RECURSO PENAL
HOMICÍDIO QUALIFICADO
TENTATIVA
FURTO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
SEQUESTRO
ROUBO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
DUPLA CONFORME
INCONSTITUCIONALIDADE
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IN DUBIO PRO REO
PROIBIÇÃO DE PROVA
REFORMATIO IN PEJUS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA DA PENA
Sumário


I -    O arguido foi condenado na primeira instância, na parte criminal, por acórdão de 08-03-2018, nos seguintes termos:
«condenar o arguido X, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, nºs. 1 e 2, al. l) do CP, agravado nos termos do n.º 3 do art. 86.º do RJAM, relativamente à pessoa de A, na pena de 21 anos de prisão; e - absolver o mesmo arguido da qualificação a que se reporta a al. j), do n.º 2, do art. 132.º do CP, que lhe estava também imputada no crime de homicídio qualificado agravado;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, nºs. 1 e 2, als. g) e j) do CP, agravado nos termos do n.º 3 do art. 86.º do RJAM, relativamente à pessoa de B, na pena de 22 anos de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, nºs. 1 e 2, als. g) e j) do CP, agravado nos termos do n.º 3 do art. 86.º do RJAM, relativamente à pessoa de C, na pena de 22 anos de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material, de 1 crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º; 23.º; 131.º e 132.º, nºs. 1 e 2, als. g), j) e l) do CP, agravado nos termos do art. 86º, n.º 3 do RJAM, visando a pessoa de D, na pena de 11 anos e 6 meses de prisão; e - absolver o mesmo arguido da imputada prática de 1 crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, nºs. 1 e 2, al. g) e j) do CP;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º; 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 ex vi art. 132.º, n.º 2, al. g) do CP, agravado pelo n.º 3 do art. 86.º do RJAM, em que é ofendida E, na pena de 2 anos de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de sequestro, p. e p. pelos arts. 158.º, n.º 1 e n.º 2, al. f) ex vi 132.º, n.º2, al. l), todos do CP, agravado nos termos do n.º 3 do art. 86.º do RJAM, e em que é ofendido D, na pena de 6 anos de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 do CP, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, em que é ofendida E, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 do CP, agravado pelo n.º 3 do art. 86.º do RJAM, em que é ofendido F na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) ex vi 204.º, n.º 2 al. f), todos do CP, na pessoa de D e em que é ofendido o Estado Português, na pena de 5 anos de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) ex vi 204.º, n.º 2 al. f), todos do CP, em que é ofendido F, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- absolver o mesmo arguido da prática de 1 crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º2, al. f), todos do CP, em que é ofendido B;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de furto (simples por “desqualificação”), p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. f) e n.º 4 do CP, em que é ofendido B, na pena de 6 meses de prisão;
- absolver o mesmo arguido da prática de 1 crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), todos do CP;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. f) do CP, em que é ofendida a mesma C, na pena de 3 anos de prisão;
- absolver o mesmo arguido da prática de 1 crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), todos do CP, em que é ofendida E;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de furto (simples por “desqualificação”), p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, als. e) e f) e n.º4 do CP, em que é ofendida E, na pena de 2 meses de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86.º, n.º 1, als. a) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23-02, por referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. p), ae) e az) e n.º 3, al. p) e 3.º, nºs. 1 e 2, al. a) do mesmo diploma legal (referente à detenção e uso das 2 armas de fogo da marca Glock, calibre 9mm das forças de segurança e respetivas munições), na pena de 3 anos de prisão;
- condenar o arguido X pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 2-02, por referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. p), ae) e az) e n.º 3, al. p) e 3.º, nºs. 1 e 3 do mesmo diploma legal (referente à detenção e uso da arma de fogo de calibre 7.65mm e respetivas munições), na pena de 2 anos de prisão;
-absolver o mesmo arguido da imputada prática de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23-02, por referência ao art. 2.º, n.º 3, al. p) do mesmo diploma legal (referente à detenção das munições das armas de fogo aludidas supra), considerado de forma autónoma em relação aos 2 crimes acima referidos;
- operando o competente cúmulo jurídico, condenar o arguido X na pena única de 25 anos de prisão. »
II -    Por força de recurso do arguido, a Relação de Coimbra, por acórdão de 17-10-2018, julgou o recurso totalmente improcedente.
III -   Novamente inconformado, recorre o arguido para este STJ que, no presente acórdão, negou provimento ao recurso.
IV -  No que tange aos crimes de furto.
De acordo com a al. e) do art. 400.º, do CPP, não é admissível recurso «De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos»
     E segundo a al. f) do art. 400.º, do mesmo Código, não é admissível recurso «De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos».
A confirmação ou dupla conforme é perfeita, quando o tribunal de recurso (Relação) mantém a pena e o tipo de crime.
No caso em concreto, estamos perante penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão que foram integralmente confirmadas pela Relação.
     Aplicando o disposto nos mencionados arts. 400.º, n.º 1, al. e) e 432.º, n.º 1, al. d) do CPP, verifica-se que o presente recurso para este STJ é, nesta parte, inadmissível.
    E sê-lo-ia também em face da al. f) do n.º 1 do citado art. 400.º.
É pacífico o entendimento destas 2 alíneas na jurisprudência deste STJ.
V -    Não são inconstitucionais as normas conjugadas dos arts- 410.º, n.º 2 e 3 e 434.º do CPP. O duplo grau de jurisdição pressupõe que a decisão de 1 tribunal seja sindicada por 1 tribunal superior, isto é, pressupõe 1 só recurso (v. g. de decisão de tribunal de 1.ª instância para um tribunal de 2.ª instância).
O direito de recurso, porém, fica satisfeito com um duplo grau de jurisdição. Na verdade, «não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um terceiro grau de jurisdição» (acórdão TC 2/2006, DR II S., de 13-02-2006; v., também, com interesse, o acórdão TC 64/2006 e o acórdão STJ de 26-01-2006, Rel. Quinta Gomes; na jurisprudência mais recente do TC, afastando o triplo grau de jurisdição, cf. acórdãos 418/2016 e 186/2019).
VI -   A invocação perante o STJ dos vícios do art. 410.º do CPP está, em princípio, votada ao fracasso. O Tribunal da Relação fecha, como regra, o ciclo de conhecimento da matéria de facto. A arguição dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP não pode, em princípio, constituir fundamento de recurso para o STJ, como é pacificamente entendido na jurisprudência deste STJ, que não está, porém, impedido de os conhecer oficiosamente.
É perfeitamente inútil, maxime nos casos, como o dos presentes autos, em que já houve intervenção da Relação, pretender-se rediscutir a matéria de facto perante o STJ, que como é sabido funciona, em regra, como tribunal de revista, conhecendo apenas de direito. Mesmos nos casos de recurso directo para o STJ, a competência deste restringe-se, exclusivamente, à matéria de direito (al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP). 
VII -   O princípio in dubio pro reo, que constitui uma das vertentes do princípio da presunção de inocência, é um princípio relativo à prova (cf. Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal I, 2000, p. 81 e ss.) não se aplicando na matéria de direito.
A diversidade das versões não impõe, necessariamente, que se lance mão do princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.
Conforme se escreve no acórdão do STJ de 03-05-2018, Proc. 444/14.0JACBR.C1.S1, Rel. Isabel São Marcos, na esteira de muitos outros arestos deste mesmo STJ, como «tem considerado a jurisprudência constante e pacífica do STJ, este só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo se, da decisão, resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.»
A questão da violação do princípio in dubio pro reo é reeditada pelo impetrante, dado que já foi alegada no recurso para a Relação, que sobre o mesmo se debruçou em vários passos do aresto em crise. 
Tendo em atenção o recorte conceitual, traçado pela doutrina e pela jurisprudência, do princípio em causa, e atenta a factualidade provada e a fundamentação respectiva, não se divisa que o tribunal da Relação de Coimbra tenha ficado com qualquer dúvida relativamente à responsabilidade do arguido. É que, note-se bem, a dúvida é a do tribunal e não a do arguido.
VIII -  A circunstância de não se ter conseguido apurar a motivação do crime (sobre os motivos do crime e seu desconhecimento cf. acórdãos do STJ de 09-11-1994, CJACSTJ II, T. 3, p. 239, de 26-02-1997, BMJ 464, p. 423, de 14-04-1999, CJACSTJ VII, T. 2, pg. 174) -, não impede que o mesmo se considere como verificado e o(s) seu(s) autor(es) punido(s).
E não se confunde, de modo nenhum, a motivação para a prática de um crime com a questão da autoria do mesmo crime, como bem se realça na Resposta do Exmo. PGA junto do Tribunal da Relação de Coimbra.
Como também a circunstância de, por exemplo, não aparecer o cadáver não obsta à condenação pelo crime de homicídio [aconteceu em mediáticos processos conhecidos como casos «Joana», sobre o qual incidiu acórdão do STJ de 20-04-2006, Proc. 06P363, Rel. Rodrigues da Costa e «Máfia de Braga» (v. jornal Público de 27-07-2019) sobre o qual incidiu o acórdão STJ de 19-06-2019, Proc. 881/16.6JAPRT-X.S1, Rel. Pires da Graça, que se encontra no TC].
IX -   A prova para uma condenação pode ser apenas, e só, indirecta ou indiciária
O tribunal pode, na verdade, lançar mão da prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou, dado que este tipo de prova, distinta da prova directa, é admissível pelo nosso ordenamento jurídico.
Trata-se de entendimento pacífico na jurisprudência (cf. deste STJ, acórdãos 12-03-2009, Proc. n.º 09P0395, Rel. Santos Cabral, de 18-06-2009, Proc. n.º 81/04PBBGC.S1, Rel. Armindo Monteiro e do TC o acórdão n.º 521/2018) e na doutrina.
X -    O arguido suscita também a inconstitucionalidade do art. 409.º, do CPP, por violação expressa do disposto nos arts. 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 da CRP, quando interpretado no sentido de não se proceder a um novo cúmulo jurídico e determinação de pena única desagravada e necessariamente inferior ao máximo legal cominado pela lei penal quando, em recurso, o tribunal ad quem decide pela absolvição de algum ou alguns dos crimes que integraram o cúmulo jurídico efectuado a quo, postergando, nesta enviesada interpretação, a proibição da reformatio in pejus enquanto elemento garantístico do direito ao recurso e enquanto princípio integrante de um processo justo e equitativo.
Tal pretensão do arguido, para a hipótese — que no caso em concreto se não verifica — da sua absolvição por algum ou alguns dos crimes, não tem cabimento.
Não se verificaria qualquer inconstitucionalidade como resulta, com clareza, do disposto no acórdão do TC n.º 490/2016, do qual, por elucidativo, se transcreve parte do sumário: «VI - A projeção teleológica da ideia de proibição da reformatio in pejus, enquanto garantia ancorada no art. 32.º, n.º 1 da CRP, não abrange uma obrigação, referida ao tribunal de recurso, de reformatio in melius, entendida esta como vinculação do julgador a modificar, na sua espécie ou medida, num sentido favorável ao arguido, a sanção ou sanções aplicadas na decisão recorrida. VII -   Assim, a decisão de suprimir, no quadro de um recurso interposto pelo arguido, um facto que havia sido considerado na decisão recorrida, não implica necessariamente a reformulação in melius da sanção estabelecida pelo tribunal a quo.».

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. Neste Proc. 232/16.0JAGRD, do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda-Juiz 2, Comarca da Guarda, por acórdão de 8/3/2018, foi o arguido AA condenado nos seguintes termos:


«condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.º 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. l) do Código Penal, agravado nos termos do n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, relativamente à pessoa de BB, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão; e - absolver o mesmo arguido da qualificação a que se reporta a al. j), do n.º2, do art.º 132º do Código Penal, que lhe estava também imputada no crime de homicídio qualificado agravado de BB;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.º 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. g) e j) do Código Penal, agravado nos termos do n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, relativamente à pessoa de CC, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.º 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. g) e j) do Código Penal, agravado nos termos do n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, relativamente à pessoa de DD, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts.º 22º; 23º; 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. g), j) e l) do Código Penal, agravado nos termos do art.º 86º, n.º3 do RJAM, visando a pessoa de EE, na pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão; e - absolver o mesmo arguido da imputada prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. g) e j) do Código Penal na pessoa de FF;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts.º 143º; 145º, n.º1, al. a) e n.º2 ex vi art.º 132º, n.º2, al. g) do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, em que é ofendida FF, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de sequestro, p. e p. pelos arts.º 158º, n.º1 e n.º2, al. f) ex vi 132º, n.º2, al. l), todos do Código Penal, agravado nos termos do n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, e em que é ofendido EE, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158º, n.º1 do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, em que é ofendida FF, na pena de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158º, n.º1 do Código Penal, agravado pelo n.º 3 do art.º 86.º do RJAM, em que é ofendido GG, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelos arts.º 210º, n.º1 e n.º2, al. b) ex vi 204º, n.º2 al. f), todos do Código Penal, na pessoa de EE e em que é ofendido o Estado Português, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelos arts.º 210º, n.º1 e n.º2, al. b) ex vi 204º, n.º2 al. f), todos do Código Penal, em que é ofendido GG, a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- absolver o mesmo arguido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), todos do Código Penal, em que é ofendido CC;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto (simples por “desqualificação”), p. e p. pelos arts.º 203º, n.º1 e 204º, n.º2, al. f) e n.º4 do Código Penal, em que é ofendido CC, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- absolver o mesmo arguido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), todos do Código Penal, em que é ofendida DD;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.º 203º, n.º1 e 204º, n.º2, al. f) do Código Penal, em que é ofendida a mesma DD, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- absolver o mesmo arguido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º2, al. f), todos do Código Penal, em que é ofendida FF;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto (simples por “desqualificação”), p. e p. pelos arts.º 203º, n.º1 e 204º, n.º2, als. e) e f) e n.º4 do Código Penal, em que é ofendida FF, na pena de 2 (dois) meses de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.º 86º, n.º1, als. a) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 2.º, n.º1, al. p), ae) e az) e n.º3, al. p) e 3.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do mesmo diploma legal (referente à detenção e uso das duas armas de fogo da marca Glock, calibre 9mm das forças de segurança e respetivas munições), na pena de 3 (três) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.º 86º, n.º1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 2.º, n.º1, al. p), ae) e az) e n.º3, al. p) e 3.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo diploma legal (referente à detenção e uso da arma de fogo de calibre 7.65mm e respetivas munições), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

-absolver o mesmo arguido da imputada prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao artigo 2.º, n.º3, al. p) do mesmo diploma legal (referente à detenção das munições das armas de fogo aludidas supra), considerado de forma autónoma em relação aos dois crimes acima referidos;

- operando o competente cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.


*


- condenar o demandado AA ao pagamento ao demandante EE de €70.000,00 (setenta mil euros), por danos não patrimoniais e de €594,02 (quinhentos e noventa e quatro euros e dois cêntimos), por danos patrimoniais (em virtude do reembolso já efetuado), acrescidos de todas as despesas médicas que vier futuramente a suportar, decorrentes das lesões provocadas pelo demandado, todos acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento, no mais se absolvendo o demandado do contra si peticionado por este demandante;

- condenar o demandado AA ao pagamento aos demandantes HH e II, pela perda do direito à vida do filho BB €80.000,00 (oitenta mil euros) e pelos danos morais próprios sofridos €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a cada um, acrescidos dos juros legais, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado da decisão, até efetivo e integral pagamento, no mais absolvendo o demandado do por estes peticionado;

- condenar o demandado AA ao pagamento aos demandantes JJ e KK, de €80.000,00 (oitenta mil euros) de indemnização pela perda do direito à vida de CC; €80.000,00 (oitenta mil euros) de indemnização pela perda do direito à vida de DD; €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) por danos não patrimoniais sofridos por DD nos momentos que antecederam a sua morte; €30.000,00 (trinta mil euros) a cada um dos demandantes por danos não patrimoniais sofridos por estes com a morte da filha, sendo estes montantes de indemnização por danos não patrimoniais acrescidos de juros de mora à taxa civil, não a contar da notificação do pedido, mas sim da data da presente decisão.

Mais se condena o demandado a pagar aos referidos demandantes €1150,00 (mil cento e cinquenta euros) por reporte a despesas com o funeral de CC e €162,00 (cento e sessenta e dois euros) pelas despesas com o funeral de DD (em virtude do reembolso já operado de €1038,00 aos demandantes a este respeito), acrescidos de juros à taxa legal, sobre cada uma dessas quantias, desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.

No mais se absolve o demandado do peticionado por estes demandantes;

- condenar o demandado AA ao pagamento à demandante FF de €10.000,00 (dez mil euros) por danos não patrimoniais e €20,00 (vinte euros) pelo valor dos seus bens de que o demandado se apropriou, os primeiros (por danos não patrimoniais) acrescidos de juros de mora à taxa civil, não a contar da notificação do pedido, mas sim da data da presente decisão, sendo os demais (por danos patrimoniais) acrescidos dos juros à taxa legal vencidos e que se vierem a vencer desde a notificação do pedido até efetivo e integral pagamento, no mais absolvendo o demandado do peticionado pela demandante;

- absolver o demandado AA dos pedidos de indemnização cível formulados por LL, MM e NN.»


 2. Inconformado, interpôs o arguido recurso para a Relação de Coimbra, que, por acórdão de 17/10/2018 (págs. 6231-6512, do 17.º vol.), julgou o recurso totalmente improcedente.

Recurso do arguido para o STJ


 3. Novamente inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido (págs. 6542-6586, do 18.º vol.) para este Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes moldes (conclusões):


«CONCLUSÕES:


1.º - Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que julgou totalmente improcedente o recurso que o arguido havia interposto do acórdão condenatório proferido pela primeira instância.

 

A - DOS FUNDAMENTOS


I - Do crime de furto simples em que é ofendida FF:


  2.º - A este respeito, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, o arguido alegou, em síntese, o seguinte:


  Tendo sido condenado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, de natureza semi-pública, haverá, no entanto, a considerar que os bens furtados são de diminuto valor, tratando-se de alimentos destinados a consumo imediato e indispensáveis à satisfação da sua necessidade de alimentação enquanto se encontrasse em fuga e perseguido pela polícia.

 

 Por isso, a conduta do arguido integrou o estatuído no art. 207.º, n.º 1, al. b) do Código Penal (CP);


Do ponto de vista da legitimidade do Ministério Público (MP) para promover o processo, este crime assume a natureza de crime particular.


 Em consequência, verifica-se a falta de legitimidade do MP para promover o processo, já que a natureza particular do crime, para além da queixa, exige também a constituição de assistente e a dedução de acusação particular (cfr. artigos 117.º, 203.º n.ºs 1 e 3, 207.º, n.º 1, al. b), do CP e 48.º, 50.º, 68.º, 69.º, n.º 2, al. b), 242.º, n.º 3, 246.º, n.º 4 e 285.º, do CPP).


    O que no caso concreto não sucedeu.


   Assim, evidencia-se a falta de legitimidade do MP para promover o processo e, por isso, a falta de promoção do mesmo nos termos do disposto no artigo 48.º, do CPP, o que constitui nulidade insanável (artigo 119.º, alínea b), do CPP).


   3.º - O acórdão ora recorrido (do Tribunal da Relação) assim não entendeu, antes considerando que, apesar de estarmos em face de bens de valor diminuto, não pode afirmar-se que se destinassem à satisfação de uma necessidade física do agente, nem tão-pouco à satisfação de uma necessidade imediata.


   Isso porque o tupperware e o saco térmico não se destinavam a consumo imediato do arguido e, além disso, apesar de se encontrar em fuga, e quando surpreendido pela ofendida na casa desta em Moldes, o arguido tinha acabado de se alimentar.


   Considerou ainda o Tribunal da Relação que a ofendida FF se constituiu assistente nos autos.


Por outro lado, entendeu-se ainda no acórdão recorrido, que, mesmo que assim não fosse e estivéssemos efetivamente perante crime de natureza particular, sempre seria de adotar a solução que alguma jurisprudência vem seguindo, nomeadamente a do acórdão do TRL de 17.06.2015 e a do acórdão do TRG de 25.09.2017, que em parte se transcreveu.


  4.º - Com o devido respeito, discordamos da argumentação.


Desde logo: a ofendida FF não se constituiu assistente nos presentes autos. Só por lapso, o tribunal recorrido pode tê-lo afirmado.


Por outro lado, o contexto em que ocorreu o furto dos bens alimentares pertencentes a FF - cfr. por todos os factos provados ns. 69.º, 71.º e 85.º - evidencia que o arguido subtraiu os bens em causa para poder alimentar-se enquanto estivesse em fuga, escondido e perseguido pela polícia e por não ter acesso a tais bens como teria em condições normais.


Nessa medida, é de considerar que, para o efeito previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 207.º, do CP, os bens em causa se destinaram à utilização imediata pelo arguido; imediata, no sentido de enquanto estivesse em fuga e sem acesso a bens alimentares; o que é reforçado pela pequena quantidade de bens subtraídos. A redação da norma e a respetiva ratio permite, sem necessidade de grandes raciocínios, esta interpretação.


Assim como, tendo também valor diminuto, o tupperware e o saco térmico devem considerar-se aí incluídos, já que de outra forma não seria possível ao agente levar consigo os bens alimentares, ainda que em pouca quantidade. O que faz de tais objetos «indispensáveis» à satisfação da necessidade alimentar do agente.


A redação da norma permite, sem esforço, esta interpretação.


 5.º - No que respeita à jurisprudência acima mencionada:

dizer-se que nos crimes de natureza particular, apesar de a lei exigir a constituição prévia de assistente e a dedução por este de acusação particular em momento anterior ao do MP (cfr. artigo 285.º, n.ºs 1 e 4, do CPP), estes pressupostos podem ser dispensados quando o MP investigou, deduziu acusação e o julgamento se realizou tendo por base factos que consubstanciassem um crime de natureza pública ou semi-pública, tudo se passando como se aqueles pressupostos houvessem sido previamente respeitados, como a lei inequivocamente exige,corresponde a uma clara e intolerável aplicação artificiosa dos ditames legais.


Estaria assim encontrada a forma de contornar a lei e de o MP, mesmo não tendo legitimidade para promover o processo, poder fazê-lo quando assim o entendesse.


  Bastaria investigar o «roubo» em vez do «furto simples», ou a «violência doméstica» em vez da «ofensa à integridade física» ou da «injúria» ou da «difamação», a «burla qualificada» em vez da «burla simples», o «abuso de confiança agravado» em vez do «abuso de confiança simples», e depois, porque o julgamento se realizou, porque o ofendido foi ouvido no processo e relatou o que sabia, tudo se passaria como se o ofendido, em devido tempo, tivesse denunciado os factos correspondentes.


Por muitas manifestações de vontade que o ofendido tenha tido no processo, não se vê como prescindir e considerar como cumpridas as exigências legais no sentido de o titular do direito de queixa dar conhecimento prévio dos factos ao MP (artigos 49.º, n.º 1 e 50.º, n.º 1, do CPP), constituir-se assistente no prazo previsto no n.º 2, do artigo 68.º e do artigo 246.º, n.º 4, do CPP, e deduzir acusação, em primeiro lugar, nos termos do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do CPP;


Sobretudo quando o legislador determina que essas violações da lei (artigo 118.º, n.º 1, do CPP) consubstanciam não apenas nulidade dependente de arguição, mas nulidade insanável (cfr. corpo do artigo 119.º, do CPP).


   O juiz pode e deve interpretar e aplicar a lei de acordo com um sentido que tenha o mínimo de correspondência com a lei. Não pode alterar a lei e não pode elaborar lei nova.


   Só o legislador pode determinar quais os crimes de natureza particular, ou de natureza semi-pública ou de natureza pública, ou até para nos crimes públicos determinar a extinção da responsabilidade criminal como sucede no caso do artigo 206.º, do CP.


O que, por maioria de razão, se aplica igualmente aos pressupostos e requisitos – como a queixa, a constituição prévia de assistente e a acusação particular deduzida em primeiro lugar pelo assistente – que o legislador impõe ao procedimento por tais crimes. Sob pena de se frustrarem as determinações que o legislador quis impor para cada tipo de crime.


Uma coisa é a legitimidade do MP para promover o processso por crimes de natureza pública, acusando por factos relativamente aos quais tenha legitimidade, estabilizando-se os pressupostos processuais relativos a essa acusação;

 Outra coisa é a legitimidade do MP para promover o processo por crimes de natureza semi-pública ou particular, em que não tem legitimidade para sequer iniciar o processo se não existir uma queixa prévia no prazo legal, ou para dar continuação à marcha do processo se, nos crimes particulares, não ocorrer também a constituição de assistente no prazo previsto no artigo 68.º, n.º 2, do CPP, ou a dedução de acusação particular pelo assistente, prévia à do MP, no prazo consignado no n.º 1, do artigo 285.º, do CPP;

No primeiro caso, o MP tem legitimidade plena para, sozinho, promover o processo; no segundo caso, o MP só terá essa legitimidade se, a seu tempo, forem cumpridos cada um daqueles pressupostos previstos na lei (queixa, nos crimes semi-públicos; queixa, constituição de assistente e acusação particular nos crimes particulares e cada um no seu momento próprio).


E essa legitimidade tem que ser adquirida pelo MP no momento próprio que o legislador quis prever expressamente e quis impor num determinado momento, cominando para a sua violação o vício mais grave: nulidade insanável.


Não pode, pois, perante essa violação da lei, pretender dar-se por sanada ou branqueada essa nulidade insanável, considerando-se que aqueles atos especificadamente previstos na lei – queixa, constituição de assistente no prazo legal e dedução prévia de acusação particular – foram como que substituídos por «atos distintos» (para usar a expressão do referido ac. do TRL de 17.06.2015) praticados em momento posterior de forma a poder considerar-se retroativamente cumpridos aqueles pressupostos legais.


Ocorre dizer que, desta forma, não é possível nem se pode trabalhar; nem nenhum cidadão pode saber com o que pode efetivamente contar da lei e ou da aplicação que da mesma é feita;

Porque a incerteza e a insegurança jurídicas que decorre de tais procedimentos confusos e atabalhoados é tal que a lei pode considerar-se letra morta.


  6.º - Resulta de todo o exposto que o acórdão recorrido, considerando que o crime em causa não tem natureza particular e/ou considerando que, ainda que o tenha, tudo se passa como se os pressupostos respetivos tivessem sido devida e atempadamente observados, violou o preceituado nos artigos 113.º, n.º 1, 117.º, 203.º n.ºs 1 e 3 e 207.º, n.º 1, al. b), do CP e os artigos 48.º, 50.º, 68.º, n.º s 1 e 2, 69.º, n.º 2, al. b), 118.º, n.º 1, 119.º, al. b), 242.º, n.º 3, 246.º, n.º 4 e 285.º, n.º 1 e 4, do CPP.


   7.º -


II - Do crime de furto simples em que é ofendido CC:


O MP deduzira acusação contra o arguido pela prática de crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f), do CP,

E o arguido viria a ser punido na primeira instância pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, al. f) e n.º 4, do CP.


   8.º - Como o arguido alegou no recurso que interpôs para o tribunal da Relação, o crime em causa tem natureza semi-pública, sendo certo que não foi apresentada a respetiva queixa por quem de direito e no prazo legal.


   9.º - O acórdão ora recorrido (do Tribunal da Relação) assim não entendeu.


Com efeito, considerou-se no acórdão recorrido fundamentalmente o seguinte:


A vítima CC faleceu no dia 11.10.2016; Sobreviveu-lhe a mulher DD que, permanecendo alguns meses em estado vegetativo, acabou por falecer em 12.04.2017.


Apesar disso, considerou-se no acórdão recorrido que a vítima DD foi notificada para os fins do disposto no artigo 75.º, do CPP, na pessoa da sua mãe KK – fls. 1474;


Considerou-se também que em 15.03.2017, DD, representada pela tutora provisória, a sua mãe atrás mencionada, manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil (PIC) pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por si e em resultado da morte do seu marido, CC – fls. 3566;


O tribunal ora recorrido considerou ainda o auto de diligência de fls. 1561/1562, de 27.10.2016, em que a assistente/mãe de DD comunicou à PJ que «ou a sua filha ou o seu genro levariam consigo uma quantia avultada de dinheiro…»;


Assim como o tribunal recorrido considerou igualmente o auto de inquirição de testemunha de fls. 3073/3074 em que a mesma assistente afirmou que a filha e o genro levariam com eles uma elevada em dinheiro.


O mesmo tribunal da Relação invocou ainda as declarações que a mãe da vítima CC, a assistente MM, prestou no inquérito em que também afirmou que o filho e a nora levariam com eles avultada quantia em dinheiro.


Para além disso, o mesmo Tribunal recorrido considerou ainda que os titulares do direito de queixa, pais da vítima DD, deduziram PIC em que descreveram os factos da acusação pública, designadamente os relativos à subtração dos bens da vítima CC, com o que manifestaram mais uma vez o desejo de submeter o arguido a julgamento por esses factos.


Em consequência, entendeu o Tribunal da Relação que atempadamente e por quem tinha legitimidade foi apresentada queixa pelos factos em causa, isto é, subtração de uma carteira com € 60,00 em numerário e um telemóvel cujo valor não se apurou.


Finalmente, entendeu o tribunal recorrido que «ainda que se considerasse que inexiste queixa validamente apresentada pelo titular do respetivo direito», não há qualquer invalidade do procedimento nem se verifica a ilegitimidade do MP para exercer a ação penal quanto à subtraçãode bens de CC.


 10.º - Discordamos em absoluto.


  Mais uma vez, a incerteza e a insegurança jurídicas resultantes deste entendimento fazem de imediato concluir pela falta de razão do Tribunal recorrido.


  11.º - Desde logo quanto à titularidade do direito de queixa.


Confunde-se no acórdão recorrido o pedido de indemnização civil com a queixa criminal e obviamente que uma coisa não se confunde com outra.


Desde logo, a notificação feita à mãe de DD, em 27.10.2016, para os fins do disposto no artigo 75.º, do CPP, nunca pode considerar-se como notificação feita à mesma DD, já que aquela ainda não havia sido nomeada tutora provisória da filha, o que só viria a suceder em 06.03.2017 (fls. 3572);


Nem a manifestação de deduzir PIC, nos termos do disposto no artigo 75.º, do CPP, ou a dedução desse mesmo PIC pode entender-se como apresentação de queixa criminal.


Por outro lado, o Tribunal recorrido pretende ver no auto de fls. 1561/1562, que tem o título «AUTO DE DILIGÊNCIA (CONVERSA INFORMAL)» e que não se encontra assinado pela alegada queixosa ou sua representante a apresentação de uma queixa criminal;


Este auto não tem qualquer valor em termos do que disse ou não disse a pessoa aí mencionada, no caso, a mãe de DD. Obviamente.


Já no que respeita ao auto de inquirição de testemunha de fls. 3073/3074, a mãe de DD não mostrou qualquer propósito de apresentar queixa pela subtração de qualquer quantia em dinheiro, antes afirmando que a filha e o genro levariam com eles quantia elevada; o que é bem diferente de ter dito que essa quantia efetivamente estava na posse da filha e do genro e bem diferente de ter dito que a mesma foi subtraída por quem que seja;


Mas ainda que assim não fosse, sempre haverá que ter em consideração que essas declarações foram prestadas em 13.01.2017, ou seja, num momento em que DD ainda estava viva e em que não tinha sido ainda nomeada a tutora provisória.


Além de que essas declarações não podem ser valoradas, como resulta do disposto no artigo 356.º, n.º 2, alínea b), do CPP.


Já quanto ao auto de inquirição da assistente MM, mãe da vítima CC, de fls. 3076/3077, de 13.01.2017, igualmente não mostrou qualquer propósito de apresentar queixa pela subtração de qualquer quantia em dinheiro, antes afirmando que o filho e a nora levariam com eles quantia elevada; o que é bem diferente de ter dito que essa quantia efetivamente estava na posse daqueles e bem diferente de ter dito que a mesma foi subtraída por quem que fosse;

 

Além de que essas declarações não podem ser valoradas, como resulta do disposto no artigo 356.º, n.º 2, alínea b), do CPP.


 12.º - Finalmente, entendeu o tribunal recorrido que o procedimento sempre seria válido e o MP sempre teria legitimidade para promover o processo como promoveu, invocando-se o acórdão do TRC de 11.05.2016, em que se entendeu que, tendo o MP acusado por factos que consubstanciavam a prática de crime de furto qualificado, e não se provando em julgamento a qualificativa do crime, nem por isso pode entender-se que, por falta da queixa respetiva, o arguido deve ser absolvido ou extinta a instância por falta de legitimidade do MP para promover o processo;

Isso porque «o que já se iniciou legitimamente, iniciado está e permanece», entendendo-se que o procedimento se iniciou e decorreu de uma forma válida e regular.


  13.º - Dizemos nós: realmente é assim, mas apenas quanto ao crime público, furto qualificado;


   Até aí, tudo decorreu de forma válida e regular;


  A partir daí, de forma válida e regular, não poderá continuar-se o procedimento tendo por base esse crime público já que a prova foi produzida no sentido da prática do crime de furto, de natureza semi-pública;


   A partir daí, para se continuar válida e regularmente com o procedimento, necessário será que anteriormente, e no prazo legal, o titular do direito respetivo tenha apresentado queixa.


     Se tal não aconteceu, o procedimento terá que ser arquivado por falta de legitimidade do MP para a promoção do processo. Por crime de natureza semi-pública; porque para a promoção pelo crime público, essa legitimidade, obviamente, continuará incólume. De contrário estaremos perante NULIDADE INSANÁVEL (artigo 119.º, alínea b), do CPP).


   O que não podemos é considerar que foi atempadamente apresentada queixa, por quem era o titular desse direito, procurando assim, retroativamente, atribuir uma legitimidade ao MP para exercer a ação penal que, relativamente ao crime semi-público, ele não tem, nem pode adquirir a posteriori.


  Os artigos 48.º e 49.º do CPP são claros a esse respeito. De contrário estará encontrada a forma de o MP sempre ter legitimidade para promover o processo, mesmo quando, nos crimes semi-públicos, não tenha sido apresentada queixa por quem de direito e no prazo legal.


   De futuro, os titulares do direito de queixa que porventura vejam ultrapassado o respetivo prazo para o exercício desse direito, poderão apresentar denúncia por crime público – inventando factos que transformariam o crime de semi-público em público – e, posteriormente, não se provando o crime público, sempre teriam garantido o procedimento criminal por crime semi-público…


     Não foi com certeza essa a pretensão do legislador.


 14.º - Quanto ao mais, damos aqui por reproduzido para todos os efeitos legais o que dissemos anteriormente em relação ao crime em que foi ofendida FF.


    15.º - Em consequência, faltando a promoção do MP nos termos do disposto nos artigos 48.º e 119.º, al. b), do CPP, estamos perante nulidade insanável que invalida todo o processado quanto ao procedimento relativo ao crime em causa.


  16.º - Resulta de todo o exposto que o acórdão recorrido, considerando que o crime em causa tem natureza semi-pública, como efetivamente acontece, e considerando que se não verifica qualquer invalidade do procedimento nem ilegitimidade do MP para exercer a ação penal quanto à subtração de bens de CC, violou o preceituado nos artigos 113.º, n.º 1, e 203.º n.º s 1 e 3 do CP e os artigos 48.º, 49.º, 118.º, n.º 1, 119.º, al. b), do CPP.



  17.º -


III - Do crime de furto qualificado em que é ofendida DD


    O arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado pela subtracção do veículo automóvel Volkswagen Passat, com a matrícula …-…UZ, propriedade da ofendida DD.


   18.º - Dos factos dados como provados na primeira instância – e mantidos inalterados pelo tribunal da Relação - resulta a errada subsunção jurídica destes ao direito, efetuada pelo acórdão recorrido (do Tribunal da Relação).


   Com particular relevo, leiam-se os factos provados n.º s 50 e 62 do acórdão da primeira instância:

     Facto provado n.º 50: “…com o intuito de encontrar um novo veículo e de fugir para não ser localizado pela polícia…” o arguido furtou o “Passat”, sendo, pois, este o motivo da subtração;


  E no facto provado n.º 62: “…De seguida, o arguido regressou no veículo da marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula …-…-UZ ao hotel …, …, com o intuito de aí recuperar o veículo da marca Toyota…”,


  19.º - O arguido abandonou, então, o veículo em que se fez transportar por pouquíssimos quilómetros, cumprindo este o desiderato para o qual foi furtado, ou seja, a sua utilização como meio de transporte para resgate do veículo do arguido situado junto ao hotel …. O que sucedeu.


Ou seja, resulta dos factos provados que o arguido não teve intenção de se apropriar do veículo “Passat”, antes quis somente usá-lo para se deslocar ao local onde tinha deixado o seu próprio veículo.


 20.º - O tribunal ora recorrido entendeu, porém, que, ao ocultar o veículo no meio da vegetação, num caminho de terra batida, o arguido revelou claramente que quis fazer do veículo “Passat” coisa sua, mantendo-o na sua disponibilidade para o que entendesse no futuro, mostrando-se, assim, afastada a intenção de devolução do veículo.


 21.º - Atentos, no entanto, todos os demais factos dados como provados no acórdão da primeira instância, como sejam a fuga de vários dias encetada pelo arguido, a utilização de vários veículos que não lhe pertenciam nessa mesma fuga, a ocultação da sua própria viatura, a ocultação do próprio veículo caracterizado da GNR, de tudo resulta à evidência que o arguido, ao esconder o “Passat”,  quis apenas ganhar tempo na fuga que encetou, usando até, logo a seguir, o seu próprio veículo.


22.º - E a ocultação do “Passat” revela notoriamente que a intenção do arguido foi exclusivamente não revelar os locais por onde ia passando e assim mais facilmente conseguir encetar a sua fuga.


 23.º - Os elementos típicos do crime de furto de uso de veículo, a saber, (1) a intenção de restituição finda a utilização e (2) o uso limitado no tempo, mostram-se assim preenchidos e, em consequência, deveria o comportamento do arguido ter sido integrado no crime previsto no artigo 208.º do CP.


24.º - Por isso, deveria o arguido ter sido absolvido da prática do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 2, al. f), do CP (sendo ofendida DD), e, em consonância com a correcta aplicação da lei aos factos provados, ser considerado o seu comportamento à luz do crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º do CP.


 25.º - Entendeu ainda o Tribunal da Relação que, ainda que assim fosse e, portanto, estivéssemos perante um crime de natureza semi-pública, ainda assim a falta de queixa que se verifica, e que o arguido alegou no seu recurso, não teria como efeito a ilegitimidade do MP para promover o processo e a consequente nulidade insanável (artigo 119.º, alínea b), do CPP), como havia sido invocado pelo arguido.


  Na verdade, entendeu o tribunal ora recorrido que tal não poderia suceder «ao menos sem pemitir ao titular do direito adequar a sua posição processual à nova configuração-surpresa».


 26.º - Não se vê, contudo, em que normativo se estriba o tribunal recorrido para assim ter decidido, porque, na verdade, a lei não prevê qualquer «adequação» da posição processual dos intervenientes processuais em situações como esta.

Ou o titular do direito apresentou queixa, no prazo legal, ou não apresentou. E se não apresentou, a solução prevista na lei é a da nulidade insanável consignada no artigo 119.º, alínea b), do CPP.


 27.º - Assim não tendo decidido, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 113.º e 208.º, n.ºs 1 e 3, do CP, e 48.º, 49.º, 242.º, n.º 3 e 119.º, alínea b), do CPP).


      28.º -


IV -  Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 410.º, n.ºs 2 e 3 e 434º do CPP


   29.º - 

  a) O acórdão condenatório da Relação foi proferido na sequência do recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório do tribunal coletivo;


  Desse acórdão da Relação é admissível recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, como resulta do disposto no art.º 400º, nomeadamente da sua alínea f), “a contrario” e do art.º 432.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.


  O artigo 434.º, do CPP, determina que sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.


 É jurisprudência pacífica deste STJ a de que o recurso da matéria de facto, ainda que limitado aos vícios previstos nas alíneas a) a c), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, tem que ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista;


   É também jurisprudência pacífica deste STJ a de que apenas oficiosamente este Tribunal conhecerá daqueles vícios do art.º 410º, n.º 2;


   Apenas se ressalva em tal jurisprudência o caso da alínea a), do n.º 1, do artigo 432.º, do CPP – decisões das relações proferidas em 1.ª instância.


 30.º -

b) Discorda-se desta jurisprudência.


Desde logo, porque da alínea b), do n.º 1, do artigo 432.º, do CPP, não foi feita constar pelo legislador de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29/08) o mesmo segmento - visando exclusivamente o reexame da matéria de direito” - que fez incluir na alínea imediatamente seguinte, a alínea c).


 O que só poderá querer significar que o mesmo legislador não pretendeu excluir da previsão do artigo 434.º, do CPP – no que concerne aos vícios previstos nos n.ºs 2 e 3, do artigo 410.º – os recursos mencionados naquela alínea b), do n.º 1, do artigo 432º;


  Ou seja, detectando o recorrente no acórdão da Relação algum ou alguns daqueles vícios do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, poderá invocá-los como fundamento do recurso para o STJ;


 E dizer-se que o STJ oficiosamente saberá suprir essa eventualidade se ela se concretizar, não cumpre nem respeita os direitos de defesa do arguido;


 Desde logo, porque o STJ poderá não se aperceber desses vícios, ainda que eles resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum;


 Depois, porque não pode pretender-se que o arguido veja assegurados os respectivos direitos de defesa – que só a si respeitam – pelo tribunal de recurso, ainda que se trate do STJ. Os direitos de defesa do arguido têm que poder ser exercidos por este, aliás, na esteira do que dispõe a CRP, nomeadamente no n.º 1 do art.º 32.º.


  31.º - E contra este entendimento não se invoque – como temos visto – o acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro (DR. de 28/12/1995) que fixou jurisprudência no sentido de que “é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.


É que este acórdão não diz que o conhecimento desses vícios é, exclusivamente, do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso;


   Bem pelo contrário.


  O que resulta de forma cristalina do texto desse douto e perspicaz acórdão é que os vícios do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, para além de poderem ser invocados pelo recorrente como fundamento do respectivo recurso, poderão ainda, mesmo que o recorrente os não invoque, ser do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso;


E que, apesar de “os poderes de cognição do tribunal de recurso” se encontrarem “limitados pelas conclusões do recurso, o Tribunal “ad quem” sempre poderá conhecer oficiosamente daqueles vícios ainda que o recorrente os não tenha porventura ali invocado.


   Portanto, naquele acórdão n.º 7/95 nunca foi posta em causa a invocação pelo recorrente dos vícios do n.º 2, do artigo 410.º, possibilidade que, pelo contrário, foi aí dada como assente de forma clara.


   A questão que se colocava – porque, sobre a matéria, havia dois acórdãos da Relação do Porto contraditórios – era a de saber se o Tribunal de recurso podia ou não também conhecer daqueles vícios oficiosamente, ainda que, portanto, o recorrente, apesar de poder fazê-lo, não os tivesse invocado nas conclusões de recurso.


32.º - Em conclusão, deverá entender-se que o presente recurso pode ter por fundamento os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3, do art.º 410º do CPP, vícios esses que, por isso, infra irão expressamente invocados.


  33.º -

   c) A não se entender assim, não se admitindo o presente recurso na parte em que se invocam os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, do CPP, deixa-se aqui expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa da conjugação dos artigos 400.º “a contrario”, 410.º, n.ºs 2 e 3, 432.º, n.º 1, alínea b) e 434.º, do CPP, na redacção actual, segundo a qual o recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido pela Relação que confirmou o acórdão condenatório do tribunal coletivo apenas pode ter como fundamento o reexame de matéria de direito, estando-lhe vedado invocar os vícios previstos no n.ºs 2 e 3, do artigo 410.º, do CPP; tudo por violação de fundamentais garantias de defesa, nomeadamente por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), do procedimento justo e equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.


 34.º -

  De qualquer modo, ainda que porventura assim não se entenda, os vícios previstos no n.º 2, do artigo 410.º do CPP que infra vão invocados deverão, pelo menos, e, sendo caso disso, ser oficiosamente apreciados e declarados por este STJ.

   Como se diz no CPP comentado de António Henriques Gaspar e outros, edição de 2014, em anotação ao artigo 410.º, na nota 3, do comentário do Exm.º Sr. Conselheiro Pereira Madeira, pag. 1357:

  “A circunstância de a detecção dos vícios ser de conhecimento oficioso não prejudica a possibilidade de os recorrentes tomarem a iniciativa e suscitarem esse conhecimento na fundamentação do recurso que interponham. Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria.


  É o que iremos fazer.

35.º -


V - Do homicídio qualificado em que foi vítima BB – Contradição insanável da fundamentação, erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo


 36.º -

 Como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 3167/06 – 3ª Secção, de 24/01/2007):


 «Se a fixação dos factos não é susceptível de constituir objecto de recurso para o STJ, enquanto Tribunal de revista votado em exclusivo ao reexame da matéria de direito (cfr. Arts.º 432º, n.º 2 al. d), e 434º, do CPP, e 722º, n.º 2 do CPC), já a pretensa violação das regras sobre a prova pode ser sindicada nesse recurso. Entre essas regras encontram-se as regras da experiência comum e o princípio do in dubio pro reo. Ponto é que a própria decisão, designadamente a sua fundamentação, indicie, sem necessidade de outras averiguações probatórias, terem-se as instâncias desviado das primeiras ou terem preterido o segundo.» (sublinhado nosso).


  Por outro lado,


37.º -


    E ainda a propósito do princípio do in dubio pro reo, e por sintetizar pacífica jurisprudência deste STJ, transcreve-se a seguir sumário do acórdão deste STJ, no Proc. n.º 4006/05 – 3ª Secção, de 25/01/2006:

          

«I – O princípio in dubio pro reo, maioritariamente, é entendido como pertinente à matéria de facto, pertencendo a fixação definitiva daquela à Relação, nos termos do art.º 428.º do CPP, a quem compete declará-lo sempre que resulte que o tribunal recorrido chegou a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos e não a decretou, em desfavor do arguido. II – Em paralelo se entende que o STJ pode sindicar a aplicação do princípio, no âmbito da sua competência de tribunal de revista (art.º 434º do CPP), enquanto questão de apreciação necessária sobre a observância ou desrespeito desse princípio geral de processo penal, ligado a uma concreta decisão de direito, quando naquele contexto de dúvida, esta não é declarada, em desfavor do arguido, ou ressalte evidente do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja quando é visível que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.º 410º, n.º 2, al. c), do CPP.” (negrito nosso).


 38.º -

 Tendo em consideração esta jurisprudência, diremos:


 Impressiona e espanta o juízo valorativo encetado pelas instâncias no que respeita ao momento que precedeu o disparo sobre o ofendido BB, nomeadamente, e constando do texto da decisão recorrida, o rechaçar daquele que será o leitmotiv de toda a tragédia retratada nos autos.


  A primeira instância, no que foi secundada pelo tribunal ora recorrido, assumiu que terá existido uma motivação concreta, mas, incompreensivelmente, recusou-se a aceitar aquela que, de acordo com as regras da experiência comum, é a mais evidente:


  O militar BB agrediu fisicamente o arguido AA nos instantes que precederam o disparo que viria a provocar a sua morte.


 39.º - Veja-se o que foi feito constar do acórdão da primeira instância - que o Tribunal da Relação corroborou quando afirmou que não há erro de apreciação que ressalte do texto daquela decisão -, desconsiderando-se aquela agressão anterior sobre o arguido ora recorrente, não se levando a mesma ao elenco dos factos provados ou sequer ao dos não provados, inscrevendo-se no texto da decisão da primeira instância uma ostensiva violação do princípio in dubio pro reo enquanto dimensão do princípio da presunção de inocência em sede valorativa de prova:


«… Neste conspecto importa referir que não se logrou apurar, atento todo o exposto, nomeadamente, a concreta motivação do arguido para o primeiro disparo…


«Com efeito, entendeu o Tribunal não poder concluir, no contexto que se logrou apurar, para além de qualquer margem razoável de dúvida, qual a concreta motivação do arguido para o primeiro disparo.


«Estando afastada por tudo o exposto a versão do arguido, no sentido de ter reagido a agressões de BB, existe contudo ainda uma significativa margem de dúvida quanto ao que o terá levado a disparar sobre aquele militar, podendo-se equacionar, atenta a ausência de explicação reiterada por parte da única testemunha presente, uma multiplicidade de situações, nenhuma todavia com sustentação suficiente na prova produzida.


«Estão nesta situação a possibilidade daquele ter pretendido evitar uma revista (como propugnado pelo Ministério Público e assistentes em alegações), que provavelmente iria ter lugar pelos militares, e assim obstar a que encontrassem a arma que tinha na sua posse, sendo que ainda que considerássemos que o arguido pudesse pensar que tal revista poderia redundar na perda da guarda da filha OO (que havia conseguido recentemente após um longo diferendo judicial com a mãe da criança), tal nos pareça de uma desproporção pouco expectável em alguém com o sangue frio do arguido.


«Um pouco mais de lógica poderia ter a hipótese daquela reação extrema ter resultado do receio do arguido em se ver associado aos disparos que a arma que tinha na sua posse havia protagonizado na zona de Leiria, contra elementos da GNR, o que, todavia, pressupunha que o mesmo tivesse tido intervenção ou, pelo menos, conhecimento dessa circunstância, matéria relativamente à qual não existem indícios (que extravasem a posse da arma).


«Para além da possibilidade do arguido pretender, daquela forma, obstar a que se descobrisse qualquer outro ilícito de que fosse protagonista, em aberto está ainda a possibilidade, não afastada pela circunstância de EE estar mais atrás de BB e se ter distraído nos instantes que antecederam o disparo, deste último, quando se aproxima do arguido, ter de alguma forma dado a entender que iria sacar da pistola ou das algemas e assim espoletado uma reação mais instintiva no arguido.


«Lembre-se que fica em aberto, atendendo à carrinha e material encontrado (nomeadamente jerricãs) a possibilidade do arguido estar naquele local envolvido em alguma prática criminosa, relacionada com furtos ou incêndios, e ter visto aquela como a única saída possível naquele contexto.» - cfr. págs. 226 e 227 do acórdão ora recorrido, transcrevendo o acórdão da primeira instância (sublinhados e negritos nossos)


 40.º - É notório que o tribunal da primeira instância – no que foi corroborado pela Relação – percebeu que algo de muito grave teve que estar por trás da conduta do arguido quando disparou sobre o militar BB.


Tanto assim é que, depois de afirmar que está afastada a versão do arguido no sentido de ter reagido a agressões daquele militar, o tribunal da primeira instância acabou por, logo a seguir, equacionar várias possibilidades, algumas das quais desde logo rejeitou,                                e duas outras que o tribunal da primeira instância disse expressamente ficarem «em aberto»:


 a de o arguido estar naquele local envolvido na prática de algum crime; e

   a de o militar BB, quando se aproximou do arguido, ter de alguma forma dado a entender que iria sacar da pistola ou das algemas e assim espoletado uma reação mais instintiva no arguido.


 O que a Relação, no acórdão recorrido, apoia quando não contraria estas afirmações e sobretudo quando afirma que «não resulta da apreciação da prova nenhum erro de apreciação, muito menos notório, ostensivo, que ressalte do texto da própria decisão em si ou do mero confronto com regras elementares do senso e experiência comum» (cfr. pág. 267 do acórdão recorrido).


 Na verdade, ninguém acredita que, e usando as palavras do acórdão recorrido (cfr. respetiva pág. 264), durante «uma rotineira operação de fiscalização ao arguido … que decorreu com toda a normalidade até ao momento em que o serviço daqueles militares foi subitamente interrompido pelo disparo efetuado pelo arguido contra o militar BB, que determinou a morte imediata deste», o arguido tenha disparado a sua arma, com clara intenção de matar, apenas sobre o militar BB, sem que nada de muito grave tivesse acontecido que tivesse determinado o arguido a tal conduta plena de agressividade;

   E que logo de seguida não o tivesse feito também em relação ao militar EE.

 É óbvio que algo de muito grave sucedeu que, naquele preciso momento, determinou o arguido a disparar sobre o militar BB, e a fazê-lo APENAS sobre este, e a não fazê-lo, nesse mesmo momento, relativamente ao militar EE.


41.º - Sendo de notar que o próprio militar EE

   – como vem dito na fundamentação do acórdão da primeira instância (págs. 143, 144 e 145 do acórdão ora recorrido) e o acórdão da Relação subscreve (usando as expressões “veracidade” e “credibilidade” para classificar o depoimento deste militar, na pág. 264) –

  declarou que «o arguido tinha uma manta por cima das pernas quando o viram dormindo», que «não o revistaram porque se mostrou educado e calmo», que «na abordagem inicial estava tudo normal» e que «a fiscalização foi tranquila e não iam levantar qualquer auto».


 42.º - A experiência comum diz-nos que, nestas circunstâncias, uma conduta como a que o arguido adotou terá sempre por base um motivo muito forte e grave, ainda que possa traduzir-se numa reação completamente desajustada e excessiva.


     E por isso mesmo é que as instâncias, sabendo que assim é, deixaram «em aberto» a possibilidade de o militar BB, «quando se aproxima do arguido, ter de alguma forma dado a entender que iria sacar da pistola ou das algemas e assim espoletado uma reação mais instintiva no arguido.»


 43.º - O que já não se percebe é que, apesar disso, as instâncias não tenham decidido dar como provado que a conduta do arguido se deveu exclusivamente às agressões antecedentes que o militar BB lhe dispensou.


 44.º - Todavia, ao assim decidirem, as instâncias, desde logo, revelam contradição insanável na fundamentação respetiva já que por um lado, começando por colocar de parte a versão do arguido no sentido de ter reagido a agressões do militar BB, e de atribuírem “credibilidade” e “veracidade” às declarações do militar EE, acabam depois por, afinal, «deixar em aberto» a possibilidade de o militar BB «ter de alguma forma dado a entender que iria sacar da pistola ou das algemas», repristinando em alguma medida a versão do arguido, e, em face da «ausência de explicação reiterada por parte da única testemunha presente», o militar EE, acabam por, afinal, pôr em causa a credibilidade e a veracidade do depoimento deste militar, já que é em face dessa ausência de explicações desse militar que as instâncias equacionam uma multiplicidade de possibilidades, entre as quais uma aproximação à versão do arguido.


 45.º - Verifica-se, assim, contradição insanável na fundamentação da decisão recorrida quando subscreve e reitera o decidido pela instância nos termos supra mencionados.


46.º - Do exposto resulta ainda que perante «uma significativa margem de dúvida quanto ao que o terá levado a disparar sobre aquele militar» (cfr. decisão da primeira instância, na pág. 227 do acórdão recorrido), e apesar de afastarem a versão do arguido,as instâncias equacionaram e deixaram «em aberto» a possibilidade de o militar BB «ter dado a entender que iria sacar da pistola ou das algemas e assim espoletado uma reação mais instintiva no arguido», repristinando em alguma medida a versão do arguido.


 47.º - E não sendo crível, por um lado, que o militar BB tivesse pretendido sacar da arma ou das algemas por a «normalidade» em que decorria a fiscalização (segundo as instâncias) não justificar essa atitude, Nada justificava que as instâncias tivessem deixado em aberto essa possibilidade; a não ser …

   A não ser que as instâncias tivessem equacionado efetivamente a possibilidade de a versão do arguido, no essencial, ser verdadeira…


Só este raciocínio permite perceber como foi possível às instâncias equacionarem, deixarem em aberto, a referida possibilidade. De outra forma, tendo toda a fiscalização policial decorrido sem problemas até ao momento do disparo, não se justificaria que as instâncias equacionassem de modo relevante aquela possibilidade.


 48.º - Isto significa que, na verdade, as instâncias tiveram dúvidas sérias, dúvida razoável, de que efetivamente o que desencadeou a conduta do arguido foi a agressão de que foi alvo por parte do militar BB.

  E perante essa dúvida razoável – que inclusivamente as fez deixar em aberto aquela possibilidade – as instâncias decidiram como decidiram, isto é, em total prejuízo do arguido.


 49.º - O que significa também que estamos perante erro notório, no sentido de ostensivo e evidente, na apreciação da prova que as instâncias levaram a cabo, erro notório esse proveniente sobretudo da clara violação das regras da experiência comum.


 Erro notório esse patente também nas considerações que o tribunal da Relação teceu quanto ao sangue do arguido identificado em diversos locais e não encontrado noutros, como se daí pudesse concluir, para além de uma dúvida razoável, o momento a partir do qual os ferimentos do arguido ocorreram e como se tal impedisse que tais ferimentos tivessem sido efetivamente causados pela agressão do militar BB.


