - defende-se que apenas poderão ser alterados os meios de prova já antes apresentados.

Discute-se ainda se esta possibilidade de posterior alteração do requerimento probatório deve igualmente ser concedia às partes quando a audiência prévia não se realize, por ter sido dispensada pelo juiz (art. 593.º do CPC), uma vez que a lei não a prevê para aquela hipótese.
Dir-se-á que, na ponderação a realizar a propósito, cremos que o direito à prova (como concretização do direito fundamental de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20.º da CRP) deverá prevalecer sobre a salvaguarda da programação da audiência final que então seja realizada pelo juiz (eventualmente prejudicada, com a dita alteração do requerimento probatório inicial, com o inerente prejuízo da celeridade processual).
Além desta interpretação da lei mais conforme à Constituição, pondera-se ainda a identidade de razões que poderão estar subjacentes àquela possibilidade, em sede de audiência prévia e fora dela, nomeadamente o facto de ser nesse momento processual que se procede à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova (arts. 591.º, n.º 1, al. f), 593.º, n.º 1, al. c) e 596.º, n.º 1, todos do CPC), aos quais se pretende que os requerimentos probatórios melhor se adeqúem estão.
Por fim, atende-se ao facto de normas «como as que fazem coincidir a preclusão com a prática dum acto ou com o termo, ou certo momento, duma diligência determinada (exs.: art. 3-4; art. 198-1; art. 199-1, l.ª parte; art. 200-2; art. 358-1; arts. 588-3, 611-1 e 729-g; art. 423-2) revestem carácter específico», pelo que, na «falta duma norma dessas, nenhuma norma processual geral impõe a preclusão» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª edição, Gestelegal, Outubro de 2017, pág. 206).
Opta-se, assim, pela não preclusão do direito das partes à alteração do requerimento probatório com a dispensa da audiência prévia, aplicando por identidade de razão ou por analogia o disposto no art. 598.º, n.º 1 do CPC, já que o entendimento contrário faria prevalecer uma interpretação do CPC excessivamente formal (perante a ausência de uma previsão expressa da lei para esta hipótese), ao arrepio do seu pretendido paradigma (de uma justiça cada vez mais material, à qual se justifica sacrificar os eventuais actos de programação da audiência final que, deste modo, tenham que vir a ser rectificados). (5)
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Dir-se-á ainda, face ao disposto no art. 476.º, n.º 1 citado [o juiz, se «entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, (…) ouve a parte contrária sobre o objecto proposto], que se contam entre os pressupostos de deferimento da perícia a sua pertinência para o objecto da prova a produzir (os factos contidos nos «temas da prova enunciados», ou os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art. 5.º do C.P.C.), e o seu carácter não dilatório.

Precisando, então, a «pertinência» para o objecto do processo, dir-se-á que, na sua decisão de admissão, ou de não admissão, deste meio de prova (como de qualquer outro), «o Tribunal (…) deve ter sempre presente a ideia de que, na admissão dos meios de prova, não pode rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto» (Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo nº 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta).

Com efeito, o que a lei, cautelarmente, lhe impõe é que apenas recuse a diligência probatória em causa se entender que a mesma é impertinente (art. 6.º, n.º 1 do CPC), deferindo-a se entender que não é impertinente (art. 476.º, n.º 1 do CPC): o juízo de certeza, para a rejeição, terá de ser o da impertinência, bastando porém para a admissão que aquele não se verifique, isto é, que seja apenas verosímil a pertinência da diligência probatória requerida.

Logo, «não pode entender-se que uma diligência de prova é impertinente se o facto que com ela se pretende provar - ou efectuar a respectiva contra prova - pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não o prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa» (Ac. da RG, de 20.10.2011, Carlos Guerra, Processo n.º 3361.0TBBCL-B.G1). (6)

Precisando agora a natureza «não dilatória», dir-se-á que, necessariamente, qualquer diligência de prova implica a dilação do subsequente fim do processo, pelo que não pode a lei ter aqui querido impedir esse natural protelamento, mas sim querido impedir o deferimento de diligência prova que apenas tivesse esse propósito.

