MÚTUO BANCÁRIO
SEGURO
ATESTADO MÉDICO MULTIUSOS
Sumário


Sumário (do relator)

1. Na fase de recurso, os documentos objectivamente supervenientes destinados à prova dos factos essenciais alegados como causa de pedir devem ser admitidos, ao abrigo dos artºs 651º, nº 1, e 425º, CPC.

2. Devem também sê-lo, nos mesmos termos, os comprovativos de factos instrumentais daqueles, desde que também objectivamente supervenientes.

3. Tal junção pode ter lugar mesmo depois das alegações (se a superveniência só então ocorrer) e até ao fim do prazo para elaboração, pelo relator, do projecto de acórdão e início dos vistos aos juízes adjuntos (artº 657º, nºs 1 e 2).

4. Assim sucede quando, baseando-se a acção na alegada invalidez absoluta e permanente, designadamente para o trabalho, enquanto risco coberto na apólice de seguro que na sentença se julgou verificada mas a seguradora impugnou, naquele intervalo de tempo e já na fase de recurso a autora recorrida, até então de “baixa” por doença, foi sujeita à Junta Médica de Recurso da Caixa Geral de Aposentações e esta a declarou “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, conforme comunicação por ofício subsequente e cuja junção aos autos aquela logo requereu.

5. Não deve reapreciar-se e decidir-se a impugnação de pontos da matéria de facto quando, em concreto e de acordo com as circunstâncias do caso, eles se revelarem juridicamente inócuos para a solução da causa ou mérito do recurso. De contrário, levar-se-ia a cabo actividade processual (judicativa) inútil, logo proibida – artº 130º, CPC.

6. O chamado Atestado Médico Multiusos, instituído pelo Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro (alterado pelos nºs 174/97, de 19 de Julho, e 291/2009, de 12 de Outubro), serve como um meio de prova indirecta da incapacidade absoluta e definitiva alegada pela autora como causa de pedir, apesar do seu regime e finalidades específicos, designadamente quanto à sua reavaliação. Assim, a incapacidade nele verificada e declarada pelas autoridades de saúde, bem como a sua permanência e percentagem, constituem factos instrumentais dos alegados como essenciais.

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

(…), instaurou, em 30-11-2017, no Tribunal de Vila Real, ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM, contra a ré (…) com sucursal em Portugal.

Pediu a condenação desta a:

a) pagar ao chamado “… o valor correspondente ao capital em dívida dos empréstimos garantidos pelos seguros celebrados entre a autora e a ré, à data em que vier a ser proferida decisão nestes autos;
b) pagar à autora a diferença entre o capital referido em a) e o capital seguro à data da celebração dos contratos de seguro de vida, ou seja, €305.000,00, acrescida de juros remuneratórios pagos pela autora ao “…”, desde a data da verificação do sinistro até ao pagamento do capital seguro pela ré;
c) pagar juros de mora, contados à taxa legal sobre o capital devido à autora., desde a data da citação da ré, até integral e efectivo pagamento.

Requereu, simultaneamente, a intervenção principal provocada do referido “…”, com sucursal em Portugal.

Alegou, em síntese, na petição inicial, que celebrou com este Banco, em 10-04-2007 e 13-07-2009, três contratos de mútuo e, por exigência dele, dois contratos de seguro de vida individual com aquela ré (um, com o capital de 280.000,00€ e, outro, com o de 25.000,00€), garantindo o pagamento do valor seguro em caso de morte ou invalidez permanente, parte ao mutuante na medida do devido em função dos empréstimos e, a outra parte, aos herdeiros ou à pessoa segura, conforme o risco que viesse a ocorrer. Na ocasião da subscrição, limitaram-se a subscrever as propostas e os contratos (que considera de adesão e sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais do Decreto-Lei 446/85), nada mais lhe tendo sido lido nem informado, a não ser que as apólices cobriam o risco de morte e de invalidez permanente, só após a ocorrência do sinistro descrito lhe tendo a seguradora remetido as condições gerais e especiais.

Com efeito, no dia 15-09-2016, requereu a activação dos ditos seguros em virtude de lhe ter sido diagnosticada neoplasia mamária, que implicou mastectomia total bilateral, a que se associaram outras patologias e do que resultou uma incapacidade permanente global definitiva de 90%, impeditiva do exercício de qualquer profissão, além de outras graves limitações físicas na prática de muitos actos correntes do seu dia-a-dia.

O Banco mutuante chamado tem interesse igual ao da autora, na medida em que, como co-beneficiário do seguro, receberá parte do capital deste para solver o empréstimo.

Juntou documentos.

A ré, uma vez citada, contestou, impugnando parte da factualidade alegada, sustentando que o seguro efectuado, por opção da autora, é mais barato e apenas abrange a “invalidez absoluta e definitiva”, diferentemente de outro, mais caro, que também comercializa e abrange a “invalidez total e permanente”, asseverando que todo o clausulado foi comunicado e as condições entregues, mas que as patologias de que a autora padece não preenchem a definição estabelecida na apólice, nem o atestado médico junto tal demonstra, não estando a autora incapaz de exercer a sua profissão nem carente de assistência de terceira pessoa, sendo, aliás, aquelas susceptíveis de variação futura, que poderá ser para melhor.

Juntou documentos.

Não houve resposta.

Em subsequente despacho, foi decidido admitir a intervenção requerida e ordenada a citação da chamada, como associada da autora.

Logo se fixou o valor da causa, proferiu saneador tabelar, identificou o objecto do litígio (com reclamação da autora), enunciaram os temas da prova e apreciaram os requerimentos a tal destinados, ordenando-se a pericial.

Entretanto, o Banco citado interveio deduzindo articulado no qual aceitou alguma da matéria de facto pela autora alegada mas impugnou a demais, acrescentando que, tendo sucedido nos contratos de mútuo, não interveio na celebração deles, mas que, sendo efectivamente beneficiário irrevogável das apólices e se for reconhecido que o sinistro ocorreu e está coberto pelas mesmas terá direito de receber as quantias em dívida daqueles, devendo, pois, a acção ser julgada procedente ou improcedente conforme a prova que for produzida.

Juntou documentos.

Realizada a perícia Médico-Legal, designou-se data para a realização da audiência.

No decurso desta – realizada nos termos e com as formalidades narradas nas actas –, a autora deduziu ampliação do pedido (fls. 223 do processo físico) a que: “seja declarada a nulidade da cláusula incerta nos contratos de seguro correspondente ao artº 2º da cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva, considerando-se a mesma excluída dos contratos e procedendo-se à integração da mesma de acordo com a vontade das partes”.

Tal modificação foi indeferida (fls. 233) enquanto tal, mas, segundo o mesmo despacho, deferida “na prática”, pela razão e na medida em que o tribunal terá o dever de se pronunciar oficiosamente sobre a matéria da arguida nulidade.

Por fim, com data de12-06-2019, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

“Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar totalmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Condenar a ré “X Seguros de Vida, SA de Seguros Y ...” a pagar ao chamado “X, SA” o valor correspondente ao capital em dívida dos empréstimos garantidos pelos seguros celebrados entre a autora e a ré seguradora reportado à data da presente decisão;
b) Condenar a ré “X Seguros de Vida, SA de Seguros Y ...” a pagar à autora a diferença entre o montante de capital referido em a) e o capital seguro à data da celebração dos contratos de seguro - € 305.000,00 – acrescida dos juros remuneratórios pagos pela autora ao chamado “X,SA”, desde a data de verificação do sinistro até ao pagamento do capital seguro pela ré.
c) Condenar a ré “X Seguros de Vida, SA de Seguros Y ...” a pagar à autora os juros de mora, contados à taxa legal de 4%, sobre o capital devido à autora, referido em b), desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
*
Custas pela ré “X Seguros de Vida, SA de Seguros Y ...” (artigo 527º, nº1 e 2, do CPC).

*
Registe e notifique. ”

A ré seguradora, inconformada, apelou a que esta Relação revogue a sentença, tendo alegado e assim concluído:

“1) Considera a ora Recorrente que, face à prova documental e testemunhal produzidas, deveria ser diversa a resposta dada aos pontos 28º, 30º, 31º, 34º, 36º, 37º, 47º da sentença.
2) Para tanto basta recorrer ao testemunho do Dr. J. S., Médico, cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 36.57 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 11 de março de 2019:
3) Do Dr. E. C., Médico da Autora há mais de 20 anos, cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 18.48 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 18 de fevereiro de 2019.
4) Da Dra. A. S., Médica, cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 32.04 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 11 de março de 2019.
5) Do Dr. B. P., Médico cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 16.57 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 11 de março de 2019.
6) Da Dra. A. C., Médica do IPO do Porto e que acompanha a Autora, cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 20.06 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 4 de abril de 2019.
7) Da própria Autora, o qual se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 48.25 (sessão da manhã) e 00.00 a 17.15 (sessão da tarde) e que foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 18 de fevereiro de 2019.
8) Da Dra. C. R., Médica Psiquiatra, cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 22.47 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 04 de abril de 2019
9) Do Senhor Eng. Ernesto Mesquita que foi ouvido como testemunha e cujo depoimento se mostra gravado no sistema Habilus Media Studio, de 00.00 a 29.36 e foi prestado na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento do dia 18 de fevereiro de 2019.
10) Do depoimento destas testemunhas, conjugado com a restante prova documental junta aos autos, resulta que a resposta àqueles supra mencionados, factos deveria ser:
28 “Acresce que, previamente havia sido diagnosticado à A. uma doença osteoarticular degenerativa que lhe causou uma surdez quase total e definitiva à direita, doença que se tem agravado com o posterior problema oncológico.”
30 “A Autora sofria já, em data anterior à detecção do cancro mamário, de problemas de natureza depressiva com forte componente ansioso, os quais se agravaram com aquele.”
31 “A 8.09.2016, foi atribuída à A. uma incapacidade permanente de 90,37% através de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, incapacidade essa sujeita a revisão no futuro, nomeadamente, em 2021”.
34 “As limitações referidas em 33º dificultam a A. em tratar de parte da sua higiene pessoal, bem como de vestir determinadas peças de vestuário, sem a ajuda do seu marido, filho e outros familiares que disponibilizam a sua ajuda diária à A.”
36 “Atividades que sempre desenvolveu pessoalmente e que, em virtude das patologias de que padece, teve de entregar a sua execução a uma empregada doméstica que já trabalhava em casa da Autora em data anterior ao surgimento do problema oncológico.”
37 “A A. fruto da sua doença crónica, tratamentos de quimioterapia e radioterapia a que foi submetida, é vítima de um intenso stress que afeta actualmente a sua funcionalidade sóciolaboral e intrapsíquica, isto é, a sua capacidade de trabalhar e de se relacionar com familiares e amigos.”
47 eliminado.
11) As alterações à matéria de facto supra mencionadas levarão a que, como a Ré sempre defendeu, o sinistro participado se mostra, presentemente, afastado da cobertura contratual, independentemente da respectiva formulação que esta possa ter.
12) Facto é que, mesmo para a Autora, esta teria a noção de que o seguro cobriria situações em que uma pessoa deixasse de trabalhar, ficasse impossibilitada de trabalhar ou de exercer a sua profissão.
13) Dúvidas não restam que a própria Autora, independentemente da formulação da cobertura contratual, compreendeu e assumiu que, para o respectivo acionamento teria que ter uma incapacidade permanente e que a mesma teria que a impedir de exercer a sua actividade profissional.
14) Impossibilidade essa que haverá de ser, também ela, permanente e definitiva, sob pena de uma qualquer incapacidade permanente, independentemente do respectivo grau, permitir o acionamento da cobertura.
15) A Autora não está reformada, antes de baixa médica, a qual é sujeita a reavaliações.
16) O próprio Tribunal, em 11 de março de 2019, vd. ATA da sessão de Audiência de Discussão e Julgamento, inculca a ideia da importância desta situação, quando dá o seguinte Despacho:
“Sem prejuízo da data da data que se designará para a continuação do julgamento, fica também notificada a Autora, caso tal circunstância se venha a verificar, para que junte aos autos actualizada documentação, relativa à sua situação de baixa médica visto que a mesma de acordo com a prova que se produziu expirará no próximo mês de abril de 2019.”
17) É o próprio Tribunal que assume a relevância, pelo menos probatória, do desfecho da situação referente à baixa médica em que a Autora se encontra.
18) As testemunhas inquiridas e cujos depoimentos supra se elencaram são unânimes na prematuridade da decisão proferida no âmbito do Atestado Multiusos.
19) Foi cabalmente explicitado, mostrando-se inclusivamente junto aos Autos a Circular Normativa da Direcção Geral de Saúde, emitida em 22 de janeiro de 2009, da lavra do insuspeito Director-Geral da Saúde Prof. Dr. Francisco George, que explicita e bem os critérios a observar nas “…avaliações de incapacidades de pessoas com deficiência, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na Lei…”
20) O Atestado Multiusos que serve de fundamento à atribuição da incapacidade à Autora é por definição temporário nas suas premissas.
21) Fazer dele ou pretender que as suas conclusões se tornem definitivas quando o não são, não pode ser aceite, sob pena de se subverter todo o sistema de avaliação de incapacidades.
22) A resposta a dar ao pleito está pois na premissa enunciada, os segurados tenham ficado impedidos de trabalhar de forma permanente…e nada nos Autos permite essa conclusão em relação à Autora.
23) Por outro lado, convirá igualmente ter presente que a Autora estando de baixa médica, receberá o respectivo subsídio, não estando pois, como resulta aliás do facto provado 44º, em situação de incumprimento bancário.
24) Conforme se extrai igualmente do citado Acordão “…o seguro que a A. contratou visou, em primeira linha, a defesa do principal beneficiário e para este a morte ou a invalidez, equivalem-se sempre que isso signifique a perda de rendimentos que permitam o pagamento do capital e juros.”
25) Ora, não resulta dos Autos, nem sequer foi alegado, que no presente a Autora tenha tido qualquer perda de rendimentos.
26) Assim, e em conclusão dir-se-á que ao ter decidido como decidiu, violou a douta Sentença recorrida quanto dispõem, entre outros, os artºs 236º e 473º do Cód. Civil, as cláusulas contratuais dos contratos juntos e ainda as disposições atinentes ao Seguro de Vida previstas no Decreto-lei 72/2008 de 16 de abril.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA.”

A autora respondeu [1], salientando que a ré aceitou a decisão na parte em que esta julgou nula a discutida cláusula 2ª das Condições Contratuais, entendeu que, não obstante, subsiste o contrato de seguro e considerou este integrado com o sentido resultante do facto provado nº 20, não impugnado.
Subsequentemente, alegou que a pretendida alteração dos pontos nºs 28 e 30 é irrelevante na medida em que aquela não excepcionou (nem tal é de conhecimento oficioso) que tais doenças afastassem a sua obrigação por serem pré-existentes e nem sequer isto se verifica, pelo que o recurso nessa parte deve ser desconsiderado.
O mesmo alegou suceder em relação aos pontos 34 e 35 (este não impugnado), pois o âmbito ou grau das limitações não releva, excluída que foi a cláusula 2ª, para a caracterização da incapacidade da apelante como permanente e definitiva. De qualquer modo, o que da prova globalmente resulta é que está arredada a capacidade para o exercício da sua actividade profissional habitual).
É também irrelevante saber se a empregada doméstica já trabalhava antes em casa da recorrida (ponto impugnado 36), mas o que resulta da prova é que a prestação das empregadas domésticas aumentou significativamente com a doença.
Quanto aos pontos 31 e 37 (que reconhece serem os relevantes), enfatiza que o sentido da necessidade de reavaliação futura mencionada no atestado médico não comporta a hipótese de cura nem de eliminação das actuais incapacidades, como resulta da prova cujos meios e aspectos indica e dos demais factos apurados, de modo que não deve alterar-se qualquer desses pontos.
No que diz respeito ao ponto 47, sustenta tratar-se do que emana do próprio documento, não bastando para o infirmar que tenha sido genericamente impugnado.
No âmbito da matéria de direito, chama a atenção para o parágrafo 2, da cláusula 2ª, de acordo com o qual basta a duração da incapacidade por 6 meses para se considerar a mesma absoluta e definitiva e, portanto, ser reconhecida (não só pela própria seguradora mas também pelo tribunal) a responsabilidade.
Ainda assim, caso nesses termos não seja interpretada a cláusula, sempre a prova demonstra que a apelada está incapaz, física e mentalmente, para o exercício da sua actividade profissional de forma permanente e definitiva, irrelevando os argumentos em sentido contrário pela apelante tecidos sobre isso, conforme resulta do referido ponto de facto nº 20 à luz de que se formou a sua convicção sobre o âmbito da cobertura.
Por fim, contrapõe que o facto alegado pela apelante de a apelada receber subsídio de baixa médica ou vir a receber pensão de reforma integra questão nova e nem sequer consta como exclusão das coberturas, concluindo que deve o recurso ser julgado improcedente.