 50.º - Basta pensar que não foram examinados diversos locais ou objetos onde o arguido esteve desde o momento em que disparou sobre aquele militar, não podendo por isso concluir-se como concluiu a Relação.


 51.º - Acresce ainda que sangrando, poderiam ou não ter ficado depositados vestígios de sangue do arguido em locais ou objetos onde tenha estado ou que tenha manuseado.


52.º - O mesmo havendo que concluir quanto às considerações que a Relação faz sobre o contacto telefónico que o arguido manteve com a testemunha Cabo … PP (cfr. págs. 266 e 267 do acórdão recorrido);


É óbvio que o arguido não iria transmitir àquele Cabo …, como não transmitiu, que tinha tido problemas com os militares da patrulha que o fiscalizou;

Sabendo que tinha disparado sobre o militar BB e que o mesmo estava morto, tal levantaria de imediato suspeitas sobre si próprio quanto ao homicídio…

             

 53.º - Também aqui há ERRO NOTÓRIO na apreciação da prova, por violação das regras da experiência comum.

54.º - Do exposto resulta que,

não fora a contradição insanável na fundamentação

não fora o erro notório na apreciação da prova;

E não fora a violação das regras sobre a prova, concretamente a violação das regras da experiência comum;


E com toda a certeza que o tribunal recorrido teria conhecido e decidido que os factos em causa integravam o crime de homicídio privilegiado ou que a conduta do arguido se enquadrava no exercício da legítima defesa ou do seu excesso, por se verificarem os respetivos requisitos factuais.


55.º - Nessa medida, porque ressalta evidente do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, que o tribunal «a quo» só não reconheceu aquele estado de dúvida em virtude do erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável da fundamentação – do conhecimento oficioso deste STJ – este STJ pode e deve sindicar a apreciação do princípio do «in dubio pro reo».


56.º - Como se disse no Ac. deste STJ, no Proc. n.º 4006/ 05 – 3ª Secção, de 25/1/2006, «…o STJ pode sindicar a aplicação do princípio [« in dubio pro reo»], no âmbito da sua competência de Tribunal de Revista ( art. 434.º do CPP), enquanto  questão de apreciação necessária sobre a observância ou desrespeito desse princípio geral do processo penal, ligado a uma correcta decisão de direito, quando naquele contexto de dúvida, esta não é declarada, em desfavor do arguido, ou ressalte evidente do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja quando é visível que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º2, al.c), do CPP – sublinhado nosso.


É o que sucede no caso da decisão recorrida.

57.º - Impõe-se, por isso, a inscrição nos factos provados: 

- “nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1. o arguido encontrava-se a dormir, no interior da viatura, coberto por manta”.

Impõe-se também a alteração do facto provado n.º 9, passando a ter a seguinte redacção: 

- …, perante agressão da vitima BB sobre o arguido AA nos instantes que precederam o fatal disparo, atingindo-o com as algemas numa das mãos e socando-o e pontapeando-o em diversas partes do corpo, nomeadamente, a zona lombar, este efectuou o dito disparo sob forte perturbação emocional e medo…”.  


58.º - Declarando-se como não provados todos os factos que o tribunal da relação, na decisão recorrida, considerou como provados e que se encontrem em oposição com os que agora se deverão dar como provados.


59.º - Tudo nos termos acima expostos e como determina o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP.


  60.º -

 

VI - Dos homicídios qualificados em que foram vítimas CC e DD - Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e consequente violação do princípio in dubio pro reo:


 61.º - Na análise dos factos correspondents a estes crimes verifica-se contradição entre a fundamentação e a decisão (de facto) constante do texto da decisão recorrida, inexistindo qualquer prova direta que permita caucionar os factos, a este propósito, dados como provados e, em consequência, condenar o arguido “para lá de qualquer dúvida razoável”.


62.º - Como se reconheceu no acórdão da primeira instância, inexiste qualquer prova directa dos factos relativos a estes homicídios; e, por isso, não foi possível ao arguido indicar provas concretas que evidenciassem o incorreto julgamento da matéria de facto respetiva.


 63.º - E essa é a fundamental contradição entre a fundamentação e a decisão da primeira instância, decisão esta que a Relação, também nesta parte, subscreveu e por isso não alterou.


 64.º - Ou seja, a contradição reside essencialmente na inexistência de prova que não permite concluir pela condenação do arguido pela prática dos dois homicídios ora em causa.


 65.º - Essa inexistência de prova procurou agora a Relação suprir, apelando a conjeturas e a presunções factuais que de modo nenhum permitem, para lá da dúvida razoável, concluir que foi o arguido o autor daqueles dois homicídios.


 66.º - Mas, na verdade, - e apesar de no acórdão da Relação se afirmar que o arguido não identifica verdadeiramente a contradição - já relativamente ao acórdão da primeira instância o arguido concretizara as contradições, indicando circunstanciadamente os excertos da fundamentação que se revelavam em contradição com a decisão. - cfr. pág. 228 do acórdão recorrido.


  67.º - Mas, da mesma maneira, as considerações constantes do acórdão ora recorrido (cfr. págs. 272 a 278 do acórdão) não permitem sustentar a conclusão de que o arguido foi o autor de tais crimes de homicídio, revelando essa fundamentação contradição insanável relativamente à decisão e erro notório na apreciação da prova.


 68.º -

 Assim:

             

  Pretende o tribunal recorrido que o acórdão da primeira instância, a fls. 5888, responde à surpresa do arguido quando este perguntou no recurso que interpôs do acórdão da primeira instância como pôde dar-se como provado que o arguido se colocou na Estrada Nacional e fez sinal de paragem ao veículo onde seguia o casal DD e CC;


  Segundo o tribunal da Relação a resposta é esclarecedora na citada fls. 5888: «atenta a prova produzida apenas podemos concluir que ambos [DD e CC] saíram do veículo.»


 69.º - Não se vê aqui qualquer referência a quaisquer factos que coloquem o arguido na Estrada Nacional a fazer sinal de paragem a qualquer veículo.


70.º - E depois, nesse mesmo registo, o acórdão recorrido elabora uma série de considerações de onde NUNCA RESULTA que o arguido se colocou na estrada nacional e fez sinal de paragem ao veículo em que seguia o infeliz casal.


Nada nos autos aponta nesse sentido; isto é, tal pode ter OU NÃO sucedido.


   Que as vítimas saíram do carro em que seguiam, não há dúvidas; o que já não é possível saber, é por que motivo daí saíram e se o arguido esteve direta ou indiretamente relacionado com esse facto;


71.º - Dos autos não é igualmente possível concluir, para além da dúvida razoável, se o arguido se deslocou ao Km 45 da E.N. … sozinho ou acompanhado pelo militar EE, no carro patrulha da GNR, com o intuito de encontrar outro carro e de fugir;


 72.º - O facto de o arguido ter utilizado o automóvel de DD também não permite concluir que o arguido foi o autor dos ditos dois homicídios;


 73.º - Assim como o facto de o arguido ter morto o militar BB não permite concluir que igualmente tenha morto o casal DD e CC;


  74.º - Nada permite concluir nos autos que a decisão do arguido de usar um veículo diferente do carro patrulha da GNR para ir recuperar a carrinha Toyota foi tomada antes ou depois de o casal DD e CC ter sido morto;


 75.º - Ainda que o casal DD e CC tenha sido baleado ao Km 45 da estrada …, nada permite concluir que tenha sido o arguido o autor dos disparos;


  76.º - O facto de terem sido recuperados dois invólucros deflagrados, de calibre 9 mm., junto dos corpos do casal DD e CC, e o facto de essas cápsulas terem sido deflagradas pela arma Glock de 9 mm. distribuída ao militar BB, não permitem concluir que a mesma foi usada pelo arguido;

   Sabendo-se que o arguido usou a sua arma calibre 7,65 mm nos disparos que atingiram os dois militares, não se vê por que motivo utilizaria a Glock 9 mm nos disparos sobre o dito casal;

             

  77.º - Nada nos autos permite afirmar que os factos ocorridos ao Km 45 da dita estrada ocorreram necessariamente em momento posterior ao disparo que atingiu o militar EE;


 78.º - Não pode afirmar-se, para lá de toda a dúvida razoável, que os veículos que foram detetados nas imagens de videovigilância de Posto de Abastecimento …, na E.N. n.º …, na Quinta …, fossem o carro patrulha da GNR e o veículo de DD; motivo pelo qual não pode afirmar-se que o casal DD e CC, a bordo do Passat, chegou ao Km 45, por volta das 06H25.


 79.º - O facto de ter sido abandonado pelo arguido um saco contendo a arma Glock que foi utilizada para disparar sobre o casal DD e CC não permite concluir, para lá de toda a dúvida razoável, que foi o arguido o autor daqueles disparos;


  80.º - O facto de terem sido detetados vestígios hemáticos no guarda mato – não no gatilho ou na zona interior do guarda mato - da arma Glock em causa não permite concluir que o arguido tenha disparado com a mesma;


81.º - Não é possível saber a que horas o casal DD e CC saíu de casa – o depoimento da mãe de CC, por si só, é muito falível, como, aliás, notou o acórdão da primeira instância (cfr. pág. 153 do acórdão da Relação) – sendo certo que não se sabe quantas vezes e a que horas o veículo da GNR nessa noite esteve na …, a não ser que aí esteve entre as 05:07:57 e as 05:12 (cfr. pág. 110 do acórdão ora recorrido),

   e sendo ainda certo que entre as 05:07 e as 06:36:54 não existem localizações do rádio SIRESP que permitam saber a localização do carro da GNR (cfr. pág. 112 do acórdão recorrido);


82.º - De todo o exposto resulta que a denominada prova indireta existente nos autos não permite concluir que foi o arguido quem matou o infeliz casal;

     Essa prova admite sempre alternativa a essa conclusão;

     O que é quanto basta para impedir que se possa concluir, para lá de uma dúvida razoável, que o arguido foi o autor dos dois homicídios em causa.


  83.º - Em consequência, as instâncias, e o acórdão recorrido em particular, incorreram em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, na medida em que não há nos autos prova que permita imputar ao arguido os disparos sobre o casal mencionado e, portanto, a prática dos crimes de homicídio respetivos;


 84.º - Para além disso, a dúvida ressalta evidente do texto da decisão recorrida, quando analisada por si só, sendo evidente que essa dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório, ostensivo, na apreciação da prova. Nessa medida o acórdão recorrido violou o princípio in dubio pro reo.


  85.º - O acórdão recorrido, como já tinha sucedido na decisão da primeira instância, incorreu assim nos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP, violando o princípio in dubio pro reo.


 86.º - Deve, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido na parte relativa à condenação do arguido pela prática dos dois crimes de homicídio de CC e de DD.


 87.º -


VII - Do cúmulo juridico de penas - da pena única e sua dosimetria


 88.º - Acaso o presente recurso obtenha provimento no todo ou em parte, absolvendo-se o arguido por algum ou alguns dos crimes por que foi condenado, impor-se-á a revogação e reformulação do cúmulo jurídico efetuado com o consequente doseamento da pena única em medida inferior.


89.º - A não ser assim violar-se-á o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP.


De facto,


90.º - Sendo fixada pelas instâncias a pena única de 25 anos de prisão, claro está que, absolvido que seja o arguido de algum ou alguns dos crimes pelos quais se acha condenado e revogada a respetiva pena aplicada anteriormente pelas instâncias, a pena única terá de sofrer abatimento proporcional a essa nova realidade jurídico-penal.


 91.º - Interposto recurso apenas pelo arguido, não poderá o tribunal ad quem agravar a sanção aplicada pelo tribunal a quo;


 92.º - Sendo que esta proibição legal impõe uma reformulação in mellius quando, por efeito desse recurso, se obtiver um desagravamento do quadro penal que concorreu para o doseamento das penas parcelares e pena única.


 93.º - Na verdade, a manutenção da pena única aplicada pelas instâncias, pese embora, em recurso, se verifique um desagravamento nos crimes pelos quais se acha condenado (cfr. absolvição dos crimes de furto reivindicados por falta de legitimidade do MP para promover o processo), ou a redução do limite máximo da pena única a considerar, representa um agravamento da situação jurídico-penal do arguido e, portanto, a violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

94.º - Nesta esteira, veja-se o acórdão do STJ de 5/5/2011, 5ª secção, proferido no proc. n.º 157/05.4 JELSB.L1.S1[1],

“…VII. Como se sabe, o tribunal de recurso não pode agravar a pena quando o recurso é somente interposto pela defesa (cf. art. 409.º do CPP). É o chamado princípio da proibição da reformatio in pejus.

   VIII. Tem-se entendido que a proibição da reformatio in pejus não se limita à situação que é descrita no mero texto da lei, pois tem outras implicações, nomeadamente quando a pena se mantém apesar do crime ou da ilicitude terem sido desgravados ou atenuados no tribunal de recurso.

    IX. Ora, se a pena fixada na 1ª instância teve em grande conta, para a sua graduação, a quantidade de droga traficada, a manutenção da pena pelo tribunal superior representa, na prática, um agravamento do tratamento penal que lhe tinha sido aplicado na 1ª instância, pois agora os pressupostos para a fixação daquela são diferentes e mais favoráveis à arguida.

   X. Houve, pois, uma violação do dito princípio, quer quanto à recorrente, quer quanto aos outros condenados, pois a pena dos mesmos também foi fixada tendo em conta a quantidade de produto estupefaciente transportado e que há, de algum modo, baixar a pena aplicada àquela e a estes.”.


  95.º - Também no acórdão deste STJ de 5/5/2011, Processo n.º 157/05.4JELSB.L1.S1 – 5.ª Secção, se decidiu que a alteração da qualificação jurídica para crime menos grave implicará sempre a diminuição das penas aplicadas anteriormente sob pena de se proceder a uma efetiva reformatio in pejus.


 96.º - Assim sendo, neste primeiro momento, importará reformular a pena única cominada ao arguido na proporção da absolvição dos crimes pelos quais se achou condenado, devendo a pena única fixar-se em medida substancialmente mais branda.


 97.º - O âmbito de protecção da norma constitucional mereceu o acolhimento da legislação penal adjectiva em sede de recurso quando interposto pelo arguido (ou o MP no exclusivo interesse da defesa) – artigo 409.º, n.º 1, do CPP -, impondo-se uma proibição de agravamento das sanções ou sua medida em prejuízo do arguido, verificando-se este agravamento quando o tribunal de recurso decide pela absolvição de um ou mais crimes que integram o cúmulo jurídico e mantém inalterada a pena única cominada a quo, não estabelecendo a competente reformatio in mellius e, desta forma, violando o preceituado nos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 da CRP e art. 409.º, do CPP.


  98.º - A não se entender assim, o arguido suscita a inconstitucionalidade do art. 409.º, do CPP, por violação expressa do disposto nos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 da CRP, quando interpretado no sentido de não se proceder a um novo cúmulo jurídico e determinação de pena única desagravada e necessariamente inferior ao máximo legal cominado pela lei penal quando, em recurso, o tribunal ad quem decide pela absolvição de algum ou alguns dos crimes que integraram o cúmulo jurídico efectuado a quo, postergando, nesta enviesada interpretação, a proibição da reformatio in pejus enquanto elemento garantístico do direito ao recurso e enquanto princípio integrante de um processo justo e equitativo.


  99.º - Assim, no provimento ainda que parcial do presente recurso, importará revogar o acórdão recorrido no que à determinação do cúmulo jurídico e pena única fixada concerne, procedendo-se a novo cúmulo jurídico das penas a aplicar com diminuição da pena única a aplicar, sob pena de violação do disposto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA REVOGAR-SE O ACORDÃO RECORRIDO, NOS TERMOS QUE SE DEIXARAM EXPOSTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E COMO É DE

                           JUSTIÇA.»


Resposta do MP no Tribunal da Relação de Coimbra

                                                                                                               

3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal da Relação de Coimbra, respondeu ao recurso (págs. 6600-6619, do 18.º vol.), em douta peça, a seguir parcialmente transcrita, pronunciando-se pela sua improcedência:


«2. Inconformado vem agora o indicado arguido interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no qual atentas as suas conclusões, alega, designadamente, o seguinte:


2.1 – Quanto ao crime de furto simples em que é ofendida FF, tendo por base o disposto nos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e) e f) e n.º 4 do C. P., no qual foi condenado na pena de 2 anos de prisão:


Defende que dos factos provados se deve extrair que os mesmos integram a prática do crime previsto no art.º 207º, n.º 1, al. b) do C. P., sendo este crime de natureza particular.

Assim, para além de queixa torna-se necessária a constituição de assistente e a dedução de acusação particular, de acordo como a exigência dos artigos 117º, 203º, n.º 1 e 3, 207º, n.º 1 al. b) do C. P e 48º, 50º, 68º, 69º, n.º 2, al. b), 242º, n. 3, 246º, n.º 4 e 285º todos do CPP.

Tendo o processo sido promovido pelo Ministério Público e não tendo legitimidade para tal, verifica-se nulidade insanável nos termos do art.º 119º, al. b) do CPP.

Impugna ainda a interpretação feita pelo tribunal recorrido no sentido de que se o Ministério Público investigou e acusou por factos passíveis de integrar um crime público ou semi-público e se só mais tarde, em sede de julgamento se provam apenas factos que tipificam crime de natureza particular, estaria dispensada constituição prévia de assistente e a dedução de acusação particular, estar-se-ia a contornar e a violar a lei.


2.2 – Quanto ao crime de furto simples em que é ofendido CC, tendo por base o disposto nos artigos 203º, 204º, n.º 2, al. f) e n.º 4 do C. P., no qual foi condenado na pena de 6 meses de prisão:


Defende que, sendo tal crime de natureza semi-pública e não tendo sido apresentada queixa por quem de direito o prazo legal, verificando-se também nulidade insanável por falta de legitimidade do Ministério Público para a acção penal, deve o arguido ser absolvido ou extinta a instância penal (art.º 119º, al. b) do CPP).

Utiliza neste ponto a mesma linha de impugnação do ponto anterior referente ao furto de que foi vítima FF, considerando existir uma nulidade insanável, violando o preceituado nos artigos 113º, nº 1, 203º, n.º 1 e 3 do C. P e 48º, 49º, 118º, n.º 1, 119º, al. b) todos do CPP.


2.3 – Quanto ao crime de furto qualificado em que é ofendida DD, tendo por base o disposto nos artigos 203º e 204º, n.º 2, al. f) do C. P., no qual foi condenado na pena de 3 anos de prisão:


- Alega que foi feita uma errada subsunção legal dos factos provados ao crime de furto qualificado, antes defendendo que deveriam subsumir-se ao crime de furto de uso de veículo (art.º 208º do C. P.) e também por esta via, deveria o arguido ser absolvido do crime de furto qualificado e ainda absolvido do crime de furto de uso porque se verifica ilegitimidade do M. P. para o exercício da acção penal, por não haver queixa.

E assim, na mesma linha de argumentação expedida nos pontos anteriores verifica-se nulidade insanável, nos termos dos artigos113º, 208º, n.º 1 e 3 do C. P e 48º, 49º, 249º, n.º 3 e 119º, al. b) todos do CPP.


 2.4 – Da inconstitucionalidade das normas do art.º 410, n.º 2 e 3 e 434º do CPP.

               

 Para a hipótese de se entender que não é admissível em recurso para o Supremo Tribuna, quando se alega a existência dos vícios previsto no art.º 410º nº 2 e 3 em conjugação com o disposto no art.º 432º, n.º 1, al. b) e 434º do CPP, mas tão só que tais vícios poderão ser conhecidos oficiosamente, entende-se que tais normas são inconstitucionais por violarem as garantias de defesa no âmbito da previsão das normas constitucionais dos artigos 20º, n.º 1 e 20º, nº 4 da CRP, concretamente os princípios da tutela jurisdicional efectiva e da segurança e confiança jurídica.


Neste sentido, passa-se a alegar a existência de vícios previstos no art.º 410º que o recorrente detecta no acórdão:


2.5 - Do Homicídio de BB.


Começando a motivação de recurso neste ponto por impugnar o juízo que o Tribunal a quo realizou quando não aceitou como certa e segura a versão do arguido que antes do disparo tinha sido agredido pelo militar que logo de seguida assassinou…e, em face de não se ter apurado a ou as razões que levaram o arguido a matar o agente da GNR BB, procura situar nesta argumentação da motivação do douto acórdão uma contradição insanável na fundamentação.

 

2.5.1 – Contradição insanável na fundamentação, nos termos do art.º 410º,n.º 2 al. b) do CPP. (fls. 264 a 267 do acórdão).


Para o recorrente tem sempre que se encontrar uma explicação, um motivo para a prática de um crime.

E no caso em apreço, não tendo sido a mesma encontrada, deixando-a em aberto, e não tendo o tribunal aceite a versão do arguido, entende que por violação das regras da normalidade existe contradição insanável na fundamentação. Isto é quando se não apura a causa para o arguido ter disparado a matar sobre o guarda da GNR, estando no exercício das suas funções e se não aceita a versão do arguido de que agiu sobre uma forte perturbação ou medo ou então em legítima defesa, admitindo-se o seu excesso… (cnclusão 54ª).


2.5.2 – Do erro notório.

Com a mesma argumentação e sobre o mesmo ponto alega existir erro notório, para efeitos do disposto no art.º 410º, n.º 2 al. c) do CPP.

Defende então ter existido violação das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Erro notório patente nas considerações feitas pelo tribunal quanto ao sangue do arguido identificado em diversos locais e não noutros, como se daí se pudesse concluir o momento a partir do qual os ferimentos do arguido ocorreram e como se tal impedisse que os ferimentos tivessem sido feitos tal como contou no arguido em audiência.

Rematando então que o tribunal só não reconheceu a existência de dúvidas (“em estado de dúvida”) em virtude de erro notório na apreciação das provas e da contradição insanável na fundamentação, deverá por isso sindica-se a apreciação do princípio in dúbio pro reo.


2.5.3 – Da violação do princípio in dúbio pro reo, nos termos acabados de referir.

Para concluir neste ponto por pretender adicionar à matéria de facto provada a versão do arguido sobre o que o motivou a matar o agente BB (conclusão 57ª). 


2.6 – Dos homicídios qualificados de CC e de DD.


Encontra o recorrente no acórdão os mesmos vícios – de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova com a consequente violação do princípio in dúbio pro reo.

A contradição insanável reside no facto de não existir qualquer prova que permita concluir pela prática dos dois homicídios. (conclusão 64ª), sendo que a fundamentação do acórdão recorrido de fls. 272 a 278 não permite sustentara a conclusão.

Mesmo as provas indirectas não permitem a conclusão retirada quanto à matéria provada.

E, sem que se acrescentem novos argumentos qualifica-se o mesmo vício, de erro notório – conclusão 84ª – e, na mesma medida com violação do princípio in dúbio pro reo – na mesma conclusão 84ª.


2.6 – Do cúmulo jurídico.


Para a hipótese de ser procedente alguma das pretensões do recorrente, pretende em consequência que seja revogado e reformulado o cúmulo jurídico.

A não se entender, desse modo, viola-se o princípio da proibição da reformatio in pejus, previsto no art.º 409º, n.º 1 do CPP, pois que não poderá manter-se a pena única em 25 anos de prisão.


De outro modo, suscita, desde já a inconstitucionalidade do art.º 409º do CPP por violação do art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, quando interpretado no sentido de não se proceder a um novo cúmulo jurídico e determinação da pena única desagravada e necessariamente inferior ao máximo legal cominado pela lei penal, quando, em recurso, o tribunal ad quem decide pela absolvição de algum ou alguns dos crimes que integram o cúmulo jurídico efectuado pelo tribunal a quo, violando assim aquele princípio, enquanto elemento garantístico do direito de recurso.



II - DISCUSSÃO


A – Da admissibilidade do recurso.


1. Com o devido respeito, por diferente opinião, não estamos de acordo que o recurso instaurado seja admissível em toda a sua dimensão e por várias ordens de razões, conforme se exporá.


Assim e apesar de este Tribunal da Relação ter aceitado o presente recurso instaurado para o Supremo Tribunal de Justiça, por esta decisão não vincular o Tribunal Superior e por entendermos de modo diferente, passaremos a fundamentar a nossa posição.


2. Com efeito, no recurso apresentado identificam-se, em termos de admissibilidade de recurso, vários grupos de questões.


2.1 - A primeira relativa às questões suscitadas quanto aos crimes em que o arguido foi condenado em penas inferiores a 5 anos de prisão.

2. 2 - A segunda em relação às questões suscitadas relativamente aos crimes em que o arguido foi condenado em penas superiores a 8 anos de prisão.

2.3 - A terceira em relação cúmulo jurídico, segundo o qual foi aplicada ao arguido uma pena de 25 anos de prisão.


Assim, quanto ao primeiro grupo:


2.1.1 - Dir-se-á desde logo que o recurso recai sobre acórdão do Tribunal da Relação, que é também condenatório pela prática de crimes com a mesma qualificação que constava da condenação do recorrente na 1ª instância, sendo certo que o acórdão, ora sob recurso, nessa parte é confirmatório do acórdão proferido na 1ª instância.

Nestes se identificam todas as questões relativas aos crimes de:

- furto simples em que é ofendida FF;

- de furto simples em que foi ofendido CC e

- furto qualificado em que foi ofendida DD.


Nestes crimes o recorrente viu confirmadas integralmente as penas de 2 anos, 6 meses e 3 anos de prisão, respectivamente.

Sendo assim, todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos de prisão, ou melhor, todas as penas são “não superiores a 5 anos de prisão”,  quer as aplicadas na 1ª instância, quer as aplicadas na 2ª instância.


Com base em tais pressupostos e de acordo com o disposto nos artigos 432º, n.º 1, al. b) do CPP, na sua conjugação com a previsão do art.º 400º, n.º 1 al. e) e f), do mesmo diploma legal, não é, desde logo, admissível o recurso para o Supremo Tribunal, quanto a todas as questões suscitadas relativamente aos indicados crimes, por destes resultarem condenações parcelares em penas não superiores a 5 anos de prisão. (Neste sentido acórdão do STJ de 27-4.2011, processo n.º 3/07.4GBCBR.C1.S1, em www.dgsi.pt ).

Até mesmo em situações em que o Tribunal da Relação tenha agravado uma pena, mantendo-a abaixo dos 5 anos de prisão, deve o recurso ser rejeitado, conforme decisões do Supremo Tribunal de Justiça (Neste sentido v. g. Acórdãos do STJ de 29-4-2011, proc. n.º 17/09.0PECTB.C1.S1 e de 29-4-2009, processo n.º 329/05.1PTLRS.S1, ambos em www.dgsi.pt.) 


Assim quando o recorrente faz apelo ao conhecimento de nulidades processuais e/ou de subsunção legal dos mesmos factos resulta, a nosso ver, da interpretação conjugada das apontadas normas que tal só poderia ser equacionado, se existisse o pressuposto legal prévio de admissibilidade da sujeição à apreciação do tribunal de recurso, neste caso pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. art.º 434º do CPP).

 

Pressuposto que neste caso, a nosso ver, não se verifica de todo quanto às condenações em penas parcelares, todas elas não superiores a 5 anos de prisão.


Por outro lado, sendo a pena única superior 5 anos de prisão – apesar de o recorrente, a manterem-se todas as condenações, não questionar em concreto a formação da pena única em cúmulo jurídico - também entendemos que o acórdão será irrecorrível, com base no que dispõe a al. f), do n.º 1, do art.º 400º do CPP, ainda em conjugação com o art.º 432º do mesmo diploma legal.


Nos casos em apreço, não é admissível recurso, de acordo com as disposições legais conjugadas dos artigos 432º, n.º 1, al b) e 400º, n.º 1, al. e) e al. f) do CPP, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que nenhuma das penas, em causa aplicadas, quer na 1ª instância, quer na 2ª instância é “superior a 5 anos”.


Acresce dizer neste âmbito que, nos autos se mostra já garantida a apreciação do caso em duplo grau de recurso, tendo a propósito de questões como a destes autos, em que se discutiu eventual inconstitucionalidade da norma do art.º 400º, n.º 1 al. f) do CPP – redacção legal que se manteve inalterada na revisão da lei de 2013 –, na medida em que impedia o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido decidido em acórdão do Tribunal Constitucional, com o n.º 385/2011, de 27-7-2011, publicado no D.R, I série, de 3-10-2011 no sentido de:

“Não julgar inconstitucional a norma do art.º 400º, n.º 1 al. f) do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão em pena não superior a 8 anos de prisão, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1ª instância não havia apreciado.”

Também nesta matéria e por maioria de razão, transpondo este entendimento para o caso dos autos se conclui, a nosso ver, pela inadmissibilidade do recurso.


Por tudo o exposto, deverá, atento o disposto nos artigos 414º, n.º 2 e 3, 417º, 6, al. a) e b), na sua conjugação com os arts. 432º, n.º 1, al. b) e 400º, n.º 1, al. e) e f), 414º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al b) todos do CPP, recusar-se a admissão do recurso do arguido quando pretende discutir questões relativas à sua condenação pelos crimes de furto simples e do furto qualificado identificados.


Porém,


2.1.2 - Para hipótese de não se entender deste modo e às questões suscitadas, sempre se dirá que:


- Relativamente ao furto simples de que foi vítima FF.


Não merece qualquer censura a legal subsunção efectuada, concretamente na perspectiva que apresenta o recorrente de que a matéria provada integraria a prática de um crime de “furto de formigueiro” previsto no art.º 207º, n.º 1 al. b) do C. P.

Desde logo atentos os concretos objectos furtados, os quais ultrapassam claramente o elemento do tipo, “utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente”.

Antes, para além disso, tratou-se de apropriação de bens que se integraram no plano que traçara de continuar a alimentar a sua fuga às autoridades para não ser preso…

Não merecendo censura a referida subsunção legal, verifica-se que a ofendida apresentou queixa (cfr. auto de declarações de fls. 920 e 2014).


Ainda que por mera hipótese se considerasse tratar-se de um crime natureza particular, como bem considerou o tribunal recorrido no seu douto acórdão a fls. 243 a 246, o que se verifica da complexidade dos factos em investigação, com muita violência à mistura, diga-se, e da qual também foi vítima a FF no mesmo momento em que foi desapossada dos seus bens pelo arguido, levou a que o Ministério Público considerasse a indiciação de crime de roubo nesta parte.

Os autos seguiram essa legal tramitação tendo sido inclusivamente pronunciado o arguido por este crime subsumido a crime de roubo.

Deste modo, não foi determinado pelo titular do inquérito que se notificasse a vítima nos termos e para os efeitos do art.º 50º (acusação particular) do CPP.  

Não foi, nem tinha que o ser, diremos nós, dado o enquadramento conferido inicialmente aos factos em investigação. Enquadramento legal que, diga-se, era mais plausível em termos indiciários.

Nem foi por esse motivo dado cumprimento no termo do inquérito ao disposto no art.º 285º do CPP com vista à dedução de acusação particular.

Nem tinha que o ser, dada a decisão de acusar pelo crime de roubo, de natureza pública.


Mesmo assim regista-se que a ofendida apresentou desejo de procedimento criminal, constitui-se assistente e acompanhou a acusação do Ministério Público numa clara intenção de que o arguido fosse responsabilizado criminalmente pelos factos de que foi vítima.


Com base nestes pressupostos e colocada a dúvida, que também o recorrente coloca de, na ponta final do processo, tendo o tribunal chegado a uma diferente incriminação legal por considerar diferentes factos como provados e, não tendo sido praticados actos processuais que já não poderiam ser praticados por estar ultrapassada a respectiva fase processual, por se mostrarem incompatíveis, e que agora também já não o podem ser, o tribunal não poderia julgar e condenar o arguido por eles…


Ora, esta questão foi já colocada por diversas vezes aos tribunais superiores que decidiram com toda a ponderação no sentido de considerar que neste enquadramento factual e legal não se verifica falta de legitimidade para o exercício da acção penal tal como foi exercida, como bem refere a douta decisão recorrida.

 E, portanto, não existiria para esta hipótese qualquer nulidade processual.


Mas importa que se destaque como o faz a citada jurisprudência que os institutos da queixa e da acusação particular, previstos para casos de pequena criminalidade, visam uma função de tutela dos interesses da vítima que se traduz em colocar na sua disponibilidade a decisão sobre a existência de um processo-crime. Estando em causa, como está, a protecção dos interesses da vítima mal se acolhe a ideia de que, se não subscreveu a acusação pelo seu punho, por que o processo tomou outro rumo também legal, mas ainda assim manifestou por actos distintos, sempre que lhe foi dada oportunidade para tal, a vontade de perseguição penal pelos actos de que foi vítima, não possa o arguido ser julgado.

  

Esta é, a nosso ver a visão mais sensata e mais justa na abordagem da questão.


Não se verificaria, assim qualquer nulidade processual, por falta de legitimidade processual, como aponta o recorrente.


- Relativamente ao furto simples de que foi vítima CC.


Considerou o mesmo acórdão inexistir a nulidade processual por falta de queixa do ofendido que fora assassinado no momento em foi desapossado dos seus bens pelo arguido, com idêntica argumentação à que usou com referência à ofendida FF (cfr.fls. 246 a 252 do acórdão).


Efectivamente, o processo também neste ponto se iniciou, considerando que a legitimidade do Ministério Público para a investigação lhe advinha do quadro fáctico indiciário que se lhe deparou ad initio, indiciação esta que se foi sedimentando na prática de um crime de roubo em que o arguido para o consumar assassinou os proprietários dos bens que de imediato levou consigo.

Em concreto, dir-se-á que da matéria de acto provada resulta uma sucessão dos factos nos seguintes termos.

O CC após o disparo do arguido morreu de imediato no local onde este os mandou parar, enquanto que a esposa DD após ser vitima de dois disparos foi ainda socorrida com vida para o hospital onde permaneceu em tratamento algum tempo, não tendo, porém, conseguido sobreviver.


Quando o recorrente alega que nem a vítima CC, assassinado no local, apresentou queixa, nem os seus herdeiros importa reter o seguinte.


Julgamos saber que o cônjuge sobrevivo ainda é herdeiro nos termos da lei civil e depois estando a viúva incapaz de forma absoluta de exercer qualquer dos direitos que lhe assistiam no processo penal, por óbvias razões de saúde também causadas pelos disparos do arguido, foi a mãe desta, como tutora provisória notificada para os diversos actos do processo, tendo em declarações trazido todos os elementos de facto que, na perspectiva daqueles interessava esclarecer, nomeadamente de ordem patrimonial, quer em autos de declarações, quer na notificação para a dedução do pedido cível com vista à responsabilização do arguido.

Anota-se, de igual modo, que tendo a DD vindo a falecer pouco tempo depois os seus herdeiros são os seus pais.


Tudo para dizer que apesar de se perspectivar inicialmente a ocorrência de crimes de natureza pública, sempre existiu interlocutor nos autos nos termos previsto no art.º 49º do CPP e do art.º 113º, n.º 2 al. b) do Código Penal, que atribui o direito de queixa quer aos conjugues sobrevivos, quer aos seus ascendentes, entre outras pessoas.

Isto, quer em relação ao CC, quer em relação à mulher DD.


Mas tal argumentação, nem se mostra necessária, a nosso ver, na perspectiva da eventual ausência de legitimidade do M. P., nos termos da supra referida fundamentação que nos dispensamos de repetir.


Acrescentaríamos, porém, aqui ainda a decisão que por sugestiva e douta tem plena aplicação ao presente caso.

Trata-se de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aplicada por sua vez em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a 11-05-2016, no proc. n.º 771/13.4GCVIS.C1 onde, de forma esclarecida se afirma, referindo situação de uma acusação por crime de natureza pública que, em julgamento apenas se comprova em relação à mesma factualidade um crime de natureza semi-pública, a desnecessidade de apresentação de queixa.


Neste acórdão, após doutas considerações a este propósito, conclui-se apontando uma feliz expressão do Supremo Tribunal, em acórdão de 05-04-2001: “o que se iniciou legitimamente, iniciado está e permanece” para em síntese concluir que “iniciado um processo para investigação de um crime público (ex. furto qualificado) não se torna necessária a dedução de queixa pelo titular desse direito se, após o julgamento, os factos apurados degradarem o referido ilícito em dois crimes semipúblicos (em concurso) de furto simples e violação de domicílio.


Assim, aconteceu no caso dos autos o Ministério Público investigou e acusou por factos que se indiciavam fortemente pela prática de um crime de roubo.

O tribunal de julgamento, aceitando apenas alguns desse factos como provados, entende que apenas se trata de furto simples, não se afigura necessária nesta fase a apresentação de queixa que, obviamente já nunca poderia ser exercida por estar ultrapassada essa fase processual.


Não se verificaria, assim, mesmo pra a hipótese colocada a nulidade processual suscitada pelo recorrente.


- Relativamente ao furto qualificado de que foi vítima DD.


Em relação ao furto do veículo da DD – embora não deixemos de estranhar que da matéria provada não se tenha subsumido estes factos ao crime de roubo, tal como consta da acusação – alega o recorrente que a mesma matéria provada só permitirá integrar a prática do crime de furto de uso de veículo previsto no art.º 208º do C. P.


De facto também esta questão havia sido suscitada no recurso do acórdão da 1ª instância, tendo o Tribunal da Relação de forma assertiva, concluído pela não verificação da matéria de facto provada dos elementos do crime de furto de uso (fls258-260).


Apenas se dirá que, não se comprovando factos que permitam a pretendida subsunção legal, concretamente quanto ao elemento subjectivo da infracção e cuja matéria de facto se tem por definitivamente assente, o que se comprova é a intenção apropriativa do veículo, da carteira e do telemóvel, propriedade da DD e do marido CC, bem sabendo que não pertenciam ao arguido. (Factos 50, 57 e 61 da matéria provada).

Com efeito o tribunal equacionou e excluiu de forma expressa qualquer hipótese de se enquadrar tal situação no crime de furto de uso, desde logo pela actuação também comprovada do arguido de não só não ter devolvido o veículo, nem o ter deixado em local de fácil recuperação.

Bem pelo contrário, deixou-o escondido num caminho de terra batida oculto numa zona de mato, dissimulado na vegetação.

Não se prova qualquer intenção de devolução da viatura. Aliás, o arguido para ficar a viatura primeiro matou o seu proprietário.

E depois pela sua actuação subsequente nem sequer teve qualquer preocupação em devolvê-lo ou criar condições para essa devolução aos seus herdeiros.

Não deverá nesse ponto existir também qualquer alteração ao decidido.


Para a hipótese colocada pelo recorrente, sem conceder, valem aqui as considerações feitas anteriormente sobre a eventual falta do pressuposto processual da legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, que nos dispensamos de repetir.


Não se verifica, assim, a nulidade insanável suscitada pelo recorrente.


Quanto ao segundo grupo de questões:


2.2.1 – Começa o recorrente, por antecipação – cfr. ponto 2.4 supra referido – por alegar a inconstitucionalidade das normas do art.º 410, n.º 2 e 3 e 434º do CPP, por violação das normas do art.º 20º, n.º 1 e 20º, n.º 4 da CRP, quando com base nas mesmas se entenda que os vícios previstos no art.º 410º apenas podem ser conhecidos pelo Supremo Tribunal a título oficioso e não, se forem suscitados na motivação de recurso.

               

- Quanto a esta questão, que poderá, a nosso ver, ser considerada prévia ao conhecimento do recurso nesta parte, temos por certo ser a melhor interpretação da lei, aquela que vai no sentido da admissibilidade e da possibilidade de alegação da existência de vícios, no âmbito do que dispõe o art.º 410º na sua conjugação com o disposto no art.º 434º referidos.

Aliás, como se fundamenta na motivação do recurso, com base em doutrina citada com base em anotação ao Código de Processo Penal comentado por Juízes Conselheiros do STJ, nas reflexões feitas sobre o art.º 410º do CPP, não podemos estar mais de acordo.

Temos por essencial que o facto de poder um tribunal de recurso conhecer oficiosamente de um qualquer vício, não impedirá, nem aí se vislumbra qualquer oposição ou proibição legal se também qualquer sujeito processual interessado vier suscitar o conhecimento e decisão desses mesmos vícios.


  Assim sendo, perderá no nosso entendimento, efeito útil a alegação e conhecimento da suscitada questão de inconstitucionalidade.


- Por outro lado, diz a norma legal que só é admissível recurso para o Supremo Tribunal, como regra, com vista ao reexame de matéria de direito, nos termos do art.º 434º do CPP, ressalvando-se apenas as situações previstas no art.º 410º, nº 2 e 3 do mesmo diploma.


  Nesta exacta medida não é admissível qualquer reexame da matéria de facto como pretende a motivação de recurso do recorrente, quando impugna o julgamento feito em matéria de facto, com violação princípio in dúbio pro reo, que o mesmo alega acontecer por contradição insanável na fundamentação e por erros notórios.

   Ora, o princípio in dúbio pro reo não pode ser utilizado pelo Supremo Tribunal enquanto tribunal de revista para sindicar se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida perante factos que impliquem uma diferente decisão final sobre a prova, perante as provas que apreciou.

  Neste sentido, clarificou a questão o Supremo Tribunal de Justiça, em Ac. de 16-05-2007, in CJ (STJ), T2, pág. 182, assim sumariado:


“- A violação do princípio in dubio pro reo, só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido.

- Posto que, saber se o Tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, a mesma exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto Tribunal de revista e, do exame dos acórdãos impugnados decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.” (sublinhado nosso).


   Pelo exposto, isto é, na medida em que se considere que o recorrente está a pretender que o Supremo Tribunal se deve pronunciar no sentido de que o tribunal recorrido devia ter ficado em estado de dúvida, no que insistentemente faz apelos à versão dos factos apresentada pelo arguido oralmente em audiência (cfr. conclusões 42ª, 43ª e 47ª do recurso), misturando-a embora com excertos da apreciação crítica da prova, quanto à prática dos impugnados homicídios consumados, cai a mesma fora do âmbito da legal previsão do direito ao recurso para o STJ.


   Por outro lado, alegando com base na versão do arguido em audiência que o tribunal deveria dar como provado que: perante agressão violenta e gratuita (!) da vítima BB sobre o arguido nos instantes que precederam o fatal disparo com as algemas num das mãos e socando-o e pontapeando-o em diversas partes do corpo, nomeadamente na zona lombar, este efectuou um disparo sob forte perturbação emocional e medo, verifica-se que são diversos os conceitos e expressões utilizados nesta alegação a exigirem que os mesmos constituíssem objecto do processo e não constituíam.

  Com efeito não constam da acusação e pronúncia, sendo que também não constam da contestação do arguido que se limitou a indicar e requer produção de prova na audiência.

               

Daí que não conste nem da matéria provada nem da matéria não provada.

               

Neste sentido se pronuncia a Relação de Lisboa em acórdão de 28-06-2011, no sítio www.dgsi.pt., aduzindo que “não tendo sido alegados factos nas peças processuais que definem o objecto do processo e não resultando da matéria de facto globalmente considerada, que o juiz devesse ter ido mais longe na apreciação do exacto estado emocional em que o arguido agiu … não ocorre qualquer nulidade por omissão, nem o vício da insuficiência para a decisão…”


  Tendo sido referidos, apenas em audiência, factos pelo arguido que não mereceram qualquer, de forma fundamentada a mínima credibilidade nas instâncias que apuraram e fixaram a matéria facto, não é agora por esse motivo também admissível a sua apreciação, sendo que – repete-se – tais factos não eram objecto do processo.


Então por estes motivos deve ser recusada a admissão do recurso do arguido nessa dimensão.


 2.2.2 - Para hipótese de não se entender deste modo e às questões suscitadas, dir-se-á o seguinte.


Quanto ao Homicídio do agente da GNR, BB.


Com referência à existência de contradição insanável na fundamentação e ao erro notório detectados pelo recorrente a fls. 264 (no penúltimo parágrafo, apenas) do acórdão recorrido, dir-se-á, antes de mais, que esta questão havia sido suscitada no recurso da 1ª instância, sobretudo quanto ao segundo dos apontados vícios, tendo sido objecto de apreciação e decisão em sentido contrário ao pretendido pelo recorrente, confirmando-se a decisão recorrida.

Importa outro sim referir que o recorrente apresenta de forma mais incisiva a sua argumentação com base em transcrições do acórdão recorrido mas que o são por sua vez de transcrições do acórdão da 1ª instância (cfr. conclusão 39ª) para depois afirmar que a decisão recorrida corroborou as referências às dúvidas manifestadas pelo tribunal na 1ª instância sobre a motivação que levou o arguido a disparar sobre agente da GNR.

Ora, tal não corresponde à verdade.

Não corresponde à verdade porque o tribunal de recurso não se limitou a corroborar a posição da 1ª instância.

O que o tribunal de recurso fez, foi apreciar a pretensão do recorrente neste ponto, tal como se constata de fls. 264 a 267.


Na verdade, o tribunal começa por analisar a questão que se apresenta essencial ao recorrente que é encontrar uma motivação para a sua actuação, matando o agente da GNR, decidindo que “a circunstância de o Tribunal não ter dado como provada a invocada motivação do arguido – apesar de esgotadas as diligências de prova possíveis e úteis para a sua descoberta – não importa qualquer vício nomeadamente para a matéria dada como provada. Nem servir de justificação para o Tribunal conferir credibilidade à versão do arguido – designadamente se não tiver apoio em outros elementos de prova.”

Por outro lado, do mesmo texto da decisão recorrida não se encontra qualquer referência a dúvidas que o recorrente lhe imputa, não apresentado qualquer dúvida quanto às decisões em matéria de facto.


De facto a decisão que está em causa neste momento é a decisão da 2 ª instância e não a decisão da 1ª instância.


O que o tribunal recorrido afirma claramente é que não foi apurada a motivação para a actuação do arguido sobre o BB e que tal não configura qualquer omissão ou vício na decisão.

Em boa verdade, uma coisa é a motivação para a prática de um crime que pode vir a ser apurada ou não, quanto vezes não se apurando, porque permanece no íntimo do próprio agente do crime que decidiu não falar sobre os factos ou que, falando resolveu mentir, como aliás aconteceu com o arguido nestes autos.

Outra coisa, bem diferente, é apurar da autoria desse mesmo crime.

Podendo então apurar-se a autoria de um crime, sem que se apure qual foi a motivação para o mesmo, como aconteceu na decisão recorrida.

Tal não é fundamento para que se encontre qualquer vício na decisão recorrida seja de contradição insanável na fundamentação seja de erro notório.

O que se constata da leitura do texto da decisão recorrida – sem que se venha fazer apelo ao depoimento do arguido em audiência, que de facto não é admissível nesta sede de recurso – é que não se detectam os vícios que o recorrente indica, com o recorte legal das al. b) e c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP.


Com efeito, em termos conclusivos neste ponto se dirá que toda a argumentação do recorrente se baseia numa necessidade de reapreciação das provas produzidas, concretamente na reapreciação do depoimento oral do arguido em audiência, conferindo-lhe a credibilidade que o recorrente acha que deve ter.

Só que essa apreciação das provas produzidas, que estão para além do texto da decisão recorrida, foi já devidamente realizada pelas instâncias próprias de forma fundamentada, em termos que não coincidem com o juízo que delas faz o arguido.


Não deve assim ser feita qualquer alteração à matéria de facto, adicionando os factos novos na matéria provada que o recorrente propõe.


- Quanto aos homicídios qualificados de CC e de DD.


Encontra o recorrente no acórdão os mesmos vícios – de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova – com a consequente violação do princípio in dúbio pro reo.

A contradição insanável, segundo o recorrente, reside no facto de não existir qualquer prova que permita concluir pela prática dos dois homicídios. (conclusão 64ª), sendo que a fundamentação do acórdão recorrido de fls. 272 a 278 não permite sustentar a conclusão.

Mesmo as provas indirectas não permitem a conclusão retirada quanto à matéria provada.

E, sem que se acrescentem novos argumentos qualifica-se o mesmo vício, de erro notório – conclusão 84ª – e, na mesma medida com violação do princípio in dúbio pro reo – na mesma conclusão 84ª.


Não tem o mínimo fundamento a motivação do recorrente quanto aos alegados vícios na motivação do douto acórdão recorrido relativos à apreciação crítica das provas indirectas e não só.

Na verdade são inúmeras e abundantes as provas carreadas para a audiência e que foram analisadas na sua apreciação global e devida conjugação correctamente com as também diversas provas periciais que colocam o arguido no local destes homicídios.

Também está fora de dúvida, porque o arguido o refere, que esteve no local com o casal Pinto e que precisou de se apropriar do veículo deles, o que conseguiu.


Poderia então ainda à luz das regras da experiência comum e de toda a lógica perguntar quem é que tinha interesse na execução dos factos ocorridos e mais, quem é que detinha o domínio efectivo dos factos?

Sendo óbvio que a resposta só pode passar por considerar que era o arguido, ora recorrente.

Aliás, de uma simples leitura do texto da decisão recorrida – cfr. fls. 268 a 279 – resulta com clareza e sem margem para qualquer úvida qual foi o raciocínio seguido pelo julgador na formação da sua convicção sem que se possa censurar de forma fundamentada a existência de erros notórios ou de contradição insanável…por falta de provas suficientes.

Outro sim, incorreria em erros notórios se, perante tão abundante prova indirecta e não só, devidamente discriminada e examinada no douto acórdão, se tivesse concluído em sentido diferente, concretamente como propugnado pelo recorrente.

Não merece, assim, nenhuma das censuras que vêm feitas quanto à matéria de facto provada relativamente aos homicídios de CC e DD, nem se mostrando justificado qualquer apelo ao princípio in dúbio pro reo, na medida em que não surge, no percurso de raciocínio seguido pelo tribunal recorrido, na apreciação crítica da prova, qualquer dúvida irremovível que permitisse equacionar a aplicação do referido princípio.


Quanto ao terceiro grupo de questões, relativas ao cúmulo jurídico:


3.1 – O recorrente pretende essencialmente que, para a hipótese de ser procedente alguma das suas pretensões, em consequência que seja revogado e reformulado o cúmulo jurídico, no sentido de lhe ser aplicada uma pena inferior.


E, a não se entender, desse modo, entende que se viola o princípio da proibição da reformatio in pejus, previsto no art.º 409º, n.º 1 do CPP, pois que não poderá manter-se a pena única em 25 anos de prisão.


Ainda, se assim não for entendido, suscita a inconstitucionalidade do art.º 409º do CPP por violação do art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, quando interpretado no sentido de não se proceder a um novo cúmulo jurídico e determinação da pena única desagravada e necessariamente inferior ao máximo legal cominado pela lei penal, quando, em recurso, o tribunal ad quem decide pela absolvição de algum ou alguns dos crimes que integram o cúmulo jurídico efectuado pelo tribunal a quo, violando assim aquele princípio, enquanto elemento garantístico do direito de recurso.


Ora, como se observa a nossa posição vai no sentido de não ver alterada nenhuma das condenações do arguido, bem assim no sentido da manutenção integral de todas as penas parcelares aplicadas.


Nestes termos a moldura penal aplicável à pena única não é entre 22 anos de prisão e 25 anos de prisão, mas antes entre 22 anos e 104 anos e 8 meses de prisão, não podendo ultrapassar os 25 anos, conforme prevê de forma expressa o n.º 2 do art.º 77º do C. P.


Deste modo e apenas para a hipótese que o recorrente coloca, mas sem conceder, é óbvio que o cúmulo jurídico efectuado seria objecto de uma reformulação, o mesmo é dizer que terá que ser efectuado um novo juízo global sobre a pena única a aplicar, tendo em conta todas as penas parcelares aplicadas pelo tribunal que terá de proceder então à realização de um novo cúmulo jurídico, nos termos dos artigos 77º e 78º do C. P.

Sobre este aspecto em concreto foi decido no Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 17-02-2011, no proc. n.º 518/03.3TAPRD-A.S1, 5ª secção, o seguinte:


«Na operação de reformulação de um concurso, (por conhecimento superveniente de outro(s) crime(s), em relação de concurso,) o tribunal tem, necessariamente de “desfazer” o concurso anterior para formar um novo concurso e determinar a pena desse concurso. Por isso mesmo, nos termos do art. 78.º, n.º 1, do CP, o concurso anterior não tem um verdadeiro efeito de caso julgado quanto aos crimes que conformam o concurso, no sentido da sua inalterabilidade, pois a reformulação do concurso pressupõe, justamente, que o(s) crime(s) de que houve conhecimento superveniente seja(m) englobados no novo concurso. «Sendo o concurso anterior desfeito, não há qualquer «caso julgado» da anterior pena conjunta, pois o tribunal é, justamente, chamado a uma nova valoração dos factos, da personalidade do agente, servindo as concretas penas aplicadas pelos crimes em concurso apenas e só para a determinação da medida da pena abstracta da pena pelo concurso.» (sublinhados nossos).


   Deste modo, se for o caso de se considerar desfeito o cúmulo jurídico o julgador terá em presença factos e penas parcelares que, em conjugação com a avaliação da personalidade do agente, levarão à nova pena única sem ter que fazer obrigatoriamente uma operação aritmética de diminuição da pena única já aplicada de forma automática, como parece pretender o recorrente, ou mesmo de adição e fosse caso de agravamento de penas parcelares.


  Por outra parte, parece-nos destituído de qualquer fundamento retirar do facto de, havendo eliminação de algum dos factos pelo qual fora o arguido condenado, teria que haver forçosamente uma “reformatio in mellius” e mais, que, a não ser assim, haverá uma violação do princípio da “reformatio in pejus.

   No rigor dos princípios uma coisa nada tem a ver com a outra, desde logo pela natureza jurídica do instituto do cúmulo jurídico e bem assim da sua anulação e respectiva e subsequente reformulação.

               

Por último, ainda no mesmo sentido e a propósito da suscitada inconstitucionalidade da norma do art.º 409º do CPP por violação do art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, dir-se-á apenas que a questão, não sendo nova, foi já abordada no Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 490/16 no qual foi decidida e esclarecida esta questão nos seguintes termos:


“ VI – A projecção teleológica da ideia de proibição da “reformatio in pejus”, enquanto garantia ancorada no art.º 32º, n.º 1 da CRP, não abrange uma obrigação, referida ao tribunal de recurso de “reformatio in mellius”, entendida esta como uma vinculação do julgador a modificar na sua espécie ou medida a sanção ou sanções aplicadas na decisão recorrida.


VII – Assim, a decisão de suprimir, no quadro de um recurso interposto pelo arguido, um facto que havia sido considerado na decisão recorrida, não implica necessariamente uma reformulação “in mellius” da sanção estabelecida no Tribunal a quo.” (sublinhado nosso).


   Não nos restam dúvidas sobre a falta de fundamento da motivação do recorrente quando pretende ver declarada a inconstitucionalidade da norma do art.º 409º, n.º 1 do CPP.

   Não se verifica assim, ainda para esta última hipótese colocada pelo recorrente qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade se o Tribunal, reformulando o cúmulo jurídico, por essa via desfeito, mantiver a pena em 25 anos de prisão.


Deverá, por tudo o exposto, o recurso ser julgado improcedente em relação a todas as questões colocadas pelo arguido.

 

III – CONCLUSÕES.


1.- Apesar de este Tribunal da Relação ter admitido o presente recurso instaurado para o Supremo Tribunal de Justiça, com o devido respeito pela decisão tomada, entendemos que o mesmo não deve ser admitido em toda a sua dimensão, antes parcialmente rejeitado, por ser irrecorrível o douto acórdão proferido quanto a algumas questões suscitadas, por referência aos crimes e penas respectivas aplicadas.


Assim,

2 – Quanto às questões suscitadas em relação aos crimes em que o arguido foi condenado em penas inferiores a 5 anos de prisão o acórdão do Tribunal da Relação, que é também condenatório pela prática dos crimes com a mesma qualificação que constava da condenação do recorrente na 1ª instância, sendo certo que o acórdão, ora sob recurso é confirmatório do acórdão proferido na 1ª instância.


3 - Nestes se identificam todas as questões relativas aos crimes de:

- furto simples em que é ofendida FF;

- de furto simples em que foi ofendido CC e

- furto qualificado em que foi ofendida DD.


4 – Nestes casos não é admissível recurso, de acordo com as disposições legais conjugadas dos artigos 432º, n.º 1, al b) e 400º, n.º 1, al. e) e al. f) do CPP, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que nenhuma das penas, em causa aplicadas, quer na 1ª instância, quer na 2ª instância é “superior a 5 anos”.


5 – Deverá, atento o disposto nos artigos 414º, n.º 2 e 3, 417º, 6, al. a) e b), na sua conjugação com os artigos 432º, n.º 1, al. b) e 400º, n.º 1, al. e) e f), 414º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al b) todos do CPP, recusar-se a admissão do recurso do arguido quando pretende discutir questões relativas à sua condenação pelos crimes de furto simples e dos furtos qualificados identificados.