Com efeito, não só o Tribunal está proibido de «realizar no processo actos inúteis» (art. 130.º do CPC), como deve «dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, (…) recusando o que for (…) meramente dilatório» (art. 6.º, n.º 1 do CPC), desse modo actuando o seu dever de gestão processual, aqui claramente em nome do princípio da economia processual.
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4.1.4. Valor da prova pericial

Lê-se no art. 389.º do CC que a «força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal»; e lê-se no art. 489.º do CPC que a «segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal».

«Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 583).

Pondera-se, a propósito, que «o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as prova produzida, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocada pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, págs. 183 e 184).

Precisa-se, porém, que, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.

Com efeito, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs.. 262-263, com bold apócrifo).

Logo, o «juiz, querendo responder, num certo sentido, a determinados pontos de facto controvertidos, relativamente aos quais o relatório pericial inculca uma resposta diferente, deverá naturalmente analisar criticamente as restantes provas (…) e mostrar, até certo ponto, que as razões invocadas pelos peritos para lograr determinadas respostas não são convincentes à luz do quadro mais geral de certas provas, que terão inculcado na mente do julgador uma diferente convicção» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 560). (7)

Deverá, assim, reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal); mas, se em abstracto, se concede que nem sempre a razão estará do lado do maior número, há que igualmente admitir a possibilidade de um perito ser induzido em erro (8).

Enfatiza-se que, resulta de novo aqui, implicitamente, que para admissão da prova pericial não se exige que a mesma seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto (isto é, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos); poderá ser apenas a prova mais natural ou preferencial, face ao objecto do litígio (9).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.2.1. Concretizando, verifica-se que, pretendendo os Autores obter a condenação da Ré no pagamento de determinada quantia - por a mesma ser alegadamente sua propriedade e o marido daquela se ter abusivamente apropriado dela, gastando-a em benefício comum do casal -, discriminaram as despesas que a mesma teria pago em benefício daqueles, nomeadamente as obras por eles realizadas na sua residência.

Mais se verifica que, logo na sua petição inicial, os Autores requereram «perícia singular ao prédio urbano propriedade da ré e do seu marido», esclarecendo expressamente que «aquando da audiência prévia os autores indicarão os pontos de facto a que o perito deve responder».

Dir-se-á assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que os mesmos deixaram desde logo incipientemente indicado o objecto da dita perícia, isto é, o prédio urbano onde os Réus têm a sua residência.

Dir-se-á ainda que, não tendo porém enunciado desde logo «as questões de facto que pretenderiam ver esclarecidas através da diligencia», podendo fazê-lo (v.g. qual o custo de cada uma das obras que antes tinham discriminado, como tendo sido realizadas na dita residência), certo é que a sua concreta redacção poderia vir a ser influenciada pela posição que a Ré viesse a tomar na sua contestação; e anteviam como legalmente possível fazê-lo em momento posterior, isto é, na audiência prévia que viesse a ser realizada (já que, se nela poderiam requerer a realização de prova pericial antes de todo omitida, mais se justificaria que completassem a indicação do objecto daquela que já antes tinham peticionado).

Verifica-se ainda que, tendo o Tribunal a quo dispensado a realização da dita audiência prévia, e considerado que não fora devidamente indicado o objecto da prova pericial requerida, veio a indeferi-la com este preciso fundamento: «(…) ao requererem a referida perícia, os autores não indicaram o respetivo objeto, nem enumeraram as questões de facto que pretendiam ver esclarecidas através da diligência, pelo que se rejeita a perícia requerida» (bold original).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, crê-se que, ainda que defendesse a impossibilidade de alteração de prévio requerimento probatório fora do âmbito de uma audiência prévia, o Tribunal a quo deveria ter permitido - nomeadamente, nos termos dos arts. 6.º e 411.º, ambos do CPC -, que os Autores completassem então a indicação do objecto da perícia antes impetrada, enunciando naquele momento as questões de facto que se destinariam a ser por ela esclarecidas (por só então conhecerem a posição da Ré face à sua pretensão, e quais os factos relevantes para o respectivo sucesso ainda controvertidos); e desse modo impedindo que os mesmos se vissem prejudicados por uma decisão - de dispensa de audiência prévia - que não poderiam de todo influenciar.