Foi este admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Entretanto, já nesta instância, pela autora apelada foi requerida a junção aos autos de documento emitido pela Caixa Geral de Aposentações comunicando-lhe que por Parecer da Junta de Recurso, realizada em 22-10-2019, foi considerada absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa apurar se:

a) Primeiro, deve ser deferida a controversa junção de documento requerida pela apelada.
b) Após, deve ser alterada, nos termos pretendidos e caso tal não se mostre irrelevante, a decisão da matéria de facto quanto aos pontos provados nºs 28, 30, 31, 34, 36, 37 e 48 (conclusões 1ª a 10ª).
c) Tais alterações “levarão” a que o sinistro esteja afastado da cobertura, independentemente da “formulação” que esta possa ter (conclusão 11ª), ou seja, tanto como ela resultava da apólice quando incluído o parágrafo 1º da Cláusula 2ª das Condições Especiais ou como o tribunal a quo a definiu na sentença (definição que a recorrente não questionou).
d) Mesmo na perspectiva da autora/apelada, segundo a qual estava convencida que bastava, para pode accionar a cobertura, ter uma incapacidade permanente e definitiva impeditiva do exercício da actividade profissional, ainda assim ela não está reformada mas apenas de “baixa”, não sendo a sua incapacidade definitiva mas apenas temporária (na medida em que sujeita a revisão), o que também afasta a responsabilidade da ré (conclusões 12ª a 22ª).
e) Não estando a autora em situação de incumprimento de qualquer dos mútuos (ou seja, estando “em dia” as prestações respectivas) e estando a receber o subsídio da “baixa médica” e, portanto, não se verificando qualquer perda de rendimentos, também não existe fundamento para accionar o seguro, sob pena de enriquecimento ilegítimo nos termos do artº 473º, CC (conclusões 23º a 25º).
f) Se, enfim, por violadora das disposições legais mencionadas, deve revogar-se a sentença (conclusão 26ª).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos:

- A A. contraiu em 10.04.2007, junto do “... Bank PLC”, cuja denominação social foi alterada na sequência da sua aquisição para “X, SA”, dois empréstimos no valor de € 264.860,42 e de € 15.139,58.
- As quantias mutuadas destinaram-se à autoconstrução da habitação própria da A. e do seu marido, Ernesto José Pimenta Mesquita.
- À data do pedido do financiamento junto do banco mutuante, este impôs, como condição da concessão dos dois mútuos, a celebração de um seguro de vida junto da seguradora por si integralmente participada e dominada, à data designada por “... Bank VIDA & PENSIONES – COMPANHIA DE SEGUROS, SA.”.
- E que, também por força da sua aquisição pelo grupo X, passou a ser designada por “X SEGUROS DE VIDA, SA. DE SEGUROS Y ...”.
- Assim, em cumprimento desta condição negocial, a A. e o seu marido, previamente à celebração dos contratos de mútuo, solicitaram junto da Ré a celebração de um contrato de seguro vida individual que cobrisse o pagamento do capital mutuado em caso de morte ou invalidez dos segurados.
- Adesão que foi aceite pela seguradora, pelo que a A., em 16.04.2007, celebrou com a Ré o seguro de vida individual titulado pela apólice nº 00050003017462/000.
- O seguro referido em foi celebrado com o capital de € 280.000,00, capital que se manteve e manterá inalterado durante a vigência do contrato.
- Tendo como garantia, no caso de morte ou invalidez permanente da pessoa segura, ou seja, da aqui A, o pagamento desse mesmo capital seguro.
- O citado contrato, referido em , tem como beneficiários o banco X, SA, relativamente ao capital em dívida dos mútuos à data do sinistro, e, quanto à parte restante do capital seguro, os herdeiros da pessoa segura, no caso de morte, ou a própria pessoa segura, no caso de invalidez permanente da mesma.
10º - Posteriormente, a A e seu marido, celebraram em 13.07.2009, um novo contrato de mútuo com o banco X, SA, mediante o qual este banco emprestou aos mutuários a quantia de € 25.000,00. Junta cópia do contrato de mútuo.
11º - Mais uma vez o banco mutuante exigiu a celebração de um seguro de vida que garantisse o pagamento do capital mutuado no caso de morte ou invalidez permanente dos mutuários.
12º - Por força do que a A., a 22.06.2009, celebrou um novo contrato de seguro de vida individual com a Ré seguradora.
13º - O seguro referido em 12º é titulado pela apólice nº 00050003036431/0000, celebrado com o capital de € 25.000,00, capital que se manteve e manterá inalterado durante a vigência do contrato.
14º - Garantindo, tal como o anterior, no caso de morte ou invalidez permanente da pessoa segura, ou seja, da aqui A, o pagamento desse mesmo capital seguro.
15º - O citado contrato tem também como beneficiários o banco X, SA, relativamente ao capital em dívida do mútuo à data do sinistro, e, quanto à parte restante do capital seguro, os herdeiros da pessoa segura, no caso de morte, ou a própria pessoa segura, no caso de invalidez permanente da mesma.
16º - As subscrições de ambos os seguros de vida, foram efetuadas ao balcão do banco que concedeu o empréstimo (X), sendo que, quer no ato da subscrição das propostas, quer no da subscrição dos contratos de seguro, os colaboradores do banco que atenderam a A., e seu marido, não leram as condições gerais ou especiais do seguro, nem lhes prestaram qualquer informação sobre as mesmas.
17º - Designadamente, sobre as coberturas e exclusões dos seguros.
18º - Referindo tão só que os seguros em questão cobriam os riscos de morte e de invalidez das pessoas seguras, e que se algum destes acontecimentos ocorresse relativamente a qualquer dos cônjuges, a seguradora pagaria a totalidade dos capitais seguros, porém sem que fosse explicada a cláusula que define o conceito de invalidez absoluta e definitiva, que integra a cobertura complementar do seguro de vida.
19º - Foi pois nestes pressupostos que a A. e marido aceitaram celebrar os seguros, limitando-se a subscrever as propostas de adesão e os contratos de seguro.
20º - Ficando a A. e seu marido convictos que tais seguros cobriam o risco da sua morte e da sua invalidez permanente.
21º - A A. tem 53 anos de idade, é licenciada pela UTAD, exercendo a profissão de professora do ensino básico desde 1991.
22º - Tendo sempre sido através do exercício desta profissão que a A. auferiu de forma exclusiva os seus rendimentos de trabalho.
23º - Em janeiro de 2016, através de um exame médico realizado no âmbito de um rastreio do cancro da mama efetuado no Centro de Saúde de Santa Marta de Penaguião, foi detetado à A. um nódulo num dos seios.
24º - Passados cerca de 15 dias, a A. foi contactada pela Liga Portuguesa Contra o Cancro, que lhe confirmou a existência de dois nódulos, um cada seio.
25º - Em consequência do que foi encaminhada para o IPO do Porto, que lhe diagnosticou uma neoplasia mamária bilateral, tendo ficado registada como doente dessa unidade hospitalar a partir de 18.02.2016.
26º - No seguimento desse diagnóstico, a A. foi submetida em 20/04/2016 a uma mastectomia total bilateral e biópsia de gânglio sentinela axilar bilateral.
27º - Tendo sido posteriormente submetida a várias sessões de quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia e consequentes exames e consultas de acompanhamento do seu estado clínico.
28º - Acresce que, posteriormente, foi igualmente diagnosticado à A. uma doença osteoarticular degenerativa que lhe causou uma surdez total e definitiva à direita, doença que se tem agravado com o problema oncológico.
29º - Acresce ainda que devido a um problema pré-existente na coluna, com o surgimento da doença oncológico a A. passou a padecer de uma lesão da coluna lombar.
30º - Consequência destes problemas de saúde, a A. passou a apresentar também um quadro depressivo que afeta a sua capacidade psíquica e inter-relacional em termos sociais e laborais.
31º - A 8.09.2016, foi atribuída à A. uma incapacidade permanente de 90,37% através de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso. [alterado abaixo]
32º - Em virtude do respectivo estado clínico, a A. não se sente com capacidade física e psíquica para voltar a exercer a sua actividade profissional de professora do ensino básico, bem como qualquer outra actividade profissional.
33º - Do mesmo modo, a A. ficou também limitada na vida pessoal diária, com limitações físicas em actos correntes do seu dia-a-dia, designadamente efectuar esforços, pegar em pesos, baixar e levantar os braços acima da cabeça.
34º - As limitações referidas em 33º impedem a A. de tratar de parte da sua higiene pessoal, tal como tomar banho, bem como de se vestir e calçar, sem a ajuda do seu marido, filho e outros familiares que disponibilizam a sua ajuda diária à A.
35º - Está igualmente impedida de tratar das lides domésticas que impliquem esforço físico, tais como fazer as camas, lavar e estender roupa, aspirar e outros trabalhos domésticos semelhantes.
36º - Atividades que sempre desenvolveu pessoalmente e que, em virtude das patologias de que padece, teve de entregar a sua execução a uma empregada doméstica que foi contratada para esse efeito. [alterado abaixo]
37º - A A. fruto da sua doença crónica, tratamentos de quimioterapia e radioterapia a que foi submetida, é vítima de um intenso stress que afeta de forma irreversível a sua funcionalidade sóciolaboral e intrapsíquica, isto é, a sua capacidade de trabalhar e de se relacionar com familiares e amigos.
38º - As limitações físicas da autora baixaram-lhe a autoestima, alegria e vontade de viver que sempre teve, relegando-a para um estado depressivo constante.
39º - A A. sente-se totalmente derrotada pela vida, vivendo num estado de permanente depressão e isolamento.
40º - Tal situação, física e psíquica, implica que a A. necessite da ajuda diária de terceiros, designadamente o seu marido, familiares e empregada doméstica.
41º - Por força da sua situação física e psíquica, a A. participou o sinistro à ré seguradora.
42º - Num primeiro momento fê-lo através do envio de um email datado de 15.09.2016 para o banco X, mediador da Ré.
43º - E, posteriormente, através de carta do seu mandatário, que obteve a resposta da Ré constante da carta de 12.10.2017, que informou a A. que não iria assumir o sinistro, porquanto, no seu entender, a invalidez que a afeta não se enquadra na definição de invalidez das condições especiais da apólice.
44º - A A. tem pago atempadamente as prestações dos empréstimos desde a data a verificação do sinistro até à presente data.
45º - Nos termos do artigo 2º da Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva do contrato de seguro em causa celebrado pela A. com a ré seguradora, “Entende-se por invalidez absoluta e definitiva da pessoa segura, o estado que a incapacite completa e definitivamente de exercer qualquer actividade remunerada que implique o recurso à assistência de terceira pessoa para efectuar actos ordinários da vida corrente, nomeadamente andar, alimentar-se ou vestir-se. O reconhecimento do estado de invalidez e absoluta e definitiva pela seguradora só se verificará se tal estado se mantiver pelo período mínimo de seis meses”.
46º - A A. foi sujeita a perícia médico-legal pelo IML, não tendo o Sr. Perito fixado qualquer incapacidade com o seguinte fundamento: “Não tendo sido atingida a consolidação médico-legal de algumas lesões, nomeadamente no que respeita ao Ca da mama e alterações do foro psicológico, não é fixável Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica”.
47º - Consultada pelo Neurocirurgião, Dr. A. V., o mesmo emitiu relatório, datado de 28.01.2019, no âmbito do qual propôs a atribuição de “IPP de 90,37% de acordo com o Atestado de Incapacidade Multiusos emitido pela ARS Norte em 8-9-2016, tendo sido valorizados o Cancro da Mama bilateral, a cofose, as alterações degenerativas da coluna e as suas repercussões radiculares”, correspondendo tal incapacidade à que lhe subsiste hoje.
48º - A 26.01.2019, a Dra. C. R., médica psiquiatra, que acompanha a A. em consulta de psiquiatria desde 2017, subscreveu uma “declaração” no âmbito da qual refere que a A. padece de “quadro sintomático compatível com Reacção de Adaptação com sintomatologia depressiva e ansiosa evidente, em contexto de doença física (oncológica), limitando-lhe significativamente a sua funcionalidade sóciolaboral e intrapsíquica (em particular a capacidade cognitiva e seu autoconceito)”, conforme decorre do documento de fls. 205, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”

Mais considerou como não provados os seguintes factos:

“i) A ré “X Seguros de Vida” não entregou à autora e ao seu marido cópia das condições gerais e especiais do seguro.
ii) Só posteriormente, após a ocorrência do sinistro, e após interpelação efetuada pelo mandatário da A, em 05.06.2017, é que a Ré remeteu cópia das referidas condições contratuais do seguro.
iii) A doença auditiva da autora impede-a de manter de ouvir ou manter uma conversação num ambiente em que existam ruídos de fundo, obrigando a que, nestes ambientes, a comunicação seja efectuada junto ao ouvido que não apresenta ainda problemas de audição.
iv) Esta incapacidade ao nível auditivo, isoladamente considerada, impede a A. de lecionar as suas aulas, pois o número elevado de alunos distribuídos pela sala, impedem-na de ouvir os comentários e intervenções dos mesmos, não conseguindo interagir de uma forma normal com os seus alunos.
v) Estas limitações físicas impedem também a A. de sair de casa sozinha, por não ser capaz de enfrentar o trânsito de pessoas e veículos.
vi) Sem ajuda de terceiros, a A. ficaria remetida ao seu leito, sem qualquer capacidade de tomar a iniciativa de tratar de si e desenvolver a sua vida de forma normal.”

Para assim decidir, o tribunal a quo expôs a seguinte motivação:

“Na formação da sua convicção, o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como a prova documental constante dos autos, de harmonia com o princípio consagrado no artigo 607º do CPC.
Assim, no que tange aos pontos 1º a 15º baseou-se o tribunal no acordo das partes, vertido nos respectivos articulados, atento o disposto no artigo 574º, nº2, do CPC, e também, complementarmente, no teor dos documentos de fls. 17-53, cujo conteúdo não foi posto em causa, tendo assim resultado incólumes após produção de prova em sede de audiência de julgamento.
No que se reporta aos pontos 16º a 20º teve o tribunal em consideração, desde logo, o depoimento da testemunha T. B., funcionária bancária com quem a autora e respectivo marido celebraram os contratos em causa nos autos.
Com efeito, de forma muito isenta, objectiva e sincera, a testemunha em apreço esclareceu que “só comercializavam aquele tipo de seguros”, isto é, os que estão em causa nos autos, sendo que não leu o respectivo clausulado, tendo dado como única explicação a propósito dos mesmos que cobririam “morte ou invalidez permanente”.
Além do mais, a testemunha em causa foi ainda mais longe, admitindo de forma absolutamente espontânea e cristalina que nem sequer tinha real formação para prestar melhores e/ou mais pormenorizadas explicações e informações.
Por conseguinte, e nessa sequência, ganharam para o tribunal especial relevância e credibilidade, no que a este ponto respeita, quer o depoimento da testemunha Ernesto Mesquita, marido da autora, quer as declarações de parte desta.
Com efeito, ambos reiteraram de forma veemente, mesmo após sujeitos a fortes e cruzadas instâncias, o mesmo que foi dito pela senhora funcionária bancária em causa, pelo que, face ao seu distanciamento relativamente à causa, o tribunal formou forte e segura convicção relativamente aos factos provados em referência.
A esta conclusão não obsta o depoimento da testemunha Nuno Monteiro, funcionário da ré seguradora, visto que o seu depoimento foi meramente genérico, sem intervenção directa no caso dos autos.
No que tange aos pontos 21º e 22º, o tribunal teve em consideração o teor do documento de fls. 59, cujo teor saiu também incólume em sede de audiência de julgamento, bem como no documento de fls. 79, do qual expressamente resulta a situação profissional da autora, sendo certo que tal factualidade não foi posta em causa por qualquer outro elemento de prova.
De resto, nenhuma testemunha ouvida em julgamento sequer questionou tal factualidade, motivo pela qual a mesma foi pacificamente dada como provada.
Isto posto, no que tange aos pontos 23º a 27º, o tribunal baseou-se no manancial documental constante de fls. 60-71, cujo teor não nos suscitou dúvidas, merecendo credibilidade atentas as entidades de onde são provenientes.
Além do mais, todo este itinerário percorrido pela autora, desde que foi diagnosticada a doença, passando pela cirurgia, até aos tratamentos, foi cabalmente confirmada pela autora e pelo seu marido, de forma muito sentida e na primeira pessoa, sem laivos de exagero ou hiperbolização da realidade.
Ademais, e em complemento, foram particularmente relevantes, nesta sede, os depoimentos das testemunhas E. C., médico de família da autora, e A. S., médica com longa carreira no IPO e amiga da autora, pois que ambos acompanharam muito de perto a situação daquela e são dotados de abundantes e solidificados conhecimentos médicos, merecendo os respectivos relatos credibilidade.
Já no que concerne à factualidade ínsita nos pontos 28º a 30º e 46º a 48º, estribou o tribunal a sua convicção no teor dos documentos de fls. 72 a 77, bem como no teor cujo teor do relatório pericial constante de fls. 170-172verso e nos relatórios de fls. 203-204verso e 205 cujo teor não nos suscitou dúvidas.
A este propósito, de resto, importa salientar que pese embora o Sr. Perito do IML, Dr. D. P., que subscreveu o relatório pericial junto aos autos e igualmente prestou esclarecimentos em sede de audiência final, não tenha concluído no sentido da fixação imediata de um qualquer grau de Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica, a verdade é que não podemos perfilhar a opção por si tomada.
Com efeito, mesmo tratando-se, como no caso, de analisar doença de foro oncológico, é nosso entender que uma perícia que se limite a postergar uma análise desta natureza, com fundamento na não consolidação médico-legal de algumas lesões, se afigura de utilidade reduzida para a resolução do caso concreto, visto que nada impedia que o Sr. Perito fixasse já uma incapacidade com base nas lesões que indubitavelmente já se consolidaram.
Por outro lado, e levado ao limite tal raciocínio, poderia dar-se o caso das sucessivas reavaliações, muitas delas meramente preventivas, a que tem de se sujeitar um doente oncológico, jamais permitissem um resultado pericial conclusivo, o que não se pode aceitar. Com efeito, e salvo o devido respeito, deveria o Sr. Perito ter fixado as incapacidades verificadas com base nos elementos já consolidados, admitindo ou deixando em aberto a possibilidade de uma maior depreciação ou melhoria.
Ademais, o mesmo reiteramos no que tange ao depoimento das testemunhas Dr. J. S. e Dr. B. P. que, na prática e no limite, acabam por imputar à própria autora o facto de ter participado o sinistro numa fase em que era “impossível dar um parecer definitivo”.
Ora, saliente-se mais uma vez que discordamos totalmente com este raciocínio, tanto mais que o próprio relatório do IML, implicitamente, admite, a contrario, a consolidação de parte das lesões (cf. fls. 172verso), ao passo que, igualmente, admite que, em casos de agudização, poderá haver um agravamento das queixas.
Nessa medida, é nosso entender que, face aos elementos disponíveis, como de resto sucede em tantas outras situações idênticas, era já possível alcançar uma solução segura, sem prejuízo de uma evolução futura de prognose favorável ou desfavorável.
Deste modo, para julgamento do caso, e não podendo o tribunal quedar-se por uma situação de non liquet, foram valorados os demais elementos médicos juntos aos autos, os quais têm um pendor objectivo, corroborado, de resto, pelos depoimentos de diversos médicos ouvidos em julgamento.
Efectivamente, neste particular, o tribunal valorou de forma especial o depoimento da testemunha Dra. A. C., médica oncologista que acompanha a autora no IPO do Porto.
Assim, num depoimento especialmente conhecedor da situação dos autos, a Sra. Dra. em causa logrou confirmar todas as consequências que a doença e seus tratamentos acarretaram para a autora, designadamente ao nível osteorticular, auditivo, dentário, cardiovascular e até psicológico.
No que tange ao aspecto depressivo e respectivas consequências, de resto, o tribunal valorou, uma vez mais, de forma relevante, o depoimento da testemunha Dra. C. R., médica psiquiatra que esclareceu de forma muito consistente quanto ao estado da autora, de resto, espelhado também nos respectivos relatórios.
Finalmente, foi valorado também o relatório assinado pelo Dr. A. V., neurocirurgião, que corroborou externamente o parecer dos seus colegas que subscreveram o Atestado Multiusos, e cuja valia científica não vislumbramos motivos para pôr em causa.
Ademais, no sentido da manutenção actual da situação de incapacidade atestada à autora não obsta, a nosso ver, a circunstância do atestado multiusos (e já não o relatório do Dr. A. V.) prever uma reavaliação futura, dado que da prova produzida nenhum elemento resultou que objectivamente pudesse permitir uma conclusão no sentido de que tal reavaliação venha a redundar na fixação de uma incapacidade inferior à já estabelecida.
Isto posto, no que tange ao ponto 31º, o tribunal baseou-se no teor do documento de fls. 78, aceite por todas as partes.
Já no que se reporta aos pontos 32º a 40º, o tribunal estribou a sua convicção na conjugação, entre si complementar, das declarações da autora, com os depoimentos do seu marido, Ernesto Mesquita, de Maria Rosa Mesquita (nora da autora), Maria de Lurdes Rendeiro (empregada doméstica da autora), Maria Luísa Mesquita (sobrinha da autora), Dr. E. C. (médico de família) Maria José Rendeiro (filha da referida empregada doméstica), Dra. A. S. (médica oncologista e amiga da família), Dra. C. R. (médica psiquiatra) e A. C. (médica oncologista).
Todas as pessoas referidas, efectivamente, contrariamente às demais arroladas, têm com a autora a maior das proximidades nas diversas dimensões da sua vida (íntima, familiar, doméstica, social e médica), demonstrando um conhecimento mais real e efectivo da sua situação, das suas limitações e sobretudo da sua incapacidade para a realização das mais ínfimas e básicas tarefas do dia-a-dia, daí se arredando, por maioria de razão, a capacidade para o exercício da sua actividade profissional habitual.
De resto, as dificuldades relacionais por vicissitude depressiva da autora estão muito bem espelhadas nas declarações de fls. 77 e 205, sendo que a própria Dra. C. R., expressamente referiu que não atestaria no sentido de que a autora regressasse à actividade profissional.
Ademais, a própria Dra. A. C. foi muito clara no sentido de que se o decurso do tempo sem recidivas vai diminuindo o seu risco, ao mesmo tempo os tratamentos prolongados (de quimioterapia, radioterapia, hormonoterapia e tratamento molecular, a que se associa necessariamente o avanço da idade) vão criando um conjunto sucessivo de condições de degradação da situação de saúde da autora, com o aparecimento de diversos problemas já mencionados e com repercussões físicas e psicológicas.
No que tange aos pontos 41º a 44º, o tribunal teve em consideração o acordo das partes vertido nos respectivos articulados, bem como nos documentos de fls. 81-82, correspondentes à correspondência trocada no âmbito da participação do sinistro.
Isto posto, para dar como provado o ponto 45º, o tribunal teve em consideração o teor do clausulado da Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva, constante de fls. 102, e cujo teor não foi posto em causa pelas partes ou por qualquer elemento de prova.
Já no que tange à factualidade dada como não provada é entender deste tribunal que, quanto à mesma, não se produziu prova cabal.
Com efeito, no que se reporta aos pontos i) e ii), o tribunal teve em consideração, uma vez mais, o depoimento da testemunha T. B., a qual nos mereceu grande credibilidade, tanto mais que admitiu, conforme supra se disse, não ter lido e explicado o clausulado dos seguros. No entanto, e do mesmo modo, esclareceu a sua forma de actuação tendo expressamente referido ter entregue a proposta e clausulado de seguro aos clientes.
Pela forma segura como depôs, a testemunha em apreço mereceu credibilidade, revelando, além do mais, conhecimento directo dos factos e não se coibindo de admitir a incompletude do seu próprio procedimento.
Por conseguinte, ficou seguro o tribunal no sentido de dar como não provados os pontos em apreço, tanto mais que, em nosso entender, a documentação constante de fls. 53-54, 57 e 58, só por si, não é idónea a demonstrar que a documentação não tenha sido entregue em momento oportuno (momento da celebração do contrato), mas tão só que foi solicitada (novamente) em momento posterior.
Finalmente, no que concerne aos pontos iii) a vi), sem embargo da factualidade que se deu como provada, maxime das limitações que, no entender do tribunal, inequivocamente a autora ficou a padecer em virtude do infortúnio de saúde com que se deparou, é nosso entender que quanto à factualidade agora em referência não foi feita prova cabal.
Com efeito, nenhuma testemunha foi arrolada que, com conhecimento directo dos factos, atestasse as repercussões do problema auditivo da autora nesse contexto, isto, obviamente, sem prejuízo das provadas limitações para o desempenho da sua actividade profissional.
Por outro lado, e também sem prejuízo das limitações que para a autora decorrem do estado depressivo em que inequivocamente se encontra mergulhada, não se apurou, especificamente, a nosso ver, que a mesma tenha deixado de sair sozinha de casa (pelo menos esporadicamente) ou que o efeito directo da sua depressão tenha passado por se prostrar na cama.
Isto não invalida, de todo o modo toda a factualidade dada como provada a propósito das mencionadas limitações, sendo certo que a prova daquelas não sai afectada pela não prova destas.”

IV. APRECIAÇÃO

Comecemos, então, pela controversa questão prévia.

Junção de documentos

No mesmo dia em que o presente recurso foi distribuído nesta Relação (06-11-2019), mas após tal acto, requereu a apelada a junção aos autos de um documento.

Trata-se de cópia certificada de um ofício emitido pela Caixa Geral de Aposentações e que lhe foi dirigido com data nele aposta de 28-10-2019, comunicando-lhe que, por Parecer da Junta de Recurso, realizada em 22-10-2019, foi considerada “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções” e que a sua desligação do serviço deverá ocorrer apenas na sequência da notificação do despacho em que será fixada a pensão de aposentação.

Além de invocar o disposto no artº 651º, CPC, alegou que tal decisão da Caixa é muito relevante para apreciação do mérito da questão objecto do recurso, por isso devendo ser considerada, e que, quer o facto a que a mesma se reporta (realização da Junta de Recurso) quer a sua comunicação (apenas recebida em 04-11-2019), ocorreram em datas posteriores ao termo do prazo para apresentação das alegações, pelo que só agora lhe é possível juntar tal documento, junção admissível face à jurisprudência que cita.

A apelante, uma vez notificada, respondeu: que “ignora, sem que tenha obrigação de conhecer, o teor e conteúdo do parecer da Junta Médica, o que equivale a impugnação” e salientando que se trata de “factos supervenientes” (objectivamente), produzidos depois do encerramento da discussão, pelo que não podem tais factos ser considerados, nem deve admitir-se a junção e deve, isso sim, ser dado provimento ao recurso em função da prova já produzida.

Será, então, admissível a requerida junção, nesta fase?

O Código de Processo Civil, na versão anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, dispunha, no nº 1 do artº 523º, que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, deviam ser apresentados com o articulado em que fossem alegados os respectivos factos.

Era também com os articulados eventualmente supervenientes que todas as provas deviam ser oferecidas – artº 506º, nº 5.

Se não fossem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podiam, ainda, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, com ou sem penalização (multa), conforme se provasse, ou não, a impossibilidade de o terem sido com aquele – artº 523º, nº 2.

Depois daquele momento processual, só eram admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tivesse sido possível até então – artº 524º, nº 1.

Além disso, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podiam ser oferecidos em qualquer estado do processo – artº 524º, nº 2.

Por sua vez, o artº 706º, previa, no seu nº 1, que as partes “podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artº 524º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”; no nº 2, que “os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes”; e, no nº 3, que “é aplicável à junção de documentos e pareceres, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 542º e 543º, cumprindo ao relator autorizar ou recursar a junção”.

Na versão resultante daquele Decreto-Lei nº 303/2007, mantiveram-se aquelas citadas regras decorrentes dos anteriores artºs 523º e 524º.

Porém, o novo e sucedâneo artº 693º-B (do anterior 706º), passou a dispor:

“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 524º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude de julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e f) a n) do nº 2 do artº 691º.”.

As situações excepcionais a que se referia, então, o artº 524º, eram, no caso de recurso:

i) os documentos cuja apresentação não tivesse sido possível até à data do encerramento da discussão em 1ª instância;
ii) os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, os quais podiam ser oferecidos em qualquer estado do processo.

Aditaram-se, pois, no artº 693º-B, às hipóteses contempladas no artº 524º e à de a necessidade da junção advir do julgamento proferido em 1ª instância, os “casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artº 691º”, ou seja, os de decisões das quais, excepcionalmente, também cabia apelação imediata.

Não se refere, ao contrário do que fazia o artº 706º, nº 2, anterior, até que exacto momento se podiam juntar os documentos (“os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes”). Diversamente, parece ter-se querido condicionar a admissibilidade a que a sua apresentação fosse feita com as alegações (“As partes apenas podem juntar documentos às alegações…”).

Nem, como dispunha o nº 3 daquele referido artigo, ali se expressaram quais as formalidades a observar e a quem compete autorizar a junção.

Perante ela, referia Abrantes Geraldes [2] que a jurisprudência, de que citou exemplos, “não hesitava em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” mas que, todavia, pode ocorrer a junção “quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”.

Ora, se na alínea e), do nº 1, do artº 700º, se esclarecia que competia ao Relator autorizar ou recusar a junção de documentos e pareceres e facilmente se entende como redundante qualquer outra referência às formalidades a observar (já que o contraditório e o procedimento estão assegurados em geral no artº 3º e em especial nos artºs 526º e 543º), criou-se e subsistiu a dúvida sobre se a junção tem como limite temporal a apresentação das alegações (“As partes apenas podem juntar documentos às alegações…”, como consta agora da letra da lei) ou o do início dos vistos aos juízes adjuntos (como dizia o anterior nº 2, do artº 706º).

No regime actual, decorrente da entrada em vigor do novo Código, dispõe-se, no nº 1, do artº 423º, que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os respectivos factos.

Assim como, no nº 5, do artº 588º, que é com os articulados eventualmente supervenientes que todas as provas são oferecidas.

O nº 2, do artº 423º, estabelece que, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem, ainda, ser apresentados até 20 dias antes da data da realização da audiência final, com ou sem sanção (multa), conforme se prove, ou não, a impossibilidade de o terem sido com aquele.

Depois daquele limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior – artº 423º, nº 3.

Além disso, depois do encerramento da discussão, só são admitidos – mas no caso de recurso – os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento – artº 425º.

Por seu turno, o actual artº 651º, inserto no âmbito da admissibilidade, processamento e regime do recurso de apelação, estabelece:

“1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425 ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
2. As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão.”

Assim, de acordo com o nº 1, com as alegações, as partes apenas podem juntar documentos nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º, ou seja, documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância e, bem assim, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento ali proferido.

Abolindo-se, portanto, a hipótese que decorria dos casos de apelação imediata presentemente contemplados no artº 644º, nº 2, voltou-se à situação anterior [3], restringiu-se apenas a jurisconsultos a autoria dos pareceres admissíveis e ao início do prazo para elaboração do acórdão a respectiva junção.

No entanto, ligando-se no artº 651º a junção de documentos à das alegações e referindo-se no artº 425º as hipóteses de junção “no caso de recurso” (sem qualquer baliza), não se resolveu, pelo contrário, parece até ter-se adensado, o problema, surgido como se disse com a formulação do artº 693º do anterior Código revogado, de determinar se a junção tem como limite temporal a apresentação das alegações ou o do início dos vistos aos juízes adjuntos.

Se, no caso da pretendida junção ser fundamentada na circunstância de ela se ter tornado necessária em virtude do julgamento realizado em 1ª instância, parece óbvio que, em princípio, ela deverá ser feita (ou, pelo menos, protestada) com as alegações, uma vez que integrará até os motivos da impugnação da respectiva decisão, já naqueles em que se trate de documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão no tribunal a quo, parece que a chave do problema estará na distinção do conceito de superveniência associado àquela impossibilidade.

No Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-11-2014 [4] :

“I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”

Semelhantemente, diz-se no da Relação do Porto, de 26-09-2016 [5]:

“I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V - Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.”.