Para a hipótese se assim não ser entendido,

6 – Não merece qualquer censura a legal subsunção efectuada, quanto ao furto em que foi vítima FF, concretamente na perspectiva que apresenta o recorrente de que a matéria provada integraria a prática de um crime de “furto de formigueiro” previsto no art.º 207º, n.º 1 al. b) do C. P.


7 – De facto, atentos os concretos objectos furtados, os quais ultrapassam claramente o elemento do tipo, “utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente”, tratando-se de apropriação de bens que se integraram antes no plano que o arguido traçara de continuar a alimentar a sua fuga às autoridades para não ser preso…


 8 - Não merecendo censura a referida subsunção legal, verifica-se que a ofendida apresentou queixa (cfr. auto de declarações de fls. 920 e 2014).


9 – Para a hipótese colocada pelo recorrente, de no julgamento, perante a prova feita um crime d natureza pública se ter degradado em crime de natureza particular (ou semi-pública), faltar ao Ministério Público legitimidade para o exercício da acção penal, o certo é que se verifica da complexidade dos factos em investigação, com muita violência à mistura provocada pelo arguido, diga-se, e da qual também foi vítima a FF no mesmo momento em que foi desapossada dos seus bens pelo arguido, levou a que o Ministério Público considerasse a indiciação de crime de roubo nesta parte.


10 – Nesta tramitação legal, tendo inclusivamente sido pronunciado o arguido por este crime subsumido a crime de roubo, não foi – nem tinha que o ser – determinado pelo titular do inquérito que se notificasse a vítima nos termos e para os efeitos do art.º 50º (acusação particular) do CPP.  


11 – Para além disso, mais se conclui, com apoio em jurisprudência que os institutos da queixa e da acusação particular, previstos para casos de pequena criminalidade, visam uma função de tutela dos interesses da vítima que se traduz em colocar na sua disponibilidade a decisão sobre a existência de um processo-crime. Estando em causa, como está, a protecção dos interesses da vítima mal se acolhe a ideia de que, se não subscreveu a acusação pelo seu punho, por que o processo tomou outro rumo também legal, mas ainda assim manifestou por actos distintos, sempre que lhe foi dada oportunidade para tal, a vontade de perseguição penal pelos actos de que foi vítima, não possa o arguido ser julgado.

  

12 – Sendo esta é, a nosso ver a visão mais sensata e mais justa na abordagem da questão, não se verificaria, assim qualquer nulidade processual, por falta de legitimidade processual do Ministério Público, como aponta o recorrente. Ou então teria a lei que se tratar toda a investigação de um crime público, também como crime de natureza particular e ainda com crime de natureza semi-pública, para salvaguardar todas as eventualidades…mas tal seria processualmente incompatível.


13 – Também, quanto ao furto em que foi vítima CC, esta investigação iniciou e prosseguiu considerando que a legitimidade do Ministério Público para a investigação lhe advinha do quadro fáctico indiciário que se lhe deparou ad initio, indiciação esta que se foi sedimentando na prática de um crime de roubo em que o arguido para o consumar assassinou os proprietários dos bens que de imediato levou consigo, o que se apresentou como mais plausível em termos indiciários.


14 – Mesmo nestas hipótese em que de um crime público, em julgamento se convole para um crime semi-público, seguindo ainda jurisprudência sobre esta matéria se defende (cfr. jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aplicada por sua vez em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a 11-05-2016, no proc. n.º 771/13.4GCVIS.C1) a desnecessidade de apresentação de queixa.


15 – Neste acórdão conclui-se citando o Supremo Tribunal, em acórdão de 05-04-2001: “o que se iniciou legitimamente, iniciado está e permanece” para em síntese se decidir que “iniciado um processo para investigação de um crime público (ex. furto qualificado) não se torna necessária a dedução de queixa pelo titular desse direito se, após o julgamento, os factos apurados degradarem o referido ilícito em dois crimes semipúblicos (em concurso) de furto simples e violação de domicílio.


16 - Não se verificará, assim, mesmo para a hipótese colocada pelo recorrente a nulidade processual por ele suscitada.


17 – Quanto ao furto de que foi vítima DD, embora não deixemos de estranhar que da matéria provada não se tenha subsumido estes factos ao crime de roubo, tal como consta da acusação e, alegando o recorrente que a mesma matéria provada só permitirá integrar a prática do crime de furto de uso de veículo previsto no art.º 208º do C. P., não lhe assiste razão.


18 – De facto já esta questão havia sido suscitada no recurso do acórdão da 1ª instância, tendo o Tribunal da Relação de forma assertiva, concluído pela não verificação da matéria de facto provada dos elementos do crime de furto de uso (fls258-260).


19 – Não se comprovam factos que permitam a pretendida subsunção legal, concretamente quanto ao elemento subjectivo da infracção e cuja matéria de facto se tem por definitivamente assente, o que se comprova é a intenção apropriativa do veículo, da carteira e do telemóvel, propriedade da DD e do marido CC, bem sabendo que não pertenciam ao arguido. (Factos 50, 57 e 61 da matéria provada).


20 – Para a hipótese colocada pelo recorrente, também entendemos que não se verifica qualquer nulidade processual por falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, nos mesmos termos já supra expostos em relação aos anteriores crimes sobre os quais incidiu a impugnação do recurso.


        Quanto às questões suscitadas em relação aos três homicídios na forma consumada,

 21 – Em relação à questão prévia da eventual inconstitucionalidade do art.º 410º, n.º 2 e 434º ambos do CPP, na interpretação de que não é admissível a alegação da existência dos vícios do art.º 410º, n.º 2 em recurso para o Supremo Tribunal, entendemos não deverem ser interpretadas tais normas no sentido restritivo/proibitivo de tal faculdade.


 22 – Nesta medida, perderá sentido e utilidade o conhecimento das alegadas inconstitucionalidades.


    Por outro lado,

23 – Na medida em que o recorrente pretenda ver apreciada matéria de facto, embora alegando a existência de vícios do art.º 410º, ainda com recurso à violação do princípio in dúbio pro reo, mas em que se socorre do depoimento do arguido em audiência, cuja versão dos factos foi fundamentadamente afastada pelo tribunal por falta de credibilidade, tal dimensão do recurso é inadmissível, nos termos do art.º 434º do CPP.


    Se assim, não for entendido e quanto ao Homicídio do agente da GNR, BB

24 – Com referência à existência de contradição insanável na fundamentação e ao erro notório detectados pelo recorrente a fls. 264 (no penúltimo parágrafo, apenas) do acórdão recorrido, esta questão já havia sido suscitada no recurso da 1ª instância, sobretudo quanto ao segundo dos apontados vícios, tendo sido objecto de apreciação e decisão em sentido contrário ao pretendido pelo recorrente, confirmando-se a decisão recorrida.


25 – Importa referir que o recorrente apresenta de forma mais incisiva a sua argumentação com base em transcrições do acórdão recorrido mas que o são por sua vez de transcrições do acórdão da 1ª instância (cfr. conclusão 39ª) para depois afirmar que a decisão recorrida corroborou as referências às dúvidas manifestadas pelo tribunal na 1ª instância sobre a motivação que levou o arguido a disparar sobre agente da GNR.


26 – Ora, do texto da decisão recorrida não se encontra qualquer referência a dúvidas que o recorrente lhe imputa, não apresentando qualquer dúvida quanto às decisões em matéria de facto.


27 – O que o tribunal recorrido afirma claramente é que não foi apurada a motivação para a actuação do arguido sobre o BB e que tal não configura qualquer omissão ou vício na decisão, sendo que uma coisa é a motivação para a prática de um crime que pode vir a ser apurada ou não, quanto vezes não se apurando, porque permanece no íntimo do próprio agente do crime que decidiu não falar sobre os factos ou que, falando resolveu mentir, como aliás aconteceu com o arguido nestes autos.


28 - De facto a decisão que está em causa neste momento é a decisão da 2 ª instância e não a decisão da 1ª instância.


29 – Apurar da autoria de um crime não se confunde com a motivação para a sua prática, podendo então apurar-se a autoria de um crime, sem que se apure qual foi a motivação para o mesmo, como aconteceu na decisão recorrida.


30 - Tal não é fundamento para que se encontre qualquer vício na decisão recorrida seja de contradição insanável na fundamentação seja de erro notório.


31 – O que se constata da leitura do texto da decisão recorrida – sem que se venha fazer apelo ao depoimento do arguido em audiência, que de facto não é admissível nesta sede de recurso – é que não se detectam os vícios que o recorrente indica, com o recorte legal das al. b) e c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP.


32 – Não deve assim sobre este ponto proceder-se a qualquer alteração na matéria de facto


Quanto aos homicídios consumados de CC e DD

33 – Do texto do acórdão recorrido de fls. 268 a 279 não se detectam os apontados vícios de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – por falta de provas… - nem erros notórios na apreciação das provas.


34 – De facto, são inúmeras e abundantes as provas carreadas para a audiência e que foram analisadas na sua apreciação global e devida conjugação correctamente com as também diversas provas periciais que colocam o arguido no local destes homicídios.


35 – Está também fora de dúvida, porque o arguido o refere, que esteve no local com o casal Pinto e que precisou de se apropriar do veículo deles, o que conseguiu.


36 – Então, poderia ainda à luz das regras da experiência comum e de toda a lógica perguntar-se quem é que tinha interesse na execução dos factos ocorridos e mais, quem é que detinha o domínio efectivo dos mesmos factos?

Sendo óbvio que a resposta só pode passar por considerar que era o arguido, ora recorrente.


37 - Não merece, assim, nenhuma das censuras que vêm feitas quanto à matéria de facto provada relativamente aos homicídios de CC e DD, nem se mostrando justificado qualquer apelo ao princípio in dúbio pro reo, na medida em que não surge, no percurso de raciocínio seguido pelo tribunal recorrido, na apreciação crítica da prova, qualquer dúvida irremovível que permitisse equacionar a aplicação do referido princípio.


Por último, quanto ao cúmulo jurídico,

38 – Pretendendo o recorrente que, para a hipótese de ser procedente alguma das suas pretensões que, em consequência, seja revogado e reformulado o cúmulo jurídico, no sentido de lhe ser aplicada uma pena sempre inferior e, a não se entender, desse modo, considerar que se viola o princípio da proibição da reformatio in pejus, previsto no art.º 409º, n.º 1 do CPP,


39 – Ainda que, se assim não for entendido, se verifica a inconstitucionalidade do art.º 409º do CPP por violação do art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, quando interpretado no sentido de não se proceder a um novo cúmulo jurídico e determinação da pena única desagravada, necessariamente inferior ao máximo legal cominado pela lei penal.


40 – Ora, entendemos que não deverá ser alterada nenhuma das condenações do arguido, bem assim devem ser mantidas integralmente todas as penas parcelares aplicadas.


41 – Por outro lado, a moldura penal aplicável à pena única não é entre 22 anos de prisão e 25 anos de prisão, mas antes entre 22 anos e 104 anos e 8 meses de prisão, não podendo ultrapassar os 25 anos, conforme prevê de forma expressa o n.º 2 do art.º 77º do C. P.


No entanto e só para a hipótese que o recorrente coloca, mais se dirá que:

42 – A operação do cúmulo jurídico, nesta hipótese seria objecto de uma reformulação, o mesmo é dizer que terá que ser efectuado um novo juízo global sobre a pena única a aplicar, tendo em conta todas as penas parcelares aplicadas pelo tribunal que terá de proceder então à realização de um novo cúmulo jurídico, nos termos dos artigos 77º e 78º do C. P.


43 – Mas, nesta nova operação do cúmulo jurídico, se for o caso de se considerar desfeito o cúmulo jurídico o julgador terá em presença factos e penas parcelares que, em conjugação com a avaliação da personalidade do agente, levarão à nova pena única sem ter que fazer obrigatoriamente uma operação aritmética de diminuição da pena única já aplicada de forma automática, (cfr. Ac.de 17-11-2011, proc. nº 518/03.3TAPRD-A.S1, 5ª secção.), como parece pretender o recorrente, ou mesmo de adição, se fosse caso de agravamento de penas parcelares.


44 – Parece-nos destituído de qualquer fundamento retirar do facto de, havendo eliminação de algum dos factos pelo qual fora o arguido condenado, teria que haver forçosamente uma “reformatio in mellius” e mais, que, a não ser assim, haverá uma violação do princípio da “reformatio in pejus.

               

45 – Nesse sentido e a propósito da suscitada inconstitucionalidade da norma do art.º 409º do CPP por violação do art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, a questão, não sendo nova, foi já abordada no Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 490/16 no qual foi decidida e esclarecida esta questão nos seguintes termos:


“ VI – A projecção teleológica da ideia de proibição da “reformatio in pejus”, enquanto garantia ancorada no art.º 32º, n.º 1 da CRP, não abrange uma obrigação, referida ao tribunal de recurso de “reformatio in mellius”, entendida esta como uma vinculação do julgador a modificar na sua espécie ou medida a sanção ou sanções aplicadas na decisão recorrida.


VII – Assim, a decisão de suprimir, no quadro de um recurso interposto pelo arguido, um facto que havia sido considerado na decisão recorrida, não implica necessariamente uma reformulação “in mellius” da sanção estabelecida no Tribunal a quo.” (sublinhado nosso).


46 - Não se mostra fundamentada a motivação do recorrente quando pretende ver declarada a inconstitucionalidade da norma do art.º 409º, n.º 1 do CPP., se o tribunal ao reformular o cúmulo não está vinculado obrigatoriamente à diminuição da pena única de 25 anos de prisão na hipótese colocada pelo recorrente.

Tal pode suceder ou não, no âmbito do que dispõe o art.º 77º do C. P.


47 - Não se verifica assim, ainda para esta última hipótese colocada pelo recorrente qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade se o Tribunal, reformulando o cúmulo jurídico, por essa via desfeito, vier a manter a pena em 25 anos de prisão.


Deverá, por tudo o exposto o recurso do arguido ser parcialmente rejeitado e no mais julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o douto acórdão recorrido.

Vossas Excelências, porém, como sempre, não deixarão de fazer a costumada JUSTIÇA.»


Parecer da Ex.ma PGA neste Supremo Tribunal


4. Por seu turno, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu, em 6/3/2019, parecer (págs. 6630-6632, do 18.º vol.), também a seguir transcrito:

«1. Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17.10.2018, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, em 06.12.2018, com as conclusões de fls. 6564v/6587, que aqui se dão por reproduzidas.

2. O MºPº junto do TRC respondeu com amplitude e rigor a todas as questões suscitadas pelo recorrente, pronunciando-se pela não admissão do recurso para o STJ relativamente aos crimes pelos quais a Relação de Coimbra manteve a condenação em penas inferiores a 5 anos de prisão. E pronunciou-se pela improcedência do recurso quanto às demais questões suscitadas- fls. 5600 a 5619 dos autos.

3. Nada obstando ao conhecimento do recurso (foi efetuado o pagamento da multa pela interposição do recurso no 3º dia útil), e não tendo sido requerida a realização de audiência, afigura-se que o recurso deverá ser apreciado em sede de conferência.

4. Da resposta

4.1.. Da rejeição parcial do recurso- arts. 400º nº1 alíneas e) e f) e 432º nº1-b), do CPP

Pelos fundamentos aduzidos na citada resposta do MºPº, pronunciamo-nos igualmente pela rejeição do recurso quanto aos crimes pelos quais a Relação de Coimbra manteve a factualidade, incriminação jurídica e pena em medida de prisão não superior a  5 anos:

          i))- crime de furto simples em que é ofendida FF, pp pelos arts. 203º nº1, 204º nº2-e) e f) e nº4 do CP, tendo o recorrente sido condenado na pena de 2 anos de prisão;

          ii)crime de furto simples em que é ofendido CC, pp pelos arts. 203, 204º nº2-e) e f) e nº4 do CP, tendo o recorrente sido condenado em 6 meses de prisão;

          iii) Crime de furto qualificado em que é ofendida DD, pp pelos arts. 203º, 204º nº2-f) do CP, tendo o recorrente sido condenado na pena de 3 anos de prisão.

Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 414º nº2 e 3, , 417º nº6-b), 432º nº1-b), 420º-b), 400º nº1-e) e f), do CPP, pronunciamo-nos, pois pela rejeição de tal segmento do recurso .

4.2. Relativamente às questões suscitadas pelo recorrente quanto à condenação pela prática de

- um crime de homicídio qualificado em que foi vítima BB, pp arts. 131º, 132º nº1 e nº2-l) do CP, agravado nos termos do art. 86º nº3 do RJAM, tendo sido condenado em 21 anos de prisão;

- dois crimes de homicídio qualificado em que foram  vítimas CC e DD , pp. arts. 131º, 132º nº1 e nº2-g) e j) do CP, agravado nos termos do art. 86º nº3 do RJAM, tendo sido condenado em 22anos de prisão, por cada um dos crimes;

- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, em que foi vítima EE , pp arts. 22º, 23º, 131º, 132º nº1 e nº2-g), j) e l) do CP, agravado nos termos do art. 86º nº3 do RJAM, tendo sido condenado em 11 anos e 6 meses de prisão;

- e quanto ao cúmulo jurídico e medida da pena única aplicada,

pela amplitude e rigor da resposta do MºPº junto do TRC, cujos fundamentos se acompanham, considerando igualmente encontrar-se o acórdão do TRC ampla e objectivamente fundamentado, quer quanto a matéria de facto, quer de direito, sem que se vislumbre a existência de qualquer dos vícios de decisão previstos no nº2 do art. 4110º do CPP, ou de qualquer ilegalidade, sem necessidade quaisquer considerações adicionais, por tautológicas, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência do recurso interposto.»



******



 5. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

  O arguido respondeu (fls. 6641 e ss. do 18.º vol.) concluindo «nos precisos termos do recurso interposto e aqui em análise, com todas as consequências legais»

 Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP).

Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:


«3. A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO É A SEGUINTE:

A) METÁRIA DE FACTO PROVADA


Do despacho de pronúncia,


i.


1. No dia 11 de Outubro de 2016, pelas 02h30m, o arguido AA encontrava-se no interior do veículo da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-EG-…, o qual estava estacionado junto ao Hotel …, … .

2. Em tais circunstâncias, o arguido tinha na sua posse um pé de cabra e uma arma de fogo de calibre 7.65mm, carregada com pelo menos duas munições, sem ser titular de licença que o habilitasse a deter e usar armas de fogo e sem ter outras armas de fogo registadas ou manifestadas em seu nome, à exceção do livrete de manifesto de armas, com o n.º N6…5, emitido em seu nome em 8.02.2005, para a espingarda de caça de marca Boito, n.º 34…3, calibre 12 (cfr. fls. 85 e 86);

3. Nessa ocasião, EE e BB, militares do Posto Territorial … da G.N.R., encontravam-se de serviço e, no exercício das suas funções, deslocaram-se no carro patrulha da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNRL-2…1 e no valor global de €11.487,74, ao supra mencionado local, por ali terem ocorrido diversos incêndios no verão.

4. Ao aperceberem-se da presença do arguido, os militares estacionaram o carro patrulha a cerca de 4 ou 5 metros da viatura do mesmo, abordaram-no e pediram-lhe que saísse do veículo, que se identificasse e que lhes entregasse os documentos da carrinha e os documentos pessoais.

5. Assim, o arguido entregou a BB os seus documentos pessoais, incluindo a carta de condução, e os documentos do veículo, designadamente o certificado de matrícula.

6. Na posse de tais documentos, EE e BB pediram ao arguido que os acompanhasse ao carro patrulha para procederam à sua identificação, o que este fez.

7. Efetuada a identificação, EE e o arguido regressaram para junto do veículo da marca Toyota, modelo Hilux; ao passo que BB permaneceu junto do carro patrulha, a recolher via rádio e telemóvel informações adicionais sobre o arguido e a respetiva viatura.

8. Tendo-se EE depois aproximado de BB, que lhe indicou que o arguido estava referenciado como perigoso e poderia estar armado, e quando ambos regressaram para junto do arguido e do veículo deste, estando BB mais à frente do colega, o militar EE ouviu um barulho oriundo da vegetação circundante, o que o fez desviar o olhar.

9. Aproveitando este facto, e por motivos que não foi possível apurar, com o intuito de tirar a vida a BB, o arguido AA empunhou a arma de fogo de calibre 7.65mm na direção da cabeça deste e, estando a uma distância de cerca de vinte centímetros do mesmo, efetuou um disparo atingindo-o em tal zona do corpo, provocando-lhe, de forma direta e necessária, a morte.

10. De imediato, o arguido apontou a arma de fogo na direção da cabeça de EE e disse-lhe: «Se te mexes fodo-te os cornos; fazes-lhe companhia».

11. A seguir, o arguido obrigou EE a retirar e a entregar-lhe o seu cinturão, onde possuía a sua arma de serviço, da marca Glock, de calibre 9mm, com o número de série RPS6…8, os respetivos carregador e coldre, e um porta bastão; e a retirar e entregar-lhe o cinturão de BB, onde este guardava a sua arma de serviço, da marca Glock, de calibre 9mm, com o número de série RPS6…3, os respetivos carregador e coldre e algemas – tudo com o valor global de €720,81.

12. O arguido colocou tais objetos no interior do veículo da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-EG-…, junto aos pedais, fechando a viatura à chave, fazendo-os desse modo seus.

13. Depois, o arguido mandou EE entrar no carro patrulha da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNRL-2…1, o que este fez, sentando-se no lugar dianteiro esquerdo, ao passo que aquele se sentou no lugar dianteiro direito.

14. O arguido ordenou a EE que iniciasse a marcha do veículo em direção à localidade da Cavaca, apontando-lhe a arma de fogo de calibre 7.65 mm em direção ao peito, para que não fosse visível do exterior da viatura.

15. Com o propósito de evitar que a sua conduta fosse detetada e que o carro patrulha fosse localizado, o arguido, mantendo sempre a aludida arma de fogo apontada na direção do peito de EE, obrigou-o a seguir em direção à localidade de … e a contactar via rádio a Sala de Situação afeta ao Posto Territorial de … da G.N.R., solicitando informações sobre matrículas de diversos veículos automóveis que se encontravam aparcadas nas estradas e ruas por onde iam passando.

16. Feitos estes contactos, o arguido demandou que EE regressasse ao Hotel … e que imobilizasse o carro patrulha próximo do corpo de BB.

17. Aí, o arguido ordenou a EE que saísse do carro patrulha, apontou a mencionada arma de fogo de calibre 7.65mm na sua direção e obrigou-o a colocar o corpo de BB no interior da respetiva bagageira.

18. Neste instante, EE pediu ao arguido que se fosse embora e que levasse consigo os objetos que quisesse, ao que este respondeu, mantendo a arma de fogo apontada na direção do primeiro: «Queres morrer?».

19. Temendo ser morto pelo arguido, EE arrastou o corpo de BB, içou-o e colocou-o no interior da mala do carro patrulha, fechando-a.

20. Seguidamente, o arguido mandou EE entrar para o lugar dianteiro direito do carro patrulha e, surgindo com umas algemas, algemou-lhe o braço esquerdo à pega de apoio superior existente por cima do banco.

21. Após se certificar que EE se encontrava manietado, o arguido dirigiu-se à viatura da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-EG-… e retirou do seu interior um par de luvas, que calçou, o pé de cabra supra mencionado e um dos cinturões pertencentes aos militares, colocando a arma de fogo da marca Glock, calibre 9 mm, com o número de série RPS6…3, na cintura das calças que envergava.

22. Depois, o arguido sentou-se ao volante do carro patrulha da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNRL-2…1, e deslocou-se em direção ao cruzamento da Estrada Nacional n.º … com a estrada que vai para a localidade …, passando a circular na EN …, no sentido … – …, até ao limite do concelho.

23. Após, invertendo o sentido de marcha, passou a circular no sentido … –…., passando o arguido por esta última localidade, deslocou-se para …, de onde seguiu para … .

24. Antes de chegar a …, o arguido enveredou por uma estrada de terra batida, onde circulou cerca de trinta minutos, em direção ao lugar conhecido por …, imobilizando o veículo no percurso.

25. O arguido saiu da viatura, obrigando EE a fazer o mesmo.

26. Como EE não conseguia libertar-se das algemas, o arguido destruiu a pega de apoio usando para tanto o supra mencionado pé de cabra.

27. De seguida, o arguido apontou novamente a arma de fogo de calibre 7.65mm na direção da cabeça de EE e ordenou-lhe que se algemasse a um pinheiro ali existente.

28. Temendo ser morto, EE dirigiu-se ao dito pinheiro, mantendo-se o arguido sempre a apontar a mencionada arma de fogo na direção da sua cabeça.

29. Nessas circunstâncias, com o intuito de tirar a vida a EE, o arguido efetuou um disparo atingindo-o na cabeça e fazendo-o cair no chão.

30. Após, crendo que EE estava morto, o arguido arrastou-o alguns metros, deixando-o numa zona inferior de mato, e cobriu o seu corpo com giestas, ramos e pedras, com o intuito de o esconder e evitar que o mesmo fosse encontrado.

31. De seguida, o arguido abandonou o local, no carro patrulha da G.N.R., fazendo-o, desse modo, seu; e dirigiu-se em direção ao km 45, da EN …, nas imediações da Quinta …. (concelho de …).

32. EE logrou, no entanto, recuperar a consciência, levantar-se e dirigir-se a pé até à residência de QQ, situada na Rua …, n.º …, Quinta …, … …, onde pediu ajuda, sendo daí transportado para o Centro Hospitalar …, E.P.E..

33. Com a conduta descrita em 9., o arguido causou a BB, de forma direta e necessária, as seguintes lesões:

no hábito externo:

» na cabeça:

- equimose avermelhada na metade direita da região frontal, imediatamente abaixo da zona de implantação do cabelo, medindo dois centímetros em ambos os eixos;

-orifício na hemiface esquerda, situado entre o limite medial da rima palpebral e a vertente esquerda da pirâmide nasal, medindo sete milímetros de eixo transversal por cinco milímetros de eixo longitudinal, rodeado de orla de contusão praticamente concêntrica, ligeiramente menor na porção lateral, medindo três milímetros de largura máxima e um milímetro de largura mínima – orifício de entrada de projétil;

- equimose arroxeada iniciando-se ao nível do orifício acima descrito e estendendo-se para a pirâmide nasal, contornando o dorso do nariz, medindo três centímetros e meio de eixo maior por um centímetro e meio de eixo menor;

- ferida contusa na metade lateral da pálpebra superior esquerda, medindo um centímetro e meio de eixo maior por um milímetro de eixo menor;

- equimose violácea bipalpebral esquerda, medindo na pálpebra superior cinco centímetros e meio de eixo transversal por um centímetro e meio de eixo longitudinal;

- equimose levemente arroxeada na metade medial da pálpebra superior direita, medindo dois centímetros de eixo maior por um centímetro de eixo menor;

- equimose levemente arroxeada na metade lateral da pálpebra superior direita, medindo três centímetros e meio de eixo maior por dois centímetros de eixo menor;


hábito interno:

» na cabeça:

- nas partes moles: infiltração sanguínea na metade direita da região occipital;

- na abóbada: traço de fractura disposto longitudinalmente, atingindo a porção posterior do parietal direito e porção superior da metade direita do occipital;

- na base: orifício de bordos irregulares situado na fossa craniana média direita, na zona de transição entre o contorno medial da grande asa do esfenóide e a face lateral direita do copo do mesmo osso; fractura com esquirola óssea na fossa cerebelosa direita, junto ao sulco do seio transverso, atingindo apenas a tábua interna e fazendo depressão na mesma, numa área com dez milímetros de eixo maior por oito milímetros de eixo menor; fractura linear na fossa cerebelosa direita, disposta no sentido antero-posterior, e equimose óssea da mesma fossa junto ao contorno da foramen magnum; equimose óssea a nível dos tectos orbitários e rochedo direito; projéctil localizado na fossa cerebelosa direita, entre a espessura da dura-máter e o osso;

- nas meninges: orifícios na dura-máter, ao nível da fossa craniana média direita e outro na fossa cerebelosa direita, em correspondência com as lesões ósseas descritas na abóbada; hemorragia subaracnoídea a nível da face basal do lobo frontal esquerdo, polo temporal esquerdo, convexidade dos lobos temporais e parietais (poupando a porção mais medial junto à fissura longitudinal), porção medial da base basal dos lobos temporal e occipital direitos e face superior do cerebelo, mais intensa à direita;

- no encéfalo: sinais de edema traduzido por apagamento dos sulcos e achatamento das circunvoluções cerebrais; áreas de contusão na porção anterior da face basal do lobo frontal esquerdo, face basal do lobo temporal direito (mais intensa na porção medial) e face basal do lobo occipital direito; área de contusão discreta na face superior do hemisfério cerebeloso esquerdo; laceração da porção anterior do trato olfactivo esquerdo; desagregação da porção lateral direita da ponte e dos pedúnculos cerebelosos superior e médio homolaterais; hemisfério cerebeloso direito com área de contusão e desagregação do parênquima na porção posterior, observando-se orifício que se continua com trajecto em túnel para o interior do parênquima, terminando a meio da espessura do hemisfério cerebeloso; focos de contusão na metade direita da ponte; ventrículo lateral esquerdo, terceiro ventrículo e quarto ventrículo ligeiramente sujos de sangue;

- ossos da face: fractura do processo frontal da maxila esquerda, em correspondência com o orifício de entrada descrito no hábito externo e do etmóide, rodeadas de infiltração sanguínea;


» no tórax:

- coração: discreto aumento da camada adiposa subpicárdica; algumas placas fibroateromatosas nas válvulas mitral e aórtica;

- traqueia e brônquios: muco sanguinolento na traqueia e sangue nos brônquios;

- pulmão direito e pleura visceral: aspecto ligeiramente marmoreado; pigmentação antracótica incipiente; ao corte, parênquima dos lobos superior e inferior com congestão ligeira e lobo médio seco;

- pulmão esquerdo e pleura visceral: aspecto marmoreado; pigmentação antracótica incipiente; ao corte, parênquima de ambos os lobos com congestão ligeira.

34. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas provocadas pelo projétil de arma de fogo disparado pelo arguido foram a causa direta e necessária da morte de BB.

35. Com a conduta descrita em 29. e 30., o arguido causou a EE, de forma direta e necessária, as seguintes lesões:

» fractura cominutiva do arco anterior do atlas em situação paramediana/posterolateral esquerda, onde se observa estrutura de provável natureza metálica anterior ao buraco transversário;

» ferida parietal esquerda;

» hematoma peri-orbitário direito;

» ferida por abrasão no hemitórax direito e no hemitórax inferior direito;

» ferida intra-orbitária direita, circular;

» múltiplas fracturas do maciço facial à direita que interessam a maxila, com afundamento do pavimento da órbita, interessando o canal infero-orbitário, sem herniação inferior do conteúdo orbitário no seio maxilar;

» múltiplas esquírolas ósseas da vertente ântero-inferior-externa da órbita;

» fractura extensa da parede lateral do seio maxilar direito, com múltiplos pequenos fragmentos ósseos afundados no seio, o qual se encontra ocupado por tecidos moles a produzirem provável hemossinus; a fractura interessa a inserção da apófise zigomática direita bem como as apófises pterigoideias fragmentadas;

» fractura cominutiva da parede medial deste seio com fragmentos ósseos na fossa nasal adjacente;

» espessamento dos tecidos moles da hemiface direita quer peri-orbitários, quer da região malar onde se observa espessamento linear com esquírolas ósseas, correspondente à possível entrada de estrutura metálica que se observa adjacente ao arco anterior do atlas;

» atenuação da lordose cervical, possivelmente postural;

» alterações degenerativas das articulações posteriores, sem repercussão endocanalar;

» redução do lúmen da nasofaringe e da orofaringe;

» presença de bolhas gasosas anteriores ao atlas em relação com a entrada do referido corpo estranho metálico;

» dor ao toque no território do nervo maxilar direito na hemiface direita;

» cefaleias e náuseas;

» sensação de formigueiro nas mãos;

» abertura da boca em cerca de um centímetro.

36. O projétil disparado pelo arguido não foi extraído do corpo de EE, tendo ficado alojado na massa lateral esquerda de C1.

37. Em 13 de dezembro de 2016 EE apresentava as seguintes sequelas:

» cicatriz deprimida e nacarada na região infra-orbitária direita com seis milímetros por dois milímetros de maiores eixos, distando três centímetros do canto lateral do bolbo ocular;

» cicatriz rosada, dolorosa ao toque, na região parietal esquerda (posterior) com três centímetros e meio de comprimento.

38. As lesões infligidas pelo arguido a EE não se encontram ainda estabilizadas.

39. Como consequência direta e necessária das sobreditas lesões, EE encontra-se em recuperação na sua residência, em situação de incapacidade temporária absoluta, incapaz de exercer a sua atividade profissional.

40. O arguido atuou com o propósito de tirar a vida a BB, o que conseguiu, pois que o atingiu com um disparo de arma de fogo na cabeça, zona do corpo que aloja órgãos e estruturas vitais, impossibilitando-o de se defender e fugir, revelando indiferença, despreendimento e desprezo pela vida humana e insensibilidade perante as consequências da sua conduta e o sofrimento do ofendido.

41. Ao agir da forma descrita, o arguido sabia que BB era militar da G.N.R. e que o mesmo encontrava-se no exercício das suas funções.

42. O arguido atuou sabendo que agia contra a vontade de EE ao obrigá-lo a percorrer diversas estradas do concelho de … e que, como tal, o privava da sua liberdade ambulatória.

43. O arguido atuou depois com o objetivo de tirar a vida a EE, agindo com vista a eliminar a testemunha do homicídio de BB, pois que o atingiu com um disparo de arma de fogo na cabeça, zona do corpo que aloja órgãos e estruturas vitais, impossibilitando-o de se defender e fugir, revelando indiferença, despreendimento e desprezo pela vida humana e insensibilidade perante as consequências da sua conduta e o sofrimento do ofendido, não logrando matá-lo por motivos alheios à sua vontade.

44. Ao agir da forma descrita, o arguido sabia que EE é militar da G.N.R. e que o mesmo encontrava-se no exercício das suas funções.

45. Nas circunstâncias referidas em 11., o arguido atuou com o propósito de se apropriar dos cinturões, das armas de fogo da marca Glock, calibre 9 mm, com os números de série RPS6…8 e RPS6…3 e dos respetivos carregadores e coldres, do porta bastão, das algemas e do veículo automóvel da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNRL-2…1 usados por BB e EE no exercício das respetivas funções de militares da G.N.R., empunhando uma arma de fogo na direção de EE de modo a colocá-lo numa situação que o impossibilitasse de resistir, o que conseguiu, bem sabendo que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do seu proprietário e dos seus legítimos possuidores.

46. Ao deter a arma de fogo de calibre 7.65 mm e as respetivas munições, o arguido atuou conhecendo as suas características, ciente que não é titular de licença de uso e porte de arma de fogo, bem sabendo que não lhe era permitido por lei deter e usar tais objetos naquelas circunstâncias sem ser titular da licença que o habilitasse a deter e a usar armas de fogo.

47. Ao passar a deter as armas de fogo da marca Glock, calibre 9 mm com os números de série RPS6…8 e RPS6….3 e os respetivos carregadores e munições, afetos a miliares da G.N.R., o arguido atuou conhecendo as suas características, bem sabendo que não lhe era permitido por lei deter e usar tais objetos e que os mesmos se destinam a uso militar e só podem ser usados por forças e serviços de segurança públicos.



ii.


48. Chegado ao km45 da EN 229, junto à Quinta … (concelho de …), o arguido imobilizou o veículo automóvel da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNRL-2…1, onde até então se tinha feito transportar. Tendo, em momento que não foi possível apurar, abandonado o veículo num caminho de terra batida, onde o mesmo dificilmente seria localizado, deixando BB, já cadáver, na bagageira da viatura.

49. Nesse momento, o arguido trazia ainda consigo a arma de fogo de calibre 7.65mm e a arma de fogo da marca Glock, calibre 9mm, afeta ao militar BB.

50. Pelas 06h25m, com o intuito de encontrar um novo veículo e de fugir para não ser localizado pela polícia, o arguido colocou-se na estrada nacional n.º…, junto à Quinta …., e fez sinal de paragem a um veículo que por ali passava da marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula …-…-UZ, propriedade de DD e onde esta seguia com CC, seu marido.

51. DD e CC deslocavam-se para … para aquela ser sujeita a consulta médica CC tinha na sua carteira, pelo menos, €60,00.

52. Ao avistar o arguido, CC aproximou-se do mesmo e parou a marcha do veículo.

53. De forma que não foi possível apurar CC e DD saíram do veículo.

54. Quando CC se encontrava no exterior do veículo, o arguido, com o intuito de lhe tirar a vida, junto à porta traseira direita da viatura efetuou um disparo, com a arma da marca Glock, calibre 9 mm, e o número de série RPS6…3, atingindo-o na cabeça, causando-lhe de forma direta e necessária a morte.

55. O corpo de CC foi arrastado, de forma que não foi possível apurar, para a vegetação existente junto à estrada nacional n.º … .

56. Neste local o arguido apontou a aludida arma de fogo na direção da cabeça de DD, e com o intuito de lhe tirar a vida, efetuou pelo menos dois disparos atingindo-a nos termos provados em 100. e 101., fazendo-a cair inanimada no chão.

57. Depois, o arguido abandonou o local no veículo da marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula …-…-UZ, fazendo seus a viatura e todos os objetos que se encontravam no seu interior, bem como a carteira e o telemóvel de CC (cujo valor não é possível apurar).

58. Com a conduta descrita em 54., o arguido causou a CC, direta e necessariamente, as seguintes lesões:

no hábito externo:

» na cabeça:

- equimose arroxeada nas pálpebras superiores das regiões orbitárias direita e esquerda;

- orifício circular, com sangue seco, na metade lateral da região bucal esquerda, com área tipo queimadura em redor, com cinco milímetros de diâmetro e três milímetros de orla tipo queimadura – orifício de entrada – distando cinco centímetros do trágus do pavilhão auricular esquerdo, sete centímetros e meio da asa esquerda do nariz, e cento e cinquenta e nove centímetros e meio do calcanhar esquerdo;

- orifício irregular, com várias esquírolas ósseas, na metade direita distal da região occipital, apresentando um maior eixo de três centímetros e um menor eixo de dois centímetros e meio – orifício de saída – distando oito centímetros da inserção do pavilhão auricular direito, vinte centímetros da asa direita do nariz e cento e cinquenta e sete centímetros do calcanhar direito;

» nos membros superiores:

- três escoriações lineares, sensivelmente paralelas entre si, no terço distal da região braquial posterior direita (metade lateral), atingindo o cotovelo direito (área condilar lateral), a maior com quatro centímetros de maior eixo longitudinal por meio centímetro de maior eixo transversal;

hábito interno:

» na cabeça:

- nas partes moles: numerosas sufusões hemorrágicas subepicranianas; infiltração sanguínea na metade direita da região occipital, da região temporal esquerda (metade distal anterior) e músculo temporal direito (metade posterior);

- ossos do crânio – abóbada: fractura linear da metade direita da escama do occipital, com desnivelamento e afastamento milimétrico dos topos (em continuação de um traço da fractura esquirolosa da fossa cerebelosa occipital, descrita na base), dirigindo-se superiormente para a articulação occipito-parieatal (direita); fractura linear da escama do temporal direito, atingindo o parietal direito, em continuação da fractura da face ântero-superior do rochedo, descrita na base;

- ossos do crânio – base: fractura, com vários traços, da fossa craniana média (metade direita): grande asa direita do esfenóide e face ântero-superior do rochedo direito (em continuação da fractura descrita na abóbada), dirigindo-se alguns traços para a fossa craniana anterior; fractura da fossa craniana média (metade esquerda): fractura esquirolosa da concavidade da grande asa esquerda do esfenóide; fractura esquirolosa, da fossa craniana anterior: tecto orbitário direito – observando-se protusão do conteúdo da cavidade orbitária direita – da lâmina crivosa do etmóide, e tecto orbitário esquerdo; fractura da fossa craniana posterior: fractura esquirolosa, com saliência de uma esquírola, da parte basilar (esquerda) do occipital, a nível da metade lateral esquerda do clivus, com um centímetro e meio por um centímetro e meio de maiores eixos; orifício irregular, com numerosas esquirolas e traços de fractura, na metade lateral distal da fossa cerebelosa direita do occipital, com três por dois centímetros e meio de maiores eixos, sendo impossível a determinação do bisel face à fragmentação óssea verificada, dirigindo-se um dos traços para cima, em correspondência com o descrito na abóbada;

- nas meninges: laceração da dura-máter infratentorial e leptomeninges, em correspondência com os orifícios descritos na base; zonas dispersas de hemorragia subaracnóideia supra e infratentorial, mais acentuada na base;

- no encéfalo: hemisférios cerebrais com acentuado apagamento dos sulcos e achatamento das circunvoluções cerebrais; laceração a nível da artéria basilar logo após o seu início e a nível da junção das artérias vertebrais; focos hemorrágicos corticais no gyru orbitário lateral direito e gyru temporal inferior direito; tronco cerebral com laceração completa a nível da medula alongada, sensivelmente a nível da decussação das pirâmides; sangue no quarto ventrículo; cerebelo amolecido e destruído no hemisfério cerebeloso esquerdo (medial anterior), vermis inferior e hemisfério cerebeloso direito (medial, em toda a sua extensão), atingindo os lobos anterior, floculonodular e médio;

- ossos e cavidades da face: fractura com infiltração sanguínea do processo temporal do zigomático esquerdo; fractura esquirolosa do corpo do zigomático esquerdo, atingindo a fossa infratemporal esquerda;

» no tórax:

- traqueia e brônquios: mucosas sujas de sangue.

59. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas, provocadas pelo projétil de arma de fogo disparado pelo arguido, foram a causa direta e necessária da morte de CC.

60. O arguido atuou com o propósito de tirar a vida a CC, o que conseguiu, atuando com o intento de fugir para não ser localizado pela polícia e responsabilizado pelos crimes cometidos contra os militares BB e EE, pois que atingiu CC com um disparo de arma de fogo na cabeça, zona do corpo que aloja órgãos e estruturas vitais, revelando indiferença, despreendimento e desprezo pela vida humana e insensibilidade perante as consequências da sua conduta e o sofrimento do ofendido.

61. O arguido atuou com o propósito de se apropriar do veículo ligeiro de passageiros da marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula …-…-UZ, propriedade de DD, bem como da carteira e telemóvel de CC, bem sabendo que a viatura, a carteira e o telemóvel não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade dos seus proprietários.



iii.


62. De seguida, o arguido regressou no veículo da marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula …-…-UZ ao hotel …, …, com o intuito de aí recuperar o veículo da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-EG-… .

63. Aí chegado, o arguido imobilizou o veículo com a matrícula …-…-UZ num caminho de terra batida situado numa zona de mato a cerca de trezentos metros do referido hotel …, dissimulando a viatura entre a vegetação para que a mesma não fosse localizada.

64. Depois, o arguido introduziu-se na viatura da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-EG-…, e deslocou-se para a aldeia …, sita no concelho de …, com o propósito de localizar RR, sua ex-namorada.

65. Pelas 08h20m, o arguido logrou localizar RR, e pediu-lhe que entrasse no veículo com a matrícula …-EG-…, e que o acompanhasse até …, dado que pretendia ir buscar uma outra viatura, ao que aquela acedeu.

66. Durante o percurso efetuado em direção a …, o arguido pediu ainda a RR que, caso alguém a abordasse e lhe perguntasse por si, respondesse que ambos tinham jantado e passado a noite na companhia um do outro.

67. Chegados a …, o arguido diz a RR que regressasse a … na viatura da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-…-SB, ausentando-se o arguido do local, ao volante da Toyota com a matrícula …-EG-… .

68. Após ter deixado a Toyota com a matrícula …-EG-… escondida em …, e agora na posse da outra Toyota, de matrícula …-…-SB, que RR lhe havia deixado no local combinado, o arguido tripulou este veículo até um caminho rural existente na Serra …, situado entre as localidades de … e …., imobilizando-o nesse local, e aí deixando, além do mais, a arma de fogo da marca Glock, calibre 9mm, com o número de série RPS6…3, afeta ao militar BB.



iv.


69. Após, com o intuito de não ser localizado pela polícia, o arguido introduziu-se mais tarde numa residência sita na Estrada Nacional n.º…, entre a rotunda … e o lugar da …, …, estroncando a fechadura da porta de entrada.

70. A aludida habitação encontrava-se arrendada a SS, a qual reside habitualmente …, circunstância que era do conhecimento do arguido.

71. Assim, aproveitando o facto da residência se encontrar desabitada, o arguido permaneceu escondido no seu interior até ao dia 16 de outubro de 2016.

72. Nesse dia 16 de outubro de 2016, pelas 12h30m, FF, filha de SS, deslocou-se à aludida residência.

73. Ao aperceber-se da presença de FF a entrar na habitação, o arguido agarrou-a, fazendo-a entrar na casa e, de forma que não foi possível apurar, agrediu-a, entre o mais, na cabeça e mão esquerda.

74. Enquanto estiveram no interior da casa o arguido apontou uma arma de fogo na direção de FF, dizendo-lhe simultaneamente: «Está quieta».

75. Pouco depois do referido em 73., GG, encontrando-se na residência existente do outro lado da rua, ouviu os gritos de FF e aproximou-se da entrada da habitação com o intuito de a ajudar.

76. Ao aperceber-se da presença de GG à porta da habitação, o arguido abeirou-se do mesmo e, puxando-o para o interior, apontou-lhe a aludida arma de fogo à cabeça.

77. De seguida, empunhando tal arma de fogo na direção de GG e de FF, o arguido ordenou-lhes que entrassem num dos quartos da residência.

78. Depois, o arguido muniu-se de pedaços de tecido que rasgou de peças de vestuário e das cortinas existentes na habitação, e amarrou as mãos e os pés de FF.

79. Seguidamente, o arguido ordenou a GG que lhe entregasse o seu relógio e o seu telemóvel, e obrigou-o a dizer se possuía veículo automóvel e onde é que o mesmo estava estacionado.

80. Temendo ser morto pelo arguido, GG entregou-lhe as chaves do carro, o seu telemóvel e o relógio que envergava no pulso; e disse-lhe que era proprietário do veículo da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula …-…-EA, e que o mesmo se encontrava aparcado em frente à residência.

81. Na posse daqueles objetos, o arguido amarrou as mãos e os pés de GG com pedaços de tecido.

82. Porque FF gritava pedindo socorro e debatia-se para se libertar, o arguido apontou-lhe pelo menos três vezes a sobredita arma de fogo na direção da cabeça e do peito, dizendo em simultâneo: «Vou ter de te matar, ainda hei-de ter problemas contigo.».

83. Não obstante, porque queria fugir para não ser detetado por outras pessoas ou pela polícia, o arguido introduziu uma batata na boca de FF e de GG, colocando um pedaço de tecido à volta da face de cada um, para que não gritassem; tapou-lhes os olhos e deixou-os em cima da cama existente naquele quarto.

84. Simultaneamente, o arguido disse: «-Só precisava de mais dois dias, o que vieste fazer aqui?

- Não se podem mexer durante quatro horas; eu volto; se falarem com a polícia volto para vos matar.».

85. Após, quando eram cerca das 14h30m, o arguido ausentou-se do local no veículo ligeiro de passageiros da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula …-…-EA, propriedade de GG, fazendo-o seu, e levou consigo os seguintes objetos, que fez seus:

-o telemóvel e o relógio pertencentes a GG (cujo valor não foi possível apurar);

-uma camisa de flanela;

-um tupperware e um saco térmico contendo vários alimentos, pertencentes a FF (num valor compreendido entre €5,00 e €20,00);

-uma escova;

-vários produtos alimentares, a saber: um pacote de sal, quatro pacotes de massa da marca Milaneza, um pacote de arroz da marca Caçarola e um pacote de arroz da marca Louro.

86. Convicto que o arguido não regressava àquele local, GG logrou libertar-se dos pedaços de tecido com que foi amarrado nas mãos e nos pés e dirigiu-se a uma das janelas da habitação, pedindo ajuda.

87. Depois compareceram no local vários militares da G.N.R., tendo FF sido conduzida ao Centro de Saúde …, onde recebeu tratamento médico.

88. Com a conduta referida em 73., o arguido causou a FF, de forma direta e necessária, as seguintes lesões:

-seis feridas na região parietoccipital;

-duas feridas na mão esquerda;

-múltiplas escoriações pelo corpo;

-vários hematomas e escoriações na região mandibular;

-dores ao nível do maxilar e limitação funcional da boca.

89. No Centro de Saúde …, FF foi sujeita aos seguintes tratamentos:

» sutura das seis feridas na região parietoccipital com quinze pontos com seda 2-0 sem intercorrências;

» suturas das duas feridas na mão esquerda com três pontos com seda 2-0 sem intercorrências;

» radiografias às mãos, crânio, órbita, grelha costal direita e punho direito;

» administração de uma ampola de tramadol e de uma ampola de metoclopramida endovenosa.

90. Em 8 de fevereiro de 2017 FF apresentava as seguintes sequelas:

» no crânio: vestígios cicatriciais na região parietoccipital do couro cabeludo;

» no membro superior esquerdo: cicatriz nacarada, linear e de orientação horizontal, com dois centímetros na face dorsal do quinto dedo, sobreposta à articulação metacarpofalângica; cicatriz nacarada, linear e de orientação horizontal, com um centímetro na face dorsal do segundo dedo, sobreposta à articulação metacarpofalângica.

91. As lesões descritas causaram direta e necessariamente a FF quinze dias de doença, oito dos quais com afetação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.

92. Tais lesões consolidaram-se em 31 de outubro de 2016.

93. O arguido agiu com o propósito de ofender o corpo e saúde de FF e com o intento de fugir para não ser localizado pela polícia e responsabilizado pelos crimes contra BB, EE, DD e CC; impossibilitando FF de se defender e fugir, revelando insensibilidade perante as consequências da sua conduta e o sofrimento da ofendida, pois para além das lesões provocadas apontou-lhe na direção da cabeça e do peito uma arma de fogo para evitar que pedisse auxílio e denunciasse a sua presença.

94. O arguido atuou sabendo que agia contra a vontade de GG e de FF ao obrigá-los a permanecer no interior da residência da mãe desta e que, como tal, os privava da sua liberdade ambulatória.

95. O arguido atuou com o propósito de se apropriar do telemóvel, do relógio e do veículo automóvel pertencentes a GG, empunhando na direção do seu corpo uma arma de fogo de modo a colocá-lo numa situação que o impossibilitasse de resistir, o que conseguiu, bem sabendo que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do seu proprietário.

96. Tendo atuado primeiro nos termos referidos em 93. com o propósito de calar FF empunhando na direção do seu corpo uma arma de fogo de modo a colocá-la numa situação que a impossibilitasse de resistir, o que conseguiu, o arguido agiu depois com o propósito de se apropriar dos alimentos, tupperware e saco térmico pertencentes àquela, o que conseguiu, bem sabendo que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade da sua proprietária.



v.


97. Daquele local, o arguido AA deslocou-se para a localidade de …, …, onde imobilizou a viatura da marca Opel, modelo Astra, com a matrícula …-…-EA, em local onde a mesma não fosse facilmente encontrada.

98. No dia 8 de Novembro de 2016, foi efetuada a detenção do arguido por inspetores do Departamento de Investigação Criminal … da Polícia Judiciária, quando se encontrava no interior da residência de TT, situada na Rua …, n.º…, …, … .



vi.


99. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


Da acusação proferida no Processo Comum Coletivo n.º476/17.7T…,

100. Nas circunstâncias referidas em 56., e numa sequência que não foi possível apurar, o arguido, apontando a arma de fogo na direção da cabeça de DD, e com o intuito de lhe tirar a vida, efetuou um disparo, atingindo-a na cervical, fazendo-a cair inanimada no chão.

101. Com o mencionado propósito de tirar a vida a DD, o arguido efetuou um disparo, atingindo-a tangencialmente na cabeça a nível parietal esquerdo, sem que o projétil tivesse penetrado no crânio.

102. Com a conduta descrita em 100. e 101., o arguido causou a DD, direta e necessariamente, as seguintes lesões:

» no crânio:

-traumatismo crânio encefálico contundente;

–ferida parieto-occipital com perda de massa encefálica;

-múltiplas fracturas da calote craniana e andares anterior e médio da base do crânio;

-volumosa lesão contundente no hemisfério cerebral esquerdo;

-lesões hemorrágicas tálamo-nucleares esquerdas;

-edema cerebral;

-fracturas cominutivas da pirâmide nasal, dos complexos etmoidais, das lâminas papiráceas, do corpo do esfenóide e das paredes da órbita esquerda, observando-se solução de continuidade óssea extensa ao longo da lâmina crivosa, sobre a qual se define o trajecto grosseiramente linear hemorrágico que se prolonga desde a inserção ântero-inferior da foice cerebral, cruzando à direita a base do lobo frontal, a região sublenticular, o braço posterior da cápsula interna direita e a coroa radiata;

-extensas fracturas da calote craniana à esquerda, que se prolongam ao longo da base do andar médio, com hemotímpano, com desalinhamentos ósseos múltiplos, mais evidentes na região parietal;

-múltiplas lesões hemorrágicas corticais e subcorticais frontais, temporais posteriores e parietais esquerdas, prolongando-se para a região estriatocapsular do mesmo lado, que são responsáveis, em conjunto com o hematoma extra-axial agudo hemisférico esquerdo, com cerca de oito milímetros de espessura máxima, pela redução global da amplitude dois sulcos da convexidade, por deformação do sistema ventricular supratentorial, com colapso do terceiro ventrículo e da cisterna perimesencefálica;

-sangue subaracnoideu supra e infratentorial disperso, com extasia da ponta temporal do ventrículo lateral esquerdo, indicando tensão intraventricular/hidrocefalia;

-múltiplos focos de contusão hemorrágica corticosubcorticais temporais, parietal e frontais à esquerda, assim como nos gânglios de base desse lado e ainda, esboçando trajecto alongado, envolvendo o braço posterior da cápsula interna à direita, associados a sangue subaracnoideu disperso nas cisternas da base, assim como na fissura inter-hemisférica na região posterior à esquerda (com cerca de oito milímetros de espessura) e também sangue intravemtricular, decantado nos cornos occipitais e no quarto ventrículo;

-deformação dos cornos frontal esquerdo e muito discreto abaulamento do septo pelúcido para a direita, sem hidrocefalia;

-hematoma subdural agudo contínuo, com a face posterior do clivus, sem defeito de massa sobre o tronco cerebral;

-extensa craniotomia frontotemporoparietal esquerda;

-fractura extensa envolvendo a região malar esquerda com atingimento do clivus e das paredes do seio esfenoidal;

-fractura dos ossos do nariz e tecto do nariz e tecto da órbita esquerda;

-hemossinus esfenoidal, maxilar e etmoidal e também em modo tímpano à esquerda;

» na cervical:

-traumatismo cervical posterior aberto com arma de fogo – orifícios de entrada e saída de projéctil de arma de fogo na região cervical posterior; fractura do processo espinhoso de C2/fractura cominutiva do arco posterior da peça vertebral C2;

» enfisema ao longo dos espaços cervicais.

103. Naquele dia 11 de outubro de 2016 DD foi transportada para o Centro Hospitalar …, E.P.E., onde foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas:

-em 11 de outubro de 2016, DD foi operada com reparação das fracturas temporais esquerdas, craniectomia descompressiva esquerda e hemóstase da extensa lesão cerebral parieto-occipital esquerda;

-em 18 de outubro de 2016 DD foi operada para desbridamento da ferida traumática parieto-occipital esquerda.

104. Entre 11 de outubro de 2016 e 31 de outubro de 2016 DD esteve internada na Unidade de Cuidados Intensivos do sobredito Centro Hospitalar para suporte ventilatório, estabilização hemodinâmica e controlo da hipertensão intracraniana.

105. Em 23 de dezembro de 2016 DD foi sujeita a drenagem de hematoma pericerebral pós-cirúrgico.

106. Em 13 de dezembro de 2016 e em 19 de janeiro de 2017, DD apresentava, em tais ocasiões, as seguintes sequelas:

» pequena cicatriz nacarada na transição da região cervical lateral esquerda com a região cervical posterior;

» pequena cicatriz nacarada na transição da região cervical lateral direita com a região cervical posterior;

» cicatriz rosada ântero-posterior, com vestígios de pontos desde a região frontal (metade esquerda) à parieto-occipital do mesmo lado, sendo mais acentuada na região parietal esquerda;

» cicatriz rosada, com vestígios de pontos, perpendicular à anteriormente descrita, atingindo a região temporal esquerda;

» deformação com afundamento da metade esquerda craniana.