Mostra-se, assim, procedente o primeiro fundamento do recurso de apelação interposto pelos Autores, considerando-se que, se na sua petição inicial não indicaram sobejamente o objecto da perícia (limitando-se a afirmar que era um prédio urbano, no caso o que serve de residência à Ré), o direito de o fazerem não se mostrava precludido quando o Tribunal a quo lhes indeferiu aquela prova (utilizando precisamente para esse efeito aquela sua inicial omissão).
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4.2.2. Concretizando novamente, verifica-se que: na definição do objecto do litígio, o Tribunal a quo considerou integrar o mesmo a questão de saber se a quantia que os Autores reclamam da Ré «foi utilizada em proveito comum do casal constituído» por ela e por A. L.; e a enunciação dos temas da prova coincidiu com o saber se a «quantia de € 56.716,20 foi utilizada pela ré e pelo seu marido» «na pintura da casa de morada de família de ambos, no ano de 1999», «na construção de uma marquise em vidro e alumínio, no jardim da habitação, no ano de 2002», «na construção de uma churrasqueira e na pavimentação do chão da área do jardim da habitação, no ano de 2013», para além de outras «normais despesas do seu agregado familiar».

Mais se verifica que o Tribunal a quo considerou ainda que, «para a avaliação e perceção da matéria de facto que se mostra controvertida não são necessários conhecimentos especiais que o julgador não possua», acrescendo este argumento como fundamento do já decidido indeferimento da prova pericial impetrada pelos Autores.

Ora, e salvo novamente o devido respeito por opinião contrária, crê-se que, ainda que a realização efectiva das concretas obras de construção civil alegadas possa ser percepcionada directamente pelo Tribunal a quo (em inspecção judicial), ou demonstrada indirectamente por meio de prova pessoal ou de prova documental, certo é que a respectiva existência não esgota o ónus probatório que onera os Autores.

Com efeito, tendo os mesmos alegado que os meios económicos da Ré e do seu marido não lhes permitiam tais despesas, importará ainda determinar o efectivo custo das ditas obras realizadas na sua residência, sendo que para esse efeito a prova pericial se reveste de indesmentível pertinência. Assim, e não sendo a mesma a única disponível para este efeito, é por certo a preferencial, pelos conhecimentos técnicos que a determinação de um tal custo, à data, implica (a que, naturalmente se somam a maior isenção e certeza, face - pelo menos - à prova pessoal arrolada).

Compreende-se, assim, que já se tenha decidido que um «juízo de prognose sobre os limites da prova testemunhal e por declarações de parte e documental, que é a prova já oferecida, uma prevalência da liberdade de condução probatória das partes e um objectivo de alcance simples da verdade material, aconselham no caso concreto, à admissão da prova pericial requerida».

Ponderou-se então, de forma idêntica ao que aqui se expôs, que «ainda que aparentemente a matéria de facto a provar possa ser respondida pelo juiz mediante percepção directa (inspecção judicial) ou indirecta (por via de depoimentos testemunhais ou de fotografias) o apuramento de trabalhos por concluir e de defeitos de construção numa empreitada de grandes dimensões numa unidade fabril situada a grande distância do tribunal, e o apuramento das consequências da ultimação de tais trabalhos na laboração da empresa, aconselha a um exercício de prognose sobre a falibilidade das fotografias e sobre a incapacidade de concretização dos depoimentos testemunhais que justifica que, em vista duma agilizada gestão processual, da não excessiva oneração probatória das partes e da procura da verdade material, se repute a perícia requerida como o meio probatório mais adequado» (Ac. da RL, de 23.03.2017, Eduardo Petersen Silva, Processo n.º 425-16.0YIPRT-A.L1-6, com bold apócrifo).