Como também se refere no Acórdão do STJ, de 07-03-2019 [6] :

“Os documentos devem ser apresentados, em princípio, com os articulados em que são alegados factos, embora ainda possam ser juntos, sem outros entraves, até 20 dias antes da audiência final, sujeitando-se a parte apenas ao pagamento de uma multa (art. 423º, nº 2, do CPC).
O recurso de apelação não é, por regra, propício à junção de documentos, como o prescreve o art. 651º, apenas se admitindo quando se revele necessária em função do julgamento proferido em 1ª instância ou por motivos de superveniência objetiva ou subjetiva (arts. 651º e 425º do CPC).
Estas regras visam disciplinar a prática dos atos processuais e atenuar os efeitos negativos decorrentes de atuações ao nível da celeridade processual, embora devam ser concatenadas com o que se dispõe no art. 662º, nº 2, al. b), do CPC, que prevê que a própria Relação possa ordenar a produção de meios de prova, designadamente de prova documental, “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”.
Esta opção da Relação não está circunscrita a depoimentos, podendo incidir sobre quaisquer meios de prova, desde que se confronte com uma fundada dúvida sobre a prova realizada que seja suscetível de sanação mediante a produção de novos meios de prova. Em tal preceito estão abarcados quaisquer meios de prova, designadamente a prova pericial ou testemunhal, mas será seguramente na prova documental (dotada de maior objetividade) que se encontrarão com mais frequência potencialidades para sanar aquelas fundadas dúvidas sobre factos essenciais, as quais poderão ser superadas em certos casos mediante a requisição de documentos na disponibilidade de alguma das partes ou de terceiros (v.g. entidades públicas).
Como critério orientador para a aplicação deste preceito, cremos que a Relação deverá colocar-se num plano semelhante àquele em que se encontrava o juiz de 1ª instância aquando da realização da audiência de julgamento que precede a sentença. Então, atento o disposto no art. 411º do CPC relativo aos poderes de averiguação oficiosa, poderá a Relação suprir a dúvida fundada sobre certo facto essencial através da requisição, mesmo oficiosa, de algum documento que seja relevante para o caso. Ou seja, a respeito da “produção de novos meios de prova” em sede de recurso de apelação, a Relação deverá confrontar-se com a prova que foi ou deveria ter sido produzida na 1ª instância, orientando-se por um critério objetivo para superação de dúvidas que deveriam ser resolvidas, e não foram, pelo juiz de 1ª instância.”

Resume, ainda, o de 30-04-2019, também do STJ [7]:

“I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.
III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.”.

Tenhamos bem presente que, apesar de o documento se referir à incapacidade absoluta e permanente da autora para o exercício das funções de professora do ensino básico (considerada e atestada pela Junta de Recurso da CGA realizada em 22-10-2019, portanto depois do encerramento da discussão em 1ª instância), não se trata aqui de superveniência de factos jurídicos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, na acepção dos artºs 588 e 611º, do CPC, a qual, de harmonia com o nº 2, daquele artigo, também pode ser objectiva (factos ocorridos posteriormente à petição ou à contestação) ou subjectiva (factos de que, mesmo tendo ocorrido anteriormente, a parte só teve conhecimento depois da oportunidade para apresentar aquelas peças). [8]

Com efeito, já na petição inicial, a autora alegara que, por virtude das diversas patologias de que padecia, ficou com uma incapacidade permanente global definitiva, avaliada em 90%, impeditiva do exercício de qualquer profissão, mormente a sua (professora), e outras graves limitações físicas (e até psíquicas) na prática de muitos actos correntes do seu dia-a-dia – situação esta correspondente, em sua perspectiva e nos termos com que entendeu dever ser aplicado o respectivo clausulado, ao risco eventual previsto no contrato de seguro e coberto pela apólice.

Cabendo-lhe naturalmente o ónus de demonstrar a realidade dos factos integrantes daquela situação (factos essenciais), em face dos declarados como provados na sentença com fundamento nos meios de prova até ali produzidos, considerou o tribunal a quo preenchida a previsão normativa contratual – incapacidade permanente e definitiva para trabalhar, designadamente de exercer a sua actividade profissional, e, a partir daí, afirmou a responsabilidade da ré pelo pagamento do capital seguro, nos termos convencionados, condenando-a nas respectivas prestações.

Daqueles meios de prova, apesar de diversos, não fez parte qualquer pronúncia avaliativa e decisiva da Caixa Geral de Aposentações – entidade a quem tal compete, como é sabido, uma vez que a autora titulava e exercia a profissão de professora no ensino básico público – sobre o seu alegado estado de incapacidade profissional e consequente aposentação por esse motivo (isto porque se encontrava apenas “de baixa médica”).

Ora, não representando o juízo e a decisão de tal entidade (a CGA, mormente o Parecer da sua Junta de Recurso de 22-10-2019) factos constitutivos do pretenso direito (uma vez que não foram alegados como tal nem a sentença pressupôs que do contrato eles resultassem como requisito, mas sim e apenas a incapacidade laboral permanente e definitiva, tida, no caso concreto, por demonstrada em função de todos os demais factos apurados e dos diversos meios de prova que a tal conduziram), mas sendo certo que a ré apelante impugnou a factualidade declarada como provada na sentença a respeito de tal situação e, consequentemente, o juízo de direito sobre a mesma aí empreendido, não pode deixar de se aceitar que a ora pretendida junção do documento comprovativo de que, embora já depois de proferida a decisão e na fase de recurso em que nos encontramos, aquela entidade considerou a autora absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções e assumiu como consequência que ela irá ser aposentada, apenas ficando a depender a sua efectiva desligação do serviço da notificação do despacho que fixará a pensão devida, é um relevante meio de prova a apreciar e a valorar, nesta sede, no contexto da referida impugnação e, portanto, a ponderar no desfecho da solução jurídica do litígio, também esta posta em causa pela recorrente, maxime quanto ao grau e à definitividade da incapacidade invocada como causa de pedir.

É pacífico, julgamos, o entendimento, mesmo para quem defende que o tribunal de recurso não pode tomar conhecimento de factos essenciais supervenientes, que o pode em relação a factos instrumentais supervenientes.

De acordo com os artºs 37º, nº 2, e 89º a 99º, do respectivo Estatuto, é pressuposto de aposentação que o funcionário público “seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”.

Trata-se, pois, em tal exame (ainda que por Junta de Recurso) de uma avaliação do estado de saúde e consequente capacidade laboral, para efeitos de aposentação.

Ora, a considerar-se como um facto o resultado dessa avaliação médica e ainda que na mesma se declare o beneficiário “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, mais não se trata do que, para os efeitos deste processo e tendo em conta o respectivo objecto definido pelo pedido e pela causa de pedir, de um facto instrumental relevante para a demonstração do facto fundamentador da pretensão formulada.

Por isso mesmo, considere-se o documento em causa como meio de prova do facto essencial alegado na petição ou de facto instrumental deste, embora também superveniente, sempre a possibilidade de admissão daquele nesta fase é problema atinente ao regime de junção e não de alegação e conhecimento de factos essenciais. [9]

Temos, pois, por evidente, atenta a data em que se realizou a Junta e foi comunicado à autora o resultado da mesma e o teor desta comunicação, que o respectivo documento probatório do Parecer da CGA e, portanto, da questionada incapacidade, não poderia logicamente ter sido apresentado antes mas que a possibilidade de o ser só surgiu supervenientemente, por apenas na fase de recurso o mesmo ter sido produzido e conseguido (superveniência objectiva).

Como a própria recorrente reconhece: “No caso concreto dúvidas não há que estamos perante uma situação de superveniência objectiva” [10].

E como decorre da jurisprudência que ela indica [11] e do que diz o autor por si própria citado: “[a] superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância, ele é necessariamente superveniente”. [12]

Não se reportando o documento superveniente em causa a factos essenciais mas sim, como se disse, a factos instrumentais também eles supervenientes, sempre o recurso será efectivamente apreciado “com base na realidade de facto existente à data da interposição da acção e à luz dos factos alegados na petição inicial”. [13]

Ponto é que se não confundam factos essenciais fundamentadores da acção com factos instrumentais probatórios daqueles, nem a superveniência dos primeiros com a superveniência dos segundos ou de documentos probatórios respectivos.

Daí que não proceda a objecção da recorrente.

Tendo sido requerida já depois das alegações produzidas e estando até o processo pendente já nesta Relação, será ainda tempestiva tal junção?

Cremos que sim.

Apesar da referência sugestiva a que acima aludimos decorrente da letra do artº 651º (“As partes apenas podem juntar documentos às alegações…”), afigura-se-nos que daí não decorre a obrigatoriedade de eles serem formalmente juntos com aquela peça no caso de a superveniência apenas ocorrer depois dela.

Preciso é que, naturalmente, às mesmas se refiram, para as corroborar ou para as refutar.

O facto de serem juntos depois – garantido e respeitado que seja sempre o contraditório – é substancialmente indiferente em face do sentido normativo do preceito, que é o de limitar a junção em função justamente da impossibilidade de antes o terem sido ou de a sua necessidade só se tornar evidente em virtude do julgamento na 1ª instância.

De facto, a superveniência e consequentemente a possibilidade de junção podem sobrevir (passe a redundância) até à apresentação do projecto de acórdão e início dos vistos.

Observando-se o iter legislativo, constata-se que, entretanto, deixou de se prever expressamente que a junção deveria ser feita “até se iniciarem os vistos aos juízes” como antes constava no velho nº 2, do artº 706º. No posterior artº 693º-B e no actual artº 651º, nada quanto a isso se prevê em concreto. Parecendo que a letra deste último restringe a prática do acto mediante o emprego do advérbio ou conjunção “apenas” – “As partes apenas podem juntar documentos às alegações…” –, não nos parece, contudo, resultar certo que o legislador tenha querido antecipar e deslocar a baliza temporal do início dos vistos outrora fixada para o momento da apresentação das alegações.

Pretendeu-se, isso sim, para a fase de recurso, estabelecer uma regra precisa que, contemplando a já prevista no artº 425º abrisse também a possibilidade de junção ao caso de ela se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, mas deixando claro que, naquela fase cujo iter se inicia com o requerimento de interposição e junção das alegações mas não se confina propriamente ao momento ou acto da apresentação daquelas, fica vedada a junção a quaisquer outras hipóteses não especificadas no dito artº 651º.

A esta tipificação não se acrescentou, assim, um limite temporal como aquele que poderia interpretar-se como mais claro e certo se se dissesse, v.g., que as partes, verificadas as referidas hipóteses, “apenas podem juntar documentos com as alegações”.

Disse-se que “apenas podem juntar documentos às alegações” porque isso será o modo e o tempo normal para o fazerem em recurso essencialmente corporizado nelas, mas não proibindo a junção posterior, se se verificarem as demais condições previstas.

Sendo esse tempo e modo indiferentes, como já se disse, decisivo é que, tal como na 1ª instância se admite a junção in extremis durante a audiência final e até ao encerramento da discussão, como decorre da interpretação conjugada das normas dos artºs 423º a 425º, também na fase de recurso ela seja requerida até ao momento em que, resolvidas as questões preliminares da competência do Relator, este elabore o projecto de acórdão e o apresente aos Juízes Adjuntos juntamente com o processo e aquando dos respectivos vistos – artº 657º, nºs 1 e 2.

Aí, com efeito, se inicia a fase do exame e da apreciação do objecto do recurso e, concomitantemente, do esboço de acórdão a proferir sobre o mesmo, julgamento que há-de consumar-se no dia da sessão agendada, com a sua apresentação sucinta na audiência e subsequente votação pelo colectivo de juízes – artº 659º, nºs 2 e 3.

Essa é a última oportunidade da junção, útil e sem qualquer enredo na tramitação.

Deixou, assim, de fazer sentido a referência ao início dos vistos aos juízes tal como constava na formulação anterior, o que, aliás, tem uma explicação lógica: antes das alterações no regime de recursos (Decreto-Lei 303/2007) e de harmonia com o disposto no artº 707º que até então vigorava, o processo ia primeiramente com vista aos dois juízes adjuntos e só depois ao relator para elaboração do acórdão; no regime subsequente, tal ordem inverteu-se.

Naturalmente a estabilização dos autos tinha, no regime pretérito, de verificar-se naquele momento (o do início do exame e apreciação do tema do recurso, a começar pelos juízes adjuntos). No actual, ela afere-se pelo momento da elaboração do projecto de acórdão (que é o do início daquela tarefa, a começar pelo relator).

Parece-nos, pois, ter sido essa a razão por que a letra da lei foi alterada.

Não parece, contudo, que se tenha querido restringir a apresentação dos documentos supervenientes às alegações. [14] Especialmente, no caso de se mostrar que a sua junção, obviamente impossível até ao encerramento da discussão em 1ª instância, também só se tornou realmente possível após a apresentação dos articulados mas ainda antes do início da discussão em 2ª instância.

Tal interpretação, aliás, harmoniza-se com o disposto no nº 2, do artº 651º: os pareceres de jurisconsultos podem ser apresentados até ao início do prazo para elaboração do projecto de acórdão. [15] E nenhuma razão se descortina para ser diferente quanto aos documentos.

Não abala esta nossa maneira de entender o problema a constatação de que, afinal, no artº 680º, nº 1, se disciplina a junção de documentos supervenientes referindo-a, aí sim, “Com as alegações…”.

É que, sendo certo que o Supremo, por princípio e ao contrário da Relação, não conhece de facto, situação como a aqui em apreço seria ali irrelevante (se bem que a regra salvaguarde o disposto no nº 3, do artº 674º e no nº 2 do artº 682º) [16].

Além disso, tal formulação é a mesma do anterior artº 727º (versão da reforma do DL 303/2007, por sua vez transposta da antecedente), que vigorou de par com a dos artigos 693º-B (da aludida reforma) e 706º, nºs 1 e 2 (pretérita), sendo curioso, mas sintomático, constatar que aquela (mais restritiva), aplicável no Supremo, conviveu com a prevista para a Relação (mais ampla) mesmo quando, para esta instância, se previa, expressamente, que “Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes…”, sem que se nisso se tivesse notado qualquer incongruência.

Afigura-se-nos, portanto, que a junção requerida é possível e tempestiva, em face do artº 651º.

De resto, baseia a recorrente o seu apelo também no argumento de que a recorrida não está reformada mas apenas de “baixa médica” (conclusão 15ª) e, para tal, corrobora, nele, a importância que considerou ter sido dada pelo Tribunal a quo ao “desfecho” daquela situação (conclusões 16ª e 17ª).

Coerentemente, portanto, se o documento comprova tal epílogo na medida em que mostra ter-se tornado realidade actual e irreversível aquilo que era provisório (“baixa”, por incapacidade para o exercício de funções) ou prematuro antever (aposentação, pelo mesmo motivo), não pode ela negar a importância do facto instrumental pelo mesmo revelado e de cuja não verificação pretendia prevalecer-se, nem, assim, a oportunidade da sua junção que, em todo o caso, sempre os princípios que dão prevalência à justa composição do litígio e, para tal, da prevalência da substância sobre a forma acolheriam, mesmo por iniciativa oficiosa deste Tribunal e de modo a clarificar e acertar a referida situação. [17]

Ademais, a própria ré apelante entende, segundo as suas alegações, que o “cerne da questão” na sua perspectiva consiste em “saber se a situação clínica da autora é, no presente, definitivamente incapacitante para o exercício da sua profissão ou se, atendendo à [sua] necessária reavaliação […], tal situação se virá ou não a alterar”. Crucial, pois, é o documento em causa.

Conclui-se, pois, face a tudo o exposto, embora não com fundamento nos arestos citados pela requerente/apelada por manifestamente desactualizados face ao regime vigente, que, não estando ultrapassado aquele momento e tratando-se, no caso, de documento cuja junção não foi até agora possível por se reportar a Parecer e a Decisão da CGA relativa à questão da incapacidade alegada como causa de pedir só agora produzidos e comunicados, é de deferir ao requerido, pelo que, admitindo-se a junção, ficará o documento nos autos.

Passemos agora a apreciar os temas objecto do recurso.

Matéria de facto

Um vez que a respectiva decisão foi questionada, logicamente, por esta se deve começar.

Com efeito, a ré apelante, impugnando-a, defendeu que ela deve ser modificada quanto aos pontos provados nºs 28, 30, 31, 34, 36, 37 e 47.

Ora, os pressupostos e os requisitos do recurso de decisão proferida sobre a matéria de facto, que pode conter vícios geradores de anulação ou erros de julgamento, decorrem, em geral, dos artigos 637º, nº 2, e 639º, nº 1, e, em especial, dos artºs 640º e 662º, do CPC.

Destes, o último trata, em geral, das hipóteses em que a Relação, seja por efeito do recurso seja mesmo oficiosamente, deve modificar tal decisão.

O outro, regula especialmente os ónus a cargo do recorrente que impugne o julgamento feito sobre certos pontos da referida matéria declarados provados ou não provados.

Podem estes assim esquematizar-se:

-especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
-especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, teriam imposto decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração;
-no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso;
-isto sem prejuízo da possibilidade de o recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
-especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida.

Tais requisitos devem ser observados pontual e rigorosamente, por forma a evidenciar os pretensos erros, respectivos fundamentos e a possibilitar a apreciação destes e eventual correcção daqueles (sempre tendo presentes as contingências decorrentes dos princípios da oralidade e da imediação e da liberdade de apreciação da prova e de formação da convicção do julgador de 1ª instância).

Verifica-se que, formalmente, todos, neste caso, estão verificados.