107. Nos dias 6, 9, 10, 12, 16, 20 e 26 de Janeiro de 2017 DD foi sujeita a consultas de Cuidados Paliativos no Centro Hospitalar …, E.P.E., apresentando-se comatosa, sem sinais de melhoria neurológica, com muitas secreções respiratórias mucóides e necessidade de aspiração frequente.

108. No dia 26 de janeiro de 2017 DD teve alta para a Unidade de Cuidados Continuados … .

109. Pelas 11h08m do dia 12 de abril de 2017 DD foi transportada daquela Unidade de Cuidados Continuados para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, E.P.E. em coma, por quadro de hipertermia refractária aos antipiréticos com dois dias de evolução e necessidade de aspiração mais frequente de secreções (por traqueostomia), apresentando-se em mau estado geral, hipotensa, com maus acessos venosos.

110. DD morreu nesse mesmo dia 12 de abril de 2017, às 16h27m, devido às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas infligidas pelo arguido, complicadas de bronquite purulenta (neutrofílica) marcada com focos/áreas de broncopneumonia e de áreas de encefalite aguda purulenta.

111. À data da sua morte, DD apresentava as seguintes lesões e sequelas:


no hábito externo:

» na cabeça:

-deformação acentuada com assimetria e afundamento da metade esquerda da abóbada craniana fronto-parieto-temporal esquerda;

-cicatriz nacarada na região frontal (metade esquerda) com dez por sete milímetros de maiores eixos;

-cicatriz linear paramediana esquerda na região frontal, logo no início do couro cabeludo, com dois centímetros de comprimento, continuando-se com aquela a seguir descrita;

-cicatriz nacarada parassagital esquerda, linear, desde a metade esquerda da região frontal, a nível do início do couro cabeludo, prolongando-se até à região perieto-occipital esquerda, mais acentuada na região parietal esquerda, com dezanove centímetros de comprimento;

-cicatriz nacarada linear, coronal, perpendicular à anterior descrita, desde a região temporal esquerda até à região frontal (metade esquerda posterior), com dez centímetros de comprimento;

» no pescoço:

-cicatriz nacarada sensivelmente circular na transição da região cervical lateral esquerda com a região cervical posterior, com um centímetro de diâmetro, distando cento e sessenta centímetros ao calcanhar esquerdo;

-cicatriz nacarada sensivelmente circular na transição da região cervical lateral direita com a região cervical posterior, com um centímetro de diâmetro, distando cento e sessenta centímetros ao calcanhar esquerdo;

no hábito interno:

» na cabeça:

-partes moles: raras sufusões hemorrágicas subepicranianas; plano cutâneo, músculos temporais e aponevrótico sem outras alterações macroscópicas evidentes;

-ossos do crânio –abóbada: ausência do osso fronto-parietal-temporal esquerdo, numa área com dezoito centímetros rostro-caudal e doze centímetros e meio coronal; traço de fractura em consolidação rostro-caudal; sensivelmente paralela à zona de ausência de osso rostro-caudal, atingindo a sutura coronal mediana; visualização da dura-mater, na zona com ausência de osso, e presença de alguns pontos de sutura na dura;

-ossos do crânio –base: fractura em consolidação, com deformação acentuada por afundamento da metade esquerda do andar anterior, a nível do frontal (base medial) e lâmina crivada do etmóide (metade esquerda);

-meninges: espessamento da dura mater fronto-parietal-temporal esquerda com aderências cerebrais acentuadas a esse nível; aderências da dura mater ao temporal esquerdo; presença de vestígios milimétricos de hematoma subdural não recente, de coloração acastanhada, temporal esquerdo (base); espessamento da aracnóide a nível das cisternas prepôntica, supra selar e infundibular;

-encéfalo: amolecido; hemisférios cerebrais acentuadamente assimétricos, com deformação por depressão acentuada da metade supratentorial esquerda; ventrículos laterais dilatados, assimétricos, com maior dilatação à direita, com espessamento da superfície ependimária, a qual apresentava uma espessura de um/dois milímetros; presença no interior do ventrículo lateral direito de material sólido rosado/arroxeado organizado, com zonas amolecidas; circundante a esta parte do ventrículo lateral direito observa-se uma zona amarelada milimétrica mais acentuada lateralmente; dilatação acentuada do terceiro e quarto ventrículos; ausência praticamente total da substância branca e cortical com presença de matéria amarelada amolecida nos gyri frontal superior, médio e inferior esquerdos, do cíngulo esquerdo, da ínsula esquerda, temporal superior, médio e inferior direitos, pre-central e post-central, e ausência de parênquima com não visualização dos núcleos de base esquerdos, núcleo caudado direito, tálamo esquerdo, hipocampus esquerdo, amígdala esquerda; zonas amareladas e amolecidas no corpo caloso (rostrum, joelho, corpo e esplenium), mais acentuadas à esquerda;

» pulmão direito e pleura visceral: coloração vermelho escura do lobo superior e inferior; algum ponteado hemorrágico à superfície; parênquima duro ao corte; parênquima seco no lobo médio, com congestão e edema no lobo superior e com congestão no lobo inferior; sinal da digito-pressão positivo no lobo inferior (existência de friabilidade pulmonar);

» pulmão esquerdo e pleura visceral: coloração vermelho escura do lobo superior e inferior; algum ponteado hemorrágico à superfície; parênquima duro ao corte; parênquima com congestão e edema no lobo superior e com congestão no lobo inferior; sinal da digito-pressão positivo no lobo inferior (existência de friabilidade pulmonar);

» abdómen: presença de três fragmentos ósseos com bordos arredondados, evidenciando ausência de outros pequenos fragmentos, para uma união completa e perfeita que colmatasse a área da craniotomia;

» coluna vertebral, meninges e medula: presença de arestas no processo espinhoso de C2 (parte mais distal), compatíveis com fractura não recente.

112. O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de tirar a vida a DD, o que conseguiu, atuando com o intento de fugir para não ser localizado pela polícia e responsabilizado pelos crimes cometidos contra BB e EE.

113. O arguido agiu da forma descrita, atingindo DD com dois disparos de arma de fogo na cervical e na cabeça, zonas do corpo que alojam órgãos e estruturas vitais, revelando indiferença, despreendimento e desprezo pela vida humana e insensibilidade perante as consequências da sua conduta e o sofrimento da ofendida.

114. O arguido atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.


Do pedido de indemnização cível de EE,

115. Na madrugada de 11 de outubro de 2016, munido de uma arma de fogo, da qual conhecia a sua “natureza perigosa”, o arguido disparou sobre o demandante querendo-o atingir na cabeça com o disparo efetuado, sendo que o disparo atingiu o demandante na cabeça na zona da hemiface direita, provocando-lhe as lesões descritas de fls. 3208 a 3210; 5446 a 5452 e 5581 a 5587 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

116.     O arguido sabia que dessa sua conduta podia resultar a morte do demandante, o que quis e só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade.

117.     Antes de ter disparado contra o demandante, o arguido expô-lo a uma situação em que este previu a sua morte, sendo que antes de ter disparado o arguido matara o seu colega de patrulha, BB, com a mesma arma de fogo com que disparou contra o demandante.

118. O demandante e BB foram surpreendidos com a conduta do arguido, de tal forma que ficaram impedidos de reagir, atenta a rapidez com que o arguido agiu e a proximidade a que estava quando efetuou aquele disparo (20 cm) sobre BB.

119.     O demandante previu que o arguido não quisesse deixar viva uma testemunha que o pudesse identificar como o autor da morte de BB.

120. O demandante sentiu um receio intenso que tal intenção do arguido de atentar contra a sua vida se pudesse concretizar.

121. Ter assistido à morte inesperada e a sangue frio do seu colega de patrulha, tê-lo visto caído no chão a esvair-se em sangue sem o poder ajudar e a perspetiva de sofrer o mesmo destino nos momentos que se seguiram provocou-lhe um pavor intenso, enorme angústia, sofrimento e até revolta pelo facto de não ter conseguido impedir o desfecho da conduta do arguido.

122. A crueldade de ter sido obrigado pelo arguido a colocar o corpo inanimado do seu colega na bagageira do carro patrulha aumentaram o pavor e a revolta pelo facto de não poder evitar aqueles factos.

123. Para esse pavor e sentimento contribuiu também o facto de ter sido obrigado a circular com o arguido no carro patrulha da GNR sempre com uma arma de fogo apontada.

124. O arguido tirou a vida ao colega do demandante, com qual aquele fazia patrulha na GNR há nove anos e pretendeu tirar a vida ao demandante, em consequência do disparo que efetuou, considerando e conhecendo a perigosidade da arma utilizada, agindo com enorme frieza, calculismo e persistência inerentes à realização daqueles disparos e de todos os factos acima descritos.

125. O demandante vivenciou os factos descritos de 115. a 124. sentindo terror, pavor, nervosismo, pânico e a iminência do fim da sua vida.

126. Sentimentos agravados pela ideia de que nada pôde fazer para evitar a morte do seu colega de trabalho, morto pelo arguido, ou para evitar a sua própria morte, o que só não sucedeu por circunstâncias alheias à vontade do arguido.

127. A estes sentimentos acresce o enorme esforço físico e desgaste psicológico provocado pela tentativa do demandante em encontrar auxílio após o arguido o ter deixado no local onde atentou contra a sua vida.

128. O demandante deambulou gravemente ferido pela serra durante a noite até uma estrada alcatroada que reconheceu e que ficava nas imediações da residência de outro militar da GNR do PT de … .

129. Foi ali que lhe foram prestados os primeiros socorros e de onde foi transportado para o Hospital … .

130. Com a conduta descrita de 115. a 124., o arguido causou ao demandante, de forma direta e necessária, todas as lesões descritas de fls. 3208 a 3210; 5446 a 5452 e 5581 a 5587 (que aqui se dão por reproduzidas).

131. Acresce que o projétil disparado pelo arguido não foi extraído do corpo do demandante tendo ficado alojado na massa lateral esquerda de C1, numa zona anatomicamente identificada por “atlas”, tendo provocado lesões que atingiram estruturas que alojam elementos essenciais à vida.

132. Seguiu-se um período de tratamentos e convalescença que ainda não terminou, marcado por um longo período de acamamento e imobilização com todo o desconforto e sofrimento que tal impossibilidade de se movimentar acarreta.

133. O demandante tem sido obrigado a dezenas de deslocações a Hospitais e Centros de Saúde no âmbito do tratamento médico e da avaliação do seu estado clínico, como todo o incómodo e desgaste que tal acarreta.

134. As dores físicas provocadas pelos ferimentos graves causados pelo impacto no momento em que a bala penetrou no seu corpo e as dores de que padeceu nos momentos seguintes e de que ainda padece até hoje, tiveram como causa direta e necessária o disparo executado pelo arguido.

135. No dia 13 de dezembro de 2016, o demandante apresentava as sequelas identificadas em 37., bem como as queixas descritas a fls. 2838 (que aqui se dão por reproduzidas).

136. Ainda como consequência direta e necessária das referidas lesões o demandante continuava a apresentar a 19 de janeiro de 2017 as queixas identificadas a fls. 3207 e sgs. dos autos, traduzidas nas seguintes dores e mau estar que se prolongaram durante várias semanas:

A – Andar com o colar cervical durante o dia… dores na nuca quando se deita…

B - Não pode dormir sobre o lado direito pois tem dores na hemiface direita, para além de ficar atordoado”

C– Sente dor ao toque na hemiface direita.

D – Desde o evento que sente formigueiros nas mãos.

E – Ao mastigar sente sempre impressão na metade direita da cavidade oral.

F – Tem dificuldade em abrir a boca, abrindo-a muito pouco, o que dantes não acontecia.

G – Desde há cerca de uma semana sente a perna e o pé direitos inchados e com vermelhidão e dor (esta situação foi despistada em exame médico realizado a 13.12.2016, podendo esta não se verificar ou estar reduzida).

137. O agravamento do inchaço e dor na perna e no pé direito foram causadas por trombose oclusiva da veia safena, a qual foi provocada pelo longo período de acamamento a que o demandante foi obrigado como consequência direta e necessária das referidas lesões provocadas pelo arguido.

138. Como consequência direta e necessária das referidas lesões, o demandante encontra-se até à data (de dedução do pedido de indemnização cível) na sua residência, em situação de incapacidade temporária absoluta, incapaz de exercer a sua atividade profissional.

139. À presente data (de dedução do pedido de indemnização cível) o demandante continua com graves problemas de mobilidade, sendo-lhe praticamente impossível fazer movimentos com a cabeça ou com o pescoço, estando impossibilitado de fazer qualquer esforço físico por força do risco de deslocação da bala alojada na coluna vertebral, apresentando as queixas e quadro sequelar vertido nos capítulos Estado Atual e Discussão do relatório de fls. 5581 a 5587 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

140. O demandante adora a sua profissão e ser militar na GNR foi um desejo que acalentou desde a juventude.

141. O facto de estar numa situação que o incapacita para exercer a profissão que tanto gosta e a incerteza relativamente à possibilidade de um dia poder voltar a exercê-la provocam enorme tristeza, ansiedade, angústia ao demandante e sobretudo um sentimento de desvalorização pessoal que afeta gravemente a sua autoestima, apresentando as queixas e quadro sequelar vertido nos capítulos Estado Atual e Discussão do relatório de fls. 5581a 5587 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

142.     O demandante era também a principal ajuda dos seus pais, pessoas de provecta idade, no tratamento e cultivo das terras que possuem em … .

143.     Era o demandante que nas folgas do seu trabalho e no tempo livre disponível pegava no trator agrícola e lavrava as terras de cultivo da família, tarefa que desempenhava com grande prazer e de que se encontra privado por força das lesões provocadas pelo disparo executado pelo arguido, facto que acentua a sua tristeza.

144. Acresce o receio pela sua segurança e dos seus familiares, que aliás justificou a promoção nos presentes autos de proteção pessoal ao demandante, os quais persistem até hoje (data de dedução do pedido de indemnização cível), por força de ser a única testemunha ocular de parte dos crimes imputados ao arguido.

145.     O demandante passou a viver em permanente sobressalto, sendo recorrentes os pesadelos com os factos acima descritos, com a imagem do arguido, bem como as insónias e o estado de ansiedade que o obrigam a ter acompanhamento psicológico e à toma de medicação adequada para o efeito, apresentando as queixas e quadro sequelar vertido nos capítulos Estado Atual e Discussão do relatório de fls. 5581 a 5587 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

146.    O demandante quando está sozinho ou quando depara com imagens ou fotografias do arguido na televisão ou nos jornais, repete as emoções vivenciadas durante os factos acima descritos, configurando a reexperienciação persistente dos eventos da madrugada de 11 de outubro de 2016, sempre com imagens nítidas dos factos que lhe assomam à memória, o que lhe aumenta a angústia, o medo e a revolta.

147.    O demandante era uma pessoa sociável, extrovertida e alegre, respeitada por todos no seu meio profissional e social, sempre disponível para ajudar os outros.

148.   Desde os factos descritos na acusação que passou a ser uma pessoa frágil e triste, profundamente desgastada física e psicologicamente, com tendência para o isolamento social, sentimentos que afetam gravemente a sua qualidade de vida.

149.  Com o tratamento das lesões provocadas pelo arguido e medicamentos o demandante despendeu um total de €373,54, sendo que posteriormente à dedução do pedido de indemnização suportou mais €628,30 com despesas médicas e medicamentosas (factos resultantes de ampliação do pedido em causa).

150.    Com o transporte em ambulância para os tratamentos despendeu ainda a quantia de €842,18, sendo que relativamente a todas as quantias despendidas foi ressarcido em €1250,00.


Do pedido de indemnização cível de LL,

151.    LL desde o verão de 2016 que vivia em comunhão de cama e mesa com BB, como se casados fossem, vivendo em situação análoga à de cônjuges, sendo por todos os amigos, familiares e todos que com o casal privava conhecidos como tal.

152.    Na relação “marital” que manteve com BB, este passou a habitar com a assistente na casa desta.

153.    Local onde mantinha os seus objetos pessoais, incluindo roupa civil e farda da GNR.

154.    Contribuía para todas as despesas do agregado familiar: alimentos e bebidas.

155.    Entregava à assistente, sua companheira, o dinheiro para pagamento de água, luz e telefone.

156.     BB, consciente das suas responsabilidades, celebrou mesmo em seu nome com a MEO contrato de fornecimento de serviços de telefones, internet e telemóveis.

157.    Os seus colegas de trabalho sabiam que o mesmo habitava na casa que mantinha com a assistente LL.

158.     Aí o deixavam após o trabalho.

159.     Porque a relação era já muito sólida, por sua expressa vontade, junto de uma instituição bancária, celebrou contrato para abertura de conta onde a assistente era cotitular.

160.     Como “casal”, celebraram junto de instituição bancária Contrato de Mútuo Bancário com o propósito de reconstruir a habitação comum do casal .

161.    A relação “marital” entre a assistente e o malogrado BB era de conhecimento dos familiares de ambos, dos seus amigos, colegas de trabalho, vizinhos bem como da comunidade onde ambos estavam inseridos.

162.     Desde o início da relação “marital” que BB e a assistente faziam as suas refeições em conjunto.

163.     A partir do início da sua relação de namoro todas as férias foram sempre gozadas em conjunto.

164.    BB sempre afirmava e apresentava, desde o momento referido em 151., fazendo-o publicamente, de viva voz e a todos que o escutassem, que a assistente era sua “mulher”.

165.     É de conhecimento público no seu meio social que a assistente e BB viviam “maritalmente” na mesma casa, sendo comum a ambos a mesma mesa e cama, num amor incondicional, onde o companheirismo, a amizade e a cumplicidade eram absolutos.

166.    Ambos tinham aquando do início dessa coabitação mais de 18 anos de idade.

167.     Nenhum deles estava em situação de casamento não dissolvido.

168.     Também não existia entre eles qualquer parentesco em linha reta, no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha reta.

169.     Ela era divorciada e ele solteiro aquando do início da coabitação e por tal facto nenhum deles foi condenado por matar ou tentar matar o cônjuge do outro.

170.     Da agressão resultaram para BB irreversíveis lesões, sendo que a sua morte foi muito rápida dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da ponte, sendo que tendo a munição atravessado várias estruturas moles e ósseas, durante esse breve momento, causou dor.

171.    Atento o referido em 170., BB não teve consciência do seu estado.

172. O agressor, ao agir da forma descrita de 17. a 19., demonstrou ser indivíduo sem escrúpulos, atuando com desrespeito pelo corpo de BB.

173.    As lesões traumáticas provadas em 33. foram produzidas por projétil de arma de fogo (de cano curto) e em consequência a morte foi o resultado necessário da ofensa.

174.     BB vivia com muita alegria e boa disposição, de modo calmo e sereno, sem quaisquer conflitos, com quem quer que fosse, pois estava sempre pronto a ajudar quem dele precisasse.

175.     Era querido por todos os que o conheciam, sendo uma pessoa sadia e fisicamente saudável, possuindo uma vida profissional e social ativa.

176.     A morte violenta de BB causou grande angústia, dor e profunda tristeza à assistente.

177.     O amor, amizade e cumplicidade que uniam a vítima à assistente foram bruscamente quebrados.

178.    Destruiu-se a vida em comum que ambos planearam e ficaram arrasados os seus sonhos.

179.    Tendo-se abatido sobre a assistente uma nuvem de tristeza e constante mau estar.

180.    A assistente passou a viver amargurada, necessitando de recorrer a acompanhamento psicológico, tomando ansiolíticos para poder suportar a dor da ausência de BB e a morte da pessoa que amava lhe causou.

181.    O acima descrito foi causado exclusivamente pela conduta do arguido, sendo que, não fora tal conduta e nunca a assistente o teria sofrido.


Do pedido de indemnização cível de HH e II,

182.    HH e II são pais do militar da GNR BB, solteiro, nascido em … .05.1987.

183.    BB foi surpreendido com a conduta do arguido, de tal forma que nem teve reação defensiva, atenta a rapidez com que o arguido agiu e a proximidade a que estava quando efetuou aquele disparo (20 cm).

184.    O arguido, na forma acima provada, apontou uma arma de fogo a cerca de 20 cm da cabeça do BB e disparou de imediato atingindo-o naquela zona do corpo, tendo-lhe provocado a morte imediata.

185.     O arguido sabia que dessa sua conduta podia resultar a morte do BB, o que quis efetivamente e logrou conseguir.

186.     A morte de BB provocou nos seus pais dor e sofrimento.

187.    Uma dor, um sofrimento, uma angústia e uma tristeza indizíveis por que passaram, e continuarão a passar, até ao fim dos seus dias, ao saberem o seu filho morto e da forma como o foi pelo arguido.

188.    O arguido, ao matar o BB, privou os demandantes da companhia do seu filho querido e amado de forma irremediável.

189.    Os demandantes mantinham com o filho BB laços de grande afeto e proximidade; era muito amado pelos seus pais, motivo de enorme orgulho, que partilhavam com familiares, amigos e conhecidos, sendo um bom filho, dedicado aos pais e à vida familiar em geral.

190.    Os demandantes tinham um enorme orgulho no seu filho e no seu percurso profissional.

191.    BB era um jovem extrovertido, alegre, sociável e um militar da GNR respeitado pelo seu brio e sentido de cumprimento de dever, o que muito orgulhava os seus pais.

192.     Os demandantes eram pessoas alegres e sociáveis e com a morte do seu filho perderam a força, a alegria de viver e deixaram de conviver.

193.    Desde a morte do seu filho que a demandante chora copiosamente grande parte dos seus dias e o demandante tornou-se uma pessoa solitária, calado, ausente da realidade.

194.    Não conseguem dormir ou dormir sem acordar sobressaltados com suores frios e terrores noturnos (pesadelos).

195.     Têm tido acompanhamento psicológico e, desde a data da morte do seu filho, andam sob o efeito de medicamentos antidepressivos.

196.    O seu sofrimento é acentuado pela postura do arguido, aguardando com grande ansiedade e angústia o desfecho do julgamento.


Do pedido de indemnização cível de JJ e KK, (nestes autos)

197.     JJ e KK são pais de DD.

198.    A DD foi casada, no regime da comunhão de adquiridos, com CC, sendo que não tiveram filhos.

199.    DD faleceu no estado civil de viúva, sem descendentes e sem testamento.

200.    DD tinha 29 anos quando foi morta pelo demandado.

201.    Tinha o 9.º ano completo de escolaridade, tendo entrado no mercado laboral com 16 anos de idade.

202.    À data da sua morte, CC trabalhava como servente na … por conta de UU.

203.    Auferia o salário líquido mensal de €471,70 (quatrocentos e setenta e um euros e setenta cêntimos).

204.    A DD, por sua vez, auferia o salário líquido mensal de €482,50 (quatrocentos e oitenta e dois euros e cinquenta cêntimos) como trabalhadora de serviços gerais de 2.ª na … de … .

205.    CC era muito dedicado à sua família e amigos, que o amavam, estimavam e admiravam.

206.    Tinha um espírito jovem, era saudável, alegre, jovial, dinâmico, trabalhador e com um feitio sociável e expansivo.

207.     Era assim uma pessoa habitualmente bem disposta, conversadora e que convivia regularmente com um grupo alargado de conhecidos e amigos.

208. Gozava ainda de boa saúde e tinha uma grande alegria de viver.

209.    Tinha gosto pela vida, cultivando a amizade com os colegas e gozando de boa reputação no meio social e na comunidade em que estava inserido.

210.    Nos seus tempos livres, sobretudo ao fim de semana, o CC dedicava-se à pesca e à apicultura.

211.    Desde adolescente que pescava regularmente.

212.    Ao fim de semana, CC deslocava-se com regularidade para pescar.

213.    A DD acompanhava muitas vezes o CC e aproveitavam para fazer piqueniques sempre que o tempo assim o permitia.

214.     CC tinha ainda uma grande paixão pela caça.

215.    Era já titular da carta de caçador, encontrando-se a aguardar a marcação de exame para obter a licença de uso e porte de arma.

216.     CC era entusiasta de motos, sendo proprietário de uma moto de cross e participava regularmente em passeios de moto com amigos e familiares.

217.    Executava ainda trabalhos diversos de serralharia, canalização, carpintaria, a pedido de amigos e familiares, sendo conhecido pela sua criatividade e polivalênçia.

218.     CC gozava de grande respeito e consideração na sua freguesia e freguesias limítrofes.

219.    CC era, desde outubro de 2013, tesoureiro da Junta de Freguesia de … .

220.    Nessa qualidade, todas as quartas-feiras, fazia atendimento ao público na sede da Junta de Freguesia de …, sendo uma pessoa dedicada à sua freguesia e ao interesse público.

221.     Exercia o cargo de tesoureiro com grande proximidade aos seus eleitores e habitantes da freguesia de … e constantemente preocupado em resolver os problemas que os afligiam.

222.    Além de uma grande vontade de viver, CC tinha ainda uma notável capacidade de trabalho, trabalhando de segunda a sexta como …, das 8 às 17 horas, e por vezes também ao sábado sempre que o seu patrão lhe pedia.

223.    Depois do seu horário de trabalho (com exceção da quarta-feira), CC ajudava os seus pais (MM e NN), quase diariamente na agricultura e na pastorícia até anoitecer.

224.    CC trabalhava designadamente com o trator e respetivas alfaias agrícolas, propriedade dos seus pais, limpando, lavrando, surribando, ceifando, enfardando e amanhando os prédios rústicos destes.

225.     Trator que, aliás, foi comprado para ser utilizado pelo CC uma vez que o seu pai (NN) não tem licença de condução para o efeito e a mãe (MM) não sabe conduzir o mesmo.

226.     CC guardava as ovelhas dos seus pais, limpava e preparava o estábulo, ia-lhes buscar pastos e fenos para se alimentarem, e outras tarefas necessárias ao seu crescimento.

225.    A DD e o CC exploravam um prédio rústico onde tinham árvores de fruto e se dedicavam, desde 2016, à apicultura.

226.     CC e a DD exploravam ainda um prédio rústico, propriedade desta, onde plantaram diversos castanheiros.

227.     O demandado apontou a arma de fogo da marca Glock, calibre 9mm, com o número de série RSP6…3 na direção da cabeça de CC.

228.     A morte de CC foi muito rápida, dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da medula alongada, tendo a munição atravessado várias estruturas moles e ósseas, o que, durante esse breve momento, causou dor, todavia face à localização das lesões mortais o mesmo não teve consciência do seu estado.

229.    DD e CC foram apanhados desprevenidos com o inesperado e injustificado ato do demandado.

230.    A DD nutria um profundo sentimento de amor pelo seu marido, CC.

231.    A DD e o CC tinham uma vida alegre e de boa companhia e constituíam um casal exemplar que se davam bem, sem atritos e incompreensões.

232.     Tinham a expectativa de uma vida de casada e de felicidade com o seu marido por muitos anos.

233.    Eram felizes e pretendiam reforçar a sua felicidade com o nascimento de um filho, tendo o sonho de serem pais.

234.     Encontravam-se mesmo a frequentar um programa de tratamento à infertilidade desde que casaram.

235.     No ano de 2011, a DD e o CC perderam um filho quando se encontrava com sete meses de gestação.

236.     Ainda assim, o CC e a DD não desistiram do sonho de serem pais, e continuaram o tratamento contra a infertilidade.

237.     O CC e a DD tiveram várias consultas no hospital … em … e no Hospital … de … .

238.     CC e DD deslocavam-se a … para uma consulta de fertilidade.

239.     Os demandantes gastaram ainda a quantia de €1150,00 (mil cento e cinquenta euros) com o funeral do CC.

240.    O funeral teve lugar no dia 18 de outubro de 2016, encontrando-se a DD ainda viva, embora em coma induzido.

241.    Os demandantes tinham a esperança que a sua filha ainda recuperasse, pelo que pagaram o funeral à Agência Funerária de VV, Sociedade Unipessoal, Lda., sem prejuízo de serem reembolsados pela filha caso recuperasse, porquanto essa seria a sua vontade se estivesse consciente.

242.    Infelizmente a DD nunca chegou a recuperar a consciência, acabando por falecer no dia 12 de abril de 2017.


Do pedido de indemnização cível de JJ e KK, (no Proc. CC n.º 476/17.7T…, que foi depois nestes autos incorporado, embora a referência no relatório pericial de fls. 5514 e ss. seja já ao Proc. CC n.º 232/16.0JAGRD)

243.     JJ e KK são pais de DD.

244.     DD faleceu no passado dia 12 de abril de 2017.

245.     A DD foi casada, no regime da comunhão de adquiridos, com CC, falecido no dia 11 de outubro de 2016.

246.     A DD e o CC não tiveram filhos.

247.     DD tinha 27 anos quando faleceu em consequência dos disparos desferidos pelo demandado.

248.     DD tinha o 12.º ano de escolaridade, tendo obtido um diploma de … na escola profissional de … .

249.     À data da sua morte, a DD era trabalhadora, há cerca de 6 anos, na … de … .

250.     Onde desempenhava as funções de apoio a idosos na unidade de serviços continuados, tendo a categoria de serviços gerais de 2.ª.

251.    Auferia o salário líquido mensal de 482,50€ (quatrocentos e oitenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

252.    O seu horário de trabalho era das 8 às 17 horas, de segunda à sexta, trabalhando pontualmente ao fim de semana.

253.     Após o seu horário de trabalho e ao fim de semana, além de se ocupar das lides domésticas, a DD ajudava os seus pais aqui demandantes, bem como os sogros, no trato dos prédios rústicos.

254.    DD e CC exploravam ainda um prédio rústico, na união de freguesias de … e …, concelho de …, onde tinham árvores de fruto e se dedicavam, desde 2016, à apicultura.

255.     Bem como outro prédio rústico, na união de freguesias de … e .., concelho de …, onde plantaram diversos castanheiros.

256.     O marido, CC, por sua vez, trabalhava como … por conta de UU, auferindo o salário líquido mensal de 471,70€ (quatrocentos e setenta e um euros e setenta cêntimos).

257.     DD era muito dedicada à sua família e amigos, que a amavam, estimavam e admiravam.

258.    DD nutria ainda um profundo sentimento de amor pelo seu marido, CC.

259.     DD e CC tinham uma vida alegre e de boa companhia.

260.     Constituíam um casal exemplar que se davam bem, sem atritos e incompreensões, tendo a expectativa de uma vida de casada e de felicidade com o seu marido por muitos anos.

261.    Eram felizes e pretendiam reforçar a sua felicidade com o nascimento de um filho, tendo o sonho de ser pais.

262.     Encontravam-se mesmo a frequentar um programa de tratamento à infertilidade desde que casaram.

263.     CC e DD tiveram várias consultas de fertilidade no hospital … em …. e no Hospital … .

264.     No ano de 2011, a DD e o CC perderam um filho quando se encontrava com sete meses de gestação.

265.     Ainda assim, CC e DD não desistiram do sonho de ser pais e continuaram o tratamento contra a infertilidade.

266.    DD tinha um espírito jovem, era saudável, alegre, jovial, dinâmica, trabalhadora e com um feitio sociável, expansivo.

267.     Era assim uma pessoa habitualmente bem disposta, conversadora e que convivia regularmente com um grupo alargado de conhecidos e amigos.

268.     Gozava ainda de boa saúde e tinha uma grande alegria e vontade de viver.

269.     Tinha gosto pela vida, cultivando a amizade com os colegas e gozando de boa reputação no meio social e na comunidade em que estava inserida.

270.    Nos seus tempos livres, sobretudo ao fim de semana, acompanhava o marido CC à pesca, aproveitando para fazer piqueniques sempre que o tempo assim o permitia.

271.     DD acompanhava igualmente CC em passeios de motos e jeeps com amigos e familiares.

272.    DD tinha ainda uma grande paixão pela cozinha, motivo pelo qual tirou um curso profissional … .

273.    Gostava de experimentar novas receitas que depois dava a conhecer aos familiares e amigos, confecionando almoços e jantares para os mesmos.

274.    DD tinha gosto por cuidar dos animais, além de cães, tratava e alimentava gansos, patos, galinhas, coelhos e suínos, junto da casa de morada de família, em … .

275.     DD gostava também muito de música, quando se encontrava a trabalhar no campo a ajudar os pais e os sogros ou a cuidar dos seus animais, andava frequentemente com phones nos ouvidos para ouvir as músicas da sua preferência.

276.     A DD não se inibia mesmo de cantar na presença de familiares e amigos, tal era a sua paixão pela música.

277.    Estava assim numa fase pujante da sua vida, com todas as perspetivas em aberto e um futuro à sua frente, que lhe foi coartado pelo demandado.

278.     No momento que se seguiu à produção das lesões a perda de consciência de DD ocorreu de forma rápida, mas tendo sido atingidas várias estruturas moles e ósseas aquando da produção das lesões, sofreu dor.

279.     A DD não teve morte imediata, só tendo vindo a falecer no dia 12 de abril de 2017, passando por uma longa e dolorosa sequência de operações cirúrgicas e tratamentos.

280. Os demandantes, por sua vez, nasceram a …./04/1958 e …/12/1961, tendo 58 e 55 anos respetivamente à data da morte da filha.

281. DD era um dos três filhos dos demandantes, tendo os outros 17 e 36 anos de idade atualmente.

282. A DD viveu com os demandantes até …/04/2011 (até à idade de 21 anos), data em que casou com CC.

283. Os demandantes e sua filha tinham uma relação de grande companheirismo, não conseguindo aqueles falar da mesma, após a sua morte, sem se comoverem profundamente.

284. Os demandantes amavam a sua filha, com quem mantinham laços de grande afeto e proximidade, sendo tal sentimento retribuído por esta.

285. Era o orgulho e razão de viver dos demandantes, que lhes devotavam todos os esforços para a respetiva realização pessoal e profissional.

286. Os demandantes acompanharam toda a vida da sua filha, testemunharam e apoiaram o seu percurso escolar até ao 12.º ano de escolaridade completo e até iniciar a sua vida laboral e se casar.

287. DD era uma filha exemplar, dedicada aos pais e à vida familiar em geral e a sua morte provocou aos demandantes e provoca-lhes uma dor profunda, uma tristeza imensa, angústia e sofrimento.

288. Têm noites sucessivas de insónias, onde não conseguem deixar de imaginar o terrível sofrimento, pânico e desespero da sua filha na fatídica manhã de 11/10/2016.

289. CC e a DD viviam a cerca de 7 km de distância da casa de habitação dos demandantes.

290. No caminho de regresso do seu trabalho (…) para a sua casa de morada de família (…), a DD visitava os demandantes que residem em …, quase todos os dias.

291. A DD não deixava passar um dia sem telefonar à mãe e, dada a proximidade das suas casas de habitação, a DD e os demandantes conviviam todos os dias.

292. Os laços afetivos entre os demandantes e a DD continuaram sempre fortes e estáveis, como se continuassem a viver juntos, num excelente relacionamento.

293. Além de filha, a DD era uma amiga, confidente e um importante apoio na vida pessoal.

294. Os demandantes dedicam-se exclusivamente à agricultura de subsistência, vivendo exclusivamente do seu trabalho e dos produtos agrícolas e hortícolas que colhem.       

295. Ainda assim, os demandantes ajudavam o CC e a DD sempre que podiam.

296. A DD e o CC exploravam um prédio rústico na união de freguesias de … e …, concelho de …, onde tinham plantado castanheiros que ainda não produziam e os demandantes ajudavam no trato do referido prédio, designadamente emprestando-lhe um trator e respetivas alfaias agrícolas sempre que precisavam.

297. Da convivência diária e ajuda mútua resultava uma ligação no dia a dia, forte, contínua, intensa, tendo os pais sentido grande abalo psicológico e profundo sofrimento com a morte da filha.              

298. Após o internamento da DD no hospital no Centro Hospitalar …, E.P.E. e depois na unidade de continuados …, desde o dia 11/10/2016 até ao dia do seu falecimento (durante mais de 6 meses), os demandantes visitaram a sua filha todos os dias.

299. Os demandantes estiveram todos os dias com a sua filha, na esperança que a sua presença lhe trouxesse a força e a resiliência necessária à sua sobrevivência.  

300. Colocando de lado todos os seus afazeres e compromissos, e dedicando-se inteiramente ao bem estar da mesma, inteirando-se do seu estado clínico, tratamentos e rezando junto da DD para que sobrevivesse.

301. Os demandantes ficavam diariamente entre 3 a 4 horas no Hospital de … e unidade de cuidados continuados …, para estar junto da mesma no horários de visitas e sempre que lhes era permitido.

302. Aproveitando esses momentos para lhe segurar a mão e falar, na esperança que a mesma os ouvisse ou sentisse a sua presença, e encontrasse forças para lutar pela sua vida.

303. A morte da DD deixou assim os demandantes desmotivados para a vida e sem objetivos pessoais a cumprir.

304. Os demandantes sofrem intensamente com a morte da DD, que muito amavam, vendo-se privados do seu amor, afeto, carinho, amparo, companhia, alegria e apoio.

305. Os demandantes sentem uma dor, um sofrimento, uma angústia e uma tristeza indizíveis e continuarão a sentir, até ao fim dos seus dias, por saberem a sua filha morta e da forma fria, cruel e injustificada como o foi pelo demandado.

306. Os demandantes gastaram ainda a quantia de €1200,00 (mil e duzentos euros) com o funeral da DD, tendo sido reembolsados em €1038 do funeral da filha.

307. O funeral teve lugar no dia 16 de abril de 2016 e foi realizado pela Agência Funerária de VV, Sociedade Unipessoal, Lda..


Do pedido de indemnização cível de MM e NN,

308.     Os demandantes são pais de CC.

309.     CC nasceu no dia …/04/1987, tendo 29 anos quando foi morto pelo demandado.

310.     Os demandantes, por sua vez, nasceram a …/01/1961 e …/06/1959, tendo 55 e 57 anos respetivamente à data da morte do filho.

311.     CC viveu com os demandantes até …/04/2011 (ou seja até à idade de 24 anos), data em que casou com DD.

312.     Os demandantes e seu filho tinham uma relação de grande companheirismo, não conseguindo aqueles falar do mesmo, após a sua morte, sem se comoverem profundamente.

313.     Os demandantes amavam o seu filho, com quem mantinham laços de grande afeto e proximidade, sendo tal sentimento retribuído por este.

314.     Era o orgulho e razão de viver dos demandantes, que lhes devotavam todos os esforços para a respetiva realização pessoal e profissional.

315.     Os demandantes acompanharam toda a vida do seu falecido filho, testemunharam e apoiaram o seu percurso escolar até ao 9.º ano de escolaridade completo e até iniciar a sua vida laboral com 16 anos de idade.

316.     CC era um filho exemplar, dedicado aos pais e à vida familiar em geral.

317.     A morte do CC provocou aos demandantes e provoca-lhes uma dor profunda, uma tristeza imensa, angústia e sofrimento.

318.    Após a morte do filho, os demandantes passaram a tomar um ansiolítico (Sedoxil) tal é o desespero e a ansiedade que a memória da trágica morte do seu filho lhes traz.

319.  Têm noites sucessivas de insónias, onde não conseguem deixar de imaginar o terrível sofrimento, pânico e desespero do seu filho na manhã fatídica de 11/10/2016.

320.  CC tem uma irmã, XX, que são os únicos filhos dos demandantes.

321.  CC e a DD viviam a escassos metros de distância da casa de habitação dos demandantes.

322.     Quando ainda namorava com a DD, CC iniciou a construção da sua casa de habitação a escassos metros da casa de habitação dos seus pais, na localidade de … .

323.     Para o efeito, os demandantes doaram verbalmente ao seu filho uma parcela de terreno, parte integrante do terreno onde têm implantado a sua casa de habitação.

324.     Para aceder à casa de habitação do CC e da DD é necessário entrar e percorrer um caminho situado no interior terreno dos demandantes.

325.    Logo após o casamento, CC e a DD passaram a viver na referida casa de morada de família.

326.    Dada a proximidade das suas casas de habitação, CC e os demandantes conviviam todos os dias.

327.    Os laços afetivos entre os demandantes e CC continuaram sempre fortes e estáveis, como se continuassem a viver juntos, tendo aqueles um excelente relacionamento.

328.     Além de filho, o CC era seu amigo, confidente e um importante apoio na vida pessoal e profissional dos demandantes.

329.     O demandante marido dedica-se à agricultura e pastorícia de ovinos e caprinos para venda.

330.     No ano de 2015 e 2016, o demandante marido auferiu das suas atividades a quantia anual de €4725,16 e €6295,32 respetivamente.

331.     A demandante mulher é reformada por invalidez, auferindo uma pensão mensal de €277,27.

332.    Os demandantes vivem exclusivamente do seu trabalho e da pensão de invalidez da demandante mulher.

333.     Dada a invalidez da demandante mulher, o filho dos demandantes era um apoio fundamental nas atividades desenvolvidas pelo demandante marido.

334.    CC trabalhava, de segunda a sexta, como ajudante …, com horário de trabalho das 8 às 17 horas, e por vezes também ao sábado sempre que fosse necessário.

335.     Depois do seu horário de trabalho e ao longo do ano, o CC ajudava os seus pais diariamente e até anoitecer, na agricultura e na pastorícia.

336.     CC trabalhava designadamente com o trator e respetivas alfaias agrícolas, propriedade dos demandantes, limpando, lavrando, surribando, ceifando, enfardando e amanhando os prédios rústicos destes.

337.     Trator que, aliás, foi comprado para ser utilizado pelo CC uma vez que o demandante marido não tem licença de condução para o efeito e a demandante mulher não sabe conduzir o mesmo.

338.     CC guardava as ovelhas dos demandantes, limpava e preparava o estábulo, ia-lhes buscar pastos e fenos para se alimentarem, e outras tarefas necessárias ao seu crescimento.

339.     Também os demandantes ajudavam o CC e a DD sempre que podiam.

340.     DD e CC exploravam um prédio rústico em …, freguesia …, concelho de …, onde tinham árvores de fruto e se dedicavam, desde 2016, à apicultura.

341.     Os demandantes ajudavam assim o CC e a DD no trato do referido prédio.

342.     CC almoçava habitualmente, de segunda a sexta-feira com os demandantes, uma vez que as obras onde trabalhava eram perto da sua casa de habitação.

343.     Da convivência diária e ajuda mútua resultava uma ligação no dia a dia, forte, contínua, intensa, tendo os pais sentido grande abalo psicológico e profundo sofrimento com a morte súbita e inesperada do filho.

344.     A morte de CC deixou os demandantes desmotivados para a vida e sem objetivos pessoais a cumprir.

345.     Os demandantes sofrem intensamente com a morte do CC, que muito amavam, vendo-se privados do seu amor, afeto, carinho, amparo, companhia, alegria e apoio.

346.     Os demandantes sentem uma dor, um sofrimento, uma angústia e uma tristeza indizíveis e continuarão a sentir, até ao fim dos seus dias, por saberem o seu filho morto e da forma fria, cruel e injustificada como o foi pelo demandado.


Do pedido de indemnização cível de FF,

347.    A demandante foi agredida pelo demandado nos termos referidos em 73., tendo resultado para a mesma várias sequelas e lesões, como referido infra de 348. a 351..

348.     Em virtude da conduta do demandado, no dia 16 de outubro de 2016, a demandante sofreu dores e ficou com seis feridas na região parietoccipital, duas feridas na mão esquerda, múltiplas escoriações pelo corpo, várias escoriações e hematomas na região mandibular e dores ao nível do maxilar e limitação funcional da boca.

349.     Na sequência de tais lesões a demandante foi assistida no Centro Hospitalar …, onde foi avaliada e suturada a seis feridas na região parietoccipital com quinze pontos com seda 2-0 sem intercorrências, suturas das duas feridas na mão esquerda com três pontos com seda 2-0 sem intercorrências, tendo realizado radiografias e tomado medicação.

350.     Destas agressões a demandante ficou com as seguintes sequelas:

-no crânio: vestígios cicatriciais na região parietoccipal do coro cabeludo

-no membro superior esquerdo: cicatriz nacarada, linear e de orientação horizontal com dois centímetros na face dorsal do quinto dedo, sobreposta à articulação metacarpofalângica, cicatriz nacarada, linear e de orientação horizontal com um centímetro na face dorsal do segundo dedo, sobreposta à articulação metacarpofalângica.

351.     Sofreu a demandante fortes e intensas dores que a perturbaram durante várias semanas, tendo sentido muita dificuldade em mexer a referida mão e braço esquerdos, bem como dificuldades em falar e comer devido à lesão que sofreu na cabeça.

352.     A demandante sofreu um acidente vascular cerebral (hemorragia intracerebral profunda (lenticulo-capsular esquerda) no dia 29/11/2016 que a deixou incapacitada e dependente de terceiros para os atos e tarefas básicas do quotidiano, como as de higiene, alimentação, vestir-se, etc..

353.     Uma vez que a incapacidade lhe afetou toda a parte lateral direita e consequentemente os movimentos das pernas e dos braços e ainda a perda da fala.

354.     Neste momento não é possível apurar se algum dia recuperará totalmente do AVC, continuando ainda nesta data em tratamentos de terapia da fala, fisioterapia e terapia ocupacional, actividades que mantém, quase diariamente.

355.     Está nesta data total e permanentemente incapacitada para o trabalho.

356.     Tem e vai continuar a ter dificuldade em falar, caminhar, bem como em movimentar de modo coordenado os braços e pernas e não mais vai poder correr, saltar ou fazer esforços.

357.     Ficou sem força nos membros superiores e inferiores, com especial incidência nos membros superiores e inferiores direitos.

358.     Ficou ainda com boca e a vista afetadas.

359.     Antes do A.V.C., a demandante era saudável e uma pessoa trabalhadora, auferindo o vencimento mensal de € 535,00, acrescido de subsídio de alimentação enquanto empregada na …, …, sendo este vencimento e restantes quantias apontadas a única fonte de rendimento da demandante.

360.    A demandante sente-se triste e angustiada com o que lhe aconteceu com profundo sofrimento psicológico, não mais podendo cuidar da mãe como vinha fazendo até à data do AVC por causa das suas limitações físicas e psicológicas.

361.    Em virtude da incapacidade decorrente do A.V.C. a mãe da demandante – SS – arrendatária da propriedade onde decorreram os factos descritos na acusação e que à data dos factos vivia com aquela …, teve de ser internada no Centro Social de … onde ainda hoje permanece.

362.    Por via do qual paga desde dezembro de 2016, uma mensalidade de 637,51 €, a que acrescem outras despesas, designadamente medicamentos, num total que já suportou de cerca de 3.998,44€.

363.    Quantia que não teria de ser despendida se a demandante pudesse cuidar da mãe como até a data do A.V.C. fez.

364.    A demandante depende exclusivamente do valor da baixa médica que ronda o valor de 360€ mensais, que não é suficiente para pagar o centro social da mãe e para as suas próprias despesas médicas, fisioterapia e medicamentosas, sendo ajudada pelas irmãs.

365.    Em consequência das condutas levadas a cabo pelo arguido/demandado, a demandante sofreu várias lesões, hematomas e traumatismos.

366.    O demandado, agiu de modo voluntário e consciente, com intenção de ofender, como efetivamente ofendeu, a aqui demandante.

367.     Com a conduta do demandado, a aqui ofendida sofreu intenso abalo anímico com temor pela sua própria vida.

368.     A demandante é uma pessoa bastante querida por todos aqueles que com ela convivem, sendo uma pessoa muito calma, pacata e anteriormente alegre e jovial, que sempre pautou a sua conduta por estritas regras morais, não se adequando sequer a sua personalidade com condutas violentas e agressivas como aquelas de que foi vítima.

369.     Em virtude das agressões de que foi vítima, além das dores e incómodos sentidos, a demandante sentiu enorme desgosto junto dos seus familiares, amigos e vizinhos, tanto mais que a agressão de que foi vítima foi do conhecimento público de todos os seus amigos, vizinhos e colegas com quem a demandante se relacionava, bem como obteve ampla difusão pelos meios de comunicação social.

370.     O demandado apropriou-se dos objetos descriminados em 85., sendo que aqueles que eram pertença da demandante importam valor compreendido entre €5,00 e €20,00.


Mais se provou que,

371. A morte de BB foi devida às lesões traumáticas crânio-meningoencefálicas; tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte; estas lesões traumáticas foram produzidas por instrumento de natureza perfurocontundente ou atuando como tal – projétil de arma de fogo (de cano curto); o trajeto do projétil foi da frente para trás, da esquerda para a direita e sensivelmente horizontal; o disparo foi realizado a curta distância e a análise toxicológica feita ao sangue não revelou a presença de álcool e foi negativa para as restantes substâncias pesquisadas.

372. A morte de CC foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e da face; tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte; as lesões traumáticas da cabeça foram produzidas por instrumento de natureza perfurocontundente ou atuando como tal, tendo sido devidas a tiro de arma de fogo tipo cano curto; as discretas lesões traumáticas observadas no membro superior direito foram produzidas por instrumento de natureza contundente ou atuando como tal, não sendo possível a determinação concreta do objeto; o trajeto seguido pelo projétil foi da esquerda para a direita, da frente para trás e de cima para baixo; houve curta distância do disparo.

373. As lesões traumáticas constatadas em EE foram produzidas por projétil de arma de fogo; o orifício de entrada situou-se na região infra-orbitária direita e o projétil encontra-se alojado no atlas; a direção seguida pelo projétil foi descendente, da frente para trás, da direita para a esquerda; estas lesões traumáticas atingiram estruturas que alojam elementos essenciais à vida.

374. Em 13.12.2016 DD encontrava-se em estado tipo vegetativo, sem vida de relação, totalmente dependente de cuidados de saúde; as lesões traumáticas cervicais que apresentava foram produzidas por instrumento perfuro contundente, tipo projétil de arma de fogo; a direção seguida pelo projétil foi sensivelmente transversal e as lesões traumáticas atingiram estruturas que alojam elementos essenciais à vida.

375. Segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito penal, a data da consolidação médico-legal das lesões FF é fixável em 31.10.2016; as lesões por esta sofridas resultaram de traumatismo de natureza contundente; tais lesões determinaram, em condições normais, 15 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (8 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (8 dias); do evento resultaram para a FF as consequências permanentes que se traduzem em cicatrizes do couro cabeludo, que por se encontrarem escondidas pelo cabelo não são causa de desfiguração grave e cicatrizes do 2º e 5º dedos da mão esquerda, que por serem pericentimétricas, se encontrarem na mão e tenderem a atenuar com o passar do tempo, não são causa de desfiguração grave.

376. Ainda segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito penal, as lesões sofridas por FF (“múltiplas feridas na cabeça e na mão esquerda”, que foram suturadas “sem intercorrências”, “edema e limitação funcional por dor em ambas as mãos”, “múltiplas escoriações pelo corpo” e “vários hematomas e escoriações na região mandibular”) não são aptas a provocar a sua morte ou, em momento algum, uma situação clínica de prognóstico reservado.

377. Segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito civil, a data da consolidação médico-legal das lesões de FF é fixável em 28.10.2016; teve um Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 1 dia; teve um Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 11 dias; teve um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num total de 12 dias; um “Quantum Doloris” fixável no grau 5/7; as sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual e sofreu um Dano Estético Permanente fixável no grau 1/7.

378. Segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito civil, EE mantém acompanhamento clínico, sendo que o projétil de arma de fogo que o atingiu se encontra em íntima relação com estruturas vasculares de capital importância (atualmente a integridade luminal de tais estruturas não se encontra comprometida pelo corpo estranho), e considerando-se a data de observação do examinado como “data de consolidação” esta é fixável em 7/12/2017; o Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 90 dias; o Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 33 dias; o Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 423 dias; o Quantum doloris é fixável no grau 7/7; o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 28 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro; as sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas da realização da atividade habitual, bem como de outras no âmbito de preparação técnico-profissional do examinado; o Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7; a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 4/7, sendo do ponto de vista médico-legal indispensável realizar nova avaliação após a alta definitiva.

379. Segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito civil, face à localização e gravidade das lesões traumáticas sofridas pela vítima, que acometeram múltiplas estruturas do sistema nervoso central, a perda de consciência de DD ocorreu de forma rápida; tendo sido atingidas várias estruturas moles e várias estruturas ósseas aquando da produção de tais lesões sofreu dor.

380. Segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito civil, a morte de BB foi muito rápida, dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da ponte; uma vez que a munição atravessou várias estruturas moles e várias estruturas ósseas, durante esse breve momento, causou dor, embora por esse motivo, BB não teve consciência do seu estado.

381. Segundo os parâmetros e para efeitos de avaliação do dano corporal em direito civil, a morte de CC foi muito rápida, dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da medula alongada; a munição atravessou várias estruturas moles e várias estruturas ósseas, durante esse breve momento, causando dor, embora face à localização das lesões mortais acima referidas, CC não teve consciência do seu estado.

382. Os veículos automóveis referidos em 50. e 80. têm valor não concretamente apurado mas superior a €102,00.

383. O arguido confessou os factos relativos à posse da arma de fogo referida em 2. e o vertido em 46. e 99..


Das condições pessoais do arguido

384. Sendo o mais velho de dois irmãos, o arguido nasceu em … .02.1972, em …, na cidade …, onde viveu apenas dois anos, tendo então regressado a Portugal com os pais, onde retomaram residência em …, concelho de onde os avós paternos e pais são naturais, sendo nesse meio que vivenciou toda a infância e parte da adolescência, onde promoveu grande parte das referências e amizades, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido no agregado familiar de origem, em meio coeso e afetivamente gratificante e numa dinâmica relacional ajustada aos modelos e valores educacionais vigentes, destacando-se a mãe, …, em termos de intervenção pedagógica, especialmente quanto à imposição de regras socioeducativas.

385. O pai, …, apesar dos compromissos laborais diurnos, manteve uma postura de preocupação e interesse ativo na educação dos filhos, existindo uma situação economicamente desafogada, sendo o núcleo familiar também detentor de propriedades no meio residencial, o quotidiano do arguido decorreu sem constrições económicas, ingressando este no sistema educativo em idade normal e prosseguido os estudos em …, até concluir o 9º ano de escolaridade, tendo de seguida ingressado no Colégio … …, em regime de internato, durante cerca de 2 anos, regressando a … onde concluiu o ensino secundário.

386. O arguido veio a optar pelo ramo militar, e após entrar no serviço militar obrigatório em 1992, voluntariou-se como ajudante na …, na …, acompanhando por vezes operações de socorro; regressando à vida civil aos 28 anos, tornou-se estudante de …, fazendo a parte teórica …, de onde regressou definitivamente em 2013, estando inscrito na escola … no aeródromo …, mas ainda sem ter licença para piloto de aviação, concretizando horas de voo quando possível, sendo que este regresso ao quotidiano civil foi marcado pela reintegração no núcleo familiar, onde se dedicou a atividades do sector agrícola e pecuário, gerindo negócios familiares, que lhe proporcionaram autonomia económica.

387. A única ligação matrimonial de AA decorreu em …, sendo que, em 2001, encetou nova relação afetiva, com ZZ, tendo nascido a sua primeira filha, hoje com 11 anos, tendo esta relação perdurado sensivelmente 6 anos, período de vida em comum cujo quotidiano o arguido partilhou entre … e …, cidade de residência e atividade profissional do cônjuge.

388. A rutura da união com ZZ teve origem em desentendimentos com aquela, que se foram tornando mais constantes com o passar do tempo, sendo que o agravamento dos conflitos resultou em queixa pela esposa por violência doméstica e depois num longo diferendo quanto à guarda da filha OO.

389. Em 2009 encetou novo relacionamento afetivo, com a atual companheira, AAA, também profissionalmente ativa, união que se mantém e é descrita pelo próprio como coesa e afetivamente gratificante, sendo que desta união nasceram dois filhos, atualmente com 23 e 6 meses de idade, integrados no lar materno.

390. No período precedente à sua prisão, o arguido apresenta um modo de vida partilhado entre os seus compromissos profissionais e vida familiar, quer no âmbito do agregado constituído, quer com o seu núcleo familiar de origem, onde se encontrava a residir com a sua filha mais velha; com o plano familiar assente numa dinâmica relacional marcada por laços de forte coesão e cumplicidade afetiva com a companheira, apesar das ausências do lar, pelos negócios se encontrarem na zona de … e a residência e local de atividade profissional da companheira ser em … .

391. No plano laboral o quotidiano do arguido regia-se pela gestão dos negócios familiares, ligados ao setor agrícola, pecuário e atividades comerciais afins, de onde diz auferir entre €800 a €900 mensais.