Mostra-se, assim, procedente o segundo fundamento do recurso de apelação interposto pelos Autores, considerando-se não ser impertinente, nem dilatória, a perícia singular requerida pelos mesmos.
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Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, revogando-se o despacho recorrido (que indeferiu a prova pericial requerida na petição inicial), a fim de ser substituído por outro, que ordene a notificação dos Autores para virem completar a definição do objecto da perícia singular por eles impetrada, nomeadamente juntando a enunciação das questões de facto que pretendem ver esclarecidas com essa diligência.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores e, em consequência, em :

· Revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por um outro, ordenando a notificação dos Autores para virem completar a definição do objecto da perícia singular que impetraram, nomeadamente juntando a enunciação das questões de facto que pretendem ver esclarecidas com essa diligência.
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Sem custas da apelação, por os Recorrentes terem obtido vencimento, a Recorrida não ter contra-alegado, e dever-se exclusivamente à iniciativa do Tribunal a quo a prolação da decisão recorrida (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 05 de Dezembro de 2019.

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. A propósito do direito à prova como parte do direito à tutela jurisdicional efectiva, face a decisões do Tribunal Constitucional Português, vide Nuno Lemos Jorge, «DIREITO À PROVA: BREVÍSSIMO ROTEIRO JURISPRUDENCIAL», Julgar, N.º 6, 2008, págs. 99 a 106.
2. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 325, onde se lê que as «questões de facto objeto da perícia podem ter sido trazidas ao processo pelo requerente (ou um seu comparte) ou pela parte contrária»; e podem «igualmente constituir pontos de facto instrumentais, como tais não carecidos de prévia alegação, que sejam via para a prova dos factos principais da causa». Na jurisprudência, Ac. da RP, de 13.12.2013, José Igreja Matos, Processo n.º 2002/11.2TBVCD.P1.
3. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 326, onde se lê que a «determinação final do objecto da perícia é feita pelo juiz, ao qual compete excluir as questões de facto, propostas pelas partes, que julgue inadmissíveis ou irrelevantes, e acrescentar-lhe outras que considere necessárias».
4. Defendendo este entendimento amplo (na possibilidade de alteração do requerimento probatório inicial, em sede de audiência prévia), José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 645, onde se lê que, «proposta inicialmente apenas prova testemunhal, é lícito à parte requerer a prova pericial nos termos do art. 598-1»; ou Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2013, p. 519, onde se lê que a «alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento, que então se altera», sendo que esta «modificação pode, todavia, ser da mais diversa ordem, desde a ampliação do rol de testemunhas - dentro dos limites fixados por lei -, até à apresentação de diferentes meios de prova, passando pelo requerimento de notificação das testemunhas já arroladas»; ou ainda Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2016, Almedina, pág. 296, onde se lê que a possibilidade de alteração em causa «não parece conhecer restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração», incluindo-se, «naturalmente, a hipótese de requerer meios de prova não indicados inicialmente». Na jurisprudência (defendendo que a alteração do requerimento probatório na audiência prévia tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas, como a um aditamento de provas novas relativamente às já requeridas), Ac. da RL, de 15.09.2016, Ilídio Sacarrão Martins, Processo n.º 1130-14.7TVLSB-A.L1-8, Ac. da RL, de 23.03.2017, Eduardo Petersen Silva, Processo n.º 425-16.0YIPRT-A.L1-6, Ac. da RE, de 28.06.2017, Mário Coelho, Processo n.º 289/16.3T8FTR-A.E1, Ac. da RL, de 30.04.2019, José Capacete, Processo n.º 704/18.1T8AGH-A.L1-7, Ac. da RL, de 12.09.2019, Isoleta Almeida Costa, Processo n.º 4794/17.6T8SNT-A.L1-8, Ac. da RE, de 24.10.2019, Conceição Ferreira, Processo n.º 2457/18.4T8PTM-A.E1, ou Ac. da RP, de 07.11.2019, Paulo Dias da Silva, Processo n.º 3338/17.4T8AVR-A.P1.