Porém, além da questão de mérito relativa à impugnação e que contende com a verificação de eventual erro na apreciação e valoração dos meios de prova fundamentador da pretendida alteração consequente do decidido, suscita-se, por vezes, o problema de saber se esta se justifica.

Com efeito, a impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida [18].

A autora/apelada, como se viu, colocou este problema quanto aos pontos 28, 30, 34 e 36, salientando, sobretudo, que eles, face ao decidido quanto à nulidade da cláusula especial 2ª (cobertura complementar) e por não integrarem qualquer questão que a ré/apelante tenha arguido, são irrelevantes.

Enquadremos, então, o problema, analisando a parte da sentença que a tal diz respeito.

Como nela acabou por se reconhecer e é certo, nenhuma questão foi colocada nos autos quanto à qualificação e validade dos contratos de mútuo. Relativamente aos de seguro, apenas se alegara não terem sido pela recorrente cumpridos os deveres de informação e de comunicação geradores da aludida nulidade.

Assim, deixando de lado as considerações naquele âmbito tecidas, importa reter o que o tribunal referiu, em especial, quanto a esta questão:

“Na verdade, no caso, vem a autora invocar, isso sim, que as rés nãos lhes leram informaram ou explicaram acerca das condições gerais e especiais dos contratos de seguro celebrados, mais concretamente da real extensão das suas coberturas e exclusões.
Ora, neste âmbito, e tendo tal factualidade resultado, efectivamente, provada, importa concluir no sentido do incumprimento do dever de informação que impendia sobre as rés, designadamente no âmbito de uma cláusula essencial (como é a relativa à cobertura do seguro).
Com efeito, resulta inequivocamente das condições gerais dos contratos de seguro celebrados nos autos que os mesmos consistem em contratos de adesão.
[…]
Deste modo, impõe a lei que o contratante que recorra a este tipo de cláusulas deva não só comunicar o respectivo teor (cf. artigo 5º do DL nº446/85, de 25 de Outubro), como informar quanto ao mesmo, prestando esclarecimentos ou aclarando os aspectos que se justifiquem (cf. artigo 6º do DL nº446/85, de 25 de Outubro).
Caso o dito contratante assim não proceda, temos que a lei comina tal comportamento com a exclusão das cláusulas não comunicadas – cf. artigo 8º, al. a), do DL nº446/85, de 25 de Outubro; sendo, de resto, tal questão de conhecimento oficioso – cf. por todos Acórdão da Relação de Lisboa, de 5 de Maio de 2015, no Processo 2107/08.7TBVIS.L1.
Ora, descendo ao caso dos autos uma vez mais, e salientando tudo quanto já supra se plasmou em sede de motivação, é entender do tribunal que se provou a versão da autora – de que as cláusulas, incluindo a relativa à cobertura do seguro, não lhes foram comunicadas – cf. pontos 16º, 17º e 18º dos factos provados.
Assim sendo, e aplicando os normativos em apreço, face à falta de informação, importa considerar excluída do contrato a cláusula inserta no artigo 2º da Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva do contrato de seguro em causa celebrado pela A. com a ré seguradora, […].
De resto, mesmo que assim não se entendesse, sempre se diga que, em nosso entender, a dita cláusula seria abusiva.
Com efeito, nos termos do artigo 12º do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, as «cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos».
Por sua vez, dispõe o artigo 21º, nº 1, al. a), do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, que são «em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante».
[…]
Estando-se efectivamente perante uma cláusula nula, o «aderente que subscreva ou aceite cláusulas contratuais gerais pode optar pela manutenção dos contratos singulares» que a contenha, passando então a vigorar na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos» (art. 13º do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).
Contudo, se «a faculdade prevista no artigo anterior não for exercida ou, sendo-o, conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé, vigora o regime da redução dos negócios jurídicos» (art. 14º do diploma citado).
[…]
Logo, ainda que o aderente tenha optado pela manutenção do contrato singular, pode esse resultado não ser admitido. «Assim sucede quando as cláusulas proibidas se insiram numa lógica global em que a sua substituição pelas normas derivadas da aplicação do regime do nº 2 do art. 13º conduza a um desequilíbrio de prestações gravemente ofensivo da boa fé. Em tal hipótese, opera também o referido instituto da redução dos negócios jurídicos», isto é, «a redução conduz à persistência do contrato, restrito à sua parte válida, excepto quando se demonstre que não teria sido concluído sem a cláusula ou cláusulas nulas (art. 292º do Código Civil)» (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p. 35, com bold apócrifo).
Ora, a este propósito, e avaliando as cláusulas que delimitam o risco segurado e o compromisso do segurador, os tribunais maioritariamente invalidam o que consideram ser o excesso de rigor das cláusulas definidoras da cobertura de invalidez dos seguros de vida impostos pelos bancos no âmbito da contratação do crédito à habitação - por ser tal rigor contrário aos interesses e finalidades do seguro (que é o do pagamento do crédito ao banco quando o segurado já não o possa fazer como o terá feito até ao sinistro, por perda da sua capacidade de ganho, e não a assistência ao segurado quando este se veja em situação de gravíssima perda de autonomia física), portanto gerando um desequilíbrio das prestações de tal maneira grave que é contrário à boa fé.
Tal entendimento judicial parte da junção do fim do contrato ao seu carácter de contrato imposto pelo banco, atendendo às expectativas do segurado com a celebração desse contrato, que é, diremos nós, não a da mera inculcação em si da subscrição do seguro, mas o de prover ao pagamento ao banco quando o segurado razoavelmente o não possa fazer (pois que para prover ao sustento do segurado em caso de acidente outros institutos existirão, com a Segurança Social ou o seguro de responsabilidade civil automóvel ou o seguro de acidentes de trabalho); (Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, «Seguro de vida associado ao crédito a habitação: A “acordadíssima” jurisprudência relativa à cobertura de invalidez, seguida de Ponto da situação do quadro regulatório aplicável», Revista de Direito e de Estuos Socias, Janeiro-Setembro 2015, Ano LVI, nº 1-3, Almedina, p. 189 a Junho de 2009, p. 213 e 214)
Por outras palavras, visando-se com o contrato dos autos assegurar a cobertura «invalidez total e permanente», a definição desta pela necessária verificação cumulativa de um elenco de plúrimas situações (nomeadamente, somando a um elevado grau de incapacidade, a insusceptibilidade completa e definitiva para o exercício da profissão habitual ou de qualquer actividade remunerada compatível com os conhecimentos e aptidão do segurado, ou a necessidade da assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária), traduzir-se-ia numa inadmissível limitação, e até mesmo inviabilização, da cobertura do seguro.
À «vista da natureza, objecto e finalidade do contrato celebrado» esta interpretação «corresponderia, na prática, a um esvaziamento irrazoável e excessivo da garantia do seguro, contrário à boa fé com que ambas as partes estão obrigadas a actuar não só na formação, mas também na execução do contrato. Na verdade, (…) a desproporção entre a prestação da autora e a da ré tornar-se-ia por demais acentuada (…), assim desequilibrando em demasia os pratos da balança contratual a favor de quem já se encontra, à partida, numa posição vantajosa. Isto porque ficariam excluídos do âmbito da cobertura um significativo conjunto de riscos típicos, próprios da modalidade de seguro contratado» (Ac. do STJ, de 19.10.2010, Nuno Cameira, Processo nº 13/07.1TBCHV.G1).
Aderimos, por isso, «ao entendimento judicial que, neste contrato “obrigatório”, e atendendo ao fim objectivo da imposição do seguro de vida, tem dificuldade em não ver um grave desequilíbrio entre as prestações do segurador e do segurado no caso de uma cobertura de invalidez relevante de tal modo exigente (“apertada”) que só funcionará quando o segurado se encontrar em estado de “praticamente defunto”» (Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, «Seguro de vida associado ao crédito a habitação: A “acordadíssima” jurisprudência relativa à cobertura de invalidez, seguida de Ponto da situação do quadro regulatório aplicável», Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro-Setembro 2015, Ano LVI, nº 1-3, Almedina, p. 189 a Junho de 2009, p. 234).
(No mesmo sentido, embora com diferentes formulações, Ac. do STJ, de 29.04.2010, Azevedo Ramos, Processo nº 5477/8TVLSB.L1.S1, Ac. do STJ, de 27.05.2010, Oliveira Vasconcelos, Processo nº 976/06.4TBO-AZ.P1.S1, Ac. do STJ, de 07.10.2010, Serra Baptista, Processo nº 1583.06.7TBPRD.L1.S1, e Ac. do STJ, de 18.09.2014, Granja da Fonseca, CJSTJ, Too III, p. 266; Ac. da RG, de 27.03.2008, Raquel Rego, Processo nº 369/08-1, Ac. da RG, de 06.04.2010, A. Costa Fernandes, Processo nº 646/05.5TBAMR.G1, Ac. da RG, de 19.10.2010, Isabel Fonseca, Processo nº 1989/09.0BBRG.G1, Ac. da RG, de 31.05.2011, Rosa Tching, Processo nº 153/08.0TCGMR.G1, e Ac. da RG, de 19.03.2013, Maria da Purificação Carvalho, Processo nº 182/11.6TBVLN.G1; Ac. da RL, de 29.01.2009, Bruto da Costa, Processo nº 8347/2008-8, Ac. da RL, de 26.02.2013, Cristina Coelho, Processo nº 411/10.3TBTVD.L1-2, e Ac. da RL, de 12.12.2013, Farinha Alves, Processo nº 360/08.5TVLSB.L1-2; e Ac. da RP, de 06.06.2013, Leonel Serôdio, Processo nº 30077/08.7TVBCD.P1).
Tornando-se desta forma a cláusula em causa nula (nos termos do art. 21º, al a) do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro), e não se considerando que o dito contrato de seguro de grupo, ramo vida, não possa subsistir sem ela (por implicar agora um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé), sempre permaneceria a ré obrigada à sua contraprestação – cf. no sentido de todo o exposto o Acórdão do TRG de 11.07.2017, proc. IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. [19]

Ora, resulta dos documentos (juntos aos autos) que integram o contrato de seguro, nomeadamente das condições gerais, especiais e particulares da apólice, que:

-Ele “cobre os riscos de Morte ou Invalidez Absoluta e definitiva em consequência de acidente ou doença”;
-Nos termos do parágrafo 1º, do artº 2º, das Condições Especiais, intitulado Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva – que foi afastada, nos termos supra referidos – “Entende-se por invalidez absoluta e definitiva da pessoa segura, o estado que a incapacite completa e definitivamente de exercer qualquer actividade remunerada e implique o recurso à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente, nomeadamente andar, alimentar-se ou vestir-se”;
-De acordo com o parágrafo 2, do mesmo artigo, “O reconhecimento do estado de Invalidez Absoluta e Definitiva pela Seguradora só se verificará se tal estado se mantiver pelo período mínimo de seis meses”;
-O artº 7º, nº 1, alínea b), das Condições Gerais, relativo à exigibilidade das importâncias seguras, aplicável ex vi do artº 4º das Condições Especiais, estabelece como indispensável para que a seguradora liquide as importâncias devidas ao beneficiário, no caso de “Invalidez Absoluta e Definitiva”, a entrega de “Atestado comprovativo do estado de Invalidez Absoluta e Definitiva e das circunstâncias que conduziram à Invalidez Absoluta e Definitiva, elaborado pelos médicos que trataram a Pessoa Segura; Relatório detalhado sobre a actividade exercida pela Pessoa Segura à data da ocorrência da Invalidez Absoluta e Definitiva”.
-Nas Condições Particulares apenas se menciona “invalidez”.

Resulta, ainda, da carta de 12-10-2017, pela ré enviada à autora a declinar qualquer responsabilidade, que, como fundamento, invocou ela que “…a invalidez não se enquadra na definição…” do artº 2º, parágrafo 1º.

Como se viu, na sentença foi decidido excluir tal estipulação sobre a definição de Invalidez Absoluta e Definitiva do contrato, considerando-a nula e abusiva.

Mais foi entendido que, apesar de removida essa cláusula, o contrato subsistiu, devendo ter-se em conta as regras gerais relativas à interpretação e redução dos negócios jurídicos e as especiais decorrentes do regime das cláusulas contratuais gerais, continuando a ré obrigada à contraprestação acordada, e que a definição do risco coberto “invalidez Absoluta e Definitiva” deveria ser integrada segundo critérios jurisprudenciais seguidos e de modo a excluir exigências diversas cumulativas (como a da ajuda de terceira pessoa, de um elevado grau de incapacidade e total impossibilidade definitiva e absoluta de exercer a profissão ou qualquer outra compatível), excessivas (e desequilibradoras da posição das partes e das prestações recíprocas e atentatórias da boa fé) a tal ponto que inviabilizariam as finalidades do contrato (pagamento do crédito do Banco quando o segurado já não o possa razoavelmente fazer por ter perdido a sua capacidade de ganho), na medida em que só quando o segurado estivesse num estado praticamente defunto (ou vegetativo, como se lê algures) poderia accionar o seguro.

Assim, em vista sobretudo do que resultou provado no ponto de facto 20 a propósito do âmbito de cobertura de que os segurados ficaram convictos, ou seja, de que o seguro cobria o risco da sua morte e da sua invalidez permanente, risco este a definir para o caso concreto nos termos apontados, apelando à regra do artº 236º, do CC, para verificar se estão verificadas as condições que implicam a responsabilidade da ré pelas prestações estipuladas e se efectivamente existe incumprimento dos contratos de seguro e respectivas consequências, entendeu-se na sentença:

“Isto posto, vejamos quanto ao eventual incumprimento contratual no âmbito dos diversos contratos em causa nos autos.
[…]
Já no que tange aos contratos de seguro, e à recusa da 1ª ré em atender à pretensão da autora, em face de tudo quanto se deixou plasmado, importa ponderar.
Assim, temos que a ré seguradora invoca que a situação da autora não se subsume à protecção consagrada nos contratos de seguro de grupo vida em causa nos autos, uma vez que, invocando a verificação do sinistro «invalidez total e permanente», a sua condição física não o preencheria.
Estando-se perante uma cláusula contratual geral (de exclusão) importa então constatar que se apurou que a autora apenas subscreveu os contratos de seguro aqui em causa na convicção de que os mesmos cobririam o risco da sua morte e da sua invalidez permanente (cf. ponto 20º dos factos provados).
Por sua vez, afigura-se que a ré seguradora não invoca que a sua intenção não correspondesse à que consta do clausulado dos contratos em apreço.
Por conseguinte, aferindo-se da interpretação que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, faria do clausulado em análise, afigura-se que se deve atender ao sentido que melhor corresponda à natureza e objecto do contrato de seguro, adoptando um sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice.
Assim, considerando o entendimento do tomador do seguro médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, dir-se-á que o mesmo interpretaria o contrato no sentido de que o mesmo cobriria, para além da morte, as situações em que, por doença, os segurados ficassem impedidos de trabalhar de forma permanente.
E mesmo que assim não se entendesse, sempre vigoraria neste sede um princípio in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem, pela falta de clareza de que a própria ré seria exclusivamente imputável. [20]
Assim, e estabelecida esta interpretação, é nosso entender que tendo sido considerado pelos relatórios médicos disponíveis (visto que o relatório do IML não pode aqui se considerado conforme supra se explanou em sede de motivação) que a autora se encontra numa situação de incapacidade de 90,37% (cf. pontos 31º e 47º), é indubitável que se deverá considerar a mesma numa situação de incapacidade absoluta e definitiva.
Ademais, verifica-se ainda que, face ao decurso do tempo que mediou entre a data de elaboração do atestado multiusos e o presente, sempre decorreram mais de 6 meses, o que sempre justificava a condenação da ré ao reconhecimento da dita invalidez absoluta e definitiva, com base no dito atestado – cf. cláusula 2ª, § 2, da Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva; vd. fls. 36).
Finalmente, mesmo que assim não se considerasse, isto é, mesmo que se entendesse que tais elementos médicos deveriam ser desvalorizados (o que não perfilhamos dado que versam sobre a situação concreta da autora no exacto momento da sua elaboração e foram elaborados por pessoas dotadas de evidentes conhecimentos técnicos e científicos), sempre se impunha atentar à factualidade provada, designadamente nos pontos 32º a 40º, da qual decorre inequivocamente que a autora está numa situação de limitação tal que a impede, de facto, de voltar a exercer a sua actividade profissional.
Note-se, com efeito, que se demonstrou que a autora tem limitações físicas evidentes, não podendo efectuar esforços, pegar em pesos e até baixar e levantar os braços acima da cabeça.
Por outro lado, não pode tratar sozinha da sua higiene, carecendo da ajuda de terceiros para actos básicos do dia-a-dia como vestir e calçar ou tratar das lides domésticas.
Ademais padece de um stresse profundo que a afecta de forma irreversível na sua funcionalidade sóciolaboral e intrapsíquica, afectando assim a sua capacidade de trabalhar e de se relacionar, com naturais consequências ao nível do seu estado de saúde mental, auto-estima e vontade de viver.
Por todos estes motivos, facticamente comprovados, entendemos que a autora se encontra efectivamente numa situação de invalidez absoluta e definitiva, importando a procedência da acção.”