392. No estabelecimento Prisional … o arguido apresenta um relacionamento com os demais no contexto prisional educado e respeitoso, ocupando o tempo essencialmente com a leitura e o ginásio, beneficiando de visitas regulares por parte dos familiares de origem (mãe) e do agregado constituído – companheira e filhos, bem como de amigos, que lhe têm disponibilizado apoio afetivo.

393. A atual situação jurídico-penal é vivenciada pelo arguido com sentimentos de aparente serenidade, sendo o seu discurso assente sobretudo no impacto que a mesma tem tido para si próprio em detrimento dos que o rodeiam, apenas valorizando a exposição mediática face aos descendentes, desvalorizando anteriores contactos o sistema de administração da justiça penal, considerando que não tiveram qualquer impacto pessoal.

394. O arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado em 12.04.2010, pela prática em 13.06.2007, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €6,00, a qual foi extinta em 6.07.2010; e foi também condenado, por decisão transitada em julgado em 24.10.2011, pela prática, em 29.11.2008, de um crime de violência doméstica, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa por idêntico período, a qual foi extinta em 24.10.2013.



*


B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Do despacho de pronúncia,

a) nas circunstâncias referidas em 8. dos factos provados o militar BB tenha desviado o olhar por causa do barulho oriundo da vegetação;

b) o referido em 8. tenha sucedido quando EE e o arguido regressavam para junto do veículo deste;

c) nas circunstâncias referidas em 17. o arguido tenha apontado a mencionada arma de fogo na direção da cabeça de EE;

d) nas circunstâncias referidas em 18. o arguido tenha mantido a arma de fogo apontada na direção da cabeça de EE;

e) nas circunstâncias referidas em 20. o arguido entregando-lhe umas algemas, ordenou-lhe que algemasse o braço esquerdo;

f) nas circunstâncias referidas em 2. o arguido tenha seguido diretamente do cruzamento da localidade … para a localidade de … e que daí tenha regressado à localidade de …;

g) o referido em 29. ocorreu no preciso instante referido em 28.;

h) nas circunstâncias referidas em 31. o arguido dirigiu-se à Quinta …;

i) nas circunstâncias referidas em 45. e com esse propósito o arguido disparou uma arma de fogo na direção das respetivas cabeças de BB e EE;

j) nas circunstâncias referidas em 49. o arguido tenha ficado na posse da arma de fogo da marca Glock, calibre 9 mm, afeta ao militar EE;

k) nas circunstâncias referidas em 51. ambos os ocupantes do veículo fossem ser sujeitos a consulta médica e que CC tinham na sua posse uma quantia em numerário entre trezentos e quinhentos euros, para custear os tratamentos a que iriam submeter-se;

l) após o referido em 52., de imediato, o arguido apontou a arma de fogo da marca Glock, calibre 9 mm, com o número de série RSP6…3 na direção da cabeça de CC e obrigou este e DD a sair do veículo;

m) nas circunstâncias referidas em 54. o arguido obrigou CC a colocar-se junto à porta traseira direita da viatura;

n) foi após o referido em 54. que o arguido apontou a aludida arma de fogo na direção da cabeça de DD

o) o arguido obrigou-a a arrastar o corpo de CC;

p) o referido em 56. ocorreu de seguida;

q) a extensão e consequências das lesões provocadas a DD não foram ainda completamente apuradas;

r) nas circunstâncias referidas em 57. o arguido fez sua a quantia monetária, em numerário, entre trezentos e quinhentos euros;

s) o arguido atuou nas circunstâncias referidas de 54. a 56. com o propósito de se apropriar do dinheiro que se encontrava no interior do veículo, para o efeito empunhando e disparando uma arma de fogo na direção da cabeça dos mesmos de modo a colocá-los numa situação que os impossibilitasse de resistir, o que conseguiu, bem sabendo que o dinheiro que se encontrava no seu interior não lhe pertencia;

t) a localização referida em 65. ocorreu num arruamento da aludida aldeia;

u) nas circunstâncias referidas em 67. o arguido saiu do veículo com a matrícula …-EG-…, dizendo a RR que regressasse no mesmo e introduziu-se na Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …-…-SB, em direção a …;

v) a habitação aludida em 70. é propriedade de SS;

w) a deslocação de FF referida em 72. fosse destinada a alimentar o gato da sua mãe;

x) nas circunstâncias referidas em 73. o arguido apercebeu-se da presença de FF no interior da habitação;

y) nas exatas circunstâncias referidas em 73. o arguido agarrou FF pelo pescoço, arrastou-a até um dos quartos da casa e atirou-a para o chão;

z) de seguida, com o intento de tirar a vida a FF, o arguido colocou a sua mão esquerda sobre o pescoço desta, apertando-o; e, em simultâneo, agarrou-lhe a cabeça com a mão direita e bateu com a mesma no chão diversas vezes;

aa) com o intuito de se libertar do arguido, FF levantou-se e desferiu-lhe uma cabeçada das pernas e dois pontapés, após o que se dirigiu para a porta da residência, tentando fugir;

ab) o referido em 74. fosse de imediato e a arma apontada uma Glock, calibre 9mm, com o número de série RPS618,

ac) o arguido tenha dito exatamente: «...não sabes que esta pistola era de um polícia que eu matei?»;

ad) o referido em 75. ocorreu (exatamente) nesse instante;

ae) nas circunstâncias referidas em 75. GG se introduziu na habitação;

af) nascircunstâncias referidas em 76. o arguido apercebeu-se da presença de GG no interior da habitação;

ag) nas circunstâncias referidas em 79. o arguido ordenou a GG que lhe entregasse todo o dinheiro que tinha na sua posse;

ah) GG entregou ao arguido a sua carteira;

ai) nas circunstâncias referidas em 83. o arguido tenha arrastado FF e de GG para cima da cama existente naquele quarto;

aj) nas circunstâncias referidas em 85. o arguido tenha feito seu todo o dinheiro GG tinha na sua carteira, em quantia não concretamente apurada;

ak) nas circunstâncias referidas em 85. o arguido tenha feito seus: sessenta e cinco euros (€65,00) pertencentes a FF; um boné de cor azul pertencente a SS; que a camisa de flanela pertencesse a SS; que a escova pertencesse a FF; um saco de transporte da marca Paxtur, pertencente a FF; que um pacote de sal, quatro pacotes de massa da marca Milaneza, um pacote de arroz da marca Caçarola e um pacote de arroz da marca Louro pertencessem a FF e que ainda tenha levado um carregador de telemóvel, pertencente a FF;

al) o referido em 87. ocorreu cerca de quinze minutos e que a exata conduta descrita em 73., 74., 80. e 85. da pronúncia tenha provocado as lesões descritas em 90. daquele despacho;

am) o arguido agiu com o propósito de tirar a vida a FF, agindo com frieza de ânimo, revelando indiferença, despreendimento e desprezo pela vida humana, pois que desferiu várias pancadas com a cabeça da mesma contra o chão;

an) que a arma apontada referida em 93. fosse da marca Glock, calibre 9 mm, com o número de série RPS6…8;

ao) o arguido apenas não logrou concretizar este desiderato (referido em am) porque GG surgiu em auxílio de FF;

ap) o arguido atuou com o propósito de se apropriar do dinheiro pertencente a GG;

aq) o arguido atuou com o propósito de se apropriar do dinheiro e das peças de vestuário pertencentes a FF, desferindo várias pancadas com a cabeça da mesma contra o chão, apertando-lhe o pescoço;


Da acusação proferida no Processo Comum Coletivo n.º476/17.7T…,

ar) após (o referido em 39. da acusação), o arguido apontou a aludida arma de fogo na direção da cabeça de DD e, sob tal intimidação, fez com que a mesma se dirigisse ao corpo de CC, o agarrasse e o arrastasse para a vegetação existente junto à estrada nacional n.º …; de seguida procedendo nos termos provados em 100.;

as) o disparo referido em 101. foi um novo disparo, posterior ao mencionado em 100.;

at) o arguido atuou nos termos provados em 112. com o intento de não ser responsabilizado pelo crime cometido contra CC;


Do pedido de indemnização cível de EE,

au) o demandante tenha circulado com o arguido no carro patrulha sempre com uma arma apontada à cabeça;

av) o demandante deambulou até ouvir o canto de um galo que o conduziu até à estrada;


Do pedido de indemnização cível de LL,

aw) a assistente LL desde julho de 2014 que vivia em comunhão de cama e mesa com BB nos termos vertidos em 151. e ss. dos factos provados;

ax) as lesões referidas em 170. causaram a BB grande sofrimento e incomensurável dor física;

ay) a esta dor física acresce o sofrimento causado pela consciência do seu estado e da aproximação aterradora e certa da morte;

az) as lesões provadas em 33. foram produzidas por um violento traumatismo de natureza contundente;

ba) a angústia da assistente se agudiza com conhecimento de todo o sofrimento do BB;


Do pedido de indemnização cível de HH e II,

bb) o arguido ao recusar confessar os seus crimes vai forçar os pais da vítima a enfrentarem todo o julgamento da morte do filho;

bc) o arrependimento do arguido face à sua conduta, a ter existido, sempre poderia ter trazido algum conforto aos aqui demandantes;


Do pedido de indemnização cível de JJ e KK, (nestes autos)

bd) as deslocações regulares de pesca de CC fossem à barragem …. e rio …, na …, o que fazia com amigos e primos;

be) o horário referido em 220. fosse das 19h às 20h no horário de inverno e das 20h às 21h no horário de verão;

bf) o trator e respetivas alfaias agrícolas fossem propriedade dos demandantes JJ e KK e que CC limpasse, lavrasse, surribasse, ceifasse, enfardasse e amanhasse os prédios rústicos destes;

bg) o demandante marido JJ seja pai de CC, não tenha licença de condução para trator e a demandante mulher KK seja mãe do referido CC e não saiba conduzir o trator;

bh) CC guardasse as ovelhas dos demandantes JJ e KK;

bi) nas circunstâncias referidas em 227. o demandado obrigou CC e DD a sair do veículo;

bj) CC teve plena consciência da iminência da sua morte;

bk) as fraturas e lesões de que foi acometido provocaram-lhe necessariamente, ainda que por escassos segundos, imensas dores;

bl) CC sentiu assim medo, horror, desespero e pânico ao vislumbrar a possibilidade da sua morte; e ainda sentiu ainda angústia e impotência perante o seu agressor;

bm) CC teve medo por si, mas também pela sua mulher DD, pois que, com uma arma de fogo apontada à cabeça não pode deixar de pensar que iria morrer em primeiro lugar, tendo de seguida a sua mulher o mesmo destino;

bn) por alguns minutos, a DD ficou em estado de choque com a visão da morte do seu marido;

bo) ficou desesperada, aterrorizada, em pânico e como uma sensação de impotência com a visão do demandado a desferir um tiro na cabeça do CC, seu marido;

bp) DD teve assim a nítida perceção que havia perdido o seu amado para sempre;

bq) após o demandado desferir o tiro na cabeça do CC, a DD foi obrigada a arrastar o corpo do seu marido, certamente já falecido;

br) tal circunstância, por si só, foi de um sofrimento indescritível para a DD;

bs) ainda que por escassos minutos, a DD sentiu assim um desespero e um pânico inenarrável com a trágica e cruel morte do marido;

bt) DD percebeu que tinha sido privada de um companheiro e amigo de 5 anos de casamento e cerca de 4 anos de namoro;

bu) CC e DD tinham, em média, uma consulta por mês de fertilidade;

bv) CC e a DD foram obrigados a parar pelo demandado no veículo em que seguiam;


Do pedido de indemnização cível de JJ e KK, (no Proc. CC n.º 476/17.7T… a estes autos depois incorporado)

bw) CC e DD tinham, em média, uma consulta por mês de fertilidade;

bx) DD teve assim plena consciência da iminência da sua morte;

by) DD sentiu assim medo, horror, desespero e pânico ao vislumbrar a possibilidade da sua morte;

bz) sentiu ainda angústia e impotência perante o seu agressor;

ca) DD não só viu o marido CC ser assassinado perante os seus olhos, como ainda foi obrigada a arrastar o seu corpo inanimado;

cb) DD percebeu assim que tinha sido privada de um companheiro e amigo de 5 anos de casamento e cerca de 4 anos de namoro;

cc) este cenário provocou na DD um sofrimento inimaginável e indescritível;

cd) perante tal situação a DD soube que, de seguida, o demandado também iria causar a sua morte, e essa consciência causou-lhe um medo e um pânico desmedido;


Do pedido de indemnização cível de MM e NN,

Nada de relevante e não ainda apreciado ficou por provar. 


Do pedido de indemnização cível de FF,

ce) nas circunstâncias referidas em 347. a demandante por pouco não escapou com vida;

cf) a demandante sofreu em virtude das lesões incapacidade de trabalho permanente;

cg) o A.V.C. referido em 352. tenha ocorrido em virtude das lesões provocadas pelo demandado;

ch) neste momento não é possível apurar a extensão e gravidade das lesões sofridas provocadas pelo demandado;

ci) a demandante sente-se inferior aos seus amigos e conhecidos;

cj) a demandante não mais pode cuidar da mãe como vinha fazendo até à data das agressões de que foi alvo por causa destas;

ck) o referido em 361. tenha ocorrido em consequência dos factos praticados pelo arguido e que tiveram lugar na casa da mãe da demandante;

cl) o referido em 361. e 362. é totalmente decorrente da conduta do demandado;

cm) nas circunstâncias referidas em 366. o demandado agiu de modo premeditado;

cn) a demandante em consequência das agressões perpetradas pelo demandando e das consequências do mesmo, encontra-se de baixa médica desde a referida data, não mais tendo retomado o trabalho, nem recebido vencimento;

co) em resultado direto das agressões que sofreu por parte do arguido, é completamente impossível à demandante, mover-se e prover às suas necessidades básicas, necessitando para o efeito do auxílio de uma terceira pessoa;

cp) o demandado provocou na demandante sequelas para o resto da sua vida, para além das provadas em 375.;

cq) nunca antes do sucedido a demandante havia sequer estado de baixa médica ou internada;

cr) em virtude das agressões de que foi vítima a demandante sentiu enorme humilhação junto dos seus familiares, amigos e vizinhos;

cs) o demandado apropriou-se de todos os bens identificados na pronúncia nos pontos 87. e 99., cujo valor conjunto se calcula em (exatamente) €150,00.



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Como se refere no Ac. da R. de Guimarães de 31.05.2004 (Proc. N.º 1861/04-1, in www.dgsi.pt) “A questão da fixação ao acervo fáctico negativo deve, actualmente, considerar-se pacificada no sentido de que a necessidade de especificação dos factos não provados não é absoluta, mas relativa em função do seu eventual significado para a qualificação jurídico-penal, por um lado, e da necessidade resultante de tal não prova não ser, por imperativo lógico, deduzida da declaração positiva da prova de tacto oposto.

Há desnecessidade de qualquer tomada de posição quanto à prova, positiva ou negativa, relativamente aos chamados factos inócuos e não se exige expressa declaração da não prova aos factos negativos contrários aos positivos dados como provados” (sublinhado nosso)[2].

Assim, quanto ao demais alegado na pronúncia, acusação pública e pedidos de indemnização está o Tribunal impossibilitado de se pronunciar sobre os mesmos, seja por contenderem com meras conclusões ou considerações de direito, seja por revestirem meras repetições do antes alegado nessas mesmas peças, quer ainda por manifesta irrelevância para o objeto dos autos.

Está nesta situação, em particular e para além de alguns segmentos integrados em pontos que contêm igualmente alguma matéria de facto (a que se respondeu), a repetição na acusação deduzida no Proc. CC n.º 476/17.7T… do vertido no despacho de pronúncia produzido nestes autos, maxime o feito constar de 1. a 41. e 43. daquela acusação.

Assim também a repetição do teor da pronúncia e acusação pública a que os demandantes se reportam nos vários pedidos de indemnização cível deduzidos nos autos (embora haja pontos de contato e sobreposição no teor de alguns factos nos pedidos cíveis, optou-se por aludir ao concreto teor de cada um, obviando apenas as repetições do libelos acusatórios).

Neste conspecto, entre as aludidas repetições e os considerandos jurídicos e as conclusões, que sendo pertinentes naqueles articulados não podem ser objeto de um juízo de facto.

Em particular, referimo-nos ao alegado em 1º; 35º e 38º a 45º do pedido de indemnização cível de FF; ao vertido de 2º a 74º e 115º a 119º do pedido de indemnização cível formulado por MM e NN; 2º; 5º; 6º (primeira parte); 7º (segunda parte); 8º a 67º; 99º a 110º; 117º; 135º; 138º e 144º do pedido de indemnização cível de KK e JJ deduzido nestes autos; ao consignado em 1º; 2º; 6º; 11º a 19º; 34º in fine; 50º; 51º e 54º a 56º do pedido cível de EE; ao vertido em 1º; 21º a 37º; 40º a 42º; 44º; 45º; 48º a 54º; 59º a 62º e 71º do pedido de indemnização apresentado por LL; o descrito em 1º; 2º; 4º a 6º; 10º; 14º; 24º a 31º do pedido formulado por HH e II; e ainda o alegado em 5º a 9º; 9º a 64º; 81º; 88º; 103º; 105º a 113º; 114º a 117º; 128º; 129º; 163º a 167º e 171º do pedido apresentado por KK e JJ no processo n.º 467/17.7T… .

Assim, quanto ao vertido nos pedidos de indemnização cível que não mereceu qualquer menção nos factos provados ou não provados, tal resultou de se tratarem de meios de prova; repetições do já constante na pronúncia e na acusação; considerações de direito, conclusões ou opiniões, sobre o mesmo não pôde recair qualquer juízo probatório.

Aponte-se, em particular, o alegado em 126º do pedido de indemnização formulado por KK e JJ, onde se verteu na factualidade provada não a alegação genérica de “imensas dores” mas antes aquilo que a respetiva perícia especificou a este respeito, o que sucedeu em várias outras alusões e adjetivações (em particular no que à conduta do demandado respeita).

Por outro lado, quanto à alusão a “frieza de ânimo” que se encontra vertida em alguns pontos dos libelos acusatórios importa referir que, por se tratar de conceito ostensivamente normativo, sobre a mesma não pode incidir um juízo de facto.

Uma particular referência merece também a opção de não levar à decisão de facto a qualificação jurídica vertida na acusação e depois na pronúncia nos pontos 60.; 93. e 112., relativa a homicídios e homicídios tentados pelos quais o arguido não pretendia ser responsabilizado.

É que tratando-se de uma qualificação ostensivamente jurídica daqueles comportamentos, que nada acrescenta aos factos, o Tribunal apenas pôde concluir que a motivação do arguido era eximir-se à responsabilidade pelos “crimes” (na aceção mais factual do termo, sem os qualificar) que havia cometido relativamente às pessoas aí referidas, sendo tarefa judicial (e desta decisão) proceder à sua constatação e qualificação.

Como claramente se sublinha no recente Ac. da R. de Coimbra de 19.03.2014 (Proc. N.º 811/12.4JACBR.C1, in http://www.trc.pt/index.php/jurisprudencia-do-trc/processo-penal/6180-sentenca-requisitos-fundamentacao-factos-provados-factos-nao-provados) “A elencação dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação;

O que importa é que da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes aduzidos por uma e por outra, relevantes para a decisão a proferir”.



*


C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO / ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA

Nos termos e para os efeitos dos artigos 97º e 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal, fundou o Tribunal a sua convicção no conjunto das declarações e depoimentos produzidos em julgamento, com os documentos, exames e perícias (e respetivos esclarecimentos) juntos aos autos, analisados de forma crítica e conjugados com as regras de experiência comum e do normal acontecer (cfr. art.º 127º do CPP).

Desde logo, o Tribunal teve em consideração na sua análise a prova documental, os exames e relatórios periciais juntos aos autos, com as ressalvas abaixo consignadas, maxime:

-a informação de serviço da Polícia Judiciária dando conta do desaparecimento e ferimento de elementos da GNR pelas 8:00 de 11.10.2016, com indicação de matrícula da última viatura fiscalizada pela patrulha …-…-OR (com ficha do titular BBB e da viatura em causa), a fls. 2 e ss.;

-a ficha de identificação civil do arguido, a fls. 6;

–a informação de serviço da Polícia Judiciária (com referência a inquirições que, naturalmente, nesta parte não foram consideradas) junta de fls. 29 a 42, dando conta do informado até então e do encontrado no local (termas …, em …), nomeadamente o invólucro de munição de calibre 7,65 mm, vestígios hemáticos e sinais de arrastamento, mais rodados de veículo todo-o-terreno; a informação de localização de viatura da GNR com BB na bagageira, com a carta de condução do arguido no bolso do blusão, mais tendo sido encontrado perto desta viatura o corpo de CC e DD, esta ainda com vida (junto deles dois invólucros de 9 mm, idêntico ao das pistolas dos militares), sendo que esta descrição mostra-se geograficamente localizada de fls. 43 a 46 (Google earth print), a que acrescem vestígios no caminho e no marco geodésico do Picoto, informações estas confirmadas pelo autor da mesma, Inspetor CCC, aquando da sua inquirição;

-a localização celular do telefone n.º 96…2, a fls. 47 vs.;

-o extrato informático da carta de condução do arguido, junto a fls. 54;

-os três “relatórios para a polícia” do serviço de urgência do hospital …, juntos de fls. 55 a 57;

-o print da carta de condução de J…., a fls. 58;

-a ficha de registo automóvel do veículo matrícula …-…-SB (Toyota Hilux azul), cuja propriedade se mostra titulada por DDD, a fls. 61;

-a ficha de registo automóvel do veículo matrícula …-EG-… (Toyota Hilux preta), com registo da firma … e que já foi titulada por EEE (repetida a fls. 94), pertencente a RR, a fls. 62;

-a ficha de registo automóvel do veículo matrícula …-…-UZ (Volkswagen, Passat, azul), propriedade de FFF, a fls. 63;

-a informação de serviço de GGG, que acolheu o soldado EE ferido e depois seguiu até encontrar o corpo do soldado BB na mala do carro patrulha, corroborado e explicitado pelo depoimento depois por este prestado, como veremos melhor infra, junta a fls. 64 e 65 (desconsiderando-se, naturalmente, a descrição do que lhe foi contado pelo assistente na informação);

-as fichas de identificação civil e do registo automóvel de HHH e III, juntas de fls. 66 a 70;

-o auto de apreensão, sem nada de relevante encontrado, na habitação de III, a fls. 72 e 73;

-a informação de serviço da Polícia Judiciária relativa à localização e descrição do conteúdo da Toyota, Hilux, de matrícula …-…-SB (onde se contam 2 toalhetes com vestígios hemáticos), à existência nas proximidades daquela viatura de um cinturão vazio da GNR e de um casaco azul, e depois ainda de uma arma da GNR (9mm) e vários itens entre os quais uma capa da GNR com a identificação do arguido manualmente escrita e uma mochila “Targus”, com objetos associados ao arguido e à filha (BI´s) e um envelope com “códigos”, junta a fls. 74 e 75, e a cujo teor se reportou também a testemunha Inspetor CCC;

-o auto de apreensão do material acima referido, com particular relevo para a arma da GNR (Glock 9mm); 2 toalhetes (com vestígios hemáticos); o cinturão vazio da GNR; o casaco azul; a capa da GNR com a identificação do arguido e a mochila “Targus”, com objetos associados ao arguido e à filha (BI´s e o envelope com os “códigos” de emergência);

-o auto de busca e apreensão ao veículo de matrícula …-…-PP, de RR, nada sendo encontrado de relevante, junto a fls. 84;

-o auto de busca e apreensão à habitação de RR, sendo encontradas várias munições e um cinturão, onde estava um livrete de manifesto de armas, emitido em 8.02.2005, em nome do arguido, de fls. 85 a 89;

-a reportagem fotográfica realizada nas buscas a casa de RRR, junta de fls. 87 a 89;

-a ficha de registo automóvel do veículo de matrícula 14-42-PP (Seat, Ibiza, preto), propriedade de JJJ, a fls. 90;

-a reconstituição realizada com RR do encontro com o arguido em 11.10.2016, a fls. 95 a 97[3], sendo que neste particular relevou essencialmente o depoimento prestado por aquela;

-o auto de apreensão da viatura Toyota, Hilux, Tracker, de matrícula …-EG-… e respetivo registo fotográfico (com a indicação de uma pastilha elástica junto da mesma), junto a fls. 98 e 805;

-a reportagem fotográfica do local onde se encontrou a viatura Volkswagen, Passat, de matrícula …-…-UZ, onde seguiam CC e DD, com a porta do condutor aberta e vestígios hemáticos na porta traseira direita, junta de fls. 100 a 105;

-o auto de apreensão da viatura Volkswagen, Passat, de matrícula …-…-UZ, junto a fls. 106;

-as fichas de identificação civil de CC e DD, juntas a fls. 107, 108, 110 e 111;

-o auto de apreensão de carta de condução do arguido, encontrado no bolso esquerdo das calças de BB, a fls. 182;

-o auto de busca e apreensão realizada na casa utilizada pelo arguido em … (…), a fls. 187 e 188;

-o auto de busca e apreensão à casa de KKK em …, em particular ao quarto utilizado pelo arguido, junto de fls. 195 a 197;

-o auto de busca e apreensão à Quinta …, … (o pai do arguido e o caseiro, pessoas com acesso ao mesmo, escusaram-se a ir com os inspetores), onde nada de relevante se encontrou, a fls. 204;

-o auto de busca e apreensão à Quinta …, … (o pai do arguido, pessoa com acesso ao local, estava ausente e não acompanhou os inspetores), onde nada de relevante se encontrou, a fls. 211;

-o auto de busca e apreensão à Quinta …, …, onde nada de relevante se encontrou, a fls. 213;

-a relação de ativação de células de comunicação por reporte aos números de telefone identificados nos autos, a fls. 218 e 219;

-o boletim de informação clínica de BB, junto a fls. 279;

-o auto de apreensão de fls. 321 e 322, onde consta a localização de uma pastilha elástica e da Toyota, Hilux, preta, matrícula …-EG-… (com registo do Google earth);

-a reportagem fotográfica da busca realizada na Rua …, s/n, …, em … (casa onde foi encontrada, entre o mais, uma toalha com uma pequena mancha de “sangue”), de fls. 333 a 335;

-o auto de apreensão de duas pen drive com imagens recolhidas no interior do … (estas pens´ estão no 1º Vol.), a fls. 337;

-o relatório de exame de eventuais resíduos de disparo de arma de fogo ao cadáver de BB e a EE (e a III), junto de fls. 345 a 352;

-a reportagem fotográfica às peças de vestuário e objetos dos elementos da GNR no Hospital …, do casal baleado e de RR, de fls. 353 a 366 (donde resultam os cuidados tidos com o registo e acondicionamento daquelas peças);

-os registos fotográficos do casal CC e DD onde e como foram encontrados, a fls. 406 e 407, onde são evidentes quer os esforços para a sua ocultação, quer os sinais de arrastamento do primeiro;

-o auto de apreensão do telemóvel de BB, a fls. 410;

-o original da carta de condução do arguido, a fls. 412;

-a informação de serviço, exclusivamente no que respeita à reportagem fotográfica e localização aérea da casa …, …(descrição da casa isolada, que dista 2 a 3km da casa dos pais do arguido), e às lesões evidenciadas por FF, também registadas fotograficamente (e bastante impressivas), junta de fls. 446 a 457, corroborado pela testemunha Inspetor CCC;

-o auto de apreensão dos objetos recolhidos na casa …, a fls. 458;

-as informações telefónicas da Vodafone, juntas de fls. 531 a 537; 670 a 675; 1090 a 1093 e 1778 a 1787;

-o relato de diligência externa realizada na …, no que concerne à identificação de vários objetos encontrados; da viatura Toyota Hilux, matrícula …-…-SB; do cinturão da GNR e da pasta de apontamentos de um dos militares, com a arma da GNR e documentos (onde consta o recibo de compras no …), seguida da respetiva reportagem fotográfica, junta de fls. 551 a 568, elementos a que também aludiu a testemunha Inspetor CCC;

-o auto de apreensão de telemóvel e bolsa de óculos dissimulada dentro do saco com víveres, a fls. 569;

-o registo fotográfico dos objetos apreendidos nas diligências de busca pelo arguido, acima referidos (onde pontua o post-it de “códigos” a fls. 587), junto de fls. 570 a 595;

-o auto de reportagem fotográfica do local onde foi encontrada a viatura …-…-EA, perto da aldeia …, junto de fls. 596 a 599;

-os registos fotográficos e referenciação geográfica juntos de fls. 603 a 610, sobre o verificado numa casa sita no lugar … (… – …);

-o registo fotográfico do casal CC e DD, como foram encontrados (e será melhor explicitado nos depoimentos infra aludidos), junto de fls. 615 a 620, onde são evidentes quer os esforços para a sua ocultação, quer os sinais de arrastamento do primeiro;

-a ficha de registo automóvel Volkswagen, Golf, matrícula …-…-DX e seguro, junta a fls. 621 e 622;

-o auto de visionamento das gravações no …em …, com dois fotogramas, onde se constata que o arguido ali esteve em 11.10.2016, entre as 11:29 e as 11:44, junto de fls. 642 a 650[4];

-a reportagem fotográfica com a respetiva localização geográfica e indicação de recolha de material encontrado, deixado pelo arguido, junta de fls. 744 a 754 (repetida de fls. 808 a 819);

-o registo fotográfico do vestuário apreendido das vítimas e outros objetos destas (com relevância especial para o projétil colhido no crânio de BB), a submeter a exame pericial, de fls. 756 a 760;

-o auto de exame, observações e recolhas de vestígios na viatura Opel, Astra, de matrícula …-…-EA, branca (bem como aos vários objetos aí encontrados), junto de fls. 763 a 800;

-o auto de exame a todos os objetos existentes nas viaturas Toyota Hilux preta (…-EG-…); Toyota Hilux azul (…-…-SB); Volkswagen Passat azul (…-…-UZ) e Skoda Octavia (GNRL-2…1), junto de fls. 839 a 852 e 876 a 879;

-o auto de ocorrência de “perseguição” ao arguido em 11.10.2016, até …, com registo fotográfico e georeferenciação, junto de fls. 860 a 866, o qual foi explicitado pela testemunha (seu autor) LLL, em termos que infra enunciaremos;

-o auto de apreensão da viatura Opel, Astra, de matrícula …-…-EA, branca e respetivo conteúdo, de fls. 870 a 873;

-o auto de apreensão de pen com videovigilância no posto de combustível …, cruzamento …-…, no dia 11.10.2016, a fls. 884;

-o print do Google earth da casa de MMM, a fls. 890;

-o auto de apreensão de disco contendo as imagens colhidas no posto de combustível da … de …, a fls. 928;

-o relatório de inspeção judiciária à casa agrícola em …, de fls. 936 a 945;

-o auto de visionamento das imagens colhidas no Posto …, inconclusivo, e respetiva reportagem fotográfica, junto de fls. 965 a 969;

-a informação da Ascendi, com fotografia, das passagens da viatura Opel, Astra, de matrícula …-…-EA, branca, em 16.10.2016, junta de fls. 1004 a 1006;

-as informações do Banco de Portugal juntas de fls. 1008 a 1010;

-o auto de apreensão de pacote batatas fritas na Quinta …, junto a fls. 1080, 1081 e 1174;

-o auto de apreensão de imagens do posto de abastecimento de combustível … e …, junto a fls. 1112 e 1185;

-o auto de visionamento de imagens da … de … e respetivos fotogramas, junto de fls. 1113 a 1124;

-a “lista de eventos–fita do tempo” registada no SIIOP-2S pela Sala de Situação do CTer … de fls. 1126 a 1128 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

-a análise de dados da localização da viatura da GNR utilizada pelos militares alvejados e depois pelo arguido, acompanhado do respetivo suporte informático, junta de fls. 1130 a 1141;

-a reportagem fotográfica relativa à Quinta …, … (…), onde se realizou a sobredita apreensão de um pacote de batatas (marca …), a fls. 1163 e 1164;

-a cópia do certificado de matrícula do Land Rover e respetivo seguro, junto de fls. 1167 a 1169;

-o auto de apreensão aos objetos encontrados na Casa …, em … (…), junto de fls. 1181 e 1182;

-o relatório de observação e análise à habitação onde FF e GG estiveram retidos, com prints da sua visualização aérea e registos fotográficos, bem como indicação dos vestígios recolhidos para ulterior peritagem, de fls. 1215 a 1250 (e onde se percebe, entre o mais, o arrombamento da fechadura, como veremos infra contrariado pelo arguido);

-o croquis da casa entre a rotunda de … e o lugar da …, junto a fls. 1251;

-o material apreendido na casa …, seu registo e envio para exame pericial, de fls. 1255 a 1258;

-o relatório de observação e análise à casa no lugar …, em …, sem vestígios com valor identificativo, de fls. 1260 a 1282;

-o exame ao veículo Toyota Hilux …-…-SB e local onde foi deixado (…), bem como a descriminação dos vestígios aí recolhidos, de fls. 1285 a 1301;

-o relatório de observação e análise ao local do hotel em construção nas …. (…), levada a cabo no dia 11.10.2016, por uma equipa do núcleo de perícia criminalística, junto de fls. 1302 a 1314;

-o relatório de observação e análise ao local onde foi encontrado o casal baleado, ao km 45 da EN … (sentido … – …), levada a cabo no dia 11.10.2016, por uma equipa do núcleo de perícia criminalística, junto de fls. 1315 a 1327;

-o relatório de observação e análise ao local onde foi baleado e abandonado EE, numa zona de mato/floresta, a norte de …, levada a cabo no dia 11.10.2016, por uma equipa do núcleo de perícia criminalística, junto de fls. 1328 a 1340;

-o relatório de observação e análise à casa …, em … (…), levada a cabo no dia 22.10.2016 por um elemento do gabinete de perícia criminalística, com o respetivo registo fotográfico e georeferenciação, junto de fls. 1341 a 1386;

-o relatório de observação e análise ao armazém agrícola na Quinta …, em … (…), levada a cabo no dia 24.10.2016 por um elemento do gabinete de perícia criminalística, com o respetivo registo fotográfico e georeferenciação, junto de fls. 1387 a 1399;

-os prints do Google earth de fls. 1406 a 1410;

-o auto de apreensão de DVD com imagens do posto de combustível de “…” e respetivo auto de análise, juntos de fls. 1423 a 1425;

-o relatório de observação e análise ao local onde foi abandonado o veículo Skoda, Octavia, da GNR, numa zona de mato/pinhal, junto à Quinta … (…), levada a cabo no dia 11.10.2016, por uma equipa do núcleo de perícia criminalística, de fls. 1427 a 1441;

-o relatório de observação e análise ao local onde foi abandonado o veículo Volkswagen Passat, de matrícula …-…-UZ (do casal baleado), numa zona de mato, a cerca de 300 metros do local de construção do hotel … (…), levada a cabo no dia 11.10.2016 por uma equipa do núcleo de perícia criminalística, de fls. 1442 a 1449;

-o relatório de observação e análise ao veículo Toyota, Hilux, Tracker (matrícula …-EG-…), sem recolha de quaisquer vestígios com valor identificativo, de fls. 1450 a 1456;

-a informação clínica de EE, junta de fls. 1538 a 1547;

-o auto de apreensão de ficheiros digitais com as gravações do posto de combustível da … em …, de fls. 1549 e 1563;

-as fichas de identificação civil de TT (amiga do arguido) e descrições prediais dos imóveis por esta titulados, assim como de NNN, a ficha de registo automóvel do jipe cinzento de matrícula …-LD-…, e a ficha de identificação de OOO e outros, juntas de fls. 1571 a 1597; 1599 a 1606 e 1851 a 1854;

-o registo fotográfico da casa … (…), de fls. 1706 a 1708;

-a informação de tráfego prestada pela MEO, junta de fls. 1709 a 1717 e 1810;

-o auto de visionamento das gravações realizadas no posto de abastecimento da … na Quinta … (…), junto de fls. 1718 a 1724;

-o relatório pericial das impressões digitais colhidas na casa sita na EN…, entre a rotunda de … e o lugar …, a FF e GG, que se revelou negativo para os objetos ali apreendidos, a fls. 1752;

-os elementos bancários do arguido, fornecidos pelo …, juntos de fls. 1767 a 1774;

-os elementos clínicos da assistência prestada a FF em 16.10.2016, juntos a fls. 1777;

-a documentação bancária relativa ao arguido, fornecida pela …, AS, junta de fls. 1831 a 1843;

-a informação da detenção do arguido, junta a fls. 1856;

-o auto de apreensão de telemóvel e componentes ao arguido, a fls. 1866;

-os elementos de faturação juntos pela PT e Vodafone, de fls. 1881 a 1893;

-o auto de busca e apreensão à Quinta … junto a fls. 1921 e 1922;

-o auto de busca e apreensão à Quinta …, sem que se tenham apreendido elementos relevantes, a fls. 1923;

-o auto de busca e apreensão a casa da família do arguido, a fls. 1932 e 1933;

-os autos de busca e apreensão à casa na Rua …, n.º…, …, de fls. 1935 a 1943;

-o auto de busca e apreensão à Avenida …, n.º…, …., em …, sem nada de relevo encontrado, a fls. 1977;

-os elementos clínicos de DD, juntos de fls. 2018 e 2019;

-o auto de apreensão de objetos na residência de …, … (…), juntos de fls. 2021 e 2380;

-os elementos bancários do arguido, fornecidos pelo …, de fls. 2114 a 2116;

-os elementos bancários do arguido, fornecidos pelo …, de fls. 2119 a 2121;

-o auto de apreensão do veículo Land Rover e dos objetos encontrados no seu interior, junto de fls. 2123 a 2125 e 2152 a 2154;

-a informação de achamento do veículo Land Rover e sua localização, com georeferenciação, sem particular relevância in casu, a fls. 2143 e 2144;

-os relatórios de perícia comparativa de escrita manual, concluindo-se como muito provável que os escritos dos documentos apreendidos (folhas de agenda, folha com o timbre glassdrive e o caderno pautado de marca Mitos) sejam do mesmo autor, nos moldes aí referidos, para além das comparações atestadas entre os demais documentos (exceção feita a alguns de teor inócuo) a que aludiremos mais em detalhe infra, junto de fls. 2157 a 2162; 2199 a 2204; 2952 a 2959 e 2962 a 2969;

-o relatório pericial lofoscópico positivo para o arguido, colhido em vestígio existente na habitação sita na EM …, entre a rotunda de … e …, de fls. 2183 a 2188 (original de fls. 2259 a 2264), que claramente o coloca no local onde foram abordados FF e GG;

-o relatório pericial lofoscópico positivo para o arguido, colhido em vestígio existente na habitação sita na Casa …., de fls. 2190 a 2197 (original de fls. 2250 a 2255);

-o auto de pesquisa informática ao equipamento apreendido na casa de família do arguido, de fls. 2220 a 2223;

-as cópias de documentos apreendidos, alguns assinados pelo arguido, juntos de fls. 2226 a 2247, sendo muito relevante o teor de fls. 2237. Neste particular, a fls. 2227 consta a referência clara do arguido a ter deixado a chave de uma Renault kangoo na porta da Toyota azul (o que claramente o coloca como utilizador daquela carrinha apreendida nos autos e dos objetos apreendidos nesta e nas suas imediações); de fls. 2230 a 2235, em mensagens destinadas aos familiares, o arguido reconhece que ponderou fugir para o estrangeiro (referindo a …, o … e o …); que poderia ter-se entregado mais cedo mas até lhe deu gozo que não soubessem do seu paradeiro; que utilizou a Toyota azul, e ainda que terá tentado por fim à vida arrependendo-se do que fez perder ao filho. Já do teor do referido a fls. 2237 resulta, de forma clara e conjugando o aí vertido com os demais indícios e depoimentos infra analisados, que o arguido refere à família e amigos tê-los desiludido, numa clara referência ao sucedido e que o levou à situação em que se encontrava, sendo particularmente reveladora a referência a ser tarde demais para agora procurar ajuda e depois de referir a interpelação da GNR por estar a dormir num local suspeito, escreve que “…o que vem a seguir já todos sabem…” (mensagens à família que o arguido assumiu serem da sua autoria, como veremos);

-a análise da situação patrimonial do arguido e pessoas ao mesmo ligadas, por reporte ao constante da base de dados da Autoridade Tributária, de fls. 2271 a 2321;

-o relatório pericial à pistola, munições e invólucros (dois comprovadamente disparados pela Glock), junto de fls. 2435 a 2445, donde resulta, entre o mais, que: a Glock apreendida com o n.º RPS6…3 foi a responsável pela deflagração dos dois invólucros apreendidos de 9 mm (encontrados na zona de vegetação mais densa junto aos corpos de CC e DD); os invólucros de 7,65mm apreendidos foram provavelmente deflagrados pela mesma arma, que coincide com outro exame realizado no Proc. n.º 143/11.5J…, o mesmo sucedendo com o projétil apreendido que atingiu BB e que coincidirá, atentas as declarações e depoimentos infra analisados, com a arma que o arguido possuía e utilizou junto ao hotel …;

-o relatório pericial lofoscópico aos vários bens (alguns perecíveis) encontrados no interior da viatura Opel Astra, branca, de matrícula …-…-EA, utilizada por GG, e apreendidos nos autos, positivo em vários dos objetos quanto ao arguido, de fls. 2449 a 2459, e que confirma que o mesmo se apropriou da viatura e a conduziu, saindo com ela de …;

-a reportagem fotográfica a casa de TT e aos objetos aí apreendidos e respetiva inspeção, onde se encontraram documentos redigidos pelo arguido e acima sujeitos a perícia, não deixando dúvidas de que aquele ali esteve, como aliás a sua irmã confirmou em julgamento, cfr. fls. 2461 a 2536;

-a inspeção realizada ao Land Rover, de fls. 2537 a 2576;

-a informação das armas e munições atribuídas aos militares baleados, de fls. 2589 e 2590, donde resulta claramente que a arma com o n.º RPS6…3 (Glock) estava atribuída a BB, tendo sido aquela, como vimos acima, utilizada para balear o casal …, e a qual foi abandonada pelo arguido durante a fuga;

-o relatório de autópsia médico-legal de BB, junto de fls. 2637 a 2641 e 2687 a 2691, onde se conclui, entre o mais, que “A morte de BB foi devida às lesões traumáticas crânio-meningoencefálicas descritas”; “Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte”; “Estas lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza perfurocontundente ou atuando como tal – projétil de arma de fogo (de cano curto), o que é compatível com a informação”; “O trajeto do projétil foi da frente para trás, da esquerda para a direita e sensivelmente horizontal”; “As características da lesão sugerem ter sido o disparo realizado a curta distância”; “A análise toxicológica feita ao sangue não revelou a presença de álcool e foi negativa para as restantes substâncias pesquisadas”, sendo que “Médico-legalmente nada se opõe a uma etiologia homicida sugerida pela informação” (o registo fotográfico da mesma está junta a fls. 5081);

-o relatório de autópsia médico-legal de CC, junto de fls. 2644 a 2649 e 2692 a 2697, onde se conclui, entre o mais, que “A morte de CC foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e da face descritas”; “Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte”; “As lesões traumáticas da cabeça foram produzidas por instrumento de natureza perfuro-contundente ou actuando como tal, tendo sido devidas a tiro de arma de fogo tipo cano curto”; “As discretas lesões traumáticas observadas no membro superior direito denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, não sendo possível a determinação concreta do objecto”; “O trajecto seguido pelo projétil foi da esquerda para a direita, da frente para trás e de cima para baixo”; “Houve curta distância do disparo”; “As análises toxicológicas efectuadas foram negativas para as substâncias pesquisadas”, sendo que “Apenas pelo exame post mortem nada se opõe a uma etiologia homicida”;

-o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de EE, junto a fls. 2837 e ss.; 3104 a 3109; 3207 a 3210, onde se conclui, entre o mais, que “Examinado com idade aparente em correspondência à idade real”; “Conjugando a informação clínica com o exame efectuado as lesões traumáticas constatadas foram produzidas por projéctil de arma de fogo. O orifício de entrada situou-se na região infra-orbitária direita e o projéctil encontra-se alojado no atlas”; “A direcção seguida pelo projéctil foi descendente, da frente para trás, da direita para a esquerda”; “Estas lesões traumáticas atingiram estruturas que alojam elementos essenciais à vida”, sendo que em janeiro de 2016 aguardava-se a consulta do processo clínico relativo ao internamento em neurocirurgia, solicitado pelo GML ao Hospital, bem como informação da evolução clínica relativamente às consultas externas entretanto agendadas (esta perícia será depois completada no relatório final a que infra aludiremos);

-o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de DD, junto a fls. 2891, 2892; 3110 a 3113; 3213 a 3215, donde se conclui, entre o mais, que “Examinada com idade aparente em correspondência à idade real, encontrando-se em estado tipo vegetativo, sem vida de relação, totalmente dependente de cuidados de saúde”; “Conjugando a informação clínica com os dados do exame objectivo efectuado a 13-12-2016, constata-se que: a) as lesões traumáticas cervicais denotam haver sido produzidas por instrumento perfuro contundente, tipo projéctil de arma de fogo; a direcção seguida pelo projéctil foi sensivelmente transversal; b) relativamente às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas estas podem ter sido produzidas de dois modos: 1) por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, com energia elevada e eventualmente de forma repetida, ou 2) instrumento perfuro contundente, tipo projéctil de arma de fogo que tenha atingido tangencialmente o crânio, sem nele penetrar”; “Estas lesões traumáticas atingiram estruturas que alojam elementos essenciais à vida”, sendo que na altura se aguardava a consulta do processo clínico relativo ao internamento em neurocirurgia, solicitado pelo GML ao Hospital, e a evolução clínica da vítima;

-o exame a pistola Glock 9mm (de forças de segurança) e recolha de vestígio hemático na mesma, de fls. 2940 a 2943;

-o relatório de exame pericial ao veículo Skoda, Octavia, matrícula GNRL-2…1 e vestígios lofoscópicos aí encontrados (sem identificação com o arguido, o que não espanta atento o uso de luvas referido pelo assistente EE), junto de fls. 2945 a 2950;

-o exame pericial lofoscópico negativo à embalagem de “snickers”, a fls. 3008 e 3009;

-o exame pericial lofoscópico positivo à embalagem de batatas fritas marca “…”, de fls. 3012 a 3014;

-a recolha para observação e análise de biotoxicologia a eventuais resíduos de disparo na camisola creme com símbolo de águia, a fls. 3018 e 3019, cujo relatório pericial de biotoxicologia, junto a fls. 3054 e 3055, foi positivo a resíduos de disparo na referida camisola creme com símbolo de águia, frisando que “a presença destas partículas é compatível com disparo(s), manipulação ou proximidade a disparo(s) de arma(s) de fogo por parte de quem envergou a camisola objecto de recolha”;

-o relatório fotográfico e de exame lofoscópico ao veículo Land Rover e aos objetos encontrados no seu interior, com resultados positivos na identificação do arguido, de fls. 3028 a 3044;

-a informação de IMEI prestada pela Vodafone, de fls. 3091 a 3095 e 3149 a 3154;

-o histórico do rastreamento dos terminais rádio da viatura militar GNRL-2…1, de fls. 3097 a 3100;

-o relatório de exame pericial ao rasto dos pneus registados junto ao hotel em construção, excluindo os da Toyota, Hilux, …-EG-… na sua produção, de fls. 3118 a 3121;

-o relatório de exame pericial realizado a vestígios (eventuais resíduos de disparo) recolhidos a HHH e III, ambos inconclusivos, a fls. 3129 e 3130;

-a informação clínica de FF, indicando que sofreu um AVC em novembro de 2016, embora sem relação com os factos em causa nos autos, a fls. 3134 e 3141;

-o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de FF e nota de alta, de fls. 3270 a 3279, onde consta, entre o mais, que “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31-10-2016”; “As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação”; “Tais lesões terão determinado em condições normais, 15 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (8 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (8 dias)”; “Do evento resultaram para a Examinada as consequências permanentes descritas, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem em cicatrizes do couro cabeludo, que por se encontrarem escondidas pelo cabelo não são causa de desfiguração grave e cicatrizes do 2º e 5º dedos da mão esquerda, que por serem pericentimétricas, se encontrarem na mão e tenderem a atenuar com o passar do tempo, também não são causa de desfiguração grave”;

-o auto de apreensão de casaco de RR, a fls. 3291;

-o relatório de exame pericial aos vestígios de DNA encontrados em roupa, lenços, algemas etc…, junto de fls. 3297 a 3304, donde resulta que existe identidade de polimorfismos nos vestígios detetados, entre o mais, em objetos encontrados em ambas as carrinhas Toyota Hilux, assim como no gorro e no casaco da GNR apreendidos e, mais relevante ainda, na pistola Glock atribuída a BB (encontrada no percurso da fuga e de onde foram, como vimos acima, antes efetuados os dois disparos dos invólucros encontrados juntos aos corpos de CC e DD) e a zaragatoa bucal recolhida ao arguido, o que, em conformidade com a demais prova recolhida e as descrições a que aludiremos infra, o coloca claramente como utilizador daqueles objetos, nas circunstâncias de tempo e lugar que antecederam as respetivas apreensões;

-o relatório de exame pericial aos vestígios de DNA encontrados no Volkswagen Passat, correspondentes a CC, a fls. 3305, donde se confirma que o sangue existente no veículo é daquele e, conjugado com os demais elementos acima aludidos, o mesmo terá sido alvejado junto ao veículo, na berma da estrada, ali ficando inclusive depositada a poça de sangue registada fotograficamente e de onde seguiam os vestígios que levaram a descobrir os corpos do casal;

-o relatório pericial lofoscópico junto de fls. 3364 a 3368;

-a informação da GNR sobre pesquisa de matrículas em 11.10.2016, entre as 00:00 e as 7:00, solicitada por EE à sala de situação, a fls. 3378, onde consta, sem surpresa em face dos elementos acima referidos e as declarações e depoimentos a que abaixo aludiremos, a solicitação da matrícula …-EG-…, às 2:39 daquele dia 11 (que corresponde à Toyota Hilux preta que o arguido conduzia e onde forma encontrados vestígios do mesmo);

-o relatório de análise do GAC da Polícia Judiciária, de fls. 3381 a 3540, considerado exclusivamente na vertente de enunciação e relacionamento dos dados documentais e periciais compilados na investigação (a que voltaremos mais adiante por reporte aos seus aspetos objetivos mais relevantes);

-a certidão do processo de interdição/inabilitação n.º 31/17.1T…, junta de fls. 3571 a 3574;

-a informação de centro de reabilitação relativo a FF, de fls. 3577 a 3578 e 3626;

-a informação da GNR quanto ao valor e bens sonegados e utilizados pelo arguido, a fls. 3627 e 3628;

-o relatório pericial lofoscópico aos documentos manuscritos apreendidos nos autos, de fls. 3779 a 3788, a maioria dos quais sem valor identificativo (embora seja por demais evidente a sua autoria pelo arguido, quer face ao seu teor, quer em face dos exames comparativos de escrita acima referidos);

-cópia de documentação vária (Meo, CGD etc…) relativa a BB, junta de fls. 3816 a 3832;

-a documentação junta com o pedido de indemnização cível de EE (nomeadamente relatório de urgência de 13.12.2016, despesas farmacêuticas; recibos de várias consultas, taxas moderadoras e meios complementares de diagnóstico e reabilitação; documentação de transporte pelos bombeiros voluntários de …), de fls. 3836 a 3848 e 3965 a 4007;

-a documentação junta com o pedido de indemnização cível de LL (factura MEO; documento bancário da … relativo a conta titulada por BB e demandante; contrato de mútuo com hipoteca, celebrado entre ambos e a … (embora sem o segmento relativo à data); descrição predial de prédio urbano titulado por BB), de fls. 3888 a 3904;

-vária documentação relativa a EE, nomeadamente relatório de urgência de 13.12.2016, despesas farmacêuticas; recibos de várias consultas, taxas moderadoras e meios complementares de diagnóstico e reabilitação; documentação de transporte pelos bombeiros voluntários …, junta de fls. 3913 a 3952;

-a cópia certificada dos assentos de nascimento e óbito de DD e CC, junta de fls. 4041 a 4051;

-a documentação junta com o pedido de indemnização cível de JJ e KK e os anexos compostos pela certidão do assento de nascimento e óbito de DD (DD); certidão do assento de casamento e nascimento de CC; recibos de vencimento de CC e DD; registo de atividade apícola; caderneta predial rústica de propriedade titulada por CC e DD; guia de tratamento para DD; documentação clínica de procriação medicamente assistida de DD e recibo de agência funerária, de fls. 4090 a 4112 e 4186 a 4241;

-a documentação junta com o pedido de indemnização cível de MM e NN, composta pela certidão do assento de nascimento e casamento de CC, assentos de nascimento de MM e de NN; modelos de declaração de IRS de MM e NN; documentação do centro nacional de pensões por invalidez de MM; cadernetas prediais rústicas e registo de atividade apícola, de fls. 4113 a 4130 e 4133 a 4178;

-a documentação anexa ao pedido de indemnização cível deduzido por FF, nomeadamente documentação clínica da demandante, de fls. 4259 a 4274;

-a certidão do auto de apreensão (arma, projéteis e gorro etc.), exame e relatório pericial do inquérito 161/17.0GAARC, de fls. 4729 a 4779, donde resulta que no lugar de …, …, em … se encontrava escondida, enterrada, uma arma de calibre 7,75 mm, como a utilizada para disparar sobre BB, a qual ainda tinha 4 munições, sendo que após realizado exame de balística foi possível apurar que a arma estava em bom estado de conservação (embora o número de série tenha sido rasurado) e, mais relevante para estes autos, que foi aquela a pistola responsável pelo deflagrar de dois invólucros e (provavelmente) do projétil apreendidos nestes autos. Eis pois a arma que o arguido tinha quando foi abordado junto ao hotel … e que utilizou para balear BB, tendo-a sempre consigo até sair da casa … no veículo de GG;

-o CRC do arguido, junto de fls. 4937 a 4941 e 5540 a 5544, donde consta a condenação, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em 13.06.2007, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00, por decisão transitada em julgado em 12.04.2010 (pena esta extinta em 6.07.2010), sendo que ainda foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, em 29.11.2008, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, por decisão transitada em julgado em 24.10.2011;

-a informação do Consulado de …, onde não constam registos criminais do arguido, a fls. 4950;

-o relatório pericial inconclusivo aos vestígios biológicos colhidos no Volkswagen Passat de matrícula -…-UZ, de fls. 4961 a 4963 e o original a fls. 4997;

-o atestado médico multiuso de FF, junto a fls. 4973, onde se aponta para uma incapacidade permanente global de 79%, desde novembro de 2016, bem ilustrativa da sua incapacidade em prestar declarações em audiência de julgamento, a qual veio depois a ser reforçada pelo atestado médico junto a fls. 5027 (e repetido a fls. 5049 verso);

-a declaração médica relativa a quadro de stress pós-traumático apresentado por GG, que justificou igualmente a prestação do seu depoimento por videoconferência por aquele requerida, a fls. 4976;

-os esclarecimentos periciais prestados pelo LPC, de fls. 5016 a 5021 e 5257 a 5262 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), na sequência do determinado após requerimentos do arguido e Ministério Público, relativamente aos resíduos de disparo recolhidos aí referidos (a BB e EE), nos termos melhor aí concretizados em a), b) e c). Relativamente ao primeiro segmento de esclarecimentos, referido em a), os resultados obtidos não permitem ir além do já conhecido (e vertido pericialmente nos autos[5]), sendo que em adenda ao já constante dos autos “com as análises agora efetuadas, apenas é possível constatar que se observou um gradiente de deposição de partículas nos blusões, com maior concentração na zona da gola, e que as partículas em causa são compatíveis com as partículas detectadas nas amostras analisadas ao abrigo do Exame Pericial n.º20…64-FRD”. Quanto ao solicitado em b) foram especificadas as partículas encontradas nas amostras aí referenciadas não sendo possível acrescentar o que seja ao já acima referido exame. Já quanto ao suscitado em c) foi explicitada a composição do primário das munições em causa. Mais se refere em tal adenda que foram observados os documentos fundamentais de procedimento nos exames levados a cabo pelo LPC;

-as guias de patrulha da GNR, de fls. 5058 a 5064, relativas ao Posto Territorial de …, de outubro de 2016, nas quais consta, entre o mais, referências à “zona …” e a um incêndio, as quais são recorrentes;

-o suporte digital do registo fotográfico realizado aquando dos exames de autópsia de BB, CC e DD, a fls. 5081;

-a fotografia junta aos autos a fls. 5104 pela testemunha PPP, por reporte ao saco negro que encontrou e foi apreendido no decurso da investigação;

-a documentação vária junta de fls. 5182 a 5228, relativa a despesas médicas, medicamentosas e de exames complementares de diagnóstico suportadas pelo assistente EE, e em que o mesmo assentou a ampliação do pedido cível oportunamente formulado nos autos, a que acresce a declaração médica de fls. 5208;

-a certidão de nascimento da assistente LL, de onde resulta que o seu casamento se mostra dissolvido por divórcio decretado em 12.03.2014, junta de fls. 5254 e 5255, cujos originais estão juntos de fls. 5304 e 5306;

-a certidão extraída do inquérito n.º 161/17.0G…, junta de fls. 5363 a 5407, reportada ao auto de notícia do achamento de um saco com um capuz, munições e uma arma de calibre (7,65mm) semelhante à utilizada nos factos também em causa nos autos, respetivo auto de apreensão, termo de entrega e relatório fotográfico (como se verá explicitado pela testemunha Inspetor António CCC), a que acresce o relatório pericial realizado à arma e munições, nos termos já acima referidos;

-o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível junto de fls. 5425 a 5438 (e o original de fls. 5482 a 5489), realizado a FF, onde se conclui que “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 28-10-2016”; “Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 1 dia”; “Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 11 dias”; “Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 12 dias”; “Quantum Doloris fixável no grau 5/7”; “Não é de atribuir Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica para os danos para os quais é possível admitir nexo de causalidade”; “As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual” e “Dano Estético Permanente fixável no grau 1/7”;

-os esclarecimentos complementares solicitados ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal realizado a FF, juntos a fls. 5439 e 5440 (original a fls. 5479 e 5480) onde se conclui que:

“1) Relativamente às sequelas observadas na examinada para as quais foi possível aos peritos médicos admitirem o nexo de causalidade com o traumatismo descrito nos autos da Polícia Judiciária: As lesões, descritas nos dados documentais do Centro de Saúde … (“múltiplas feridas na cabeça e na mão esquerda”, que foram suturadas “sem intercorrências”, “edema e limitação funcional por dor em ambas as mãos”, “múltiplas escoriações pelo corpo” e “vários hematomas e escoriações na região mandibular”) não são aptas a provocar a morte da examinada

2) A examinada deu entrada na Urgência do Centro de Saúde … no dia 16-10-2016 cerca de 4 horas após o inicio da alegada agressão, onde se manteve hemodinamicamente estável, não tendo sido necessário suporte transfusional ou aminérgico, entubação, ventilação mecânica ou intervenção cirúrgica emergente. Realizou exames de imagem, que se revelaram sem alterações, tendo tido alta no mesmo dia após tratamento farmacológico analgésico

3) Portanto, segundo a documentação clínica facultada, a examinada não se encontrou em momento algum, das lesões imputáveis ao evento em análise, com uma situação clínica de prognóstico reservado, não havendo critérios para a existência de um perigo em concreto para a vida”;

-os relatórios da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, realizada a EE, juntos de fls. 5446 a 5452 (original de fls. 5473 a 5476) e de fls. 5526 a 5528, relativamente ao pedido de indemnização cível realizado por aquele assistente, nomeadamente no que respeita os quesitos 37º, 38º, 39º, 40º, 42º e 46º, onde se conclui da seguinte forma:

“Quesito 37º: A 19-01-2017, o examinado apresentava as queixas identificadas como A, B, C, D, E, F. Relativamente a G, situação essa que foi despistada em exame médico realizado no GMLF … a 13-12-2017, com confirmação pelo Serviço de Urgência do Hospital … a 13-12-2017, dado que teria efetuado a medicação e tratamento prescritos, no que respeita ao dia 19-01-2017 indicado no quesito 37º, poderia nessa data não apresentar tal sintomatologia ou esta estar reduzida.