5. No sentido aqui defendido (da possibilidade de alteração do requerimento probatório, ainda que a audiência prévia seja dispensada pelo juiz), José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 645, explicando que as partes deverão dispor para o efeito do prazo regra de 10 dias, contado da notificação do despacho previsto no art. 596.º do CPC; Rui Pinto, Notas Ao Código De Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, págs. 66 e 67, radicando a solução numa aplicação analógica do art. 598.º, nº 2 do CPC, ou num despacho de adequação processual, previsto no art. 593.º, n.º 2, al. b), aplicável ex vi do art. 592.º, n.º 2, ambos do CPC; Miguel Teixeira de Sousa, em «Questões sobre matéria da prova no nCPC», publicado em 01.03.2014, no blog do IPPC, onde igualmente defendeu que, por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, a alteração ao requerimento probatório inicial poderá «ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final»; ou Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª edição, Almedina, pág. 284. Na jurisprudência, Ac. da RC, de 15.01.2019, Jorge Arcanjo, Processo n.º 1178/16.7T8CLD.C1, Ac. da RL, de 30.04.2019, José Capacete, Processo n.º 704/18.1T8AGH-A.L1-7, ou Ac. da RE, de 24.10.2019, Conceição Ferreira, Processo n.º 2457/18.4T8PTM-A.E1. Contudo, em sentido contrário (não admitindo a alteração do requerimento probatório, fora do âmbito da audiência prévia), Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 327, nota 748; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2013, p. 518 e 519; ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 208, pág. 692, enfatizando-se aqui que essa possibilidade, «além de não estar prevista na lei, implicaria que ficasse prejudicado tudo quanto tivesse sido definido para a tramitação subsequente do processo, em especial quanto à programação e ao agendamento da audiência final». Na jurisprudência, Ac. da RL, de 04.10.2018, Laurinda Gemas, Processo n.º 4046/16.9T8OER-D.L1-2 (salvaguardando, porém, a possibilidade de alteração do requerimento probatório inicial face ao princípio da adequação formal, conjugado com os princípios do contraditório e da igualdade de armas - arts 3.º, 4.º e 547.º, todos do CPC -, dentro dos condicionalismos do caso concreto).
6. Reiterando-o, Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo nº 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta.
7. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 01.10.2015, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 40/12.7TBSBR.G1, onde se lê que «sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva». Ainda Ac. da RE, de 03.11.2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho, Processo n.º 232/10.3T2GDL.E1, onde se lê que as «conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos artigos 655º e 591º do Código de Processo Civil, quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção». Reiterando-o, Ac. da RE, de 09.03.2017, Albertina Pedroso, Processo n.º 81/14.0T8FAR.E1.
8. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 08.10.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 8264/09.8T2SNT.L2-6, onde se lê que, «se, por definição, o que está em causa [na prova pericial] é a apreciação de factos para a qual são necessários conhecimentos especiais que o juiz não possui, impõe-se concluir que para apreciar esses factos, o juiz irá fundamentar-se principal ou mesmo exclusivamente, nessa mesma prova, por ser a mais idónea para o efeito»; e se «tiver sido feita a peritagem por três peritos e vier a ocorrer divergência entre os mesmos, havendo o acordo de dois peritos sobre determinada matéria e estando o outro perito em desacordo, na normalidade das situações, é razoável que o juiz opte pelo parecer técnico que obteve maioria», já que «há maior probabilidade de acerto no caso de serem dois peritos a afirmar determinado facto, em relação à afirmação defendida apenas por um perito».
9. Neste sentido, Ac. TCAS, de 07.05.2015, Anabela Russo, Processo n.º 08577/15, onde se lê que, ainda «que se entenda que a perícia não é o único meio de prova através do qual se logra alcançar o valor de mercado de um imóvel, é seguramente aquela, quando realizada por perito avaliador, a que melhor assegura a valia dessa avaliação, atentos os qualificações, experiência e conhecimentos técnicos de que estes são dotados». Ainda Ac. da RG, de 02.02.2017, da aqui Relatora, Processo n.º 6420/14.6T8VNF-A.G1, onde se lê que a «prova pericial é, não só idónea, como natural ou preferencial para se apurar com rigor o valor de prédios urbanos e de veículos automóveis (por esse apuramento pressupor conhecimentos técnicos subtraídos ao indiferenciado julgador); e, por isso, não deverá ser recusada num litígio que tenha por objecto a determinação da alegada simulação de uma venda de tais bens».