Isto posto, verifica-se, se bem compreendemos as alegações e as conclusões, que, na verdade, como diz a apelada, a apelante não impugnou a parte da sentença que decidiu considerar inválida e remover do contrato o citado parágrafo 1º, da cláusula 2ª, das Condições Especiais da apólice, relativa à definição da cobertura, nem as consequências subsequentemente daí retiradas quanto ao vinculo e seu alcance: subsistência do aludido contrato e sua interpretação/integração nos moldes preconizados, ou seja, que a apólice cobre a situação em que, por doença, a segurada fique impedida de trabalhar de forma permanente.

O que pôs em causa e impugnou, no âmbito da matéria de direito, foi que as reais circunstâncias de facto, alteradas tal como preconiza na impugnação ou mesmo que esta não logre procedência, e, portanto, o assim apurado sinistro, caiba na aludida cobertura, tal como definida na sentença [21], ou seja, que a autora esteja impedida (incapaz) de, definitivamente, exercer a sua actividade profissional, uma vez que não está reformada mas apenas “de baixa” cujo desfecho salienta ainda ser ignorado apesar do relevo que o próprio tribunal a isso teria atribuído no decurso da audiência.

Considerou, aliás, nas alegações, que mesmo “sem outras considerações sobre a cláusula contratual aplicável”, [22] isso “é precisamente o cerne da questão” [23], muito embora fundamente o seu entendimento na directa alusão ao próprio conteúdo dos diversos meios de prova e não na avaliação e subsunção dos factos provados (tal como resultantes da sentença ou eventualmente da impugnação) ao direito – subsunção jurídica – como deveria silogisticamente fazer [24].

Em face deste quadro, pergunta-se agora se releva ou é inócua a impugnação deduzida.

O teor dos pontos questionados é o seguinte:

“28º - Acresce que, posteriormente, foi igualmente diagnosticado à A. uma doença osteoarticular degenerativa que lhe causou uma surdez total e definitiva à direita, doença que se tem agravado com o problema oncológico.
30º - Consequência destes problemas de saúde, a A. passou a apresentar também um quadro depressivo que afeta a sua capacidade psíquica e inter-relacional em termos sociais e laborais.
31º - A 8.09.2016, foi atribuída à A. uma incapacidade permanente de 90,37% através de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso.
34º - As limitações referidas em 33º impedem a A. de tratar de parte da sua higiene pessoal, tal como tomar banho, bem como de se vestir e calçar, sem a ajuda do seu marido, filho e outros familiares que disponibilizam a sua ajuda diária à A.
36º - Atividades que sempre desenvolveu pessoalmente e que, em virtude das patologias de que padece, teve de entregar a sua execução a uma empregada doméstica que foi contratada para esse efeito.
37º - A A. fruto da sua doença crónica, tratamentos de quimioterapia e radioterapia a que foi submetida, é vítima de um intenso stress que afeta de forma irreversível a sua funcionalidade sóciolaboral e intrapsíquica, isto é, a sua capacidade de trabalhar e de se relacionar com familiares e amigos.
47º - Consultada pelo Neurocirurgião, Dr. A. V., o mesmo emitiu relatório, datado de 28.01.2019, no âmbito do qual propôs a atribuição de “IPP de 90,37% de acordo com o Atestado de Incapacidade Multiusos emitido pela ARS Norte em 8-9-2016, tendo sido valorizados o Cancro da Mama bilateral, a cofose, as alterações degenerativas da coluna e as suas repercussões radiculares”, correspondendo tal incapacidade à que lhe subsiste hoje.”

A decisão pretendida sobre eles é esta:

28 “Acresce que, previamente havia sido diagnosticado à A. uma doença osteoarticular degenerativa que lhe causou uma surdez quase total e definitiva à direita, doença que se tem agravado com o posterior problema oncológico.”
30 “A Autora sofria já, em data anterior à detecção do cancro mamário, de problemas de natureza depressiva com forte componente ansioso, os quais se agravaram com aquele.”
31 “A 8.09.2016, foi atribuída à A. uma incapacidade permanente de 90,37% através de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, incapacidade essa sujeita a revisão no futuro, nomeadamente, em 2021”.
34 “As limitações referidas em 33º dificultam a A. em tratar de parte da sua higiene pessoal, bem como de vestir determinadas peças de vestuário, sem a ajuda do seu marido, filho e outros familiares que disponibilizam a sua ajuda diária à A.”
36 “Atividades que sempre desenvolveu pessoalmente e que, em virtude das patologias de que padece, teve de entregar a sua execução a uma empregada doméstica que já trabalhava em casa da Autora em data anterior ao surgimento do problema oncológico.”
37 “A A. fruto da sua doença crónica, tratamentos de quimioterapia e radioterapia a que foi submetida, é vítima de um intenso stress que afeta actualmente a sua funcionalidade sóciolaboral e intrapsíquica, isto é, a sua capacidade de trabalhar e de se relacionar com familiares e amigos.”
47 – eliminado.”

Ora, quanto ao ponto 28 a alteração pretendida redunda na substituição da expressão “…posteriormente foi…” por “…previamente havia sido…”.

Tal se refere à “surdez total e definitiva à direita” diagnosticada à autora e que “se tem agravado com o problema oncológico”.

Ora, para determinação da incapacidade relevante para a cobertura, segundo os parâmetros definidos na sentença (e não questionados), que importa que tal diagnóstico tenha sido anterior ou posterior ao do cancro?

Nada.

Nada, porque o que está agora em causa é saber se a incapacidade da autora para o exercício da sua actividade profissional é absoluta e definitiva.

Não invocou a recorrente, como excepção peremptória, a exclusão dos riscos cobertos, por pré-existentes à data do início do contrato de seguro, de qualquer das patologias que incapacitam a recorrida.

Logo, a alteração da circunstância temporal em que foi feito o diagnóstico da surdez apresenta-se como irrelevante.

Motivo, porque a impugnação deste ponto de facto não será conhecida.

Relativamente ao ponto 30, relativo ao “quadro depressivo” que a autora passou a apresentar em “consequência” das demais patologias fisiológicas e que a afecta na sua “capacidade psíquica e inter-relacional”, a alteração preconizada pela recorrente visa, semelhantemente, deslocar para o passado tal quadro no sentido de que ela “sofria já, em data anterior à detecção do cancro mamário…” e, assim, limitar a sua interacção com esta doença apenas ao um “agravamento”.

Vale, mutatis mutandis, exactamente o que se disse quanto ao ponto anterior e que se reitera relativamente a este, irrelevando a inserção temporal da origem da doença psíquica e o seu efeito consequente ou apenas agravativo, na medida em que o que importa, em face do critério da incapacidade seguido na sentença e não posto em causa, é o real estado de saúde da autora de modo a aferir-se se aquele está ou não satisfeito.

Também por isso, a impugnação deste ponto de facto não será conhecida.

O ponto 34 refere-se aos “impedimentos” gerados pelas limitações (descritas no ponto 33, não impugnado) de a autora recorrida por si praticar os actos pessoais normais próprios da rotina quotidiana. Em vez disso, pretende a recorrente ré que se substitua aquele efeito drástico pelo mais ténue de mera “dificuldade” e se confine a respeitante ao acto de vestir a “determinadas peças de vestuário” [25].

O grau (absoluto ou relativo) dos efeitos decorrentes das aludidas limitações e a extensão (total ou parcial) dos concernentes ao acto de vestir, mesmo em face do âmbito da cobertura da apólice tal como na sentença o tribunal a quo o definiu, não são irrelevantes.

Considerando que está em causa a incapacidade definitiva para o exercício da actividade profissional e que esta, na 1ª instância, se considerou estar verificada a partir de diversos outros elementos de facto conjugados (sendo certo que a autora está “de baixa” apenas e, portanto, ainda titula a profissão de professora), admitimos que a amplitude dos efeitos gerados pelas ditas limitações pode pesar, em conjugação com os demais, no juízo de subsunção e, nessa medida, relevar para a solução do pleito, mesmo que a necessidade de ajuda de terceira pessoa, nos termos do parágrafo 1, da cláusula 2ª, das Condições Especiais, tenha sido afastada, uma vez que aqueles efeitos e tal necessidade podem concorrer para a conclusão a extrair quanto à verificação ou não da incapacidade questionada.

Em relação a este ponto não ocorre, assim, a inocuidade com que a apelante objectou.

O ponto 36 refere-se à necessidade de empregada doméstica, pretendendo a recorrente que, em vez de se manter como provado que a autora teve de entregar as inerentes tarefas a pessoa “contratada para o efeito”, se modifique tal matéria no sentido de que esta “já trabalhava em casa da Autora em data anterior ao surgimento do problema oncológico”.

Ora, por motivos semelhantes aos que referimos quanto ao ponto 34, não nos parece que seja irrelevante a eventual modificação pretendida de tal ponto.

É que pode ser diferente, para a verificação da aludida incapacidade, ter apenas aumentado a necessidade e a prestação da empregada doméstica que já antes prestava alguns serviços à autora, de essa carência e desempenho e, portanto, a contratação, só terem ocorrido depois do diagnóstico oncológico e em consequência desta patologia.

Quanto aos demais pontos 31, 37 e 47, não refere a apelada nem se vê que de todo a impugnação deles, face ao seu conteúdo e ao que juridicamente está em causa, seja inócua.

Não será, pois, por inutilidade que a apreciação da impugnação quanto aos pontos 31, 34, 36, 37 e 47 será obstaculizada.

Façamo-la, então.

Defende a recorrente, quanto ao ponto 31, no qual consta ter sido atribuída à autora, em 08-09-2016, no Atestado Médico Multiusos, a incapacidade permanente de 90,37%, que, além desse facto, deve acrescentar-se-lhe que tal incapacidade está sujeita a revisão no futuro, nomeadamente em 2021.

Sustenta tal pretensão no argumento de que o teor de tal ponto só em parte é verdadeiro, pois respeitando ele ao “cerne da questão” – em sua perspectiva consistente em “saber se a situação clínica da autora é, no presente, definitivamente incapacitante para o exercício da sua profissão ou se, atendendo à [sua] necessária reavaliação […], tal situação se virá ou não a alterar”, as testemunhas inquiridas disseram que tal documento não tem a virtualidade de provar o grau de incapacidade.

Indica, para tal, parcelas do depoimento de quatro testemunhas.

Contrapõe a recorrida que, sendo certo constar do Atestado a previsão de reavaliação em 2021, trata-se de uma cautela dos médicos, tal não significando que haja possibilidade de cura e que a actual incapacidade seja eliminada. Pelo contrário, a sua incapacidade irá manter-se, mormente para o exercício da sua profissão.

Referiu também parcelas do depoimento de outras tantas testemunhas, no sentido de contextualizar o daquelas e mostrar como se perspectiva a evolução do seu estado clínico.

Segundo a motivação exposta pelo tribunal a quo, este baseou-se, quanto a tal facto, no respectivo documento, ou seja, no nº 21, junto a fls. 78 dos autos, que é o chamado Atestado Médico Multiusos, e que, apesar de nele se prever a reavaliação futura, “da prova produzida nenhum elemento resultou que objectivamente pudesse permitir uma conclusão no sentido de que tal reavaliação venha a redundar na fixação de uma incapacidade inferior à já estabelecida”.

Aquele Atestado foi instituído pelo Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro (alterado pelos nºs 174/97, de 19 de Julho, e 291/2009, de 12 de Outubro) e regula-se pelas normas do próprio diploma e por instruções adredes, prevendo-se, para cálculo das incapacidades, a aplicação da chamada Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro.

Relata-se no seu preâmbulo que “O nº 1 do artigo 2.º da Lei nº 9/89, de 2 de Maio - Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência -, define pessoa com deficiência «aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica susceptível de provocar restrições da capacidade, pode estar considerada em situações de desvantagem para o exercício de actividades consideradas normais, tendo em conta a idade, o sexo e os factores sócio-culturais dominantes»” e que, portanto, tal diploma visou colmatar a “inexistência de normas específicas para a avaliação de incapacidade na perspectiva desta lei”

De acordo com o seu artigo 1º, pretendeu-se, assim, estabelecer “o regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2.º da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade.”

Conforme dispõe o nº 6, do artº 4º, “Os atestados de incapacidade podem ser utilizados para todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso, devendo todas as entidades públicas ou privadas, perante quem sejam exibidos, devolvê-los aos interessados ou seus representantes após anotação de conformidade com o original, aposta em fotocópia simples.”

O Atestado é emitido, após um conjunto de procedimentos e um exame e avaliação por Junta Médica, pelo respectivo Presidente. Indica a percentagem de incapacidade por esta atribuído ao avaliado.

De acordo com o nº 3, do artº 4º, do citado diploma legal, “Quando o grau de incapacidade arbitrado for susceptível de variação futura, a junta deve indicar a data de novo exame, levando em consideração o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades ou na fundamentação clínica que lhe tenha sido presente”.

Sem embargo, dispõe o nº 7, do mesmo artigo, que “… nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado”.

E esclarece o nº 8 que “Para os efeitos do número anterior, considera-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.”

Complementa, ainda, o nº 9 que “No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação”.

Em face disto, como interpretou o Acórdão do TCA Norte, de 28-06-2019, em face da aparente incongruência [26]:

“I- Com a solução normativa gizada nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23,01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12.10, o legislador salvaguardou a situação dos portadores de incapacidade que tendo sido sujeitos à realização de uma nova junta médica, viram o grau de incapacidade que lhes foi fixado à data da avaliação ou da última reavaliação alterado em consequência de modificações efetivamente verificadas no seu estado clínico. Nessas situações, o legislador permite à junta médica que mantenha o anterior grau de incapacidade do avaliado, quando estejam em causa situações das quais possa resultar a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.
II- O n.º 9 do artigo 4.º do D.L. 202/96, de 23/01, na versão conferida pelo D.L. n.º 291/2009, de 12/10, respeita a todas aquelas situações em que o avaliado não sofreu qualquer alteração clínica ao nível das sequelas de que ficou a padecer, resultando a diminuição do seu grau de incapacidade única e exclusivamente da aplicação da nova Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo D.L 352/07, de 23.10. Em tais situações, o avaliado tem direito à emissão de certificado de incapacidade multiuso do qual conste o seu anterior grau de incapacidade.”

Ora, o aludido documento atesta dois factos: i) a incapacidade permanente global da autora, apresentado à data do exame, perante a Junta Médica competente constituída para o efeito no âmbito das administrações regionais de saúde e em face dos dados disponíveis; ii) o grau de incapacidade em que a mesma foi avaliada (90,37%), de acordo com os critérios estabelecidos na TNI e por que aquela se pauta.

Apesar de as suas finalidades nada terem a ver com as deste processo judicial, ela serve, tal como outros elementos similares, como um meio de prova indirecta da incapacidade absoluta e definitiva alegada pela autora como causa de pedir e que a esta compete provar em juízo para fundamentar o direito que pretende ver-lhe reconhecido.

A aludida incapacidade, sua permanência e percentagem, verificadas naquele contexto e pelas autoridades de saúde, reconduzem-se, assim, apenas a facto indiciário daquele – essencial – que, atenta a normatividade decorrente do contrato de seguro, deve a autora aqui provar.

Discutindo-se o nível ou grau da incapacidade bem como a sua permanência, relevantes para daquela poder ser extraído o direito, apesar da instrumentalidade do Atestado, devem, ainda, assim, os elementos de facto que dele emanam, considerar-se na sua integralidade.

Não em função do que as testemunhas, mormente valendo-se dos seus conhecimentos médicos, afirmam ou negam quanto ao essencial do thema probandum, designadamente quanto à reversibilidade ou irreversibilidade do seu actual estado de saúde e, por reflexo, quanto à subsistência, à melhoria ou pioria resultante da futura reavaliação pela Junta Médica e alteração do Atestado, mas sobretudo porque a compreensão e valoração do junto aos autos e repercutido no ponto 31, atenta a sua peculiaridade, não pode deixar de se fazer tal como dele próprio e do regime inerente deriva.

E o que consta no Atestado e resulta, aliás, do dito regime de avaliação segundo o qual ela é feita, é que, na data em que foi emitido (08-09-2016), a incapacidade permanente era de 90,37% “mas susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2021”.