Quesito 38º: Afirmativo.

Quesito 39º: Afirmativo.

Quesito 40º: Aguardam-se os exames/consultas médicas solicitadas no Exame preliminar de cível já enviado (N. Proc. 2017/1462/VS-C-MLCV), sendo ainda de referir que, no mesmo exame, foi constatada limitação da mobilidade da coluna cervical, para além de ser mencionado medo constante de realização de movimentos na cabeça e pescoço que alterem a evolução da situação clínica de que padece.

Quesito 42º: Aguardam-se as informações clínicas de Psiquiatria, já solicitadas pelo GMLF … à Casa de Saúde … . Acrescente-se que o examinado referiu queixas deste foro, descritas no referido relatório preliminar de cível já enviado.

Quesito 46º: Aguardam-se informações clínicas de Psiquiatria, já solicitadas pelo GMLF …. à Casa de Saúde …, sendo ainda de referir que, no mesmo exame, foi mencionado tudo o referido neste quesito”.

A fls. 5581 a 5587 (original de fls. 5621 a 5629) foi junto o relatório “final” possível, atendendo a que não é ainda possível aos Srs. Peritos propor uma verdadeira data de consolidação médico-legal das lesões do assistente já que o mesmo mantém acompanhamento clínico, optando por se considerar a data de observação do examinado como “data de consolidação” (sendo que a real consolidação será protelada até à data da alta definitiva), sendo que com este pressuposto chegaram às conclusões e respostas aos quesitos formulados aí vertidos.

Assim, mantendo-se as respostas já apresentadas aos quesitos 37º a 39º, quanto ao ponto 40º diz-se que “As queixas e o quadro sequelar do examinado estão descritos nos capítulos Estado Atual e Discussão deste documento. Acrescente-se que o projétil de arma de fogo se encontra alojado na vizinhança, ou melhor, em íntima relação com estruturas vasculares de capital importância. No momento atual a integridade luminal de tais estruturas não se encontra comprometida pelo corpo estranho, como comprovado pelo resultado dos exames complementares de diagnóstico realizados”, sendo que aos pontos 42º e 46º se refere que “As queixas e o quadro sequelar do examinado estão descritos nos capítulos Estado Atual e Discussão deste documento”.

Já no que respeita às conclusões possíveis aí se refere que:

-A “data da consolidação” médico-legal das lesões é fixável em 7/12/2017 (ver Discussão).

-Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 90 dias.

-Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 33 dias.

-Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 423 dias.

-Quantum doloris fixável no grau 7/7.

-Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 28 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro (ver Discussão);

-As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas da realização da atividade habitual, bem como de outras no âmbito de preparação técnico-profissional do examinado.

-Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7.

-Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4/7.

-Do ponto de vista médico-legal afigura-se indispensável realizar nova avaliação presencial do examinado após a alta definitiva, dado poder haver alterações do quadro sequelar exposto neste relatório pericial (ver Discussão);

-acresce ainda o livro de registos das guias de patrulha do mês de outubro de 2016 (e anteriores), apenso a estes autos, onde assume particular destaque o relatório diário de fls. 175, com a identificação da patrulha realizada por BB e EE na altura dos factos em causa nos autos (patrulha n.º45);

-o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, realizado a DD, juntos a fls. 5506 e 5507 (original a fls. 5514 e 5515), relativo ao pedido de indemnização cível dos assistentes KK e JJ, no que respeita os quesitos 52º a 61º, 118º a 120º, 125º e 126º, onde se conclui da seguinte forma:

Quesito 52º: Sim;

Quesito 53º: Sim;

Quesito 54º: Sim;

Quesito 55º: Sim;

Quesito 56º: Sim;

Quesito 57º: Sim;

Quesito 58º: Sim;

Quesito 59º: Sim;

Quesito 60º: Sim;

Quesito 61º: Sim;

Quesito 118º, 119º, 120º e 125º: não é possível aos peritos médicos subscritores do presente relatório responder ao quesitado, face à ausência de elementos objetivos que permitam fundamentar a formulação de um parecer de índole médico-legal. Ainda assim, sendo admissível que a situação vivenciada pela vítima envolveu um contexto potencialmente perturbador do ponto de vista emocional (…)

Quesito 126º: Face à localização e gravidade das lesões traumáticas sofridas pela vítima, que acometeram múltiplas estruturas do sistema nervoso central, é admissível que a perda de consciência tenha ocorrido de forma rápida. Ainda assim, tendo sido atingidas várias estruturas moles e várias estruturas ósseas aquando da produção de tais lesões, é aceitável considerar que a vítima tenha sofrido dor;

-o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, realizado a BB, junto a fls. 5510 e 5511 (original a fls. 5518 e 5519) relativo ao pedido de indemnização cível da assistente LL, no que respeita os quesitos 38º, 39º, 41º e 44º, onde se conclui da seguinte forma:

Quesito 38º: A morte da vítima foi muito rápida, tal como foi referido em Audiência de Julgamento, dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da ponte. De referir que a munição atravessou várias estruturas moles e várias estruturas ósseas sendo tal passível, durante esse breve momento, de causar dor.

Quesito 39º: A morte da vítima foi muito rápida, tal como foi referido em Audiência de Julgamento, dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da ponte. Por esse motivo, a vítima poderá não ter tido consciência do seu estado.

Quesito 41º: Já indicado nos quesitos anteriores.

Note-se que o quesito 44º foi indicado por lapso no ofício em causa;

-o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, realizado a CC, juntos a fls. 5508 e 5509 (original a fls. 5522 e 5523), relativo ao pedido de indemnização cível dos assistentes KK e JJ, no que respeita os quesitos 111º a 116º, onde se conclui da seguinte forma:

Quesito 112º: A morte da vítima foi muito rápida, tal como foi referido em Audiência de Julgamento, dado as lesões mortais terem atingido o tronco cerebral a nível da medula alongada. De referir que a munição atravessou várias estruturas moles e várias estruturas ósseas sendo tal passível, durante esse breve momento, de causar dor. Acrescente-se que, face à localização das lesões mortais acima referida, a vítima poderá não ter tido consciência do seu estado.

Quesito 111º, 113º, 114º, 115º, 116º: Não é possível aos peritos médicos subscritores do presente relatório responder ao quesitado, face à ausência de elementos objetivos que permitam fundamentar a formulação de um parecer de índole médico-legal. Ainda assim, sendo admissível que a situação vivenciada pela vítima envolveu um contexto potencialmente perturbador do ponto de vista emocional (…);

-o relatório social do arguido para determinação da sanção junto de fls. 5531 a 5534, e assente essencialmente nas declarações do próprio e de familiares, o qual foi depois retificado em face da documentação junta ulteriormente pelo arguido e atentas as suas declarações, nos moldes acima vertidos na factualidade a este respeito dada como provada;

-os documentos juntos pelo arguido na sequência do relatório social de fls. 5562 a 5566 (nomeadamente requerimento do arguido ao diretor geral da DGRSP; respetiva resposta de retificação e novo requerimento do arguido ao diretor geral da DGRSP) e 5573 a 5576 (nomeadamente comprovativo de transferência de €124,70 para o INAC IP, solicitado por AAA; print de email de 19.06.2015 dirigido, entre outros, ao arguido, do calendário de aulas teóricas do curso PPL(A) da escola aeroclube …; print da identificação da Flight Training College … e respetivos contatos; cópia de autorização de transferência monetária de AAA de 14.10.2011 para a referida Flight Training College; formulário de matrícula na Flight Training College preenchido e assinado com a identificação do arguido, datado de 13.10.2011);

-e ainda a versão completa do documento inicialmente junto pela assistente LL no seu pedido de indemnização cível, relativo ao contrato de mútuo com hipoteca, assinado por esta e por BB, ao qual faltavam as últimas páginas, com a data de 13.09.2016, junta de fls. 5591 a 5601 (já bem próximo, pois, da data do falecimento de BB);

-e por último a cópia da documentação bancária junta de fls. 5601 verso a 5604, onde de alguma relevância se destaca a data do requerimento à …, SA para que a assistente LL passasse a assumir a condição de cotitular da conta bancária de BB, que se reporta a 30.05.2016, assim como a proposta de crédito junto daquela instituição, por ambos assinada, datada de 2.06.2016 (qualquer um deles, pois, bem posteriores à data em que a assistente reclama nos autos ter passado a viver, como de cônjuges se tratassem, com o falecido BB).   

No que se reporta aos autos de Processo Comum n.º 476/17.7T… relevaram os seguintes elementos:

-o boletim de informação clínica de DD junto a fls. 4707 e 4708;

-o relatório de autópsia médico-legal de DD, junto de fls. 4724 a 4732 e 4744 a 4749, onde se conclui que “Conjugando a informação clínica com os dados post mortem, a morte de DD foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, complicadas de bronquite purulenta (neutrofílica) marcada com focos/áreas de broncopneumonia, e de áreas de encefalite aguda purulenta”; “Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte”; “As lesões traumáticas cervicais denotam haver sido produzidas por instrumento perfuro contundente, tipo projéctil de arma de fogo; a direcção seguida pelo projéctil foi sensivelmente transversal”; “Relativamente às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas estas podem ter sido produzidas de dois modos: a) por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, com energia elevada e eventualmente de forma repetida, b) por instrumento perfuro contundente, tipo projéctil de arma de fogo que tenha atingido tangencialmente, de trás para a frente o crânio, a nível parietal esquerdo, sem nele penetrar”; “Estas lesões traumáticas atingiram estruturas que alojam estrutura essenciais à vida”, sendo que “Pelo exame post mortem o quadro exposto indica uma etiologia homicida”;

-documentação anexa ao pedido de indemnização cível deduzido por KK e JJ, no processo a este apenso, na sequência do falecimento de DDe documentação anexa (nomeadamente certidão do assento de nascimento e óbito de DD; do assento de casamento e nascimento de CC; recibos de vencimento de DD e CC; registo de atividade apícola de CC; cadernetas prediais rústicas tituladas por CC e DD; guias de tratamento de DD e documentação relativa a tratamento de procriação medicamente assistida a que esta se estava a sujeitar; assentos de nascimento de JJ e de KK; recibo de agência funerária por serviço fúnebre), de fls. 4854 a 4911;

-o CRC do arguido junto a fls. 4930 e ss., donde consta a condenação, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em 13.06.2007, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00, por decisão transitada em julgado em 12.04.2010 (pena esta extinta em 6.07.2010), sendo que ainda foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, em 29.11.2008, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, por decisão transitada em julgado em 24.10.2011.


Aqui chegados importa atentar neste vasto acervo probatório.

A propósito dos autos de notícia e de denúncia importa reter, acompanhando o decidido no Ac. da R. do Porto de 3.12.2014 (Proc. N.º53/13.1GCETR.P1, in www.dgsi.pt), que “O auto de denúncia constitui prova documental, que atesta que esta foi realizada nas circunstâncias de tempo e lugar nele exaradas, pela pessoa ali identificada e com a indicação dos factos ali narrados, mas não constitui meio de prova da ocorrência desses mesmos factos”.

A mesma reserva na avaliação probatória é aplicável às supra aludidas informações de serviço e relatos de diligência externa, os quais (os acima referidos e só esses) foram considerados, apenas e exclusivamente, no que à constatação do aí diretamente observado e recolhido pelos signatários e na medida em que tais perceções se mostraram corroboradas pelos depoimentos daqueles prestados em audiência.

Esta ressalva, como acima mencionado, vale mutatis mutandis para o relatório de análise do GAC da Polícia Judiciária, de fls. 3381 a 3540, considerado exclusivamente na vertente de relacionamento dos dados documentais e periciais compilados na investigação, não tendo sido consideradas, por qualquer forma, quaisquer referências a declarações ou depoimentos.

Só, pois, nesta estrita medida foram tais elementos considerados, expurgando tais informações e relatórios do mais neles constante.

Naturalmente que, entre outras acima não mencionadas, não foram objeto de qualquer consideração ou valoração, a “informação de serviço” de “conversa informal” com HHH e III, assim como o relato de diligência externa no bar VIP 77 e café Ideal.


Uma palavra em particular merecem o auto de reconhecimento de objetos por parte de GG, junto a fls. 914 e 915 e o auto de reconhecimento de objetos por parte de FF, junto a fls. 923 e 924.

Em tese, como prova documental que constituem, sendo do prévio conhecimento de todos os sujeitos processuais, nada obstaria à sua consideração nesta sede, como meio autónomo de prova pré-constituída que são[6].

Todavia, para que tal assim pudesse ser teriam de estar preenchidos os requisitos legais de que a lei processual penal faz depender a sua valoração, a saber: que sejam observadas as prescrições do n.º1 do art.º 147º do CPP, em tudo quanto for correspondentemente aplicável (cfr. art.º 148º, n.º1 do CPP).

Ora, decorre daquele primeiro preceito legal que quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

Sucede que, não obstante a referência em ambos os autos ao cumprimento das “formalidades legais”, nenhuma referência existe nos mesmos ao sobredito procedimento (seja à sua prévia indicação ou descrição, seja a referência a quaisquer pormenores dos mesmos, inclusive não tendo incidido tal reconhecimento na exibição de objetos, mas antes de meras fotografias).

A nossa lei processual é particularmente clara ao referir, por remissão do n.º 3 do art.º 148º do CPP para o disposto no n.º7 do preceito legal antecedente, que “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.

Está-nos, pois, vedado recorrer a estes elementos probatórios, por violação do disposto nas disposições conjugadas dos arts.º 148º e 147º do CPP, os quais, acrescente-se, inclusive se mostram particularmente confusos com referências a fotografias onde surgem distintos objetos.

Como veremos, se esta contingência não representa problema de maior para a factualidade relacionada com GG, já relativamente a FF e aos bens que na pronúncia se diz pertencerem-lhe e terem-lhe sido subtraídos pelo arguido, restará apenas para consideração probatória a prova testemunhal e as declarações que a esse respeito foram produzidas, ponto a que voltaremos infra.

 

Posto isto e sublinhando a distinção entre exame e perícia, enquanto meios de prova e as suas fronteiras, quer de natureza, quer de regime (sendo o primeiro descritivo, fruto de observação, visionamento ou perceção direta, relatada ou registada e a segunda conclusiva, mercê de interpretação, apreciação ou juízo científico ou artístico relatado ou registado também), foram relevantes os exames e as perícias acima enunciadas, nomeadamente as de cariz médico-legal, balístico, à caligrafia, lofoscópicas e de biologia forense.

Em síntese, quanto à sobredita prova documental e pericial acima enunciada e analisada, temos que se destaca a enunciação e correlação levada a cabo pelo GACDC, donde resulta, entre o mais, o seguinte (que releva não só de per se, mas também quando confrontado com os depoimentos e declarações abaixo analisados):

-o rádio SIRESP instalado na viatura L-2…1 gerou, a partir do início da patrulha, um conjunto de localizações GPS, que constam dos autos (fls. 1129 a 1140);

-da análise dos eventos de rede, cujo CD consta agrafado na contra capa, constata-se que o IMEI 3…66, pertencente ao telemóvel de EE, às 02:31:58, realiza um Location Update (procedimento de atualização de localização que permite que um dispositivo móvel informe a rede, sempre que se desloca de uma área de localização para a seguinte) acionando a antena de estação base, com a denominação A…;

-esse mesmo telemóvel e o telemóvel com o IMEI 3…75, pertencente a BB, cerca de um minuto e meio depois, já acionavam a antena de estação base com o nome R… 1, sendo que o hotel … encontra-se assim, a coberto das antenas com as designações A…. FDD3 e R…. 1, encontrando-se a primeira estação base a cerca de 4.200 metros e a segunda a cerca de 7.500 metros de distância;

-o telemóvel de QQQ, que possui o cartão com o número 9…90, recebeu uma chamada pelas 02:47:15, que teve uma duração de cerca de 3 minutos (não está identificado o chamador mas é percetível a sua localização, na antena base R.., a mesma que já tinha sido acionada pela patrulha dos militares);

-o chamador, apesar de não identificado, possui associado o IMSI2 2…70, código esse associado exclusivamente ao número de BB, conforme resulta dos dados juntos na contra capa dos autos;

-pelas 02:53:18, o militar QQQ, através do seu telemóvel fala com alguém que se encontra localizado em R… 1, antena base ao alcance do hotel …, onde se encontram os militares BB e EE;

-pelas 02:54:23, o militar BB, através do seu telemóvel 9..22 contacta com o militar RRR, numa chamada com a duração de 55 segundos;

-o relatório de exame n.º 4…8/2016-NPC, realizado no terreno circundante ao Hotel em construção sito ..., permitiu, para além da localização espacial das viaturas, a identificação e recolha de manchas hemáticas (vestígio 1) e de uma cápsula deflagrada (vestígio 2);

-note-se que o resultado do exame laboratorial ao vestígio 1, que consta do relatório de exame n.º 201620622- BBG, confirmou tratar-se de sangue, tendo-o associado, inequivocamente, ao perfil de BB;

-por seu turno o resultado do exame laboratorial ao vestígio 2, que consta do relatório de exame n.º 201620682-FBA, confirmou tratar-se de uma cápsula 7.65mm, tendo encontrado correspondência, na comparação de pendentes, com o relatório de exame pericial n.º 201110646-FBA, com um conjunto de 8 cápsulas recuperadas na zona de …, no âmbito do NUIPC 143/11.5J…, confirmando assim, terem sido todas disparadas pela mesma arma de calibre 7.65mm;

-pelas 03:16:35 é realizada consulta no sistemas de pesquisas TMenu pela matrícula …-…-DX (Volkswagen, modelo Golf), no seguimento do solicitado via rádio à sala de situação, a qual é titulada por um residente na …;

-resulta das localizações juntas aos autos e cedidas pela GNR que a viatura SKODA OCTAVIA, da GNR, esteve imobilizada no hotel …, entre as 02:36:14 e as 02:56:14;

-depois disso, e até às 05:07:57, cessaram as localizações GPS da viatura SKODA OCTAVIA, em virtude de “(…) o sistema de georreferenciação se encontrar a efetuar backup, não sendo possível continuar a efetuar gravação/rastreamento dos terminais rádio”;

-no exame n.º 201620622-BBG o LPC constatou a existência do perfil de ADN do militar BB, nas mangas da farda do militar EE;

-no relatório de exame n.º 418/2016-NPC, foram realizadas diversas fotografias, junto ao hotel, sendo que numa delas são bem visíveis marcas paralelas de arrastamento, com um comprimento de 8,60 metros, na zona de terra, junto ao lancil e paralelas ao pavimento alcatroado, sendo que se verifica a existência de mancha hemática entre as marcas de arrastamento, o que confirma a movimentação do corpo e o seu alinhamento com as marcas de arrastamento;

-foi depois apreendida uma luva castanha e preta na viatura Opel Astra branca, onde foram recolhidos vestígios biológicos pertencentes ao arguido (vide Exame Pericial GPC de …, n.º 20160223GPC, vestígio Z e foto a fls. 799); outra luva semelhante foi encontrada e apreendida, posteriormente, no interior da Toyota Hilux, de cor azul e matrícula …-…-SB; ainda outro par, em tudo semelhante a este, foi encontrado e apreendido na Toyota Hilux preta, de matrícula …-EG-…, que o LPC no relatório de exame n.º 201620622- BBG, confirmou tratar-se do perfil de ADN do arguido;

-existe registo de uma chamada às 04:26:44, com a duração de 55 segundos, de EE para QQQ, sendo que o telemóvel do militar EE aciona a antena base de R… FDD1;

-existe ainda registo de uma tentativa de contacto de QQQ com o telefone do militar BB, ocorrida pelas 04:25:19;

-no sistema de vídeo vigilância do Posto de Abastecimento de Combustível da … – …, na Estrada Nacional …, Quinta …, ao km 55,1, pelas 04:01:45, é detetada a passagem de uma viatura clara, com luzes claras e acesas no tejadilho, em tudo idêntica às viaturas da GNR, a circular vinda do cruzamento que vai para a localidade … no sentido da Quinta …, que depois regressa no sentido inverso (e não exatamente como consta do relatório do grupo de análise, na referência a que a viatura viesse de …);

-pelas 04:34:54, é solicitada à sala de situação da GNR informação sobre a matrícula …-…-OR;

-pelas 05:07:57, o GPS associado ao rádio SIRESP instalado na viatura Skoda Octavia regista as coordenadas 40°50'29.41"N 7°32'47.91"W, fornecendo também a informação que a viatura se encontrava imobilizada, quase no cume da Serra …, sendo que às 05:12 a viatura ainda se encontrava imobilizada nas proximidades do mesmo local;

-no exame à viatura da GNR, que produziu o relatório de exame 421/2016-NPC, foi detetada no habitáculo, na parte da frente do lado direito, correspondente ao lugar do pendura, no chão, uma pega de teto correspondente àquele lado, que tinha sido partida;

-na inspeção vertida no relatório de exame n.º 420/2016-NPC, foi encontrada, junto a um pinheiro, nas coordenadas 40°50'29.92"N 7°32'46.21"W, uma cápsula 7.65mm deflagrada (vestígio 1B), tendo o resultado do respetivo exame laboratorial, confirmado tratar-se de uma cápsula 7.65mm Browning (relatório de exame pericial n.º 201620682-FBA), encontrando correspondência com: a cápsula recuperada no hotel … (relatório de exame n.º 418/2016-NPC), que disparou o projétil que provocou a morte do militar BB; e com um conjunto de 8 cápsulas recuperadas na zona de …, no âmbito do NUIPC 143/11.5J…, correspondência encontrada através da comparação de pendentes, concretamente no relatório de exame pericial n.º 201110646-FBA, onde se conclui terem sido disparadas pela mesma arma de calibre 7.65mm;

-ainda na inspeção vertida no relatório de exame n.º 420/2016-NPC foi encontrada, nas coordenadas 40°50'29.34"N 7°32'47.06"W, uma peça plástica pertencente ao Skoda Octavia da GNR, mais concretamente a tampa de proteção do espaço destinado ao farol de nevoeiro dianteiro esquerdo, a qual estava cerca de 19 metros atrás do local onde o rádio SIRESP localizou a viatura da GNR imobilizada (40º50’29.41’’N 7º32’47.91’’W), e a cerca de 26 metros à frente da cápsula deflagrada (vestígio 1B), encontrada nas coordenadas 40°50'29.92"N 7°32'46.21"W;

-na zona envolvente ao pinheiro, na berma da estada florestal, na localização 40º50’29.83’’N 7º32’46.16’’W, foi referenciada uma mancha hemática (vestígio 1A), conforme consta do relatório de exame n.º 420/2016-NPC, que o relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG, confirmou tratar-se de sangue pertencente a EE;

-ainda nessa zona foi encontrado por trás do pinheiro e ligeiramente afastado da berma da estrada (± 15 metros), numa zona com vegetação “acamada”, uma caneta de cor azul e a cerca de 15 metros atrás do pinheiro, na localização 40.841653 -7.545997 (40°50’29.95’’N 07°32’45.59’’W) uma mancha de sangue, assinalada aí como vestígio 2, tendo o laboratório, através do relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG, confirmado tratar-se de sangue pertencente a EE;

-já na estrada florestal da “…”, nas coordenadas 40º51’9.48’’N 07º33’15.17’’W, foi encontrada uma mancha de sangue, assinalada como vestígio 3, tendo o laboratório, através do relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG, confirmado tratar-se de sangue pertencente a EE;

-cerca de 350 metros mais à frente, nas coordenadas 40º51’19.08’’N 07º33’22.58’’W, foi encontrada uma mancha de sangue, assinalada como vestígio 4, tendo o laboratório, através do relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG, confirmado tratar-se de sangue pertencente a EE;

-seguindo o caminho em terra batida entre a “…” e a residência do cabo GGG, foi encontrado, a cerca de 600 metros daquela casa, nas coordenadas 40º50’22.49’’N 07º33’22.68’’W, uma mancha de sangue, assinalada como vestígio 5, tendo o laboratório, através do relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG, confirmado tratar-se de sangue pertencente a EE;

-este percurso realizado a pé por EE, com uma distância estimada de 4,6 km, poderia ser realizado, em circunstâncias normais, em cerca de uma hora, mas porque este se encontrava debilitado, ferido e tendo perdido algum sangue, aquele trajeto foi, seguramente, realizado num tempo superior ao estimado;

-a perícia médico-legal de Avaliação do Dano Corporal em direito penal realizada ao referido assistente permite concluir, entre o mais, que as lesões apresentadas foram produzidas por projétil de arma de fogo; o orifício de entrada situou-se na região infraorbitária direita e o projétil encontra-se alojado no atlas; a direção do projétil foi descendente, da frente para trás e da direita para a esquerda, sendo que estas lesões traumáticas atingiram estruturas que alojam elementos essenciais à vida;

-às 05:07:57, a viatura da GNR é localizada nas coordenadas 40º50’29.41’’N 7º32’47.91’’W, que se localizam na zona da Serra …, no local onde foi alvejado EE;

-pelas 06:14:53 é registada a passagem da viatura da GNR, vinda do sentido de …, nas câmaras do PAC da … …, na Quinta …;

-face à inexistência de localizações do rádio SIRESP entre as 05:07 e as 06:36:54, bem como à ausência de comunicações associadas ao telemóvel do arguido, não foi possível, nesse período, recriar os movimentos do arguido, todavia apurou-se que a distância entre a Serra … e o PAC da …, na Quinta …, são cerca de 17,4 km, que podem ser cumpridos em cerca de 18 minutos;

-os telemóveis dos militares BB e AA associados pelos IMSI3, vão acionando, nos grupos data hora similares, sempre a mesma antena e o mesmo azimute, sendo assim compatíveis com uma deslocação conjunta, no mesmo meio de transporte, mais se verificando que às 05:46:37 o telemóvel do BB aciona a antena base R… FDDH1; às 05:47:34 aciona A… FDD3; e às 06:13:03, pouco antes da passagem nas bombas …, aciona a antena F… - …FDD2;

-pelas 06:23:42 é registada a passagem, vinda de …, de viatura similar à do casal CC e DD (e onde estes iriam), nas câmaras do PAC da BP …, na Quinta …;

-a distância entre o PAC da BP …, na Quinta … e o local do aparecimento dos corpos é de cerca de 1,4 km, que podem ser cumpridos em cerca de um minuto, pelo que é lícito equacionar que a viatura Volkswagen Passat poderá ter sido abordada naquele local por volta das 06:25;

-na inspeção ao local envolvente ao km 45 da Estrada Nacional … (sentido … - …), como consta do relatório de exame n.º 419/2016-NPC, foi encontrada, na berma da estrada, numa zona assinalada pela letra A, uma mancha de sangue referenciada como vestígio 1, que se encontrava a cerca de 33,40 metros do marco quilométrico e a cerca de 3,5 metros da berma da estrada alcatroada, mancha essa que distava 16,4 metros do local onde foram encontrados os corpos do casal DD e CC, sendo que esta mancha foi localizada no chão, na zona de terra batida, cujo exame laboratorial, que consta do relatório de exame n.º 201620622- BBG, confirmou tratar-se de sangue, tendo-o associado, de forma inequívoca, ao perfil de CC;

-a partir dessa mancha, era visível, em direção ao interior da mata, um rasto, com cerca de 16,4 metros, com sangue, tendo sido assinalado o fim desse rasto com a letra B, sendo que na zona envolvente a essa zona foram localizadas uma cápsula S&B de 9mm deflagrada, assinalada como vestígio 2; uma mancha hemática assinalada como vestígio 3; uma mancha hemática assinalada como vestígio 4 e uma cápsula S&B de 9mm deflagrada, assinalada como vestígio 5;

-os exames laboratoriais revelaram que as duas cápsulas deflagradas de 9mm, foram disparadas pela mesma arma (relatório de exame pericial, da área da balística, n.º 201620682-FBA), mais concretamente pela Glock 9mm, com o número de série RPS6…3, atribuída a BB;

-precisamente nesta arma Glock 9mm, com o número de série RPS6…5, no âmbito do relatório de exame pericial 201622458-CLC, foi encontrado um vestígio hemático, na face exterior do guarda mato, que deu origem ao exame da área da biologia, com o n.º 291629622-BBG que associa tal vestígio (43) como pertencendo ao arguido;

-esta arma foi encontrada num ribeiro ao fundo da encosta, a cerca de 1 km da viatura 79-92-SB – Toyota Hilux, de cor azul;

-já o vestígio referenciado com o número 3, como consta do relatório de exame n.º 201620622-BBG, confirmou tratar-se de sangue, tendo-o associado, de forma inequívoca, ao perfil de DD;

-por seu turno, o vestígio número 4, como consta do relatório de exame n.º 201620622-BBG confirmou tratar-se de sangue, tendo-o associado, de forma inequívoca, ao perfil de CC;

-relembre-se que o relatório de autópsia médico-Legal 2016/000168/VS-P-TF1, realizado ao cadáver do CC, concluiu que a morte ocorreu em resultado de lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas e da face, que foram produzidas por instrumento de natureza perfuro-contundente, tendo sido devidas a tiro de arma de fogo, disparado a curta distância; o trajeto do projétil foi da esquerda para a direita, de frente para trás, e de cima para baixo, sendo que no membro superior direito foram descritas lesões traumáticas produzidas por instrumento de natureza contundente;

-pelas 06:40:36, é registada a passagem de viatura similar à do casal DD e CC, nas camaras do PAC da BP …, na Quinta …, no sentido Quinta … – …, daí se depreendendo que a viatura VW Passat abandona por essa altura e definitivamente o local em direção a …;

-a distância entre o local onde a viatura foi abordada e aquele PAC é de cerca de 1,4 km, podendo ser percorrida em cerca de um minuto, pelo que a viatura VW PASSAT, conduzida pelo arguido (que ali já não regressa e por isso iria já sozinho) terá abandonado o local onde foram encontrados os corpos, cerca das 06:38 e as 06:39;

-por seu turno, a viatura da GNR foi encontrada nas coordenadas 40º46’43.46’’N 07º36’10.38’’W, dentro de um pinhal, no extremo de um caminho em terra batida, entre a Quinta … e o cruzamento da Quinta …, a cerca de 100 metros, em linha reta, do local onde o casal foi abordado;

-da imagem 3 do casal baleado é percetível que o cadáver de CC se encontra caído sobre o lado direito e que a sua nuca/cabeça está sobre (ou pelo menos bastante encostado) o pé direito da DD, o que parece indiciar que este pode ter sido a última pessoa a ser transportada para o local, já após DD ali estar prostrada, ao que acresce a circunstância de naquele local se encontrarem 2 cápsulas deflagradas e a roupa da DD não apresentar vestígios hemáticos ao nível das mangas ou do peito;

-às 06:36:54 a viatura da GNR já apresenta como localização GPS o local onde viria a ser localizada, nas coordenadas 40º46’43.46’’N 07º36’10.38’’W, não muito longe do local onde foram localizados os corpos do casal DD e CC, tendo sido descoberta pelas 08:00, com recurso ao sistema de localização do rádio SIRESP, que a circunscreveu a cerca de 100 metros da EN229, numa zona de pinhal, dando entre as 06:36:54 e as 13:40:22, sempre a mesma localização;

-já a VW Passat foi localizada, entre as 17:00 e as 17:30, a cerca de 300 metros, em linha reta, do hotel …, numa zona de mato, dissimulada entre a vegetação, num caminho de terra batida, nas coordenadas 40º46’23.03’’N 07º34’28.60’’W, sendo que distando entre o PAC da BP e aquelas coordenadas cerca de 4,2 km, que podem ser percorridos em cerca de 5 minutos, podemos presumir que foi ali abandonada entre as 06:45 e as 06:50;

-na porta traseira do lado direito deste VW Passat foram detetadas manchas de sangue, conforme se extrai dos registos fotográficos acima referidos e do exame 422/2016-NPC, que o relatório de exame pericial n.º 201702919-BBG confirmou tratar-se de sangue, tendo-o associado, de forma inequívoca, ao perfil de CC;

-no interior da bagageira e na parte traseira da viatura da GNR, foram detetadas manchas hemáticas que o relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG concluiu pertencerem a BB, cujo relatório de autópsia médico-legal, com o n.º 2016/000167/VS-P-TF1, conclui que a sua morte foi devida a lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, produzidas por instrumento de natureza perfuro-contundente ou atuando como tal – projétil de arma de fogo (de cano curto), cujo trajeto do projétil foi de frente para trás, da esquerda para a direita e sensivelmente horizontal (o que compromete a versão que o arguido trouxe no final da audiência em que em momento algum na exemplificação que fez se coloca no mesmo plano do militar); as características da lesão sugerem ter sido o disparo realizado a curta distância, sendo que foi recuperado e recolhido projétil de arma de fogo (examinado pelo LPC relatório de exame pericial nº 201620682);

-do exame feito à viatura Skoda Octavia da GNR verificou-se na frente do lado esquerdo, no para-choques dianteiro, a falta de uma peça plástica, a qual foi recuperada na Serra … (relatório de exame n.º 420/2016-NPC), poucos metros depois do local onde ocorreu o disparo sobre EE; na traseira da viatura, no exterior, foi detetada uma mancha que o exame laboratorial comprovou tratar-se de sangue, assinalada como vestígio 1, que o relatório de exame pericial n.º 201620622- BBG, concluiu pertencer a BB; no interior da bagageira foi detetada uma mancha que o exame laboratorial comprovou tratar-se de sangue, assinalada como vestígio 2, cujo relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG, conclui pertencer também a BB; e no habitáculo, na parte da frente do lado direito, correspondente ao lugar do pendura, no chão, foi detetada a pega de teto correspondente àquele lugar, que tinha sido partida;

-entre as 06:38 e as 06:39 a viatura Volkswagen Passat abandona o local (Km 45) no sentido de Aguiar da Beira, com destino ao hotel …, passando junto do PAC da BP …. às 06:40:36;

-pelas 07:56:53 o telefone do arguido (9…80) aciona a antena base de PISCO 3, que em linha reta dista cerca de 12 km do hotel em construção …;

-existe uma chamada do telemóvel do arguido para o telemóvel de RR pelas 08:52:34, sendo que o telemóvel do arguido acionou a antena base G… 1;

-o casaco apreendido a RR apresentava vestígios hemáticos, que o LPC, através do exame 201620622-BBG, confirmou corresponder ao perfil de ADN do arguido;

-no guarda mato da Glock utilizada para disparar sobre CC e DD existia um vestígio de que o LPC confirmou pertencer ao arguido;

-a Toyota Hilux de matrícula …-EG-…, que tinha sido fiscalizada no hotel em construção …, foi encontrada, pelas 14:30, em …, na localização 40.38.409N - 7.31.534W, na qual foram apreendidos os objetos acima referidos, entre os quais documentos em nome de AA, da AAA e da filha OO;

-da análise dos dados do sobredito telemóvel do arguido consta que este muda da célula F…. para a célula P…., encontrando-se do lado norte da A25, eventualmente a circular numa estrada municipal, sendo que depois vira para Noroeste, ficando ao alcance da célula F…, continuando em direção a norte/noroeste, acionando a antena base P…, chegando, a …, pouco antes das 11:30;

-nas imagens do circuito de videovigilância do … de …, é possível verificar a hora de entrada do arguido naquele estabelecimento pelas 11:29:42, e a hora de saída pelas 11:44:50, tendo abandonado o hipermercado com dois sacos de compras, tendo sido depois apreendido o talão relativo a esta compra, num caminho florestal, entre as localidades de … e …;

-nas imagens do … é visível a utilização de uma camisola de cor creme, com uma águia nas costas, a qual foi apreendida (na casa da avó do arguido, na Rua …, n.º…, …, em …) e nela foi utilizado um kit de recolha de eventuais resíduos de pólvora (relatório de exame pericial n.º 201623963-CLC), tendo o LPC concluído terem sido “(…)detetadas partículas características/consistentes com resíduo de disparo(s) de arma(s) de fogo.” e que a ”(…) presença destas partículas é compatível com disparo(s), manipulação ou proximidade a disparo(s) de arma(s) de fogo por parte de quem envergou a camisola objeto de recolha”, como consta do relatório de exame laboratorial n.º 201623964-FRD;

-pelas 12:40, foi detetada a viatura Toyota Hilux, de cor azul e matrícula …-…-SB, na Serra …, entre …. e …, a cerca de 500 metros de um caminho florestal no ermo daquela serra e ali perto foi ainda encontrado um casaco de malha azul, caído no caminho, a cerca de 400 metros da carrinha, e num ribeiro, ao fundo da encosta, a cerca de 1500 a 2000 metros da viatura abandonada, um saco de plástico de cor preta com vários objetos;

-no interior da carrinha estavam 2 toalhetes com vestígios hemáticos que o relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG confirmou tratar-se de sangue do arguido;

-na ribanceira próxima da carrinha foi encontrado um cinturão coldre, porta carregador, porta bastão e porta algemas, vazios, e pertencentes à GNR;

-no saco preto foram encontrados víveres; uma fatura do … com data de 11/10/2016 e com a hora 11:44; um gorro “passa montanhas”; uma GLOCK 9mm com 4 munições, com o número RPS 633, cujo relatório do LPC, na área da BIOTOXICOLOGIA conclui que o vestígio hemático que consta na face exterior é do arguido (relatório 201620622-BBG); um telemóvel TMN bluestore; documentação judicial, blocos de faturas e outra documentação titulada pelo arguido e pela filha; e ainda uma capa contendo folhas avulsas com apontamentos manuscritos (onde consta o nome e dados de identificação do arguido) e timbres da GNR, do posto de …;

-a viatura Opel Astra de cor branca, foi encontrada na localidade de … e no seu interior foram recolhidos os vestígios assinalados no relatório pericial n.º 20160223-GPC, onde se fez constar como vestígio X, um par de calças de ganga de cor azul, da marca Levis 512, e assinalado como vestígio J uma camisola tamanho XL, contendo várias manchas de natureza hemática, sendo que o relatório do exame pericial n.º 201621212-CLO refere que dois dos vestígios se identificam com a impressão digital do arguido e que as manchas hemáticas do vestígio J correspondem, inequivocamente, a FF;

-também foi apreendida uma luva de cor castanha na parte superior e preta na zona palmar, da marca Wurth, correspondente à mão direita;

-por reporte à Casa …, em …-…, no relatório de exame pericial nº 201621053 (lofoscopia) é feita a identificação de impressões digitais, num copo de plástico e numa garrafa de groselha, correspondentes aos dedos polegar e anelar da mão direita do arguido, sendo que também nesta residência foram identificados dois vestígios hemáticos, que o relatório de exame pericial n.º 201620622-BBG confirma tratar-se de sangue, associando-o de forma inequívoca ao arguido;

-o jipe Land Rover Defender 110 Crew Cab, matrícula …-BL-…, de cor verde, com tejadilho de cor branca e de caixa aberta, é encontrado no dia 12/11/2016, por volta das 07:45, na localidade de …, em …, pertencente à freguesia de …, tendo o relatório de exame pericial 201622523 confirmado que tal viatura foi conduzida pelo arguido;

-na casa de TT sita na Rua …, nº…, …. …, onde foram apreendidos os objetos ali discriminados, relevando-se os documentos manuscritos, dirigidos a familiares do arguido (sendo que, como veremos infra, este confirma a sua autoria), coincidentes com outros já apreendidos, um par de binóculos da marca Nikon e um pé de cabra;

-realizado exame de escrita manual, que consta do relatório de exame pericial nº 201622521, que foi comparado com o relatório de exame pericial 201620685 e com os manuscritos presumivelmente escritos pelo arguido e dirigidos aos elementos que compõem o seu agregado familiar e apreendidos na residência de TT, concluísse: como muitíssimo provável que os manuscritos encontrados na serra … e na localidade de … e as “cartas dirigidas aos familiares” do arguido sejam do mesmo autor e ainda que os manuscritos com o número de telefone atribuído à Dra SSS e o manuscrito “Quinta …” não sejam da autoria de quem produziu os documentos acima referidos, sendo que arguido recusou proceder à recolha de autógrafos.

Da análise da prova documental, exames e perícias recolhidas e realizadas resulta cabalmente sustentada parte significativa da factualidade acima dada como provada, entre o mais a relativa à localização e percursos dos veículos envolvidos; às chamadas telefónicas (e respetivas localizações, sendo relevante notar que os telemóveis dos dois militares, um com vida e outro morto, cobrem as mesmas antenas e localizações celulares em quatro momentos distintos); às armas, munições utilizadas e locais dos disparos e localização de vítimas; às mortes e lesões comprovadas, suas causas e consequências (na medida em se mostram para já consolidadas), bem como ao enquadramento socioeconómico do arguido e seus antecedentes criminais.

No que aos percursos se refere, as alterações operadas na factualidade dada como provada resultaram do estudo que foi feito das imagens aéreas (e aqui em particular das estradas e das localidades e locais onde o veículo da GNR ficou referenciado), que permitiu precisar, com maior rigor, o itinerário e sentidos de marcha seguidos pelo arguido e vertidos nos factos provados de 22. a 24..

Numa breve nota quanto aos reparos realizados a esta prova por parte da Ilustre Defensora do arguido, importará referir, para além do já mencionado, que a única área que não foi, de imediato, preservada, tendo-o sido posteriormente, se prende com a zona da berma no km45.

Todavia, de tal circunstância não se poderá retirar, salvo melhor entendimento, qualquer consequência que impeça ou prejudique a valoração e análise da prova aí recolhida.

Com efeito, pela circunstância de, num primeiro momento, aquela área não ter sido preservada (e isto porque os OPC não perceberam de imediato que ali poderiam ter ocorrido factos com relevância criminal) não resulta (pelo menos de forma necessária e direta) que os vestígios que ali objetivamente foram recolhidos tenham sido, por qualquer forma, contaminados, ou que outros que ali existissem tivessem necessariamente sido eliminados[7].

Quer isto dizer que o que ali foi encontrado será necessariamente valorado, inexistindo qualquer indício de que outros vestígios (nomeadamente outros projéteis ou invólucros, considerando a versão do arguido) ali existissem e que, por causa do atraso na preservação do local ou por intervenção de terceiros, se tenham perdido.

Por outro lado, quanto à suposta violação de procedimentos na recolha das roupas ilustradas a fls. 353 e ss., o que resulta de tal auto é precisamente que tais peças de vestuário (em particular as dos militares baleados) foram recolhidas e transportadas para a diretoria do centro da PJ onde foram fotografadas e acondicionadas individualmente em sacos/envelopes de papel.

Não se demonstrando que tais roupas tenham sido sujeitas a qualquer contaminação, com outras ou entre si, no hiato entre a recolha inicial e o sobredito procedimento, não passando as referências a este propósito de suspeitas, certo é que tais exames tão pouco revestiram uma relevância maior no exercício de reconstituição do sucedido in casu.

Posto isto e antes de entrarmos nas declarações e depoimentos produzidos, importa desde já salientar que também a autoria pelo arguido dos factos acima dados como provados resulta como altamente provável em face (apenas) daqueles elementos, desempenhando aqui um papel fundamental todos os registos que demonstram, para lá de qualquer dúvida, a fuga que o mesmo protagoniza desde que esquece o seu documento de identificação com BB, os locais onde esteve e o rasto de morte e ferimentos em terceiros que foi deixando, assim como os documentos escritos dirigidos à família, acima analisados.

Fazendo depois uma correlação dos vestígios com as lesões sofridas pelas vítimas, mesmo ao nível pericial, a conclusão da autoria e modo de produção das lesões é harmonioso e coerente com a descrição do sucedido realizada pelo assistente EE em julgamento (e de que infra daremos conta) e com a acima dada como provada.

Também a correlação entre os objetos encontrados e apreendidos, alguns dos quais transpostos de um cenário e momento para outro[8], são bem evidenciadores de que o arguido protagonizava uma fuga, com preocupações claras (embora nem sempre conseguidas) de ocultação de vestígios, claramente indiciadora da sua atuação nos sucessivos eventos (outra explicação se não encontra para tudo o sucedido após o disparo sobre BB, momento em que poderia ter, sem mais, entregue a arma a EE que a tudo tinha assistido, e que, na versão do próprio, como veremos, nunca o agrediu ou ameaçou, antes pelo contrário).

Aliás, a reconstituição que é possível fazer tendo apenas em conta os sobreditos elementos documentais e periciais evidencia claramente uma nítida espiral de violência, sempre com cuidados e propósitos de ocultação do rasto, incompatíveis com quem apenas pretende fugir para acautelar a sua integridade física ou vida (e, acrescente-se, incompatível com a própria versão do arguido).

A conjugação de todos estes elementos, bastante reforçados nos termos que abaixo enunciaremos (com as declarações e depoimentos produzidos em audiência), apontam, claramente, para a pessoa do arguido como agente dos factos acima dados como provados.

Atentemos então na prova que foi produzida em audiência (não descurando obviamente que muitos dos sobreditos elementos documentais e periciais foram abordados e analisados na mesma), começando pelas declarações do arguido AA, que todavia apenas foram prestadas no final da produção de toda a prova (a oferecida com a pronúncia e a acusação e os pedidos de indemnização cível, bem como da própria contestação).

E começamos pelo último momento de produção probatória em audiência para que se perceba melhor em que medida toda a demais prova mobilizada em julgamento (que depois analisaremos em maior detalhe para além do acima referido), não permite ter por fundada a versão que o arguido entendeu expor em audiência ou mesmo criar alguma dúvida quanto à sua possível verosimilhança.

Posto isto,…………………………………………………………………………………………………………………………

(Transcrição efectuada mais à frente no sector da apreciação do recurso relativo ao homicídio do BB).

Tendo sido confrontado com o teor de fls. 568; 572; 642 a 650; 799; 1302 a 1314; 1328 a 1340; 1427 a 1441; 1450 e ss.; 2590 e 2940 a 2943, o assistente protagonizou um relato objetivo e detalhado do sucedido, o que fez de forma objetiva e isenta, significativamente corroborado pelos elementos documentais e periciais juntos aos autos.

Descreveu que estando de patrulha com o BB, (era o BB que ia a conduzir), naquele dia, cerca das 2h ou 2h e 30m da madrugada, foram àquele local porque se tratava de uma zona de incêndios, onde dias antes tinha ocorrido um incêndio, sendo que ali chegados, junto ao hotel, viram uma Toyota Hilux, matrícula …-EG-…, preta, estacionada na lateral do hotel, numa superfície de terra batida, após o que pararam o carro, acendeu os holofotes e os dois saíram, este com a mão direita na arma e uma lanterna.

Precisou depois nas suas declarações que nos dias anteriores também houve patrulhas naquele mesmo local, porque fazia parte dos “giros”, sendo também um local frequentado por casais de namorados e onde, com a construção do hotel, começou a haver furtos de materiais.

Especificando que pararam o seu veículo (Skoda, modelo Octavia), atrás da Toyota, a cerca de 2 metros (a frente dele com a traseira do Toyota), o BB foi abordar o condutor, colocou-se do lado deste e o declarante do lado direito da viatura. Chegando junto do veículo viram o condutor a dormir, a cabeça tombada, sendo que ele (assistente) bateu suavemente no vidro do lado do pendura.

Tendo acordado o condutor, que identificou como sendo o arguido (sem dúvidas até porque viu a sua carta de condução, sendo depois confrontado com o teor de fls. 642 a 647, reconheceu o mesmo como o autor dos factos), que nenhum dos dois conhecia antes, referiu que aquele disse "está tudo bem não há problema", tendo o BB lhe dito para sair, o que o arguido fez, após o que aquele lhe pediu os documentos e identificação (lembrando-se da carta de condução o livrete, o certificado da inspeção, não se recordando já se o seguro e o cartão de cidadão foram entregues, reiterando que não foi ele quem solicitou a documentação), sendo que o assistente estava um pouco mais afastado.

Explicou que o arguido foi ao porta-luvas buscar os documentos e foi-lhe solicitado para os acompanhar (porque estavam a fazer o relatório), mantendo uma conversa sempre calma e tranquila, sendo que o arguido acompanhou-os normalmente até ao carro da GNR, onde o BB viu se havia alguma ocorrência com aquele veículo e falou com o colega TTT (da sala de situação) sobre a viatura, tendo-lhe sido transmitido que o veículo era de uma senhora e o livrete de uma transportadora, após o que confrontaram o arguido com a titularidade do veículo, tendo respondido que era de uma sócia que ele tinha.

Referindo que chegou a perguntar ao BB (porque ele era dali) se conhecia o arguido, o que aquele negou, após o que lhe disse que ia ligar para … e perguntar se existia algum problema ou ocorrência com o veículo (porque a residência do titular do veículo era em …). Então o BB veio para trás do carro, para fazer o telefonema para … (com o seu telemóvel pessoal), onde lhe disseram que era um homem perigoso, referenciado, e que provavelmente estaria armado, sendo que quando o BB volta o assistente estava junto do veículo e o arguido a cerca de 2 metros.

 Instado referiu que a informação recebida de … foi-lhe dada pelo BB, normalmente (sem qualquer exaltação que perpassasse para ele ou para o arguido), pensando que possivelmente o arguido terá ouvido pois estava próximo.

Explicou que então, quando vão para abordar o arguido, há um barulho esquisito proveniente de trás dos arbustos (parecendo algo a pisar restolho na sua direção, podendo ser passos ou um animal), e nesse momento o assistente, instintivamente, virou-se para trás, para ver o que era, sendo que o BB estava mais próximo do AA do que ele, provavelmente porque acelerou mais o passo.

Quanto ao sucedido nesse instante referiu que o arguido nada disse, não existindo qualquer conversa ou expressão, e quando se volta a virar para a frente já só vê o disparo que o arguido produz na direção do BB, que ato contínuo cai, dizendo-lhe de imediato o arguido: “se te mexeres fodo-te os cornos e fazes-lhe companhia".

Perguntado sobre vários detalhes sobre aqueles momentos referiu, com maior relevo, que o colega estava muito mais próximo do arguido aquando do disparo; tratava-se de uma arma pequena (6,35mm ou 7,65mm); o BB após ser baleado cai entre o alcatrão e a terra batida; refere que a Toyota para sair dali, o mais fácil era inverter a marcha, se havia um outro caminho por trás ou por baixo não pode dizer, parecendo-lhe que a estrada acabava ali; quando saiu, a Toyota ficou lá, nunca a viu em movimento; em todo aquele tempo nunca se apercebeu de que pudesse estar mais alguém no local; quanto às munições a sua arma levava cinco no carregador, desconhecendo a do BB, sendo que ali não tinha qualquer carregador suplementar, pensando que o BB também não, precisando que o colega usava um porta algemas e um porta bastões.

Mais adiante nas suas declarações precisou que não o revistaram porque se mostrou educado e calmo; a Toyota, na traseira, tinha uma lona preta, que ele abriu, vendo lá dentro 4 ou 5 jerricans de combustível (alguns cheios, total ou parcialmente), e também uma mangueira verde, que o arguido justificou como sendo para semear aveia e tratar-se de combustível para o trator (sendo que este diálogo foi quando ele já tinha saído da carrinha e mostrado os documentos), acrescentando que também existia um tampo por baixo que foi aberto, sendo que o arguido facultou tudo e nada pareceu esconder.

Ainda quanto ao que consegue recordar daquele primeiro momento, o assistente referiu que o arguido tinha uma manta por cima das pernas quando o viram dormindo, trazia um pulôver de cor clara e dentro da Toyota viu lá um kispo escuro, desconhecendo se teria roupa por baixo; quanto a luvas explicou que, como mais adiante se explicitará, houve uma altura em que o arguido conduziu com elas e um momento em que as tirou, pensa que antes da subida grande por onde o levou, não sabendo onde as deixou.

Note-se que, por reporte a fls. 648, reconhecendo o arguido, afirmou que não era este o pulôver que trazia na altura, pois era em bico e pensa que com uma cor mais clara, assim como não se tratava da registada a fls. 649 ou 650, desde logo porque não viu qualquer águia nas costas quando aquele foi à carrinha buscar os cinturões e esteve de costas para si.

Confrontado com o teor de fls. 1302 a 1314 reconheceu-o como o local dos acontecimentos, junto ao hotel novo …, precisando onde estava o arguido e onde ele e o BB estacionaram; confirmou a fls. 1302 e 1303 o hotel e na foto 3 desta página a única estrada que lá vai dar, mais precisando que a fls. 1304 a foto 4 é da frente do hotel, a foto 5 da parte de trás, a foto 7 onde tudo aconteceu e a foto 8 onde estava o carro do arguido.

A fls. 1307, nomeadamente na foto 10, indicou a lateral do hotel, onde a Toyota estava estacionada, e a fls. 1308, na foto 13, referiu que o vestígio 1 era a poça do sangue do BB, que viu quando estava algemado ao carro, porque a viatura estava em frente, reparando que o arguido tentou tapar o sangue. A fls. 1309 indicou os rastos que ficaram quando arrastou o BB, que o arguido também tentou tapar.

Relativamente a fls. 2940 a 2943 e por reporte ao exame da pistola Glock disse pensar que era a arma do BB, igual à dele, do serviço, indicando como número da sua arma RPE 6…8 (mas sem certeza), assim como reconheceu o quadro e as assinaturas constantes de fls. 2589 e 2590.

Acrescentou, mais adiante nas suas declarações e ainda a este respeito, após instado para o efeito, que na abordagem inicial estava tudo normal, apenas tendo estranhado estar ali um sujeito sozinho parado, sendo que a fiscalização foi tranquila e não iam levantar qualquer auto; precisou que o BB lhe contou a informação (de que o arguido poderia estar armado) provinda de … em voz normal, mas parecendo-lhe preocupado, quando estavam a andar na direção dele, sendo que o arguido terá ouvido a conversa, motivo pelo que a sua atitude posterior se podia justificar pelo seu receio de que seria revistado…

Retenha-se que o assistente afirmou, o que já resultava da sua descrição do sucedido, que em momento algum o arguido foi agredido ou ficou ferido, não tendo qualquer explicação relativamente a eventuais ferimentos que aquele pudesse ter.

Sobre o que se sucedeu imediatamente depois, referiu que começou a chamar o BB, mas este não respondia (o que claramente aponta no sentido deste ter tido morte imediata, como veremos também a Sr.ª Perita Médico-Legal se pronunciou nesse sentido), quando o arguido lhe mandou levantar a mão direita, tirar o cinturão e atirá-lo para longe e fazer o mesmo ao cinturão do BB, sempre com a mão direita no ar.

Como nessa sequência o declarante estava junto ao BB, tendo-o abanado, o arguido disse-lhe: “és burro, não vês que ele está morto?”, ao que este não retorquiu, explicando que o arguido pegou nos cinturões e mandou-os para o interior da carrinha Toyota, tendo-lhe depois ordenado para ir com ele por “ali abaixo” e anotar matrículas (pensando que para aquela carrinha não ficar a constar como sendo o último a ser fiscalizado).

Referiu que pensou logo que ele sabia os procedimentos da GNR e que o carro tinha GPS, tendo-lhe pedindo para o deixar perto do BB ao que aquele retorquiu "queres morrer”, estando sempre com a arma levantada na sua direção.

Acrescentou que o arguido o mandou entrar para o lugar do condutor, no veículo da GNR, enquanto ele foi do lado do pendura, tendo arrancado na direção …, de onde seguiram para a …, ficando o BB sempre caído no mesmo local.

Nesse percurso referiu que tendo visto um carro branco estacionado o arguido lhe disse para pedir informações da matrícula, avisando-o “vê lá o que vais fazer”, e depois voltaram ao local onde estava o BB, estacionaram (um pouco antes do que tinha feito no momento anterior), tendo o arguido lhe ordenado que pusesse o BB na mala.

Novamente o assistente pediu-lhe para o deixar ir embora, levar o que quisesse, mas deixá-lo com o seu colega, ao que o arguido só lhe disse “queres morrer?”, após o que arrastou o BB pelo passeio (por onde havia terra batida, pelo sítio mais longo), por onde o arguido lhe mandou (tendo a perceção que deixava marcas caso o levasse arrastado pelo alcatrão e se fosse pelo passeio de terra batida era mais fácil encobrir eventuais vestígios).

Continuou referindo que colocou o colega dentro da bagageira e fechou a mesma, surgindo o arguido com algemas, desconhecendo onde as foi buscar (sendo que não eram suas ou do BB) e com umas luvas de agricultura (pretas e castanhas), tendo-o algemado à pega da porta do lado do pendura, no Skoda.

Precisando que o arguido estava sempre com a arma apontada a si, tendo depois se dirigido à carrinha Toyota, tirou do cinturão uma das armas e abriu a porta do condutor, sendo que depois foi o arguido quem passou a conduzir o carro da GNR daí em diante.

Referiu que quando estavam a sair do local no veículo da GNR (com o BB já na mala), cerca das 4 da manhã, o colega QQQ ligou para o telemóvel, que o arguido lhe retirou, julgando que o BB tinha falado antes com o QQQ, que estava no posto de atendimento de … (sendo que as comunicações ouvem-se porque é canal aberto).

O arguido então disse-lhe: "vê lá o que vais dizer porque a tua vida depende disso", tendo o assistente dito ao colega QQQ que estava tudo bem e, procurando parecer normal, “a gente já aí aparece”, sendo que de seguida tentou atirar o telemóvel, com o intuito de poder deixar uma pista, explicando que estava com a mão algemada, tentando abrir o vidro com a outra mão, para tentar atirar o seu telemóvel Samsung (nº 96…90) fora, o que o arguido não permitiu, ficando com o referido telemóvel (junto à perna).

Aludindo ao percurso que seguiram desde aí referiu que, virando à esquerda, foram em direção ao cruzamento, na direção da Quinta …, tendo o arguido lhe perguntado onde era o limite da área da patrulha, e tendo-lhe respondido o arguido inverteu o sentido de marcha e voltaram à estrada nacional no sentido de … .

Explicando que andaram cerca de 2 a 3 horas desde que saíram do hotel até que o deixou, sendo que a viatura da GNR nunca parou (o que associou ao conhecimento do arguido da geo localização, do funcionamento do veículo e das rotinas), salientou que neste hiato o mesmo lhe perguntou quem estaria no Posto Territorial de …, pensando o assistente que a ideia do arguido seria ir lá para apagar alguns registos.

Uma vez que lhe respondeu que o Posto tinha muitos militares, câmaras e iluminação e era impossível irem lá sem darem conta, foram na direção da rotunda …, perto de umas bombas, pensa que da BP. Referiu que ainda antes disso, passa por uma ponte e ao olhar para o lado o arguido já envergava um passa-montanhas preto (onde apenas se viam os olhos), pensando que o colocou porque ali havia câmaras (nas bombas de gasolina), tendo sido o arguido que lhe deu essa indicação.

Continuou o seu relato indicando que desceram na direção de … e, antes disso, há um soito e um caminho à esquerda, tendo o arguido seguido por ali, começaram a subir um caminho com muita inclinação até que o carro bateu, por baixo, numa pedra e foi-se abaixo, após o que aquele “esforça” o carro e consegue prosseguir, continuando a subir o caminho.

Salientando que se notava que o arguido conhecia bem aquela área, o mesmo disse-lhe, inclusive, que tinha ali uma mota (mais acima), escondida, sendo que depois pararam, perto de um pinheiro que está no caminho de terra batida, tendo AA saído do carro, passando por trás do veículo, e aberto a porta do lado do passageiro, onde o assistente seguia algemado.

Acrescentou que nessa altura o arguido apareceu também com um pé de cabra, desconhecendo de onde o tirou, e partiu a pega onde ele estava algemado, tendo-o puxado para fora e mandado algemar ao pinheiro, o que aquele se preparou para fazer, reparando que nesse momento o arguido já tinha a arma outra vez (não sabendo se era a dele ou uma da GNR, sua ou do BB), ficando depois de costas para o mesmo a fim de se algemar ao pinheiro.

Nesse momento, de costas para o arguido, ouviu um estalo e tem a sensação do corpo cair, pensando para si "já fui", tendo ficado com a barriga para baixo, o arguido arrastou-o, agarrando-o pelos pés, após o que lhe mandou vegetação para cima (como giestas) e ainda pedras.

Ora, se atentarmos na perícia médico-legal realizada ao assistente (na sua vertente de direito penal) constatamos que o trajeto do projétil tem o orifício de entrada na face, o que permite concluir que o disparo ocorreu com a arma de frente para EE, o que se poderá dever à posição então assumida pelo arguido enquanto o assistente se algemava ao pinheiro ou então a uma perceção errónea deste último quanto à exata posição do arguido enquanto se algemava.

Recorde-se que atenta a carga de stress a que o assistente estava sujeito (e ao que depois sucedeu) nos parece perfeitamente normal a sua descrição do sucedido, em nada afetando a verosimilhança do seu relato, sendo mesmo surpreendente como consegue precisar e detalhar tantos aspetos daquela noite.

Referindo depois que “apagou completamente”, pensando que tinha morrido, explicou que o disparo ocorreu ainda era noite cerrada, sendo que quando voltou à consciência já havia alguma claridade, desconhecendo quanto tempo ali esteve no chão.

Instado a descrever o sucedido de seguida, o assistente afirmou ter conseguido tirar a vegetação, após o que procurou o carro, mas não o encontrou, sendo que entretanto sente escorrer sangue pela cara, senta-se, tira o blusão e o pólo, enrolando este último à cabeça para estancar o sangue.

Explicando não saber então, sequer, onde estava, disse ter andado perdido pelos caminhos, caindo e levantando-se, não conseguindo sair dali e nem sabendo quanto tempo ali esteve, sendo que passou ao pé de uma charca de água e pensando que haveria animais e uma casa perto, acabou por ver a casa do Cabo GGG, onde foi pedir auxílio, batendo à porta e tendo explicado àquele o que tinha acontecido.

Não se recordando exatamente do que lhe disse, sabe que pediu ajuda, referiu que o BB estava desaparecido e ele próprio estava a perder os sentidos, referindo que depois chegaram os bombeiros e foi levado para o Hospital.

Confrontado com o teor de fls. 1328 a 1340 indicou tratar-se possivelmente do local onde foi deixado, reconhecendo a charca de água constante de fls. 1328 e 1329, o que consegue pois andou desde a charca da água até à casa do cabo GGG, percurso que está nessas fotografias, assim como a casa.

Instado sobre o teor de fls. 1427 a 1441 disse apenas reconhecer o veículo Skoda, desconhecendo o local exato onde ele foi encontrado, embora tenha uma ideia, sendo que desde o local onde foi algemado ao pinheiro até ao sítio onde foi encontrado distam cerca de 15 a 20 km e desde o hotel até esse sítio 5 a 7 km.

Por reporte a fls. 799 confirmou que são as luvas, castanhas e pretas, que viu ao arguido, assim como referiu, quando confrontado com fls. 568, tratar-se de um passa-montanhas semelhante ao utilizado pelo arguido, não tendo todavia a certeza de ser esse pois apenas o viu na cara.

Confrontado com fls. 572, em especial fotos 5 e 6, disse pensar tratar-se da pasta do BB, explicando que têm a pasta do serviço e uma mais pequena de apontamentos, sendo que a letra é a do BB (que conhece desde 2008), não reconhecendo a sua naqueles escritos (o que vai de encontro ao por si também referido quando indica ter sido o BB quem tomou notas da identificação ao arguido).

Quanto ao teor de fls. 2589 esclareceu que levantam a arma no cacife e registam, indicando a assinatura do BB (1ª) e a dele (a 2ª).

Questionado depois sobre vários pormenores do sucedido, com alguma relevância, referiu, entre o mais, que o Skoda esteve sempre com as luzes ligadas; após o disparo sobre o BB e o circuito que foi obrigado a fazer de seguida com o arguido, no carro da GNR, o arguido foi ao carro colocar os cinturões deles (junto aos pedais) e depois fechou a carrinha; começando por dizer não saber se o BB trazia algemas (se as trouxesse estariam no cinturão), referiu depois que quando tirou o cinturão ao BB ele tinha lá algemas; o arguido, quando voltou à carrinha, fechou a porta à chave; nesse momento não estava a chover, não recordando se nesse dia choveu; o pé de cabra teria entre 30 a 40 cm; não viu o arguido vestir qualquer Kispo preto; o arguido teve sempre a arma apontada a si, mantendo uma distância que não lhe permitia, sequer, estar próximo dele (parecendo-lhe que ele sabia bem o que fazia); apontou a matrícula da carrinha na mão; aquando do disparo, o BB estava parado; quando o arguido conduzia não lhe viu nenhuma arma; o veículo da GNR é utilizado por outros colegas, podendo existir algemas no porta-luvas (sendo que ele não o abriu), o registo de fls. 1450 a 1456 corresponde ao veículo encontrado no local, sendo que a matrícula traseira lhe pareceu distinta da que viu naquela noite e os bidões parecem mais limpos.

De salientar que o assistente afirmou, uma e outra vez, que o arguido nunca se mostrou nervoso, sempre tranquilo, mesmo quando matou o BB e disparou sobre ele.

Note-se que o assistente afirmou que ainda hoje não sabe ou imagina o porquê do sucedido, ainda para mais quando nenhum dos dois conhecia o arguido, referindo contudo que aquele poderá ter pensado que o iam revistar (e mais adiante acrescentou que em momento algum viu o BB tirar a arma).

Incidindo agora na matéria relativa aos danos sofridos pelo assistente o mesmo descreveu com detalhe todo o doloroso percurso no sentido da sua recuperação, cujo desfecho ainda é incerto, de forma aliás bastante impressiva e sustentada nos vários elementos clínicos e periciais juntos aos autos.

Assim, descreveu, entre o mais, que após ter sido assistido inicialmente junto à casa do colega que o acolheu, foi para o hospital …, onde esteve 4 dias internado, fazendo muitos exames, e dali foi para casa, onde esteve cerca de 2 meses e meio acamado (sendo que 3 vezes por semana ia fazer o penso), após o que mensalmente continua a ir a consultas no hospital, sempre fazendo Raio x, TAC e ressonâncias, salientando que passou a ter um acompanhamento mais espaçado a partir de Agosto de 2017, estando agora à espera de mais consultas.

Ao nível profissional continua ainda de baixa, desconhecendo quando tal cessará (ou mesmo se isso irá suceder).

Instado sobre os montantes que tem despendido na sequência do sucedido, referiu que em medicamentos, transportes e consultas, já gastou muito dinheiro, que vai adiantando, sendo depois parcialmente ressarcido, salientando que até Abril despendeu cerca de € 2000,00 tendo sido ressarcido em € 1250,00.

Precisando as dores, limitações e incómodos que ainda tem de suportar especificou, entre o mais, que recentemente fez uma TAC às lombares, porque tinha dores; a parte de baixo do olho ficou com uma enorme pressão e ainda não consegue tocar na face (pois ficou muito sensível), custando-lhe bastante o barbear; o projétil que o atingiu ainda não foi removido, estando alojado entre a C1 e a C2 (pois os médicos têm receio das consequências, podendo aquele ficar paraplégico), esperando os médicos que a massa óssea possa reabsorver o projétil.

Mais referiu que ficou sem força e bastante limitado na vida movimentada que tinha (pesava 98 kg e agora 130 kg pois deixou de se poder exercitar), tendo de abdicar de várias atividades que levava a cabo, nomeadamente nunca mais conseguiu montar a cavalo (pela questão física e o risco associado a uma eventual queda com a questão do projétil alojado no corpo), para além de ter dores crónicas e mesmo dificuldade em comer alimentos mais duros (porque a abertura da boca não tem a mesma amplitude), tendo ainda de fazer fisioterapia três vezes por semana.

Evidenciou que gostava da sua profissão e a revolta que sente em não ser mais capaz de a exercer, sendo que também ficou privado de ajudar os pais na agricultura (que em função da sua idade já avançada dele precisam), o que fazia nas folgas e dias livres.

Afirmando uma saúde física e psíquica excelente até à data dos factos, para além do acima referido acrescentou que inclusive passou a ser seguido em psiquiatria, na Casa de Saúde …, mensalmente, e com a uma psicóloga de …, quinzenalmente.

Explicou, de forma aliás perfeitamente compreensível, que toda a situação que vivenciou, desde ver o colega ser morto e a iminência da sua própria morte (destacando o ter de carregar o colega para a bagageira do carro), o levou a entrar em choque, referindo que ainda hoje não há dia em que não pense nisto, sendo que só consegue dormir com comprimidos diários (Lorazepam 2,5) e nem consegue experimentar a farda que lhe deram…

Tratou-se, pois, de uma descrição sentida e detalhada do sucedido, cuja conjugação com os demais elementos probatórios não deixa dúvidas quanto à veracidade de tal relato.

Atento o seu debilitado estado de saúde, não foi possível à assistente FF comparecer em Tribunal e, assim, prestar declarações.

Todavia, conforme decorre do despacho de fls. 5317 a 5343 (cujo teor aqui se dá por reproduzido), onde se consignou que considerando que a incapacidade de comparência e prestação de declarações da assistente não se mostra contestada, deliberou o Tribunal deferir a pretensão do Ministério Público de leitura do auto de inquirição de FF (pois a referida assistente era àquela data “apenas” testemunha) perante autoridade judiciária, cujo teor se mostra vertido a fls. 2014, a realizar em audiência de julgamento (fazendo-se referência em ata nos termos do n.º9 do art.º 356º do CPP), mas já não assim quanto à pretensão de leitura do teor do antes testemunhado pela mesma FF, aquando da sua inquirição pelo OPC.

Assim, procedeu-se à leitura das declarações da assistente FF, prestadas a fls. 2014.

Destas decorre, sem margem para dúvidas, que aquela identificou o autor do sucedido no interior da casa de sua mãe em … como sendo o arguido, apenas aduzindo que após ter sido “vista” no centro de saúde de … se deslocou por diversas vezes ao centro de saúde de … (…) para fazer curativos e tirar os pontos.

Tendo em conta os considerandos vertidos naquele despacho, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, entendemos nada obstar a que se considerem, para a formação da convicção do Tribunal, tais declarações, não obstante o seu teor bastante circunscrito (cfr. entre o mais, o Ac. do STJ de 23.03.2000, in CJ, VIII, 1, 230 e na doutrina Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica, 2.ª edição, Editora, 2010, pág. 896).

Foram depois tomadas declarações à assistente KK, nascida a … .12.1961, casada, agricultora, residente na …, a qual questionada nos termos do art.º 348º, n.º3 do CPP disse ser mãe de DD e sogra de CC (sendo que quanto aos demais intervenientes não os conhecia antes destes factos).

Com um conhecimento direto quase circunstanciado ao que presenciou após o sucedido à sua filha e genro, relativamente ao sucedido em momento anterior referiu apenas que no dia antes esteve com a filha e fez-lhe o jantar, em casa daquela, tendo-lhe esta dito que no dia seguinte ia, pelas 5:30, para …, fazer novos exames pois um anterior não tinha corrido bem, estando a tentar ter um filho (sendo que já tinha feito um aborto), há mais de 2 anos.

Referindo que era o genro quem quase sempre levava a filha (quem costumava conduzir nas viagens mais longas era sempre o genro e a filha para o trabalho), nesse dia iam no Passat do casal (que esta lhes havia oferecido), sendo que o percurso que faziam era sempre o mesmo, confirmando que o local onde foi encontrado o referido veículo ficava, precisamente, nesse trajeto.

Acrescentou que naquele dia a filha levava dinheiro para as consultas, que eram caras, sendo habitual levarem entre €300 a €500, que pagavam sempre em dinheiro (embora em concreto não saiba o dinheiro que gastava apenas nas consultas, até porque quando vinham de … passavam sempre em … a fazer compras).

Quanto ao sucedido naquela manhã, sendo certo que como de madrugada não esteve com eles, desconhece o que vestiam e o que levavam no carro, sabe apenas que era habitual a filha telefonar ou “dar um toque” ao chegarem mas nesse dia isso não sucedeu e ela ficou preocupada, sendo que pelas 10 horas começou a ligar para ambos e ninguém atendia, apenas tendo sabido do sucedido já depois das 11:00, através de terceiros, mas apenas pelas 18:30 acabou por saber que a sua filha e o genro estavam entre as vítimas.

Visivelmente emocionada e perturbada, explicou que o marido foi logo para … e o seu filho, cerca das 24:00, foi a …, onde reconheceu a irmã, no hospital, o que aquela não conseguiu fazer naquele momento, pois ficou em choque, só conseguindo ir ver a filha no dia seguinte, a qual disse estar “uma lástima”.

Relativamente a todo o sofrimento que experienciou desde esse momento, descreveu como esteve sempre ao lado da filha, bem como o seu marido, sendo que lhe falavam e ela só tinha os olhos abertos, apertava as mãos e mexia os lábios. Acrescentando que não dava outros sinais disse pensar que a filha “ouvia tudo, mas não conseguia responder, ela ouvia tudo coitadinha”.

Continuou afirmando que a filha esteve 4 meses internada em … e depois 2 meses em …, nos cuidados paliativos, sendo que nesse período fosse por escrito, fosse oralmente, nunca conseguiu transmitir qualquer mensagem, não tendo dúvidas que aquela estava em sofrimento.

Num relato sobremaneira impressivo referiu que todos os dias ia ter com a filha, saindo de casa pelo meio-dia e passando cerca de 4 a 5 horas com ela, que era todo o tempo que podiam estar, até ao dia em que ela faleceu, sendo que à noite, os outros dois filhos, também estavam ao pé dela e a comadre também ia quando podia e telefonava todos os dias a saber da filha.

Sublinhou que “nunca deixei a minha filha”…

Sobre a vida que a filha e o genro tinham, explicou que a DD trabalhava nos cuidados continuados no Lar …., em …, desde há cerca de 8 anos, onde auferia perto do ordenado mínimo, estando casada há 6 anos, com o CC, que era ajudante … .

Acrescentou que este, quando regressava do trabalho na …, ainda ajudava os pais em tudo, pois tinha um trator, com o qual gradava e lavrava, assim como os ajudava com as ovelhas, fazendo tudo o que fosse preciso aos pais, mas também aos sogros, o mesmo sucedendo com a filha.

Descreveu-os como um casal feliz, que se davam bem (nos tempos livres iam à pesca, andar de mota, de jipe, e tratavam as abelhas que tinham), vivendo remediados e com as ajudas que lhes dava, sendo que esta boa relação se estendia quer aos pais dela, quer aos dele, costumando estar todos juntos (passavam as festas juntos e convivendo frequentemente), numa relação muito próxima.

Acrescentou que o CC era … da Junta de Freguesia há 3 anos, sendo uma pessoa conhecida e muito querido pela gente de aldeia.

Instada referiu que apenas lhe devolveram da filha a aliança, o BI e a carteirinha onde levava os cartões todos, mas nada de dinheiro (nomeadamente telemóveis, merenda e tablet não foram devolvidos.

Quanto às despesas que suportou disse ter gasto mais de €3000 em deslocações; todas as semanas lhe comprava um creme que custava €30, chegando a deixar de tomar medicamentos para atender a tudo para a filha (comprava-lhe perfume, depilação, tudo o que ela precisasse para a salvar); com os funerais que pagou despendeu cerca de €1200 com o genro e cerca de €1300 com a filha, tendo sido reembolsada em €1038 do funeral da filha, não sabendo quanto recebeu, se é que recebeu, do genro.

Referiu ainda, depois de instada, que o CC era um condutor prudente, nunca teve qualquer acidente que soubesse, acrescentando que em … normalmente faziam compras de supermercado e, nesse dia, iam comprar uma prenda para o neto que fazia 8 anos dois dias depois (a quem costumavam dar prendas boas, entre €50 a €60). Sabe que também comprariam outro material para a casa, pois precisavam do chão para dois quartos, embora desconheça se era para trazerem naquela ocasião.

Concluindo, afirmou que na sua vida e do marido, bem como na dos compadres, mudou tudo, aqueles agora tomam calmantes pois a alegria da vida terminou para eles (o filho era o seu braço direito, tendo mais uma filha, era o filho que os socorria em tudo). A testemunha disse ter mais dois filhos, mas sente muito a falta da sua DD…

Foram depois consideradas as declarações da também assistente e demandante MM, nascida a … .01.1961, casada, reformada por invalidez (doméstica), residente em … (…), a qual questionada nos termos do art.º 348º, n.º3 do CPP disse ser mãe do CC e sogra da DD.

Nada sabendo sobre o que se passou (pois a nada assistiu), revelou apenas saber que eles iam a …, porque lhe contavam tudo, sendo que no dia anterior estava presente quando a nora ligou para … para falar com a médica, dizendo que não estava melhor (tinha dores e febre), tendo aquela a mandado estar lá no dia seguinte para fazer outros exames. A nora disse-lhe então que ia ligar ao cunhado, para o CC não ir trabalhar, tendo à noite estado com o filho, num velório da mãe de um amigo dele, quando ele lhe disse que não poderia demorar muito pois no dia seguinte iam muito cedo para …, e às 9:30m da noite saíram do velório e ela disse-lhe “que tudo corra bem para amanhã, meu filho” ao que ele respondeu “até amanhã mãe”, na última conversa que teve com o filho.

Referindo que ia à casa da nora quase todos os dias, sabe que ela estava a fazer tratamentos para a infertilidade nos HU… há já algum tempo, tendo antes sido acompanhada no Hospital …., onde chegou a ter um aborto.

Afirmou que eles saíram de casa cerca das 5h 30m, não só pela conversa que ouviu, mas também porque ouviu o carro sair a essa hora, sendo que o marido os terá visto.

Ora, sendo invulgar que o marido estivesse a pé àquela hora para os ver sair, ainda que assim fosse, estamos em crer que poderá existir alguma falta de exatidão (perfeitamente compreensível) na hora em que a testemunha diz ter ouvido o carro sair, pois que a distância entre a casa e as bombas de gasolina onde o veículo é registado a passar de manhã e a respetiva hora não parece justificar tanta delonga, não se acompanhando aqui o vertido no relatório do GACDC relativamente a uma eventual paragem antes do veículo ser registado na estação de serviço próxima do km 45 (é que tendo-se o casal levantado tão cedo e tendo de estar em …, não encontra justificação uma paragem num momento ainda inicial da viagem, pelo que o casal pode ter saído mais tarde de casa).

Depois acrescentou não saber, concretamente, que dinheiro eles costumavam levar para …, sabendo todavia que iam comprar coisas para a casa.

Mais referiu que o filho lhe tinha dito que ia tentar chegar a tempo do funeral, mas quando chegaram as 16:00 e eles não vieram ela foi sozinha, sendo que não obstante ele costumar telefonar pelas 8:00, quando chegavam a …, naquele dia não disseram nada, tendo ainda tentado ligar mas ninguém atendeu.

Soube do sucedido pelas 18:00 quando o marido da sobrinha a avisou, tendo entrado em pânico e levaram-na de … para casa, onde se encontrou com o marido, que estava a chegar com as ovelhas, e já sabia do sucedido pela mãe da DD, sendo que já não viu ninguém nesse dia, ficando completamente em choque, tanto que no dia seguinte não saiu de casa, sendo o seu genro quem foi reconhecer o corpo, tendo o seu filho sido autopsiado na quinta-feira de manhã e o funeral ocorrido na sexta-feira, às 17:00.

Sobre o que estaria programado pelo seu filho para aquele dia referiu que, como era normal, iam só os dois, no Passat, sendo também habitual levarem alguma coisa para comer, recordando que a DD comentou com o filho que precisava trazer algumas coisas para a casa e uma prenda para um sobrinho que ia fazer anos.

Neste particular explicou que eles andavam a construir uma casa e quase sempre passavam por …, ou a comprar materiais de construção ou coisas para casa, precisando que o filho apenas pagava com dinheiro e não com cartões.

Instada sobre a vida do casal e as suas circunstâncias socioeconómicas explicou que o filho desde os 16 anos trabalhava na …, fazia ainda um pouco de tudo, embora desconheça o seu vencimento; o casal subsistia com dois ordenados, pois a DD trabalhava na “Unidade de Continuados” de …, onde ganhava o ordenado mínimo, sendo “remediados” e pagando sempre as contas, mesmo os tratamentos que ela fazia, cujos montantes desconhece pois a DD apenas lhe dizia “ó mãe, é tanto dinheiro”.

Mais referiu que para o trabalho levava ela o carro e o filho utilizava uma carrinha de caixa aberta, sendo que nas viagens maiores era o filho quem conduzia.

Perguntada sobre a sua relação com o filho disse que aquele, quase todos os dias, ia almoçar com os pais, não podia haver melhor filho ou genro, sendo que ele ajudava em tudo (“era o meu braço direito”) e a DD era uma “filha de coração”, sendo que ambos ajudavam igualmente os sogros.

Sendo … na junta de freguesia, o CC viveu com eles até ao dia do casamento e ficaram ali a morar a 50 metros de si, convivendo com ele diariamente, sendo que a DD e o CC tratavam ali também um bocadinho de terra, para terem milho para as galinhas e batatas, tinham porco e abelhas, “gostavam de ter um bocadinho de tudo”.

O casal dava-se muito bem, tinham divertimentos juntos, amigos e pessoas que gostavam muito deles, gostando de ir à pesca, passear de mota, passear os cães e caça, pois o filho já tinha a carta de caçador, apenas lhe faltava o “porte de arma”.

A nora tinha ainda um terreno de solteira onde tinham árvores, castanheiros pequenos.

Sobre os dias que se sucederam ao ocorrido e o sofrimento da nora explicou que muitas vezes foi visitar a DD e, quando não ia, telefonava à comadre ou a comadre a ela para saber da nora.

Quanto ao seu estado na sequência do sucedido referiu fazer medicação diária (um clamante para dormir), passando os dias a chorar e a pensar nisto, sendo que o marido também teve de ser medicado (dois comprimidos por dia), porque não conseguia dormir, desconhecendo exatamente quanto gastam em medicação, mas é bastante.

Explicou que com o marido se dedicam à pastorícia e quando podem vendem animais, com rendimentos incertos, recebendo a própria uma pensão de €276, sendo que eram diariamente ajudados pelo CC e a DD, sendo que normalmente era o CC que andava com o trator.

Salientou ainda que as despesas de funeral foram pagas pelos compadres, pensando que o do filho orçou em €1150 e o da nora em €1200, mas não pode precisar.

Foram declarações absolutamente esclarecedoras quanto àquilo que vivenciou e ainda vive após o sucedido, assim como relativamente à vida que o filho e a nora levavam e a relação que tinham com ambos os pais.

No que à prova testemunhal respeita, foi primeiramente inquirido GG, nascido a … .02.1952, casado, reformado (trabalhava na Câmara Municipal …), residente em … desde 1974, o qual disse desconhecer o arguido até ao sucedido e conhecer a assistente FF de vista (conhecendo melhor a mãe).

Considerando que foi inquirido por videoconferência determinou-se que fosse remetido para o Tribunal de …, via e-mail, o exame n.º20160223 de fls. 763 e ss., o exame n.º434/2016 de fls. 1215 a 1251 e fls. 446 a 457 a fim de lhe serem exibidos.

A testemunha descreveu como no dia 16 de Outubro foi tratar de um jardim de um familiar e, ao chegar ao local, pelas 12:00, estava lá um táxi a deixar a FF, a qual saiu do carro, cruzou a estrada e passou junto a si, dizendo-lhe “Bom Dia” e perguntando pelo estado da mãe, após o que esta seguiu o seu caminho.

Ato contínuo disse ter ido à sua carrinha buscar as botas de água, para ir para o quintal, e quando entrou na propriedade do familiar ouviu uns gritos que provinham da casa ao lado, motivo porque chamou pela FF e, como esta não respondia, continuando a gritar, pensou que lhe teria acontecido alguma coisa, foi ver a casa onde estavam uns sacos à porta, salientando não a ter visto entrar naquela moradia.

Resolveu então ir lá dentro, ver o que se passava, pois ela continuava a gritar, e abriu a porta da habitação, que estava entreaberta, altura em que o arguido o abordou.

Explicou que aquele vinha muito nervoso, com a arma apontada, e logo “deitou-lhe as mãos”, e ele tentou acalmá-lo, dizendo que apenas vinha ver se a pessoa necessitava de ajuda, e tendo-se aquele “começado a acalmar” mandou entrar a testemunha para um quarto, ao fundo da casa.

Referiu que nesse momento o arguido começou a perguntar à FF o que ia fazer,  perguntou-lhe pelo carro e ela disse que tinha vindo de táxi e então virou-se para ele, perguntou-lhe o mesmo ao que lhe disse qual era a sua carrinha e que estava na propriedade do familiar, tendo aquele depois o questionado se tinha gasóleo, (dizendo-lhe que tinha cerca de meio depósito), e mandou-o dar-lhe as chaves do carro, bem como o telemóvel, o que fez.

Instado a explicar com detalhe o sucedido referiu que a FF não se calava, estava muito nervosa, e a testemunha dizia-lhe para se calar e fazer tudo o que o arguido mandasse, como ele próprio (testemunha) fazia, mas ela não se calava e o arguido amarrou-lhe as mãos e foi buscar uma batata que lhe pôs na boca, com um pano por cima. Acrescentou que amarrou-lhe também os pés à cama e tapou os olhos, o que lhe fez também, dizendo-lhes que precisava de 4 horas.

Tendo o arguido ido buscar outra batata (que lhe disse ter lavado!), para a meter na boca, colocou-lhe também um pano em cima da cara, tapou-lhe os olhos, sendo que respirava com dificuldade, mas porque foi trincando a batata começou depois a respirar melhor, não sabendo se a FF conseguia respirar, pois estava muito nervosa.

Ficaram ambos de mãos e pés amarrados, deitados em cima da cama do quarto, de costas um para o outro, este com um braço da FF amarrado ao dele.

Atenta a forma mais genérica do primeiro relato do sucedido a testemunha foi depois instada sobre vários pormenores, a que foi respondendo, referindo, entre o mais, que depois de se despedir da FF calçou as botas e logo a seguir começou a ouvir gritos (“ai, ai”), de aflição e a voz de uma senhora, tendo voltado para trás; subiu as escadas exteriores da casa e entrou para a sala, que tinha passagem para os quartos, tendo chamado pela FF e o arguido apareceu logo junto à porta, forçando-o a entrar logo para o interior deitando-lhe a mão ao braço, sobre o ombro, e puxando-o; pensa que ao entrar o arguido encostou a porta (desconhecendo se esta foi trancada); quando entrou a FF estava perto da entrada, no meio da sala, em pé e o arguido virado para a porta, mesmo junto a esta; na sala não viu nada desarrumado ou manchas de sangue, sendo que foram logo para o quarto, não sabendo precisar se viu sangue nas roupas da FF; apesar de não conhecer o arguido no momento em que foi agarrado por ele logo o identificou, pois tinha-o visto muito na televisão; o arguido estava armado, logo lhe viu a pistola, dado que quando entrou em casa, ele vinha com a arma apontada na sua direção, naquele momento à sua cabeça, por isso logo lhe disse porque ia lá, para ele se acalmar; não sabe identificar a arma mas apenas que se tratava de uma pistola escura.

Ainda sobre detalhes que lhe foram sucessivamente solicitados nas várias instâncias, referiu que desde que entrou na casa até terem sido amarrados o arguido não teve sempre a arma apontada aos mesmos, pois movimentava-se dentro da casa; estiveram cerca de 2 horas sem terem sido amarrados e só mais tarde, antes de se ausentar, é que os amarrou; nessas duas horas a testemunha esteve quieta e a FF não se calava, sendo que o arguido por vezes ia ao quarto mandá-la calar (referindo que aquele disse “tu não te calas eu ainda vou ter problemas contigo”); antes dele lhe tapar os olhos viu que o arguido trazia um cinturão, do género dos utilizados pelas forças policiais; não viu bem a roupa do arguido, apenas recordando que trajaria uma camisola ou pullover, e umas calças de ganga, sendo que existiam umas manchas vermelhas, não sabe de quê, na frente das calças.

Mais explicou que nessas duas horas não conseguia sair ou fugir da casa porque o arguido estava armado, sendo que depois de os ter amarrado aquele ainda lá esteve algum tempo, ouvindo-o caminhar, mas não sabendo, concretamente, o que estaria a fazer pela casa.

Não tendo estabelecido qualquer diálogo com a FF além do acima referido, no sentido desta obedecer e ter calma, referiu não ter atentado em ferimentos naquela, parecendo-lhe que tinha sangue no cabelo e estava magoada.

No final afirmou que o arguido levou as suas chaves do carro, o telemóvel e o relógio, que lhe entregou, sendo que depois dele sair de casa estiveram cerca de três quartos de hora amarrados, altura em que as mãos estavam a ficar dormentes e começou a fazer força e o tecido “começou-se a dar” e conseguiu-se soltar.

Tendo ainda ficado dentro da casa algum tempo, com receio do arguido, após o que ouviu falar pessoas cá fora e arriscou, desamarrou as camas, tirou o pano de cima dos olhos e foi à janela, onde viu já militares da GNR e muita gente, após o que um militar da GNR entrou dentro da casa, e mandaram-no sair como estava, com o tecido de atar os pés e as mãos, o que sucedeu pelas 15:00 ou 15:30, sendo que o arguido terá saído pelas 14:00.

Acrescentou que apenas pediu socorro quando ouviu vozes, sendo que quando se levantou para ir à janela, a FF caiu ao chão, devendo-se ter tentado levantar, sem conseguir, após o que ele lhe disse que não a ia desamarrar porque já lá estavam os militares da GNR, os quais cortaram os tecidos e a desamarraram.

Foi o primeiro a sair da casa e a FF continuava a queixar-se muito da cabeça, a gemer, precisando que desde o início que ela se queixava da cabeça, sendo que não foi com a queda da cama que se magoou na cabeça, pois não só já tinha os ferimentos antes, como quando caiu ficou à beira da cama, sentada no chão (o que afasta qualquer outra causa para as lesões que lhe foram logo sujeitas a perícia que não a atuação do arguido).

Quanto aos seus bens, referiu que ao chegar à janela já a sua carrinha Opel Astra (matrícula …-…-EA) não estava no local, a qual foi mais tarde localizada noutra localidade, não sabendo precisar o que tinha na viatura.

Instado a referir o que teria sucedido antes de entrar em casa, a testemunha afirmou que a FF não lhe contou, apenas reiterando que esta desde o início se queixava da cabeça e estava muito agitada e assustada.

Note-se que tendo em vista o seu confronto com as mesmas, a testemunha GG foi levada para a sala de audiências do Tribunal de …, onde visualizou as fotografias a cores no computador, relativamente às quais referiu, entre o mais que não reconheceu, a respeito de fls. 763 e ss. que a carrinha era a dele; a fls. 767, foto 10, os objetos aí fotografados não são dele, nem estavam na carrinha (logo foram ali colocados pelo arguido); a fls. 777, fotos 32 e 35, a camisola do arguido poderia ser esta; a fls. 796 pensa que foram estas calças que viu ao arguido; o boné da foto 74 era o seu; a fls. 781 reconheceu o seu telemóvel; na foto 75 é a sua chave; nas fotos 77 e 78 o casaco é seu, não tendo reconhecido, entre o mais, as fotos 76, 80, 81 e 83.

Quando lhe foi exibido o teor de fls. 1217, na foto 5 reconheceu a casa onde tudo se passou, sendo que as fotos 17 e 20 lhe parecem a sala, mas não sabe bem porque esteve ali pouco tempo, antes de ir para o quarto, o qual reconheceu nas fotos 57 a 60, assim como referiu que poderão ter sido aqueles tecidos aí registados os utilizados para os amarrar.

Ainda confrontado com os registos fotográficos da casa disse não saber se esta ficou ou não arrumada, pois entrou diretamente no quarto; tão pouco sabe precisar com que tecidos foram amarrados (apenas que alguns tinham cores e flores); quando chegou junto da entrada, a porta estava encostada, não viu fechadura estroncada, mas afinal nem viu o estado da porta; assim como não viu o arguido com luvas, em qualquer momento.

Instado sobre eventuais ameaças de morte por parte do arguido começando por dizer que o arguido dizia que se a FF não se calasse ia ter problemas com ela, referindo depois que dizer propriamente que os matava não o disse, acrescentando, todavia, que disse que se saíssem dali ou falassem com a polícia os mataria...

Negou que o arguido o tenha obrigado a dar-lhe dinheiro, tendo-lhe apenas perguntado se tinha dinheiro, o que este respondeu negativamente, desconhecendo se levou dinheiro da FF, assim como não o ouviu pedir comida, bebida ou ferramentas, não sabendo se ele levou bens da FF.

Afirmando que não foi agredido e que inclusive quando foi para o amarrar, o arguido mandou-o virar de costas, para amarrar as mãos e depois deitar na cama, de costas um para o outro, para amarrar os pés, referiu também que não presenciou qualquer agressão à FF, mas que apenas a mandava calar.

Perguntado sobre as mãos da assistente FF disse não se recordar se as viu, sendo que quando lhe foram exibidas fls. 453 a 455 reconheceu aquela, mas reiterou não se recordar de a ver dessa maneira, explicitando todavia que quando ela caiu da cama não viu ali qualquer objeto cortante.

Ora, se não reparou em quaisquer lesões na FF quando se cruzou com a mesma antes daquela entrar em casa e se as suas queixas, bem como os vestígios de sangue a que aludiu, surgiram apenas depois da sua entrada na casa onde apenas estava o arguido (e tendo afastado qualquer lesão da mera “queda” da cama, de onde ficou aliás sentada no chão), não é pela circunstância da testemunha afirmar não ter visto agressões à assistente FF por parte do arguido que estas não são por demais evidentes em face deste acervo probatório, a que acrescem os seus reiterados gritos de desespero.

Aliás, no dizer desta testemunha, antes de chegar à casa a FF estava com gritos diferentes dos que dava depois, sendo que os primeiros “podiam ser gritos de quem estava a ser agredido”.

Note-se que a testemunha referiu também que o arguido apontou a arma à FF quando a mandou calar, na sua presença, uma ou duas vezes, sendo que metia a almofada em frente da arma e dizia-lhe para se calar “se não ia ter problemas”, sucedendo que esta apenas se calou quando ele lhe tapou a boca.

Referindo inicialmente que nunca o arguido falou da GNR, nomeadamente se andava a ser seguido ou de ter feito alguma coisa com a arma que trazia, tendo começado por dizer não se recordar se aquele a tinha mencionado ou aludido à sua proveniência, após requerimento dos assistentes HH, II e EE, foi depois determinada[9] a leitura de declarações anteriormente prestadas pela testemunha na estrita medida do vertido de linhas 30 a 33 e 71 e ss. do auto de inquirição de fls. 908 a 909, confirmado a fls. 2015.

Após tal leitura a testemunha confirmou que nos serviços do Ministério Público lhe leram o auto de inquirição realizado pela Polícia Judiciária, sendo que confrontado com as linhas 30 de fls. 908 e 3 a 5 de fls. 910, referiu estar “tão baralhado” que já não se lembra, aduzindo depois que “se eu disse pode ter acontecido, mas não estou a lembrar-me”, acrescentando ainda “uma vaga ideia” de que quando o arguido mandava calar a FF, e esta lhe pedia para a deixar em paz, aquele terá respondido que “matar mais dois ou três ou quatro, é igual” ou algo desse tipo.

Acaba, pois, por se tratar de uma referência que contraria a versão do arguido trazida a julgamento, indo antes no sentido vertido na pronúncia, não que, como é evidente, tal leitura tenha acrescentado algo de particularmente relevante para a formação da convicção do Tribunal (atenta a extensa prova produzida que permite fazer a reconstituição do percurso do arguido no período em causa na pronúncia e acusação).

Neste particular radica a justificação para o Tribunal não ter dado como provada a exata expressão vertida na pronúncia a este respeito.

Perguntada a testemunha se estava com medo disse “Com medo, bem, esta situação deixa-me com nervos e estou muito confuso da minha cabeça, tenho problemas psicológicos e ando muito perturbado e durmo mal”.

Não deixou de ser algo curioso que, a instâncias da defesa do arguido a testemunha tenha chegado a dizer que este foi respeitador para si e que quando o deitou na cama pôs-lhe uma almofada para estar mais confortável (!), sendo que mesmo à FF, depois dele entrar, não tratou com agressividade, reiterando que o “problema” é que ela estava sempre a gritar (como se de alguma forma isso justificasse a conduta do arguido…), pensando que lhe pôs também uma almofada.

Note-se que chegou a dizer que foram bem tratados pelo arguido e deu a entender que se a FF se tivesse calado, não tinha havido problema…

Sendo que nunca tentaram fugir, afirmou que o arguido lhe disse precisar de tempo, conclui que se aquele os quisesse matar podia tê-lo feito, não sendo essa a sua intenção, conclusão a que o Tribunal igualmente chega, até porque estamos perante alguém que vinha de atentar contra a vida de várias pessoas, sem constrangimentos.

O Tribunal ficou convencido que a testemunha ainda hoje receia o arguido e a resistência que aqui e ali evidenciou em descrever o sucedido assentam nesse medo.

De seguida foi inquirida RR, nascida a … .05.1972, viúva, …, residente em …, que aos costumes disse ter sido namorada do arguido, sendo que namoraram de outubro de 2011 até finais de agosto de 2014.

Tendo sido confrontada com as fotografias de fls. 557, 559, 647 a 650, a testemunha explicou que a relação terminou “diplomaticamente” e “a bem”, sendo que ficaram questões relacionadas com “uns dinheiros que existem e nada mais”.

Tendo chegado a viver juntos (um mês na … e depois alguns fins-de-semana), explicou que depois de se terem separado iam tendo contactos porque os animais do arguido estavam na quinta dela (embora a exploração fosse dele…), sendo ele quem conduzia uma carrinha sua (Toyota Hilux, preta) e havia dinheiro que lhe devia.

Afirmando nada ter presenciado e saber do sucedido apenas pela comunicação social, confirmou que a carrinha preta apreendida nos autos é sua, mas sempre foi conduzida pelo arguido, sendo que nesse dia saiu de casa cerca das 8:20 e dirigiu-se pela Serra por … e dali para … e …, onde dava aulas, acrescentando que estava atrasada e existia muito nevoeiro.

Cerca de 10 minutos depois, e já de dia, referiu que antes de chegar ao campo de … viu um carro atrás de si (fazendo sinais de luzes) e colocou-se na berma para o carro passar, sucede que a viatura não a ultrapassou, antes parando ao seu lado, tendo então visto que se tratava do arguido, ficando espantada por o ver ali.

Descreveu depois o sucedido, relatando que o arguido não saiu da carrinha (preta), mas baixou o vidro e disse-lhe que precisava de ajuda, necessitando que lhe fosse buscar a carrinha azul a …, o que aquela negou, pois estava atrasada, mas o arguido tanto insistiu que ela acabou por aceder.

Explicou então que o acompanhou, referindo que a carrinha, como sempre, estava em grande desarrumação, sendo que a parte que ajuda para subir não estava lá, teve dificuldade em sentar-se porque havia muitas coisas (papéis e uma garrafa de iogurte), não vendo na viatura quaisquer manchas de sangue ou toalhetes com sangue, salientando que aquele estava muito calmo, não lhe vendo qualquer vestígio de lesão ou sangue (embora tenha olhado para ele na diagonal, pois estava cheia de pressa, já chegaria atrasada aos primeiros 45 minutos de aula).

Foram então até …, onde ele tirou da argola a chave da outra Toyota, que é dele, após o que esta entrou na carrinha azul (que apenas tinha um bocado de terra junto aos pedais), pô-la a trabalhar, mas a carrinha não andava para a frente e não conseguia meter a mudança, sendo que havia uma caixa atrás e o banco não encaixava para se sentar, e quando olhou para o lado, porque não conseguia arrancar, ele já lá não estava.

Telefonou-lhe e ele diz-lhe para insistir e andar e de tanto tentar, conseguiu meter a 1ª e lá foi devagarinho, tendo-lhe deixado a carrinha no local onde estava o seu carro, com a chave na ignição (como aquele pediu), e daí foi-se embora na sua viatura (tendo então ligado para a escola a avisar do atraso de 45minutos, dizendo que às 10 horas estava lá).

Acrescentou que quando entrou na carrinha preta o arguido disse-lhe que era para ter ido dar-lhe uma grande novidade, que era ter ganho o processo da OO, que o deixou muito contente porque a OO e ele queriam muito ficar juntos, aduzindo que passaria a ir mais à quinta … .

Salientou ainda que quando chegaram ao cruzamento de …, o arguido disse-lhe que se alguém perguntasse por ele, para dizer que tiveram uma “escorregadela” e que passaram a noite juntos, ao que esta respondeu que não havia escorregadelas porque tinha alguma dignidade…

Daqui decorre claramente a tentativa do arguido em criar um álibi para onde havia estado na noite anterior, na esteira de todas as manobras de ocultação dos seus atos que vinha protagonizando.

Instada referiu que não houve abraços, beijos ou contactos seus com o arguido, sendo que apenas que se encostou à carrinha para manter a porta aberta da carrinha preta, para ele lhe dar a chave, desconhecendo quando tinha lavado o casaco ou se poderia já estar lá o sangue (sendo que em meados de Abril, quando começou a aquecer o tempo lavou-o desconhecendo se depois andou com ele quando estava com o arguido, assegurando todavia que desde janeiro de 2016 ele não esteve em sua casa).

Ainda sobre o sucedido naquele dia explicou que se apercebeu de carros da GNR quando chegaram ao cruzamento de …, os quais iam apressados para os lados de …, o que comentou com o arguido, mas este não lhe deu grade importância, não lhe tendo falado em qualquer situação com a GNR, ou de conflito, estando muito bem disposto, o que até a espantou.

Note-se que mais adiante no seu depoimento precisou que foi no momento em que viram a GNR que o arguido lhe pediu que dissesse que havia passado a noite com ele, sendo que esta disse não ter perguntado a razão desse pedido, pensando que estivesse relacionado com mulheres.

Instada referiu que o arguido não lhe disse para onde ia, mas presumiu que iria buscar palha e para isso queria a carrinha.

Acrescentou que no trajeto para a escola recebeu um telefonema do cabo UUU a perguntar pelo arguido e depois um telefonema do cabo PP também a perguntar por ele, sendo que o cabo PP lhe disse que o arguido estava em … ao que ela respondeu que era impossível porque tinha estado com ele há pouco. Salientou que também perguntou ao cabo UUU o que se tinha passado, mas eles não disseram, apenas perguntavam pelo arguido ao que a testemunha respondeu o que aquele lhe tinha pedido, dizendo a ambos que tinha passado a noite com ele.

Importa reter que na parte final do seu depoimento a testemunha referiu ter também dito aos cabos da GNR que o tinha deixado em …, para pouco depois sustentar que já não se recorda bem disso.

Mais referiu que se comprometeu com o cabo Jorge a tentar ligar ao arguido, o que fez, mas ele já tinha o telemóvel desligado e não conseguiu mais falar com ele.

Referindo que o arguido estava com umas calças de ganga e uma camisa em tons de azul, pensa que axadrezada, a testemunha foi depois confrontada com vários registos nos autos, e assim: a fls. 557 confirma ser a carrinha azul que conduziu de … a … e na qual deixou a chave para ele conduzir; a fls. 559 referiu que não tinha tanta terra nem a “folha” à frente (que é um toalhete), ou as cintas, mas apenas a caixa (que não permitia que a parte do encosto virasse para trás); e de fls. 648 a 650 disse não conhecer esta roupa.

Instada depois sobre o arguido e a sua convivência começou por dizer que era amável, gentil e bem disposto, apesar de muito mulherengo, todavia a partir de certa altura ficou violento, e numa ocasião foi violento para com ela por esta ter pegado numa ovelha ao colo, chamando-a de “todos os nomes” e depois pedia desculpa, sendo que chegou mesmo a passar para a agressão física, mas logo após pediu desculpa, todavia mais adiante no depoimento referiu que em março de 2016 deixou de sentir a instabilidade dele, e já era um prazer recebê-lo novamente…

Precisou que por duas vezes a agrediu a sério, em Novembro ou Dezembro de 2014 e em Janeiro de 2015, sendo que não obstante ficou surpreendida com o sucedido pois o arguido “não mata um animal”, e isto ainda considerando que a mesma reconheceu ter ido buscar uma vez o CRC do arguido onde constavam condenações.

Tendo ainda esclarecido o motivo pelo qual deixava o arguido utilizar a sua carrinha e os problemas que teve com ele por causa disso e a nível financeiro quando se separaram, salientou que tiveram um negócio em conjunto, depois um contrato com opção de compra, mas que o problema da quinta estava resolvido, faltando o resto.

Instada referiu ainda que nunca se apercebeu do arguido ter algo contra a GNR.

Foi depois inquirido GGG, nascido a … .03.1976, casado, cabo da GNR, em exercício de funções no Posto Territorial de …., como adjunto, desde 2007.

Questionado nos termos do art.º 348º, n.º3 do CPP, disse conhecer BB e EE esclarecendo que eram camaradas de trabalho, trabalhavam no mesmo Posto, sendo que já tinha trabalho com o camarada EE em … e com o camarada BB em …, desde há 4/5 anos, sendo que desconhecia o arguido e os demais intervenientes apenas de vista (de …).

Confirmando que a sua residência é em Quinta …, na morada que consta do despacho de pronúncia, explicou que no dia dos factos estava em casa, a esposa tinha acabado de sair para o trabalho e ele ficou na cama, quando ouvir bater à porta e quando a abriu encarou com o camarada EE que lhe disse “GGG levei um tiro na cabeça, o BB está morto, ajuda-me”, após o que lhe disse que não queria entrar, ficando encostado à entrada da porta, após o que ligou para os bombeiros de … e depois para o 112.

Nesse momento foi dizendo ao EE para falar com ele, para se manter acordado, porque ele quase estava a cair, rígido, em choque, tendo ainda ligado para o Comandante de Posto para entrarem em contacto com a sala da situação e irem à procura do carro do BB.

Acrescentou que naquele momento o EE dizia “o BB está morto, ele mandou-me meter na mala do carro e eu fiz tudo o que ele dizia” e quando lhe perguntava onde estava o carro da GNR só dizia “nós andámos aí para cima”, apontando para a floresta, tendo aquele desfalecido quando os bombeiros chegaram, após o que seguiu na ambulância.

Instado a precisar alguns detalhes do seu relato referiu, entre o mais, que o assistente EE chegou à sua porta pelas 7:15, o que sabe pelo registo das chamadas, pois a primeira foi feita para os bombeiros às 7:18 ou 7:19; o EE tinha o casaco da GNR na mão, o polo enrolado à cabeça e a cara inchada do lado onde levou o tiro, cheio de sangue, sem conseguir abrir o olho, escorrendo sangue pela boca; não trazia cinturão, mas trazia algemas presas ao pulso da mão esquerda. Mais referiu que quando levantou a camisola, o EE tinha a zona do peito toda esfolada.

Após a ambulância sair, e com a preocupação de encontrar o BB para o socorrer, disse ter percorrido a estrada da …, que era a indicação que o EE lhe deu, e logo encontrou as patrulhas de … e …, sendo que o Comandante ligou comunicando que a localização do carro apontava para a Estrada …, tendo seguido para o cruzamento da EN… e quando chegou já estava a patrulha de … à procura do carro da GNR, mas também a ambulância com o EE.

Explicou que entraram pelo meio do mato, num caminho sem saída, que da estrada não se via, só conseguindo encontrá-lo com a localização do carro patrulha, sendo que não esteve a examinar o carro, mas deram indicação para ninguém mexer no carro.

Chegou ao local onde foi encontrado o carro patrulha, com o corpo na mala, pelas 8:00 ou um pouco mais, e já estavam lá os camaradas VVV e XXX, sendo que o ZZZ chegou consigo.

Já no local onde foi encontrada a viatura os bombeiros perguntaram se podiam abrir a mala, e a testemunha só lhes disse “faça o seu trabalho”, tendo o bombeiro AAAA (com a ajuda de um camarada) tirado o corpo da mala (sem mexerem em mais nada), após o que chegaram camaradas de outros postos e disseram para os operacionais de … se afastarem, pois estavam em choque, tendo a testemunha vindo para a estrada.

Acrescentou que ligou ao comandante do posto porque tinham se ser eles a dar a notícia aos pais do BB e pediu a outros camaradas para irem com ele para darem a notícia e foram também buscar a companheira daquele.

Não soube nada dos dois civis, apenas mais tarde tendo conhecimento do sucedido, salientando que já não viu onde foi depois encontrada a mancha de sangue, pois já não voltou ao local.

Depois de terem ido buscar a companheira do BB a …, foram para o posto e depois para a zona da Quinta … para ver se encontravam o local onde o EE foi baleado, sendo que encontraram vestígios de sangue e pela localização do GPS, o local onde esteve parado, tendo percorrido o caminho e encontrando pingas de sangue, que seguiram e levaram até a charca que é na …, e depois de uma subida muito íngreme viram o sítio onde o EE tinha caído, que não era coincidente com o local onde o carro esteve parado.

Começaram a descer e viram plásticos do veículo, começaram a observar melhor o local e viram uma poça de sague junto a um pinheiro, concluindo que tinha sido ali baleado e preservaram o local.

Neste conspecto ainda, mais adiante no depoimento a testemunha precisou que no caminho onde viram pingas de sangue existia uma parte mais difícil de subida, íngreme, onde o carro podia ter batido e sofrido estragos (pois ali não passam ligeiros), sendo que um caminho com aquela inclinação pode fazer o carro derrapar e ficar danificado, tendo constatado terra mexida e derrapagem de uma roda, num local a cerca de 10/15 metros do pinheiro (do local onde estava a peça era visível o pinheiro).