Conquanto, para as suas específicas finalidades e nos termos do seu próprio regime, tal reavaliação – apesar de pressupor não ter a primeira um carácter definitivo e de sempre possibilitar, não só lógica como realmente, verificar-se, então, um resultado melhor do que o desta e, por isso, mais interessante à tese da aqui recorrente – em princípio deva ser mantida por presumidamente mais favorável (como decorre dos citados nºs 7 e 8, do artº 4º, do Decreto-Lei 202/96) e mesmo que não se prognostique, como fez o tribunal a quo, alicerçado no conjunto da demais prova produzida, que ela “venha a redundar na fixação de uma incapacidade inferior à já estabelecida”, então, uma vez que se optou por incluir no elenco dos factos provados tal ponto, apesar de não essencial [27], e que, por isso, ele não poderá deixar de ser ponderado a quando da operação de subsunção ou avaliação jusnormativa, então compreende-se e aceita-se que o teor do Atestado deve ser contemplado naquele elenco também na parte respeitante à prevista reavaliação, conforme pretendido pela recorrente, ainda que não pelas mesmas exactas razões aduzidas.

Deste modo, o ponto 31, ficará assim:

A 08.09.2016, foi atribuída à A., através de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (doc. 21, de fls. 78), uma «incapacidade permanente global de 90,37%, susceptível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2021»”.

Relativamente ao ponto 34, que se reporta aos impedimentos derivados das limitações a que alude o 33 – “de tratar de parte da sua higiene pessoal, tal como como tomar banho, bem como de se vestir e calçar, sem a ajuda do seu marido, filho e outros familiares que disponibilizam a sua ajuda diária” – pretende a autora que se substitua o verbo “impedem” por “dificultam” e que se complemente o “vestir” com a expressão “determinadas peças de vestuário”.

Baseia-se, para tanto e apenas, em expressões extraídas de certo passo do depoimento da autora, ao que esta contrapõe o que, na respectiva motivação, o próprio tribunal referiu, designadamente que, conjugando os depoimentos dela própria e de diversas testemunhas muito próximas, resulta a “sua incapacidade para a realização das mais ínfimas e básicas tarefas do dia-a-dia”.

Ora, esgrimir apenas com três lacónicas expressões, curtas e descontextualizadas, quer do respectivo (longo) depoimento quer do conjunto da restante e variada prova produzida, designadamente das pessoas que com a autora convivem muito de perto no seu dia-a-dia, designadamente familiares e empregada doméstica, e segundo as quais, a propósito de vestir, terá ela referido que isso “depende da roupa”, que quanto a tomar banho, “passo o chuveiro e para me secar ponho o roupão” e que, quanto a cozinhar, faz “qualquer coisa, uma sandes”, é base muito parca e débil, nada esclarecedora, menos ainda convincente, de que, na sua apreciação e valoração da prova, o tribunal haja cometido erro que deva ser corrigido, como é pressuposto de procedência da impugnação da decisão de facto.

De resto, quanto à higiene o próprio item a refere impedida apenas em “parte”, o próprio item 33 se refere a “limitações”, não fazendo, portanto, qualquer sentido introduzir no subsequente ponto questionado modificação ou especificação alguma, designadamente de teor vago e por referência a “determinadas peças de vestuário”, que nenhum meio de prova mostra, afinal, ter sido “determinado”.

Mantém-se, pois, inalterado o ponto 34.

Quanto ao ponto 36, pretende a apelante que, seja substituída a expressão dele constante e referida à empregada doméstica, segundo a qual esta “foi contratada para o efeito”, isto é, para executar as tarefas descritas no ponto 35 relativas às lides domésticas, pela de “que já trabalhava em casa da Autora em data anterior ao surgimento do problema oncológico”.

Baseia-se também no que a próprio apelada declarou em audiência.

Estando as partes de acordo que, de facto, aquela já antes tinha empregada doméstica e resultando isso do que disseram a própria e as duas testemunhas referidas nas contra-alegações, não é menos verdade que, cotejando o que também todas explicitaram sobre qual era o período semanal de serviço prestado e qual passou a ser este depois do sinistro, tal período, pelo menos, duplicou em razão das acrescidas necessidades.

Não se encontrando, na motivação, explicação concreta sobre os termos em que se encontra elaborado o referido ponto (ou seja, por que razão nele se conexionou a contratação da empregada exclusivamente com as circunstâncias existentes pós-doença), mas afigurando-se-nos ser relevante precisá-lo com rigor, de modo a correctamente se poder compreender e valorar tal aspecto, crê-se que deve aquele ser corrigido e harmonizado com o resultado inequívoco da prova, especialmente a referida, e, assim, de forma a expressar mais rigorosamente a realidade.

Ficará, pois, o ponto 36 com a seguinte redacção:

Actividades que sempre desenvolveu em parte por si e em parte através de uma empregada doméstica que contratara antes para lhas executar, a qual, em virtude das patologias de que padece e das referidas necessidades, passou a prestar-lhe, pelo menos, o dobro do tempo de serviço semanal.”

Quanto ao ponto 37, que se refere ao intenso stress resultante da doença crónica da autora, e respectivos tratamentos de quimioterapia e radioterapia e à consequente afectação “de forma irreversível” na sua capacidade de trabalhar e de se relacionar, defende a recorrente que tal expressão deve ser substituída por “actualmente”, isto é, na linha da tese que orienta o recurso e que se traduz, no essencial, na sustentação de que, sobretudo em vista do Atestado Multiusos, a incapacidade da autora não é definitiva, visa ela, com tal modificação, acentuar, em tal ponto, o carácter apenas presente da mesma e salvaguardar a hipótese de haver, no futuro, reversibilidade e até melhoria.

Baseia-se, por um lado, cómoda e genericamente, na remissão para os “depoimentos supra transcritos” e, por outro, noutros que ora acrescenta, de tudo concluindo que “a situação da autora presentemente não está, ainda, do ponto de vista médico consolidada, no sentido de, definitivamente, a mesma poder dizer que sofre de uma incapacidade que a impede de trabalhar”.

Contrapôs a apelada que a apelante se funda no referido Atestado e em excertos descontextualizados dos depoimentos, salientando, em sentido oposto, o depoimento da Médica Psiquiatra e as suas próprias declarações, bem como os pontos de facto 32, 33, 35, 38 a 40, 47 e 48 continentes de matéria que entende infirmar aquela pretensão.

Resulta da motivação, aliás supra transcrita (global quanto aos pontos 32 a 40 e também quanto aos pontos 28 a 30 e 46 a 48) não só que o tribunal se baseou na análise das declarações da autora, de várias testemunhas e, entre estas, de vários Médicos, especialmente as Drªs C. R. e A. C., bem como nos documentos juntos a fls. 77 a 205, salientando que, mesmo a não haver recidivas do cancro ao longo do tempo, sempre os tratamentos específicos inerentes, associados ao avançar da idade, implicam degradação na saúde física e psicológica, mas também que analisou, ponderou e avaliou o que consta do Relatório do Perito do INML, do Dr. A. V. e o que disserem os Médicos ouvidos, nomeadamente Drs. J. S., B. P..

Ora, a recorrente não cumpre escrupulosamente as exigências, que sobre ela impendem nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 640º, de especificação obrigatória dos concretos meios de prova imponentes da decisão pretendida, ao remeter para testemunhos anteriores, indicados sobre questões e pontos diversos.

Não afronta propriamente o juízo empreendido pelo tribunal a quo na motivação, não aponta nele justificadamente a existência de erro de apreciação e de valoração, face às diversas provas analisadas, aliás em parte de sentido divergente, e à decisão, perante tudo isso, tomada. Em bom rigor, não o impugna.

Também não questionou outros pontos de facto julgados provados e que, compaginados, confluem no sentido da irreversível incapacidade da autora, mormente para trabalhar.

Não pôs em causa, por exemplo, que, no próprio ponto questionado, se refere a doença da autora como “crónica”.

Aliás, acaba por enfatizar que mesmo a pretensa falta de consolidação da situação da autora, a não definitividade da sua incapacidade, apenas é admitida “do ponto de vista médico”, perspectiva que assume diversas facetas conforme o médico que se pronuncia (se é o que acompanha a autora ou se é o indicado pela seguradora; se é o perito do INML ou o da Junta da ARS) e respectivas especialidades (oncologia, psiquiatria, etc.).

Sendo esse “ponto de vista” naturalmente importante, não pode esquecer-se que ele, por regra (como é o caso da Junta Médica que outorga o Atestado Multiusos), obedece a critérios funcionais, por vezes desencontrados, mas também a critérios clínicos e científicos em que prepondera sempre a hipótese, em geral admitida, de avanço do estado da ciência e, consequentemente, a esperança de melhoria, mas que não são os critérios prático-jurídicos que importam ao processo judicial, em que muito relevam também os dados da experiência e, entre estes, os comummente conhecidos e resultantes de situações idênticas – neoplasia mamária bilateral, com mastectomia total bilateral.

Tendo em conta as implicações físicas e psíquicas que daí normal e directamente advêm, ou indirectamente de toda a panóplia de tratamentos, para as vítimas desses males, e no caso, de outras patologias concomitantes, dificilmente se concebe que, no futuro, a actual e reconhecida incapacidade absoluta e permanente se venha a reverter de modo e em grau capazes de lhes conferir capacidade bastante.

O argumento do Perito Médico-Legal Dr. D. P. – se era a estes que se queria referir a apelante – de que os atestados multiusos “infelizmente, não correspondem, a maior parte das vezes, à real incapacidade do observado” e de que era muito cedo para se fixar esta em 90% parte de uma aparente desconfiança nos serviços das Juntas Médicas da ARS e numa crença apenas nos da Medicina Legal que padece de evidente falta de fundamento.

Aliás, não encontramos justificação para, no Relatório daquele perito, mesmo tendo em conta a sua opinião e relutância, apesar de considerar não ter sido atingida à data do exame (30-09-2018) a “consolidação médico-legal de algumas lesões” e de, por isso, não ter fixado o “Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica”, não ter sido mais assertivo e completo (apesar dos esclarecimentos subsequentes) quanto à “incapacidade absoluta e permanente”, referindo-se quanto a ela actualmente e salvaguardando o futuro, uma vez que não era aquele “Défice” e os habituais critérios associados no domínio litigioso em que ele normalmente opera que estava em causa mas sim a “incapacidade” alegada e importava esclarecer.

Não se trata aqui de determinar e de indemnizar os danos por ofensa no corpo e na saúde provocada por acto ilícito, mas de apurar se é de incapacidade correspondente ao risco coberto pelo seguro o estado da autora recorrida e, por isso, deve a ré apelante responder pelo capital acordado no contrato, estado esse que podia e devia ser avaliado como fez a Junta Médica da ARS para efeitos do Atestado.

Não colhe também o argumento, aparentemente depreciativo, de que esse Atestado se destina “exclusivamente a benefícios fiscais”, como enfatizaram o Dr. J. S. e o Dr. B. P.. Ele é emitido à luz do regime legal próprio, pauta-se pela TNI e, ao fim-e-ao-cabo, envolve também avaliação e opinião médica, aliás colectiva, que se presume tão rigorosa quanto as outras e de cujos critérios não consta a finalidade (laboral, social, fiscal, etc.).

O facto de, na altura, a autora apenas se encontrar apenas “de baixa” e em tratamentos também não nos parece relevar, por si, como impeditivo de um juízo sobre a sua situação de “incapacidade” e do prognóstico como “absoluta”.

Afinal, as patologias são indiscutíveis, as consequências estão à vista. A “baixa”, como é sabido, tem regras. Os tratamentos, exames, acompanhamento, etc., que uma situação clínica como a ostentada implica, são factos prática (e infelizmente) do domínio comum, tal como as perspectivas de reversão, apenas acalentadas pela recorrente e no quadro dos interesses que lhe cabe defender no processo.

A acrescentar ao exposto e a deitá-las por terra, sucedeu que, entretanto, a autora, já na pendência deste recurso, conforme documento ora apresentado e a que inicialmente nos referimos, foi submetida (22-10-2019) – 3 anos e 10 meses depois da detecção do cancro – à Junta Médica de Recurso da CGA e aí considerada “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, que eram de professora do ensino básico.

Também daí resulta mais do que “consolidada” a sua situação de absoluta incapacidade permanente para o exercício daquela profissão e, enfim, atenta a sua formação, idade e todas as demais circunstâncias que os autos e os factos exuberantemente ostentam, para qualquer outra.

Note-se, quanto a tal documento, que a prova da submissão à Junta e o resultado do seu Parecer, através do ofício da CGA que tal comunicou à recorrida, não pode considerar-se posta em causa.

Trata-se de documento autêntico, que não foi alvo de ilisão mediante prova em contrário – artºs 363º, nº 2, 369º e 370º, do C. Civil.

Faz, por isso, prova plena do facto respeitante à realização da Junta da competência da referida entidade, assim como do Parecer pela mesma emitido – artº 371º, CC.

Uma vez que dele foi notificada e se presume tê-lo percepcionado e ser capaz de entender, não pode a apelante dizer que “ignora”, por de tal não ter obrigação, o seu “teor e conteúdo”.

A “impugnação” por ela referida apresenta-se como meramente formulária ou tabelar e despida de qualquer eficácia, não subsistindo, pois, qualquer dúvida de que por Parecer da Junta de Recurso, realizada em 22-10-2019, foi considerada “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções” e que a sua desligação do serviço (como professora do ensino básico) deverá ocorrer apenas na sequência da notificação do despacho em que será fixada a pensão de aposentação.

Coisa diferente é o valor probatório da referida avaliação da Junta em ordem à demonstração da incapacidade normativamente relevante para, à luz do contrato e tal como o tribunal o interpretou e lhe definiu o sentido, desencadear o funcionamento da cobertura e, portanto, a responsabilidade da recorrente.

Disso, trata-se aqui, sem que se perca de vista que a Junta se debruçou e o Parecer se refere ao estado clínico e à capacidade da recorrida consequente à ocorrência do sinistro (as patologias diagnosticadas, maxime o cancro) e, portanto, à situação dela pré-existente à data da instauração da acção, situação esta aí alegada como de incapacidade absoluta e permanente fundamentadora da pretensão, pelo que sendo embora factos supervenientes a realização do dito exame médico colegial e a emissão do respectivo Parecer, estes se assumem como meramente probatórios e não essenciais [28], pelo que nenhuma obstáculo à sua consideração e ponderação deriva da respectiva superveniência, como, aliás, a seu tempo se referiu em sede de apreciação da admissibilidade da junção do documento nesta fase.

Em face disso, concordando-se com o expendido a tal propósito na motivação, maxime na visão crítica da posição dos clínicos que sobrelevaram a não definitividade do esatdo da autora, não se encontra razão para divergir nem para eliminar a “irreversibilidade” referida no ponto provado 37 e modificá-lo.

Por último, quanto ao ponto 47, que se reporta ao relatório emitido pelo já referido Neurocirurgião Dr. A. V. (com competência em Avaliação do Dano Corporal pela O.M., segundo aí referido), datado de 28-01-2019, junto a fls. 203 e 204 dos autos, em cujas conclusões se considera ajustada a proposta de atribuição de IPP de 90,37%, conforme Atestado Multiusos, e que “As sequelas orgânicas e psíquicas decorrentes dos Cancros da Mama bem como as comorbilidades associadas conferem à examinada Incapacidade para o Exercício da sua Actividade Profissional Habitual de professora do primeiro ciclo”, sustenta a recorrente que tal documento foi impugnado, não foi confirmado pelo próprio e, por isso, se revela inútil e, além disso, incompleto porque, diferentemente do Atestado, não alude à necessidade de reavaliação.

A apelada contrapõe que é insuficiente a impugnação genérica ao documento dirigida, que o teor do citado ponto é o que resulta deste, valorado pelo tribunal em conjugação com a demais prova e que, se pretendia pô-lo em causa, deveria a recorrente ter arrolado como testemunha o Médico dele autor.

Ora, da motivação resulta que o teor de tal relatório foi valorado enquanto confirmação externa do parecer dos Médicos que subscreveram o Atestado Multiusos “e cuja valia científica não vislumbramos motivos para pôr em causa”.

Na verdade, tratando-se de Parecer clínico, corroborando ele o resultado vertido no dito Atestado e traduzindo, não obstante, a reafirmação por outro Médico alheio ao da Junta da ARS ou de qualquer outra entidade e sem qualquer ligação conhecida às partes (salvo o ter examinado, no exercício de clínica privada, a autora para o efeito), Médico aliás habilitado com competência na Avaliação de Dano Corporal pela Ordem dos Médicos (como os do INML), considera-se que a sua avaliação é mais um elemento de facto, como diversos outros (v.g., o referido no ponto 48, que não foi questionado), instrumentalmente relevante para a decisão da causa.

Se é certo que, ao corroborar o Parecer ínsito no Atestado, não mencionou a necessidade de reavaliação também dele constante, não o é menos que tal não o impediu de concluir – como agora fez a Junta de Recurso da CGA atrás aludida – que a autora tem “Incapacidade para o Exercício da sua Actividade Profissional Habitual de professora do primeiro ciclo”.

Daí que o ponto se deva manter.

Em suma: apenas se alterando, nos termos acima vazados, os pontos 31 e 36, no mais deverá julgar-se improcedente a impugnação da matéria de facto.

Matéria de Direito

Neste capítulo, limitou-se a recorrente, de uma assentada, a alegar e a concluir que “As alterações à matéria de facto supra mencionadas levarão a que, como a Ré sempre defendeu, o sinistro participado se mostra, presentemente, afastado da cobertura contratual, independentemente da respectiva formulação que esta possa ter.”

O âmbito da cobertura definido na sentença, após afastamento do parágrafo 1 da cláusula 2ª das Condições Contratuais (Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva) e que aquela não questionou como já atrás se pôs em relevo, corresponde às “situações em que, por doença, os segurados ficassem impedidos de trabalhar de forma permanente”.

Ora, compulsando-se toda a factualidade apurada (pontos 21 e 23 a 48) e, assim, o eloquente quadro que da mesma resulta quanto ao estado de incapacidade da autora, e sem embargo das alterações/precisões que introduzimos nos pontos 31 e 36), não se vê que haja razão para ser posta em causa a decisão no sentido de que a autora se encontra “numa situação de incapacidade absoluta e definitiva”, ou seja, “impedida de trabalhar de forma permanente”.

A circunstância de, para efeitos de emissão do Atestado Multiusos, dever ser reavaliada no ano de 2021 e de as suas limitações terem implicado apenas um aumento (duplicação) da necessidade de empregada doméstica (que não a contratação exclusiva por causa delas), aliás já ponderadas na sentença, em nada altera o essencial daquele quadro nem o juízo formulado pelo Mº Juiz recorrido a tal propósito.

De resto, nenhuma outra das preconizadas alterações logrou procedência, assim de todo se inviabilizando a esperança que a recorrente acalentou, em termos claramente frágeis, de que as mesmas “levariam” a excluir a situação da autora do âmbito da cobertura contratual, mesmo na sua “formulação”, que não a do tribunal a quo.

Como este referiu e não foi posto em causa, mesmo que os elementos médicos (caso do relatório do INML) se abstivessem de se pronunciar sobre a definitividade e de fixar uma percentagem da incapacidade a pretexto de as lesões ainda não terem atingido a “consolidação médico-legal” e contemplem (caso do Atestado) a reavaliação futura (como se viu, segundo regime que, para os efeitos próprios de tal documento, nem pode resultar em prejuízo do utente caso já tenha obtido os benefícios almejados), como diz a sentença “sempre se impunha atentar à factualidade provada, designadamente nos pontos 32º a 40º, da qual decorre inequivocamente que a autora está numa situação de limitação tal que a impede, de facto, de voltar a exercer a sua actividade profissional.” – factualidade e conclusão estas que o documento ora junto e emitido pela CGA confirmou em termos peremptórios, assim dissipando qualquer dúvida que a enevoasse.

De resto, como também foi assinalado, desde a data de emissão do Atestado, passaram mais de seis meses – presentemente, mais de três anos –, o que evidencia uma estável sedimentação das lesões pressuposta no parágrafo 2 da referida cláusula 2ª e aí tomada como critério da definitividade da incapacidade, que prevista embora literalmente como critério de “reconhecimento” desta pela seguradora, e portanto da sua responsabilidade, também deve nortear o tribunal na aferição das condições em que a mesma lhe deve ser judicialmente imposta, face à sua não assunção voluntária.

Aquele reconhecimento não contempla uma atitude voluntária ou arbitrária da seguradora. Ele impõe-se-lhe e obriga-a desde que verificado o risco coberto.

Note-se que a persistência (e definitividade) do estado de incapacidade da autora – “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções” – foi reconhecido na Junta de Recurso da CGA em 22-10-2019.

Tal resultado, de resto, afasta de todo o argumento colocado em recurso pela apelante de que, mesmo a considerar-se como critério de accionamento do contrato de seguro a incapacidade permanente e definitiva para o exercício da actividade profissional, ela ainda não está “reformada” mas apenas temporariamente “de baixa”. A sua decidida aposentação, infirma tudo isso.

Deste modo, mais não é necessário para que se conclua pela improcedência das duas questões recursivas elencadas sob as alíneas c) e d).

Não colhe a invocação de que, estando “de baixa” (ou agora reformada) e a receber o correspondente subsídio (ou agora a devida pensão), não existe fundamento para accionar o seguro, sob pena de enriquecimento sem causa.

Tal questão não foi colocada na contestação, nem apreciada e decidida na sentença, nem pode constituir (por ser nova) objecto do recurso (de reapreciação).

Sempre se diga, não obstante, que o contrato não condiciona especificamente à carência de rendimentos a responsabilidade da seguradora (ou não prevê a sua manutenção como causa de exclusão), mas apenas à verificação da sua incapacidade, nos termos referidos. Ele não cobre o risco de insolvência, designadamente por perda da capacidade de trabalhar e, por isso, de obter rendimentos, mas sim o risco de ocorrência da incapacidade desde que absoluta e definitiva e independentemente do seu nexo quanto à perda e ao modo e nível de perda de rendimentos.

Verificada a incapacidade, existe, portanto, causa jurídica (o contrato), logo justa, para a apelante pagar o capital a que se obrigou.

Não se verifica a violação de quaisquer disposições legais ou contratuais, máxime as dos artºs 236º e 473º, do C C, ou do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril.

Devendo, enfim, improceder as duas últimas questões das alíneas e) e f), deve, sem embrago das alterações acima decididas quanto à matéria de facto, ser negado provimento ao recurso.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 05 de Dezembro de 2019

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo



1. Não apresentou conclusões, de resto facultativas. Por isso se resumem as suas alegações, quanto à parte argumentativa que julgamos útil.
2. Recursos em Processo Civil Novo Regime, 3ª edição, 2010, página 254.
3. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 184.
4. Processo nº 628/13.9TBGRD.C1 (Teles Pereira).
5. Processo nº 1203/14.6TBSTS.P1 (Manuel Fernandes).
6. Processo nº 32063/15.9T8LSB.L1.S1 (Abrantes Geraldes).
7. Processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 (Catarina Serra).
8. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 17-05-2018, processo nº 1644/15.1T8CHV.G2 (José Alberto Moreira Dias).
9. Sobre o problema de conhecimento de factos (essenciais, complementares, concretizadores e instrumentais) supervenientes, naturalmente diverso do da simples junção de documentos supervenientes, pode ver-se o estudo intitulado “O CONHECIMENTO DE FACTOS SUPERVENIENTES RELATIVOS AO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL DE RECURSO EM PROCESSO CIVIL”, da autoria de Nuno Andrade Pissarra, acessível na Internet.
10. Ponto 7 da sua resposta ao requerimento de junção.
11. Que é parte da por nós acima apontada.
12. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Almedina, 2018, página 314.
13. Como preconiza a ré apelante no ponto 10 da sua aludida resposta.
14. Certo que no Acórdão do STJ, de 01-03-2018, processo nº 208/16.7T8GRD.C1.S1, se refere (e nos de 12-09-2019, processo nº 1238/14.9TVLSB.L1.S2, e de 06-11-2019, processo nº 1130/18.8T8FNC.L1.S1, segue-se a mesma linha) que “Depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, a junção de documentos é ainda mais restritiva e excecional, sendo apenas admitidos e com as alegações (art. 651º, nº 1) os documentos cuja apresentação não tinha sido possível até àquele momento ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. Após as alegações não é admissível a junção de documentos.” Aliás, o Acórdão de 12-09-2019, parece ser ainda mais taxativo: “I – A faculdade de junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e não é possível depois da apresentação das alegações, por a lei não admitir a prorrogação do prazo constante do art. 651º, nº 1 do CPC. II – A junção em momento posterior não pode ser permitida ao abrigo do art. 6º, nº 1 do mesmo diploma – dever de gestão processual a cargo do juiz – por este visar uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de atos não permitidos por lei.”. Cremos, não obstante tais asserções, que, por não integrar o tema dos recursos julgados em tais arestos, não se terá ponderado concretamente nem querido manifestar o entendimento de que a junção é de rejeitar em hipóteses como a presente (superveniência objectiva), na qual ela é requerida após as alegações mas antes do início da elaboração do projecto e dos vistos. A afirmação terá partido apenas da perspectiva das situações normais, designadamente daquelas em que, sendo a junção justificada pela necessidade decorrente do julgamento proferido em 1ª instância, lógica e naturalmente há-de ser nas alegações que ela se invoca e discute e, portanto, há-de ser com elas que se juntam os documentos pertinentes.
15. Visando-se, em tal norma, excluir os Pareceres Técnicos e corrigir a evidente distorção ínsita ao artº 426º relativamente à 1ª instância, em face de cuja letra se permite a junção “em qualquer estado do processo” (pois não tem qualquer sentido juntar – e consequentemente permitir a junção de – Pareceres após a sentença!), pena foi que, concomitantemente, se não explicitasse como adoptada, quanto aos documentos, a mesma regra: “até ao início do prazo de elaboração do projecto de acórdão”.
16. Sobre isso, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, página 343.
17. No actual CPC, sobre a consideração de factos e a obtenção de provas ampliaram-se os poderes oficiosos do Tribunal. Neste último domínio, referiu-se no nosso Acórdão de 21-03-2019 (processo nº 48/19.1YRGMR) que, apesar das limitações estabelecidas em função do princípio dispositivo, ela “Possibilita, no entanto, ao tribunal a realização de diligências oficiosas complementares para obtenção e produção de provas (artºs 6º, 7º, 411º, 436º, 590º, nºs 2, alínea c), e 3, 452º, 467º, 490º, 526º e 607º, nº 1).”. Além destes, também o regime introduzido pelo artº 662º, nº 2, alínea b), confere latos poderes ao Tribunal da Relação.
18. Cfr, nesse sentido, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 24-04-2012, proferido no processo nº 219/10.6T2VGS.C1, relatado pelo Desemb. A. Beça Pereira: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”; de 14-01-2014, proferido no processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, relatado pelo Desemb. Henrique Antunes, em cujo texto se lê: “De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)[1]. Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação. Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.”. Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2014, procº nº 2344/12.0TBVNG-A.P1, relatado pelo Desemb. Carlos Gil. “A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis.”; da Relação de Coimbra, de 06-12-2016, proc. Nº 110/15, relatado pelo Desembarg. Moreira do Carmo: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.”; desta Relação de Guimarães, de 02-11-2017, processo nº 501/12.8TBCBC.G1, relatado pela Desemb. Maria João Matos: “Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).”. Mais recentemente se reafirmou no Acórdão também desta Relação, de 24-10-2019, processo nº 4249/17.9T8VCT.G1, relatado pleo Desemb. Jorge Teixeira, que se “não deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstância próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais.”.
19. A sentença seguiu muito de perto o texto, nela em grande parte transcrito, do Acórdão desta Relação referido, publicado na Base de Dados do ITIJ, para este se remetendo a necessária e melhor integração, mas ficando aqui o respectivo sumário: “I. A definição do sinistro «invalidez total e permanente» feita nas Condições Particulares de uma apólice de seguro deve prevalecer sobre a desconforme definição desse mesmo sinistro feita nas Condições Gerais do contrato de grupo do ramo vida em causa (art. 7º do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). II. É abusiva, e por isso nula, a cláusula contratual geral inserta nas Condições Gerais do dito contrato de seguro de grupo que, mercê da cumulativa exigência de plúrimas circunstâncias, limita de tal forma a verificação da invalidez total e permanente que exclui do âmbito expectável da cobertura situação de incapacidade que a deviam integrar (art. 21º, al. a) do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). III. Na interpretação do contrato de seguro há que aplicar as regras gerais da interpretação dos negócios jurídicos às cláusulas especificamente negociadas, e o regime próprio da interpretação das cláusulas contratuais gerais às que revistam essa qualidade (arts. 236º e 237º, ambos do C.C, e arts. 10º e 11º, ambos do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). IV. O dever de informação de cláusula contratual geral inserta num seguro de grupo contributivo onera, simultaneamente, o tomador de seguro/beneficiário e o segurador (respectivamente, art. 78º do Dec-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, e arts. 5.º e 6.º, ambos do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, e art. 227º do C.C.).”.
20. Deste princípio decorre que, quando não é possível fazer uma interpretação literal de um contrato por causa de cláusulas ambíguas ou contraditórias, a interpretação não deverá beneficiar a parte que redigiu essas cláusulas ocasionando a obscuridade.
21. Não nos termos restritos com que, na contestação, entendeu e defendeu dever ser considerado âmbito dessa mesma cobertura, máxime à luz do parágrafo 1 da cláusula 2ª removida.
22. E não defendeu qualquer outra, no recurso.
23. Na conclusão 22ª, assevere mesmo que “A resposta a dar ao pleito está pois na premissa enunciada, [que] os segurados tenham ficado impedidos de trabalhar de forma permanente…e nada nos autos permite essa conclusão em relação à autora”.
24. Note-se que os entendimentos adjuvantes esgrimidos na sentença quanto à circunstância de terem decorrido mais de seis meses, conforme previsto no nº 2, da cláusula 2ª, desde que foi emitido o atestado indicativo da percentagem de incapacidade, e de que sempre os factos provados nos pontos 32º a 40º mostram inequivocamente a limitação da autora para exercer a sua actividade profissional, apesar de referidos e contestados nas alegações, não foram levados às conclusões e, portanto, aos temas do recurso como seria necessário, para poderem, eventualmente, ser conhecidos pelo tribunal ad quem.
25. Note-se que não foi alvo de impugnação o facto 35, contra o que mencionou a recorrida nas suas contra-alegações.
26. Processo nº 00144/18.2BECBR.
27. Como se sabe, é discutível e tem sido discutido se, na decisão a que alude o artº 607º, nº 4, CPC, devem ser objecto de declaração e inclusão como factos provados e não provados os de carácter instrumental. Como, por exemplo, se disse no Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-05-2016, processo nº 272/13.0YXLSB.L1, “I–Os factos instrumentais servem para a prova indiciária dos factos essenciais, porquanto através deles se poderá chegar, por via de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes. II–Desempenham pois, em exclusivo, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa. III–Os factos a discriminar em sede de fundamentação da sentença, nos termos do artigo 607º, n.º 3, do Código de Processo Civil, são somente os factos essenciais. IV–O campo privilegiado dos factos instrumentais é o da motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais” constante do n.º 4 do artigo 607º.”. V–Diverso será o tratamento, quando nos confrontemos com factos que integrem presunções legais, que valerão então como factos essenciais e não apenas como factos instrumentais.” No mesmo sentido, podem também ver-se o Acórdão daquela mesma Relação, de 25-10-2016, processo nº 600/12.6TVLOSB.L1-7, e os desta Relação de Guimarães, de 16-11-2017, processo nº 833/15.3T8BGC.G1, e de 03-05-2018, processo nº 322/15.6T8VPA.G1. No caso, a “incapacidade absoluta e definitiva” em que se estrutura a causa de pedir, de cuja demonstração depende o pretenso direito é um conceito normativo ou valorativo na medida em que previsto como pressuposto daquele na lex contractus mas sem correspondência directa em factos simples e vulgares, da experiência empírica, perceptíveis pelos sentidos e narráveis pelo observador comum. Por isso, além de a sua verificação e quantificação relativa depender de uma avaliação por meios de prova idóneos, como são os periciais e os atestados, ele há-de basear-se também conjugadamente em pareceres, informações clínicas, outros documentos e depoimentos testemunhais, de cada um podendo resultar factos parcelares que instrumentalmente conduzam à demonstração da situação clínica global enquanto facto complexo. É em relação a factos instrumentais não puramente probatórios que se admite a sua inserção no elenco dos provados.
28. É por isso que, concordando-se com a recorrente quando afirma na sua resposta ao pedido de junção do documento (ponto 10) que “a análise correcta dos circunstancialismos de facto e a correcta interpretação e aplicação do direito impõe que o recurso seja apreciado com base na realidade de facto existente à data da interposição da acção e à luz dos factos alegados na petição inicial, e bem assim com base na abundante prova produzida e atempadamente junta aos autos quanto a essa realidade”. Estando isto certo, é esta análise e são estes os critérios por que nos norteamos. Ponto é que se distinga claramente a “superveniência objectiva documento” e dos factos (instrumentais) probatórios por ele aportados (que é a que se verifica) da “superveniência objectiva de factos essenciais” (que não se verifica).