Esta testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 1331 e ss. e 1427 e ss. dos autos, de onde se salienta, quanto à foto 3 de fls. 1331, ter confirmado que junto ao pinheiro, do lado de baixo, existia uma poça de sangue, e por reporte às fotos 5 e 6 que mais para dentro do mato havia outra macha de sangue junto ao um penedo, bem como ramagens partidas, ressalvando que preservaram também o local, tendo encontrado um invólucro junto ao pinheiro, já com o Inspetor CCC no local, e ainda uma caneta tipo “bic”, que são as usadas pelos militares (e o EE utilizava) pois são distribuídas pelo comando.

Pelos vestígios e sua localização pensa que o EE andou perdido, cerca de 4 km no mato, sendo que do local do pinheiro até sua casa, em condições normais e seguindo diretamente, seriam cerca de 10 a 15 minutos (referindo que o EE já tinha estado em sua casa), distância esta, com subidas e num caminho difícil, que dá bem para perceber a resiliência do assistente e ter uma ideia do sofrimento que tal percurso representou para ele. 

Esclarecendo que a distância entre os dois locais seria de aproximadamente 10 metros, por reporte às fotos 15 e 16 disse ser o caminho que começa a descer e vai dar ao pinheiro; as fotos 17 e 18 reportam-se às peças do carro; já a fls. 1427, as fotos 6 e 7 correspondem ao local onde foi encontrado o carro patrulha.

Instado referiu que fez o auto de ocorrência naquele dia, antes de irem para a localidade de Quinta …, sendo que à noite esteve no local do hotel, com a Polícia Judiciária.

Relativamente ao local onde estava o Passat, que identificou como o registado na foto 3 de fls. 1422 e ss., referiu que se tratava de um caminho a descer, num local isolado e difícil encontrar, até porque a PJ de manhã não encontrou logo o carro.

Aduziu que indo pelo caminho aquele local dista cerca de 1 km do hotel, em linha a reta a pé seriam cerca de 500m (mas não fez o percurso em linha reta, antes pelo caminho).

Já entre o hotel e o local onde foi encontrado o carro patrulha distam cerca de 4 km em linha reta, e por estrada pelo menos 8 km.

Para a Quinta … (serra …), onde foi alvejado o EE, distam cerca de 15 km e entre o local onde ficou o carro da GNR e o local onde estavam os civis baleados são cerca de 300 e 400 metros, a pé e em linha reta.

Note-se que estas medidas, grosso modo compatíveis com as constantes dos levantamentos documentais juntos aos autos, corroboram a versão da pronúncia e da acusação, colocando os eventos numa relação de proximidade, que empresta consistência, sequência e verosimilhança àquela versão do sucedido.

Ainda quanto a pormenores sobre os factos que diretamente percecionou, a testemunha disse recordar que o EE tinha dois pares de algemas no pulso (não lhes tendo mexido ou verificado se eram algemas da GNR, até porque todas têm características parecidas), as quais estavam agarradas umas às outras, vindo a última vinha aberta (o que acontece normalmente), tendo mesmo, a pedido da Ilustre Mandatária do arguido, feito uso de algemas para exemplificar os factos (colocando as primeiras trancadas e a última aberta), acrescentando que aquele foi para ambulância com elas no pulso e não tinha, sequer, chave para as abrir.

Refere que um carro, junto ao pinheiro onde pensa que o EE foi baleado, não consegue inverter a marcha, apenas andando um pouco para trás, sendo que desde o local onde foi encontrada a peça do veículo, a inversão de marcha pressupunha continuar, passar pelo pinheiro e só depois inverter, sendo que a peça é encontrada já depois do pinheiro, quando o carro ai ainda vai a subir (o que em rigor não contraria a descrição do assistente EE).

Instado esclareceu que a GNR através do rádio, na sala de situação, sabe onde estão os seus veículos, através de um GPS ligado ao rádio do carro, sendo que não há nenhuma hora, nomeadamente de noite, em condições normais, em que o GPS deixe de trabalhar, afirmando que não há períodos da noite, que saiba, em que não consigam fazer a localização. Ressalvou todavia que só os elementos da sala de situação é que podem cabalmente esclarecer essas questões, dizendo nem saber se o GPS esteve duas horas sem funcionar.

Reiterando não ter ido ao local onde encontraram os civis, apenas sabendo a zona por aquilo que lhe disseram, referiu que naquela área há uma berma um pouco larga, onde os carros podem parar e mesmo fazer inversão de marcha, pois a EN … é ali suficientemente larga, acrescentando que, uns atrás dos outros, conseguem parar dois ou três carros na berma.

Mais referiu que quando chegou ao local onde estava o carro da GNR, este não estava a trabalhar, sendo que quando tiraram dali o carro já não estava lá, acrescentando que daquele local até ao sobredito pinheiro são cerca de 20 minutos pela Quinta … e se for pela Quinta … cerca de 10 a15m.

Instado depois sobre matéria alegada nos pedidos de indemnização cível disse conhecer a companheira do BB desde criança, sabendo que estavam a viver juntos há já algum tempo, pois uma vez no posto o BB disse-lhe, assim como lhe contou que tinham um conta em conjunto, tendo este passado metade da casa cuja construção estava a iniciar para o nome dela.

Referindo que ele a tratava como se fosse mulher, afirmou que eles já namorava há muito tempo (pelo menos 4 anos), desde que ela se separou (ainda ele estava em … e ela já ia aos jantares de Natal), sendo que até foram criados juntos, tendo a mesma idade, respondendo que viviam juntos desde julho de 2016, quando o BB lhe disse que ia para “Cepos” porque já se tinham juntado, não sabendo exatamente a data (esclarecendo depois que a casa dos “Cepos” é do tio dela e que eles fizeram um empréstimo juntos para a casa, em maio ou junho de 2016).

Descreveu depois o BB como uma pessoa sorridente; alegre; saudável; que jogava futebol; em quem se podia contar e bem visto socialmente, tendo muitos amigos.

Salientou que tanto o BB como o EE em serviço eram militares calmos, serenos, sempre pela palavra e nunca violência.

Afirmou que para a companheira (que estava divorciada e tinha um filho daquele casamento) foi uma enorme dor, que se vê e sente, salientando que ela fala muito dele.

A testemunha protagonizou, assim, um depoimento isento e objetivo, que vai no sentido quer da prova documental e pericial junta, quer da versão dos factos trazida aos autos pelo assistente EE.

Seguiu-se o depoimento de QQQ, nascido a … .10.1982, em exercício de funções no Posto Territorial da GNR de … há cerca de 6 anos, que disse apenas conhecer os militares BB e EE, esclarecendo que trabalhava com eles há 4 ou 5 anos.

Por reporte ao dia dos factos, a testemunha disse ter entrado com o BB e o EE de serviço, à meia-noite, no posto de …, estando os dois de patrulha e ele de atendimento ao público (até às 8:00).

Referiu, em síntese, que aqueles saíram, levando o equipamento habitual e necessário para a patrulha, sendo que ele, como estava no atendimento, também acompanhou esse levantamento de material, tendo ficado o registo no posto (nomeadamente do número da arma e quem a levantou, embora quanto ao número de munições não saiba, pois apenas viu levantar a arma e o carregador); não tendo reparado no giro que lhes estava destinado referiu, no entanto, que o local da construção do hotel era indicado para patrulhar, pois também ele lá chegou a ir, mesmo sem ordens de patrulha, porque naquela altura tinha havido focos de incêndio (na noite do dia 10 tinha havido um na zona).

Depois deles saírem referiu que o primeiro contacto, diretamente com o BB, ocorreu pelas 2:47, quando ele telefonou do telemóvel pessoal para o dele, sendo que antes disso o EE pediu uma matrícula à sala de situação, a fim de fazer o print dos dados do veículo para o e-mail institucional dele; depois o BB ligou por contacto pessoal, falou-lhe na carrinha em causa nos autos, ao que a testemunha lhe deu o nome da pessoa que constava como proprietário, que anotou num papel, e porque o arguido logo tinha dito ao BB que a carrinha era da namorada, que era gerente de uma empresa de …, em ato contínuo ligou para o telemóvel do posto de …, perguntando ao guarda BBBB, que atendeu, se conhecia o indivíduo porque o livrete tinha uma residência de … .

Porque sabia que o BB tinha o contacto do guarda RRR ligou depois ao BB, no sentido dele pedir diretamente informações ao RRR, até porque sabia que eles se conheciam de … .

Relativamente ao arguido e para além do já mencionado, a testemunha disse que o BB apenas lhe contou que estava parado, a pernoitar no veículo e que trazia 11 jerricãs de gasóleo atrás, na carrinha, não sabendo se mencionou se tinham ou não gasóleo (o que era bastante relevante tendo em conta as ocorrências de incêndios que ali levavam a patrulha).

Mais referiu que quando falou com o BB estava tudo normal, não o sentiu mais nervoso, tratando-se de uma fiscalização normal, sendo que estes contatos constituíam um procedimento normal (se havia dúvidas ligavam, por vezes, para entrar em contacto com outros postos), nada tendo visto de que resultasse qualquer indício de tensão.

Acrescentou que depois da conversa com o BB, passado algum tempo, eles pediram uma segunda matrícula à sala de situação e mais tarde, cerca das 4:20 ou 4:30, porque era hábito as patrulhas irem ao posto tomar café, tentou ligar ao BB para ver se iam mas ele não atendeu (não estranhando porque ele ia a conduzir), pelo que depois ligou ao EE com a mesma questão ao que ele respondeu “está tudo bem não te preocupes, já aí vamos”, sendo que foi uma breve conversa normal, não sentiu qualquer nervosismo, sabendo que passado algum tempo eles pediram uma terceira matrícula à sala de situação.

Nada tendo estranhado ou suspeitado, a testemunha só pelas 7:00 recebeu um telefonema dos bombeiros comunicando que na Quinta … havia dois feridos, não lhe dizendo se eram civis ou militares, após o que ligou o 112, comunicando que havia dois feridos em … e finalmente a sala de situação dando conta de dois feridos em Quinta … (mais afastado), pelo que ficou um pouco confuso, sem saber o que fazer e ligou ao comandante do posto, que então lhe diz que o EE apareceu baleado na cabeça e o BB ferido na mala do Skoda.

Disse ter então ficado transtornado e ficou pelo posto, ouvindo as comunicações.

Instado esclareceu que foi sempre o EE a pedir as três matrículas à sala de situação, que fica no Comando, na Guarda, onde estão todas as comunicações pela rádio (e ele como também ouve estas transmissões ouviu as comunicações para a sala de situação), sendo que a testemunha apenas atendia as chamadas dirigidas ao posto e depois reencaminha-as, ou atende quem lá vá pessoalmente.

Referindo não saber bem como funciona o sistema GPS, tratando-se de matéria técnica, a que não tem acesso, apenas sabe que há um sistema de localização na sala de situação, através do qual conseguem localizar viaturas, sendo que nessa noite não se apercebeu de qualquer problema com as comunicações.

Relativamente às algemas, referiu ter as suas, como o BB também tinha, e que o mesmo andava sempre com elas no cinturão, sendo que nunca viu o EE pedir algemas no posto ou andar com elas.

Também prestou depoimento RRR, nascido a … .06.1975, guarda principal da GNR, em exercício de funções no Posto Territorial de … há 5 anos, que disse apenas conhecer o arguido (de o ter fiscalizado duas vezes) e os militares BB e EE.

Explicando que fiscalizou o arguido uma vez porque houve uma denúncia de um furto que acabou por não ser um furto, e outra ocasião numa fiscalização normal, sendo que estas sempre decorreram normalmente.

Quanto ao sucedido nessa noite referiu que o EE e o BB estavam de serviço, no mesmo horário dele, e o BB ligou-lhe a perguntar informações do arguido, o que ocorreu pelas 2:58.

Disse que o BB lhe ligou porque ele trabalhava em …, estando na altura numa viatura em patrulha, dizendo que estava nas … a fiscalizar o arguido e que ele lhe disse que era funcionário da …, na sequência do que informou o BB de que o arguido era namorado ou companheiro da gerente da empresa, mas que não trabalhava lá.

Tendo o BB lhe perguntado se seria possível que ele furtasse combustível, disse-lhe que não sabia disso, mas apenas que era conhecido por ter um “feitio esquisito” e “pilho”, ou seja, que não se sabe bem o que faz ou como ganha a vida, e nada mais.

Acrescentou que o colega ZZZ, que estava consigo no veículo aquando do telefonema, disse também para eles terem cuidado porque constava em … que o arguido andava armado.

Referindo que não se apercebeu de qualquer circunstância estranha, nem na voz do colega, tendo no entanto se oferecido para ir lá ajudar se fosse necessário, mas o BB disse-lhe que o arguido estava calmo e estaria a decorrer uma fiscalização normal.

Concluindo o telefonema dizendo ao BB que se precisassem para dizerem, só pelas 7:00 é que teve conhecimento da situação, sendo que logo lhe veio à memória o telefonema, tendo passado em frente à casa do arguido, em …, onde estava uma carrinha, Toyota Hilux, com uma caixa de madeira, de cor azul, a qual não correspondia à viatura que estava a ser fiscalizada nas … .

Dali seguiram para …, seguindo as instruções da sala de situação e encontraram o carro da GNR, parado, no meio de um pinhal a cerca de 100m da EN, num sítio de difícil acesso (referindo que o carro passou por entre os pinheiros, não sabendo como se conseguiu passar aquela viatura para ali).

Porque tinham informação de que o BB estaria na bagageira abriram-na e tentou apanhar sinais vitais, o que não conseguiu, mas ainda assim chamaram os bombeiros, dando autorização para estes o tirarem de dentro da bagageira, para reanimação, o que fizeram, sem sucesso.

Pelas 8:00 ou 8:30 já estava um grande aparato no local, inclusive a ambulância onde se encontrava o EE, tendo ficado a preservar o local até à chegada da Polícia Judiciária, não viu o veículo da GNR a ser removido, mas só depois, na estrada, em cima do reboque, acrescentando que daquele local até à EN são uns 5 minutos a pé (poderão ser 100 metros, mas não é terreno plano).

A testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 1427 e ss. dos autos, indicando que os registos correspondem ao sítio onde encontraram o carro patrulha, tendo chegado à sua localização pelas coordenadas do GPS da viatura, para a sala de situação.

Também esta testemunha só mais tarde soube do sucedido com o casal …, situação que não acompanhou, apenas sabendo que quando ali chegou estacionou a sua viatura relativamente perto do local onde depois soube que apareceram os civis.

Instado ainda sobre vários detalhes do que observou disse, entre o mais, que o BB falou do telemóvel pessoal para o telemóvel pessoal dele, sendo que o ZZZ, que ia ao lado, foi-se apercebendo porque ele ia repetindo e provavelmente foi ele que repetiu para o BB o que disse o ZZZ, quanto a andar armado, não sabendo concretamente o porquê do ZZZ ter referido que o arguido andaria armado (talvez tendo ouvido falar isso na vila); o BB chegou a dizer-lhe que o veículo fiscalizado era preto, pelo que não seria o que estava em …; não tem dúvidas de que o BB e o EE não conheciam o arguido e daí a pergunta por ele; para se deslocar para o …, o melhor caminho seria passar pelo local onde eles ficaram parados; naquele local houve ocorrências, pelo que estar num local ermo, com jerricans, poderia levantar suspeitas e daí certamente o BB ter telefonado; quando pararam em …, porque ficava de caminho, não pararam na casa à procura do arguido; não sabe se é normal o GPS deixar de funcionar, nem pode dizer porque teria estado sem localização durante um período longo; fizeram o percurso …/…, em urgência assinalada, estando um pouco de nevoeiro, sendo que em nenhum momento falou com a namorada do arguido nessa manhã, sendo que conhecendo o carro dela e não se cruzou com o mesmo.

Note-se que a testemunha referiu que, quando estavam perto do veículo da GNR, os bombeiros trouxeram uma carta de condução que tinha caído do bolso do BB, na ambulância, e era do arguido (o que conjugado com as informações então recolhidas e sem o demais que se precipitou de seguida, claramente aponta para o arguido como tendo sido a última pessoa a ser fiscalizada pelo militar mortalmente baleado).

Nunca deu conta de que o arguido estivesse armado, mas também nunca o revistou, nas duas fiscalizações que lhe fez porque não havia motivos para isso.

A este respeito relembrou, para além de só conhecer a companheira do arguido de vista, que relativamente ao furto de um veículo que constou no verão de 2016, na altura em que fiscalizou o arguido, foi-lhe dito que era da empresa da companheira e o arguido então disse estar autorizado a circular com a viatura, confirmando que era companheiro da dona e deixaram-no ir (acrescentou que se tratou de uma denúncia do funcionário do reboque que, quando viu a carrinha sair da empresa, não achou normal e disse que possivelmente estaria a ser furtada e fizeram essa fiscalização na EN … perto de …).

Sem particular relevância para efeitos probatórios, a testemunha referiu ainda ter ouvido alguém (civil), assim como um graduado de serviço, comentar que o arguido teria depois comentado que se fosse … os tinha matado aos dois, aquando da fiscalização que ele lhe fez…

Estamos, pois, perante mais um depoimento, isento e objetivo, que nos auxilia na conjugação dos elementos documentais e periciais acima analisados.

Ainda dentro do conjunto de elementos da GNR que tiveram alguma intervenção durante o sucedido, foi depois inquirido CCCC, nascido a … .03.1970, sargento chefe da GNR, em exercício de funções em …, esclarecendo que na altura dos factos era comandante do Posto da GNR de … .

Dizendo conhecer apenas os militares BB e EE, trabalhou com eles 4 anos, referiu que pelas 7:26 tocou o seu telemóvel de serviço e era o Cabo RRR a dizer que o EE tinha sido baleado e que o BB estaria ferido ou morto, tendo tentado localizar rapidamente a viatura, através do contacto com a sala de situação (ou de comando), na … .

Foi ao local ver a viatura e depois disso aguardou pela chegada do capitão DDDD e da Polícia Judiciária, sendo que o carro patrulha estava perto do cruzamento da Quinta, metido para dentro do mato (não sendo visível da estrada).

Salientou que nesse momento não sabia dos civis baleados, o que apenas chegou ao seu conhecimento mais tarde, já depois de estarem junto ao hotel, onde vieram a saber ter ocorrido a morte do BB.

Confrontado com as fotografias de fls. 1427 disse reconhecer o local, acrescentando que junto ao hotel detetaram sangue e um invólucro, especificando, por reporte a fls. 1302 e ss., foto 8, que o sangue era naquela zona do lado esquerdo, onde começa a terra batida, e o invólucro que viu, assegurando que nada fez para não contaminar o local.

Não se tendo deslocado ao local onde foi encontrado o Volkswagen Passat, referiu ter feito a entrega da carta de condução do arguido porque foi apreendida quando estavam a tentar socorrer o BB, sendo que o telemóvel deste também foi encontrado por um bombeiro e entregue, o que já não lograram quanto ao do EE, que não conseguiram encontrar.

Perguntado sobre o procedimento do BB e EE explicou que têm manuais de operações sobre como proceder, afirmando que esta seria uma situação suspeita, em que devemos levar a mão no coldre, a qual, depois, com a colaboração, poderia passar a normal e sem suspeitas.

Afirmou que têm um relatório diário, no posto de …, onde está descrito tudo o que é feito, assumindo que chegou a dar instruções para ali fazerem a patrulha, e que ele próprio, quando estava de ronda, passava ali pois era um local também visado com furtos de materiais de construção, para além de naquela zona também terem ocorrido incêndios (que pelas horas noturnas a que espoletavam teriam de ser fogo posto), o que levava o proprietário a pedir-lhes para ali passarem.

Mais uma testemunha que, de forma objetiva e pormenorizada, transmitiu o que constatou e que vai no sentido da análise probatória acima enunciada.

Mais um elemento da GNR com conhecimento direto sobre os vestígios deixados pelo sucedido, XXX, nascido a … .01.1982, guarda principal da GNR, em exercício de funções no Posto Territorial de … há 2 anos, disse apenas conhecer BB e EE, pois prestou serviço com eles durante um ano.

Prestando depoimento de forma objetiva e pormenorizada, circunscrito à sua razão de ciência, a testemunha disse que nesse dia entrava de serviço às 8:00 horas quando o guarda QQQ lhe ligou, um quarto de hora antes, solicitando que fosse para o posto, pois havia problemas, quando foram então informados da situação e de que não sabiam da viatura, sendo que ao referirem a Quinta …, dirigiu-se ao local com os guardas VVV, ZZZ e RRR; viram a ambulância com o EE e com as indicações da sala de situação lá encontraram a viatura da GNR, com o BB na bagageira e sem mais ninguém.

Referiu que ele e o VVV foram os primeiros a chegar, tendo sido o VVV quem abriu a mala, afastou-se e viram que estava lá o corpo, após o que os militares de … foram afastados para não verem aquilo.

Mais esclareceu que desde o local onde a ambulância assistia o EE até onde encontraram a viatura distam cerca de 100 metros, tendo feito o percurso a pé, deixando os carros na estrada, junto da ambulância.

Acrescentando que só soube da parte da tarde do sucedido com o casal … (não tendo estado no local onde foram encontrados), foi para o posto e depois foram à procura do local onde o EE disse que tinha sido baleado, tendo a sala de situação lhes dito sensivelmente a zona.

Nesse sentido, foram vendo pintas de sangue e encontraram derrapagens do carro e plástico da parte de baixo da viatura, tendo depois conseguido reconstituir o percurso do EE desde o local onde foi baleado até à casa do GGG, concluindo que andou cerca de 4km, denunciando um percurso “à volta”, para trás, voltando ao local onde tinha sido baleado e depois até à casa do cabo GGG.

Concluíram que o EE foi ali baleado, junto do pinheiro, devido ao percurso que fizeram e vestígios que viram, tendo o EE também dito que o arguido o mandou abraçar ao pinheiro, e ali também havia sangue, pedras mexidas e mato cortado.

Com efeito, aperceberam-se que naquele local a terra estava mais mexida e havia mais sangue, como se alguém ali tivesse caído ou deitado no chão, tendo preservado o local onde pensaram que tinha sido baleado o EE, após o que chegaram os inspetores e peritos.

Sendo 20 a 30 militares, em grupos de 4 ou 5, fizeram vários caminhos, e ao percorreram o percurso do EE, marcando os vestígios, refere que passaram pelo marco geodésico e votaram para trás, porque lhes pareceu que ele tinha caído nesse local, uma vez que existia ali uma marca de sangue maior, após o que voltou para trás, em sentido contrário da casa do cabo GGG.

Do local onde foi baleado o EE até casa do cabo GGG, a andar normalmente e pelo caminho mais próximo, leva-se entre 15 a 20 minutos.

Note-se que a testemunha referiu que fizeram o percurso a pé, seguindo as pingas, tendo demorado por ali cerca de 3 horas…

É difícil imaginar o que terá sido para o assistente EE fazer aquele percurso e tentar orientar-se, durante aquele período e naquele terreno, no estado em que se encontrava e depois de passar horas sujeito a um stress tremendo, antecipando a sua morte.

A testemunha especificou depois que desde a casa do cabo GGG até onde foram encontrados os civis, pensa que distam cerca de 10 a 12 km e de onde estava o carro patrulha até ao mesmo local onde foram encontrados os civis, cerca de 100 metros.

Incidindo a instância depois à matéria dos pedidos cíveis, disse saber que o amigo BB tinha uma companheira e viviam juntos, pois chegou a ir a casa deles, inclusive pouco tempo antes iam marcar um jantar.

Mais referiu que o BB lhe falava num crédito para habitação que tinha feito com a namorada, sendo que eles viviam juntos e estavam bem, embora não saiba se quando ele iniciou funções em …, em Outubro de 2015, já viviam juntos (pois nessa altura não era tão próximo).

Quanto ao impacto do sucedido na demandante LL disse que ficou muito abalada e muito marcada pelo sucedido, o que sabe pois a sua esposa fala muito com ela, assegurando que esta continua a sofrer.

Relevante, pois, este depoimento que, não obstante a proximidade com as vítimas da GNR, revelou objetividade e detalhe na descrição do por si percecionado.

Foi depois inquirido EEEE, nascido a … .07.1987, guarda da GNR, em funções no Posto Territorial de …., residente em …, o qual disse conhecer o arguido de vista, pois antes do Posto Territorial de … esteve no Posto Territorial de … .

Afirmando nunca ter abordado ou fiscalizado o arguido, desconhecendo os colegas BB e EE, bem como as demais vítimas (e seus familiares), a testemunha disse que no dia 11 estava de patrulha às ocorrências com o guarda BBBB, e cerca das 7:30 da manhã foi-lhes dito que tinha havido um furto de um carro patrulha da GNR de … e um colega estaria ferido.

Descreveu que se deslocaram à zona de …, onde encontraram a patrulha de … e foram informados que o guarda desaparecido estava perto de Quinta … e depois uma bombeira no local indicou onde estaria a viatura, sendo que ao entrarem no pinhal viram o carro.

Salientando que os bombeiros estavam na estrada nacional (desconhecendo o que faziam ou se estava lá o EE), referiu que primeiro visualizou a traseira do carro, com uma marca de sangue no meio do para-choques, mas não abriu a bagageira, sendo que após ter ido ao seu carro patrulha buscar a fita delimitadora, ao tornar junto do carro, o BB já estava fora da bagageira, com os bombeiros a efetuarem manobras de reanimação, o que o próprio também fez (durante 45 minutos).

Continuou referindo que transportaram o BB para a ambulância e, nesse momento, (já no interior da ambulância) caiu uma carta de condução, do bolso esquerdo das calças do colega, constatando que era do arguido, pessoa que já conhecia de vista (a qual entregou à sargento FFFF).

Disse ter voltado para dentro da ambulância em manobras de reanimação ao BB, até o camarada ser retirado do local, e depois disso foi para … .

Nada sabendo do casal …, a testemunha foi no entanto particularmente relevante quanto ao esclarecimento da proveniência do documento do arguido, que estava na posse de BB, com as evidentes implicações dessa circunstância.

Foi também inquirido GGGG, nascido a … .11.1981, 1º sargento da GNR, em funções, como comandante, no Posto Territorial de … desde 31.07.2017.

Referindo que na altura do sucedido comandava o Posto Territorial de … e não conhecia qualquer um dos intervenientes nos autos, disse ter recebido uma chamada dos seus homens que lhe pediram autorização para sair porque tinha havido problemas em …, sendo que se-lhes seguiu, chegando pelas 8:30 ou 9:00, onde já havia muita gente, ambulâncias e mais carros da GNR, tendo ficado ali a preservar uma viatura e dando indicações de trânsito na estrada nacional.

Explicou que tendo subido sempre pela berma da estrada, onde estiveram as viaturas (que nesse momento já lá não estavam), tendo reparado que no chão estava uma poça de sangue que não estava preservada, apercebeu-se que tinha um rasto e ouviu um gemido.

Seguindo as pintas de sangue e apercebendo-se de ervas secas e pisadas, sinais de que alguém tinha passado por ali, encontrou então dois corpos, no meio de vegetação (pinheiros e tojos).

Referiu que a mulher estava deitada de costas, esticada (paralela à estrada), e o homem, deitado aos pés dela, de lado, com uma camisola em cima da cabeça, tapando-a, estando ambos cobertos com fetos e giestas, sendo que enquanto lá esteve continuou sempre a ouvir gemidos.

Reiterando que os corpos estavam escondidos com fetos e ramos de giestas, aparentando terem sido cortados de propósito para os esconder, cortados e colocados em cima dos corpos, o que, atenta a proximidade ao veículo da GNR de que o arguido se apropriou, corrobora e aponta, para além de tudo mais, para a intervenção do arguido no sucedido.

A testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 615 e ss. dos autos, sendo que relativamente às primeiras, fotos nº 1, 2 e 3, esclareceu que estas foram feitas por um colega militar (que não logrou recordar), antes da intervenção dos bombeiros, sendo que como foi ele o primeiro a chegar pode atestar que o local estava como nas fotografias.

Precisou que constatando que o som vinha da senhora, gemendo, chegou mais perto e viu ali um invólucro (o que claramente aponta para um disparo no local).

Especificando que as ervas lhe pareceram estar deitadas, em sinal de ter havido arrastamento, salientou que desde a poça de sangue que descobriu até aos corpos eram cerca de 20 metros (o que nos suscita as maiores reservas quanto à versão constante da pronúncia de que DD teria arrastado o marido baleado por toda esta extensão).

Ainda neste particular referiu, mais adiante no seu depoimento, que a poça estava a cerca de 2 metros do alcatrão, sendo esta poça o primeiro lugar onde viu sangue (entre essa poça de sangue e o alcatrão não viu sangue), o que parece efetivamente apontar que o primeiro ferimento com sangramento infligido a um dos elementos do casal teve ali lugar, seguindo-se uma deslocação dos mesmos para o interior do mato.

Salientou que preservaram também o local onde estavam os dois, chamaram a ambulância, que já ali não estava, e chamaram a Polícia Judiciária, sendo que o corpo da senhora foi retirado, e os bombeiros fizeram manobras, nada sabendo quanto ao do homem.

Confrontado com fls. 1315, fotos 3 e 4, reconheceu o local como aquele em causa; a fotos 6 e 7 -vestígio A1– referiu que é a primeira poça de sangue que vê e o espaço entre a poça de sangue e onde encontrou os corpos; a fotos 11 disse tratar-se do mesmo local onde estavam os corpos, salientando que em cima dos corpos estava mato, podendo todavia não ser percetível nas fotografias, mas atesta que assim era, em particular sobre a mulher.

Esclareceu que a posição dos corpos e também as giestas que encontrou estavam como se vê na fotografia, dizendo que com as mãos não tirou nada, assim como também deixou o invólucro no sítio onde estava.

Mais referiu que no local onde visualizou a mancha de sangue tinham estado parados veículos da GNR, vários, desconhecendo qual deles em cima da mancha.

Ainda por reporte aos registos fotográficos, especificou que o que se vê na foto 3 de fls. 615 é o homem, estando a cabeça encostada à perna (e não em cima da perna) da senhora, acrescentando que naquele local só viu um invólucro, que não pode precisar onde estava mas pensa que próximo dos corpos (de um ou outro não sabe).

Sendo uma manhã de nevoeiro, como pouca visibilidade, não espanta que não tenham constatado aquela mancha de sangue junto à estrada, confirmando que aquelas giestas e fetos estavam entre o corpo e a estrada, no sentido de poder tapar a visibilidade da estrada, parecendo-lhe ter sido colocados propositadamente para isso.

Confirmando que fls. 406 e 407 correspondem ao local, a intervenção e depoimento desta testemunha foram da maior relevância, evidenciando a existência de duas vítimas de disparo, cujas circunstâncias, de tempo e lugar, em que são encontradas permitem uma associação, clara e segura, ao arguido, na sua violenta espiral de fuga e ocultação de vestígios.

Passou-se depois à inquirição de VVV, nascido a … .05.1980, guarda principal da GNR, em funções no Posto Territorial de … há cerca de 10 anos, e residente em … .

Dizendo conhecer o arguido, esclarecendo que já o tinha fiscalizado uma vez, numa situação normal, talvez há mais de 5 anos e conhecer os militares BB e EE, a testemunha referiu ter sido quem, com os guardas ZZZ e RRR, encontrou o desaparecido carro da GNR, com o BB no seu interior.

Como os colegas que o acompanhavam, referiu que ia entrar às 8:00 em … e tinha ido mais cedo, estando já fardado quando o informaram do tiroteio em … e da necessidade de localizar o carro patrulha, o que foi fazer pelas 7:20 ou 7:30.

Afirmou que pelas 8:00 encontraram o carro, na sequência de contatos rádio com a sala de situação e após uma confusão nas informações daquela, sendo que após estacionarem passaram pela ambulância e foi ao carro com o guarda XXX de…, tendo sido este quem abriu a mala.

Disse então ter tocado na cara do BB, que estava gelado, com sinais de rigidez no braço, e depois o guarda RRR foi ver se tinha sinais vitais e os bombeiros é que tiraram o corpo da viatura.

Também esta testemunha disse que antes ainda passaram em casa do suspeito, em …, onde estava uma carrinha azul, de caixa em madeira, quando ainda não seriam 8:00 (pois de … lá são menos de 5 minutos), o que fizeram porque o ZZZ e o RRR já tinham a comunicação e o pedido de matrículas, bem como a ligação ao arguido.

Referiu ainda que a carta de condução do arguido foi encontrada ou retirada de um bolso do BB, quando os bombeiros estavam a fazer as manobras.

Foi depois inquirido VVV, nascido a … .08.1978, guarda principal da GNR, em funções no Posto Territorial de … há 6 anos e residente numa aldeia próxima dali, o qual disse ter trabalhado com o EE e conhecer o BB, desconhecendo o arguido antes do sucedido.

Explicou que estava de patrulha de noite, em viatura, em …, quando se apercebeu de um contacto com o comandante de patrulha, o guarda RRR, que recebeu um telefonema do BB, para o telemóvel do RRR, o qual ia falando alto, o que lhe permitia perceber parte da conversa, embora não ouvisse o BB “do outro lado”.

O BB comunicou uma matrícula e a testemunha associou-a a uma situação que teve há dois anos atrás (pois a matrícula apenas mudava um número, era …-EG-…), em que uma viatura fugiu e ele tirou a matrícula, parecida com esta, e depois viu que correspondia a um ciclomotor, mas a que viu e escapou era uma Toyota preta, sendo que a razão do telefonema era saber quem era a proprietária daquela viatura, porque era da área deles.

Devido a isto associou as situações, dizendo logo de seguida que naquele dia pensou que fosse talvez um caçador furtivo, de javali, e apenas por isso disse ao RRR para dizer ao BB que possivelmente poderia andar armado, sendo que “talvez o BB tenha ouvido ou não, não sei…”.

Tendo-lhe dado um nome, que ele próprio disse que não conhecia, mas o camarada RRR conhecia, sendo que se apercebe que o BB diz ao RRR que o senhor está calmo e se fosse preciso alguma coisa, avisavam.

Acrescenta que depois se apercebe do guarda EE ter pedido outras matrículas e já de manhã, pelas 7:00 ou 7:30, é que referiram que os camaradas tinham sido baleados, sendo que ele, o RRR e o VVV, foram os três juntos para procurar o veículo.

Esclarecendo que o nome do AA ainda é referindo quando eles pedem a matrícula à sala de situação, sendo que passam pela casa dele porque era a única matrícula que tinham e que ouviram uma morada de …, acrescentando que era para ver se esta carrinha estava no local, mas viram outra carrinha.

Mais adiante no seu depoimento acaba por referir que, afinal, conhecia a namorada do AA e admite ter já ouvido falar dele, sem contudo dar qualquer explicação do motivo pelo qual, apesar de saber que era ele, o associava a um caçador furtivo.

Independentemente desta situação, o que releva é a confirmação de que existiu um contato do BB referindo o arguido, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, e a conversa mantida por aquele com o guarda RRR.

Foi também considerado o depoimento de FFFF, nascida a … .03.1975, 1º sargento da GNR, em funções na Secção de Investigação Criminal do Comando de …, residente em …, que manifestou não ter qualquer relação ou conhecimento prévio dos intervenientes no sucedido, referindo apenas que foi contatada no Posto de … e dirigiu-se ao local (na Quinta …), onde estava a viatura da GNR, sendo que já lá estavam os bombeiros, tentando a reanimação do BB.

Na esteira do já explicitado pela testemunha que a recolheu, confirmou que fez a apreensão da carta de condução do arguido, não a tendo visto cair, tendo sido um militar que estava junto da ambulância quem lha entregou a carta em mão e informou de que estava no bolso do BB.

Acrescentou que depois de ter a carta de condução contactou o chefe do NIC de … e foi ter com ele, sendo que o cabo … PP estava a falar ao telefone e foi-lhe transmitido que estaria a falar com o arguido, momento em que lhe pediu para ser ela a falar com o arguido, o que fez de seguida (afirmando depois que assumiu essa diligência pessoal por ser a mais graduada, pensando que conseguiria algo mais).

Na curta conversa que disse ter com o arguido perguntou-lhe onde estava, ao que aquele respondeu que estava a caminho do aeroporto de … e que não podia ir ter com eles, sendo que ela insistiu para falar com ele respondendo o arguido que não tinha tempo pois estava atrasado. Nesta sequência disse-lhe, então, que iriam ao encontro dele e aquele também lhe disse que não podia esperar, pedindo-lhe para passar novamente ao cabo PP, o que fez, sendo que após isso não houve mais conversa (desconhecendo o que o arguido e o cabo PP falaram antes).

Note-se que a testemunha frisou, depois, que nesta conversa não acusou o arguido da prática destes factos, nem lhe disse que já sabiam que era ele o seu autor ou sequer o instou a entregar-se, assim como não mencionou militares feridos, apenas lhe dizendo para vir ter com eles e que era “um assunto do seu interesse”, até porque naquela hora apenas tinham o indício da carta de condução do arguido (que não lhe comunicou) e sabiam que dois militares tinham sido baleados.

Desta descrição resulta, pois, de forma clara, mais uma tentativa do arguido em despistar a polícia do seu encalço, claramente enquadrável no modus operandi protagonizado por este após o sucedido junto ao hotel.

Explicitou que isto ocorreu pelas 10:00, sendo uma das primeiras diligências levadas a cabo, numa altura em que ainda não sabia das outras mortes mas apenas que o BB estava na ambulância, baleado, desconhecendo mesmo que já tinha falecido.

A testemunha reiterou que, segundo sabe, apenas o cabo Jorge e ela própria falaram telefonicamente com o arguido, desconhecendo se outros militares lhe tentaram telefonar.

Prestou depois depoimento PP, nascido a … .02.1969, cabo chefe da GNR, em exercício de funções no Posto Territorial de … há 17 anos, que disse apenas conhecer o arguido há 2 anos (tendo por referência a data dos factos), de se cruzarem no café e falarem de assuntos agrícolas, assim como conhecia os militares BB e EE, com quem se dava bem, embora nunca tenham trabalhado juntos.

Precisando esse conhecimento do arguido (que era conhecido por “AA aviador” ou “piloto” porque teria “carta de aviões” e falava muito disso e de viagens) referiu que falou várias vezes com ele, talvez 2 anos antes dos factos, tendo-o conhecido casualmente, porque cultivava um terreno na zona onde o arguido tinha uma quinta, encontrando-se no café e conversavam várias vezes de agricultura.

Mais disse saber que o arguido andava pela quinta e tinha ali ovelhas e uns cavalos, ouvindo comentar que vivia com a RR.

Sobre o sucedido disse que pelas 8:30, depois de receber um telefonema de um colega a perguntar o que se passava, telefonou para o posto de … onde lhe dizem que dois colegas tinham sido baleados e que o carro da GNR estava desaparecido.

Recorda que lhe falaram naquela carrinha preta, que ele associou a uma pessoa que tinha visto várias vezes com ela, mas não propriamente ao arguido (que só conhecia como AA ou pelas sobreditas alcunhas), referindo que essa carrinha era da RR e passava ali perto, na direção da quinta, com uma pessoa que depois veio a saber tratar-se de um familiar, que ia dar comida ao gado.

Continuou referindo que entretanto vão surgindo comunicações e o NIC vai para …, porque sabiam que o arguido vivia ali, sendo que depois ele lembra-se de o ver na quinta da … e diz aos seus superiores que seria melhor lá passar, onde se dirigiu com os NIC de ... .

Ainda sobre o sucedido nesse dia referiu que porque tinha o número de telefone do arguido (pois algum tempo antes ele o deu por causa de um contacto para um furo artesiano) lembrou-se de lhe ligar, o que fez, mas ele não atendeu, sendo que deu conta dessa situação ao NIC de … e, nesse instante, o arguido devolve-lhe a chamada, dizendo que está a caminho de …, após o que a chamada cai por interferências.

Depois um dos elementos do NIC sugere-lhe que ligue de um número do NIC, o que fez, tendo o arguido atendido, voltando a dizer que estava já em … ou perto e que tinha voo marcado para essa manhã, voltando a cair a chamada.

Acrescentou que o arguido falou naturalmente, como estava habituado a falar com ele, sendo que entretanto o arguido faz nova chamada para o telefone do NIC, de número não identificado, dizendo-lhe que tinha ficado sem bateria no seu telefone, momento em que lhe pergunta onde tinha a carrinha, ao que o arguido responde que a tinha na quinta e a chamada vai novamente “a baixo”.

Refere que nesse momento surge alguém de …, com a informação de que tinha sido encontrada uma carta de condução (do arguido) e de que na quinta não havia qualquer carrinha.

Volta então a ligar ao arguido, que lhe pergunta se há algum problema na sua quinta, o que este nega, perguntando-lhe pelos documentos pessoais, respondendo o arguido que os tem todos consigo, após o que a testemunha diz que o questionou sobre o nome todo, ao que ele respondeu.

A sequência de contatos telefónicos da testemunha com o arguido não termina contudo por aqui, referindo esta que depois o arguido ainda lhe volta a ligar, dizendo que afinal não tem a carta de condução e o cartão de cidadão, sendo que perguntado pela carta responde: “só se me esqueci dela com os seus colegas de …”, que disse terem-no fiscalizado pelas 2:30, depois de jantar com a RR. Tendo-lhe então sido perguntado se levantaram algum auto disse que não, “que até foram uns gajos porreiros” e que até tinha uma infração nos documentos e um gasóleo para a quinta, mas eles o mandaram embora. Mais lhe perguntou se sabia onde foi fiscalizado e nessa altura a 1ª Sargento FFFF pediu-lhe o telefone, dá-lho e começou a falar com ele, desconhecendo depois o curso da conversa, sendo que tendo-lhe devolvido o telefone nada mais foi dito, não conseguindo prosseguir a conversa.

Aduziu que a primeira chamada ocorreu pelas 9:13m da manhã e foram todas no espaço de meia hora, afirmando que o arguido não lhe chegou a dizer onde foi fiscalizado, mas apenas que foi cerca das 2:30, na zona de …, mas não propriamente o local.

Acrescentou que quando lhe perguntou pela carta de condução, o arguido fez um compasso de espera, mas sempre calmo.

Resulta, pois, igualmente reforçada a constatação de que o arguido cuidou, nestes contatos, de reiterar o seu álibi de estar em …, para embarcar num voo, sendo que apenas quando percebeu que não tinha consigo a carta de condução, acaba por reconhecer ter estado com os militares baleados, embora dando uma versão de normalidade, infirmada não só pelo sucedido mas também pela referência a uma eventual contraordenação que, como vimos do depoimento do assistente EE, não tem correspondência com o sucedido (até porque se tudo tivesse decorrido normalmente e sem qualquer percalço ter-lhe-ia sido devolvida a carta de condução).

A testemunha referiu ainda que também telefonou à RR, por a carrinha ser dela, a qual lhe disse estar a chegar à escola onde dava aulas, pensa que na zona de …, referindo que o arguido esteve na noite anterior a jantar com ela, tendo lá ficado a dormir e saído de casa pelas 8:00 (o que, como a própria reconheceu, não correspondia à realidade).

Aliás, a testemunha depois referiu que encontrou RR no posto e nesse momento aquela confidenciou-lhe que tinha mentido e que apenas viu o arguido às 8:30 da manhã, tendo-lhe contado que foi só com ele buscar uma carrinha (no sentido do que a testemunha referiu nesta audiência). Explicou que essa mentira resultou de um pedido do arguido no sentido de que se alguém lhe perguntasse alguma coisa, dizer que tinha passado a noite com ela.

Ainda sobre alguns detalhes das conversações mantidas com o arguido, a testemunha precisou que a primeira vez que ligou do telefone o arguido não atendeu, mas devolveu a chamada; acrescentou que tendo perguntado ao arguido onde tinha deixado as carrinhas (duas de caixa aberta, uma azul e outra preta), este disse-lhe que estavam na quinta (mas a verdade é que tendo estado na quinta outras colegas ali não existiam carrinhas); no momento em que o confronta com a carta de condução notou um compasso de espera; sabia que a RR tinha tido uma relação com o arguido e os dois teriam essa quinta, pois viu-os a levar palha para a quinta e pensou que era de ambos, estando convencido de que viviam juntos, salientando que desde o ano passado já não cultiva o terreno do primo.

Recordou ainda que o arguido lhe disse, no último telefonema, que tinha jantado com a RR e depois ido a … ver de um gado, e no regresso é que tinha sido fiscalizado.

Mais precisou que nunca o arguido lhe perguntou o que fosse do trabalho da GNR, sendo que a instâncias dos Ilustres Defensores referiu que a ideia que tinha dele é que era uma pessoa educada e de fácil convívio, como quem podia privar, sendo que não lhe passou pela cabeça, no início, que podia ser ele, até porque associou a outra pessoa, porque viu passar a carrinha com outra pessoa lé dentro e, então, pensou naquele indivíduo, daí a motivação para fazer o telefonema ao arguido, para saber quem seria essa pessoa.

Questionado sobre se o número de onde ligou do NIC não era mesmo identificado referiu apenas que foi o que lhe disseram, mas não sabe, até porque o telefone do NIC, de facto, é um número identificado e a identificação estaria lá, daí ter devolvido a chamada.

Ainda neste conspecto reiterou que a impressão com que ficou foi de que a chamada ia caindo e ele ia retomando os contactos, esclarecendo que as chamadas acontecem todas quando se deslocava do IP 5 para a quinta do arguido, mas no estradão pois não chegaram à quinta (embora pense que ainda tem registada uma outra chamada no seu telefone para o arguido, pelas 11:00, a qual foi acidental).

Note-se que nenhum óbice existe quanto à valoração destes relatos das conversas telefónicas mantidas pelo OPC com o arguido, quando averiguavam o sucedido horas antes, pois estamos perante declarações extraprocessuais, utilizando a expressão de Paulo Dá Mesquita (in “A prova do crime e o que se disse antes do julgamento”, Coimbra Edt.ª, Dez. 2011, pág. 584), e não perante declarações processuais de arguido como tal constituído ou de sujeito a que se impusesse tal constituição (em face dos elementos até então colhidos pelos OPC)[10]

Por último a testemunha afirmou ainda desconhecer se RR foi vítima de violência por parte do arguido, sendo que nunca teve informação, em …, que ele fosse perigoso, tivesse uma conduta estranha ou andasse armado.

Ainda dentro dos elementos da GNR inquiridos, foi considerado o depoimento de HHHH, nascido a … .02.1981, cabo da GNR, em exercício de funções no Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento de …, residente em …, o qual referiu conhecer BB e EE, esclarecendo que já tinha trabalhado com eles no âmbito das suas funções no NIC, onde está há cerca de 3 anos, sendo que já inclusive conhecia o BB enquanto trabalhava no Posto de … .

Num depoimento conciso, restrito à sua razão de ciência, esta testemunha limitou-se a corroborar alguns dos aspetos relatados pela anterior, referindo que nesse dia facultou um telefone do NIC ao cabo PP, conforme aquele havia acabado de descrever.

Explicou que se deslocou para …, com o sargento IIII, para se encontrarem com o cabo chefe, o qual tinha dito que estava a tentar estabelecer contato com o arguido, e foi sugerido por si a utilização do telemóvel do NIC.

Tendo ficado próximo do telefone e acompanhado as chamadas, descreveu que feita a ligação o arguido atendeu, sendo que o cabo chefe tentou levar as coisas para um possível furto que poderia ter ocorrido na quinta, sendo que perguntado sobre o seu paradeiro este disse que estava em …, perto de …, e tendo a chamada caído, passados alguns minutos, já com um número privado, o arguido tentou o contato para o telemóvel do serviço e aí perguntaram-lhe da perda de documentos, se ele tinha dado por falta dos documentos ou se teria perdido um documento, ao que ele respondeu prontamente que não, e após um instante de espera o cabo chefe perguntou-lhe se tinha perdido a carta de condução e o arguido diz que vai verificar, caindo a chamada novamente ou ele desligou. O arguido volta depois a ligar, continuando a falar com o cabo chefe e diz que não tem a carta de condução, o cartão de embarque e cartão de cidadão, sendo nesse momento que lhe diz que podiam ter ficado na posse da GNR de …, que o tinham fiscalizado mas tinham sido uns tipos porreiros, que até teria uma infração, mas eles nem o autuaram e mandaram-no seguir.

Precisou que chegava a ouvir a voz do arguido, conseguindo, por vezes, perceber algumas coisas, tendo ouvido dizer que estava já em … (e depois o cabo chefe é que falou em …); já sobre facturas do gasóleo não ouviu falar, mas foi o colega que o terá referido, sendo que, por aquilo que o cabo chefe foi dizendo, o arguido estava muito calmo e tranquilo a falar para ele.

Também esta testemunha precisou depois que o telefone do NIC aparece identificado e por isso o arguido retribuiu a chamada, salientando que o uso daquele telefone (do NIC) foi o sugerido ao cabo PP, dado aquele estar a tentar ligar do seu telemóvel e não conseguir, talvez por falta de rede (pois o telefone do NIC teria mais capacidade), já nada sabendo da conversa que se seguiu da sargento de …, assim como desconhece se caíam as chamadas ou era o arguido que desligava.

Mais se considerou o relato protagonizado por JJJJ, nascido a ..  .05.1987, enfermeiro, residente em …, que disse conhecer o EE do serviço da GNR, o BB por terem estudado juntos e a DD por ser auxiliar na …, onde também trabalhava na altura (não conhecendo o marido), esclarecendo que aquando dos factos fazia também emergência médica nos bombeiros de … .

Precisando que foi ao serviço daqueles bombeiros que teve intervenção no objeto dos autos, explicou que foi “ativado” pelas 7:15 para uma situação em que se aludia apenas a dois baleados, nas Quintas …, e seguiu para aí, onde era a casa de um elemento da GNR.

Ao chegaram, viram o EE (com uma t-shirt preta e um polo azul enrolado à cabeça), a quem o colega KKKK trazia pelo braço, explicando que não tiraram o polo porque ele estava em pânico e pediu para não o fazerem, pois tinha sido baleado na cabeça, acrescentando que o colega tinha sido baleado e o tinha metido na mala do carro.

Acrescentando que o EE trazia um par de algemas (podiam ser duas), referiu que este seguiu com colegas de outra equipa de emergência médica e a testemunha ficou a aguardar, pois havia notícia de outro ferido, tendo começado as buscas de uma viatura da GNR, que foi também ajudar, para o caso de o encontrarem poderem atuar rapidamente.

Refere que a viatura foi encontrada perto da Quintas … e quando ali chegaram, no local onde cruzaram também com o EE, que já estava com o apoio da VMER (Veículo Médico de Emergência e Reanimação), mas a ser assistindo dentro da ambulância dos BVAB (junto à Quinta …), próximo do local onde encontraram o carro patrulha.

Especificou que quando ali estavam, viram os GNR entrar em direção à mata e passados minutos foram chamados, tendo acorrido a pé, percorrendo cerca de 50 metros desde a estrada até ao carro, onde já sabiam (pelo EE) que um colega estava na mala do carro.

Ato contínuo disse que um elemento da GNR lhes disse “façam o vosso trabalho, mas tentem preservar o mais possível” (o que vai de encontro precisamente ao depoimento desse militar), após o que abriu a mala do carro, que não estava trancada, vendo o BB, deitado sobre o seu lado direito, com a cabeça entre as costas do branco traseiro e a grade da mala, em posição fetal, com as penas fletidas e braços semi fletidos.

Explicou que tentou verificar sinais vitais, mas como não era possível devido à posição perguntou se o podia retirar, ao que lhe disseram “faça o seu trabalho”, após o que o colocaram no chão e, como não havia sinais vitais, seguiram o protocolo de reanimação.

Note-se que a testemunha referiu, mais adiante no seu depoimento, que ninguém lhe disse que o BB estava morto, partindo sempre do princípio que podia estar vivo.

Num primeiro momento não viu o ferimento da cara e só depois, quando começaram a ventilar, verificaram que saia ar de um orifício do lado esquerdo, entre o olho e o nariz, sendo o único ferimento visível que detetou.

Tendo iniciado manobras de suporte básico de vida, onde se detiveram algum tempo, depois, porque o tempo estava húmido, para bom funcionamento do equipamento necessário, deslocaram a vítima para dentro da ambulância, mantendo sempre as manobras (sendo que se primeiro a ambulância deles ficou na estrada, depois o motorista conseguiu chegar mais perto por um caminho que existia, a cerca de 10/15 metros).

Especificou que fizeram uma avaliação de ritmo e aplicaram o choque recomendado; entretanto chegou a VMER de … e foram a caminho de …, até ao …, onde encontraram a viatura com um médico, o qual mandou cessar as manobras de suporte básico de vida.

Salientou que tendo cortado o pólo e a t-shirt preta ao BB, nesse momento não deu conta de qualquer documento na sua posse, e apenas quando colocaram a vítima dentro da ambulância, ao puxarem a maca para o meio, um militar que estava do lado direito, baixa-se e apanha um documento de identificação e questionando se algum deles era AA ou era o possuidor daquele documento, como lhe disseram que não, então entregou o documento a outro militar, no exterior da ambulância (o que vai de encontro aos depoimentos já prestados a este respeito quanto ao BB ter na sua posse aquele documento do arguido, o que conjugado quer com os apontamentos identificativos daquele apreendidos nos autos – e claramente anotados pelo militar vitimado- quer com o referido telefonicamente pelo próprio arguido, não deixa dúvidas de que o arguido foi fiscalizado pela vítima em momento temporalmente muito próximo aos factos que determinaram o decesso desta, o que reforça de forma determinante as declarações do assistente EE).

Instado sobre vários detalhes relativamente à sua intervenção a testemunha referiu, entre o mais que não reveste particular relevo, que na Quinta … estava nevoeiro; foram duas ambulâncias para a Quinta …, uma onde ia o EE e outra onde a testemunha ia, a qual, já com o apoio da viatura médica, fez o percurso até …; no regresso passaram novamente no local, já por volta da hora do almoço, e ainda lá estava a GNR, sendo que houve nova ativação da emergência médica para o mesmo sítio, pois havia mais duas vítimas no local.

A testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 1315 e ss. dos autos, tendo reconhecido o local como o registado, entre outras, na foto 4; relativamente à foto 5 referiu que ali estava a viatura e eles estacionaram poucos metros mais à frente, deslocando-se à traseira da ambulância, indo pelo asfalto, não se recordando de ver no local a mancha de sangue, da qual apenas mais tarde ficou a saber.

Igualmente tripulante na ambulância que primeiro acorreu ao local, foi inquirida LLLL, nascida a … .08.1994, bombeira nos Bombeiros de …, que referiu conhecer o BB e a DD de vista, esclarecendo que é tripulante de ambulância há cerca de um ano e meio.

Em síntese, esta testemunha disse ter tido a mesma intervenção do enfermeiro JJJJ (anterior testemunha) e ter estado com ele nos mesmos locais, nomeadamente e primeiro junto do EE, tendo seguido depois à procura do outro militar.

Instada referiu ter visto uma algema presa no braço de EE, precisando depois que seria um par de algemas, uma presa no braço e outra solta, embora não o possa garantir com precisão (apenas que uma argola estava presa e a outra descaída), após o que foi até ao carro patrulha, onde encontraram o BB, seguindo depois com o colega na ambulância.

Foi também inquirido KKKK, sargento chefe da GNR, comandante do Posto Territorial de …, que afirmou desconhecer o arguido antes do sucedido e ter sido comandante do BB, conhecendo também o EE porque trabalhou na … 4 anos.

A sua intervenção começou por ser a localização de algumas viaturas, indicadas pelo comando e que podiam estar a ser utilizadas pelo suspeito, sendo que neste conspecto veio a estar muito próximo do arguido, tendo depois encontrado a carrinha Toyota Hilux, azul, apreendida nos autos.

Descreveu, com detalhe e objetividade, que no 11 de manhã foi chegando informação sobre os factos e indicados alguns veículos que podiam estar a ser utilizados pelo arguido, sendo na altura Toyotas brancas, pretas e uma hilux, azul, de caixa aberta, com a informação adicional de que residiria na área de … .

Neste sentido deslocou-se à zona da …, que é o trajeto que se utiliza de … para …, para reportar tudo o que viesse a apurar aos OPC competentes, tendo ali chegado pelas 10:00, reportando as matrículas, marcas e cores dos veículos.

Explicou que elaborou um auto de ocorrência porque a certa altura verificou que uma carrinha, com características idênticas às informadas (Toyota Hilux de caixa aberta, em madeira, de cor azul), se aproximava na sua direção e a mandou parar; como vinha em marcha lenta (mesmo muito devagar), ficou com a ideia que ia parar, após teve contato visual com o condutor (que ia sozinho) e, quando estava sensivelmente no meio do cruzamento, fez-lhe sinal para parar, apercebendo-se que ele soube que estava a ser mandado parar.

Estando a olhar um para o outro, sucede que o condutor não para, apercebendo-se a testemunha de que aquele mete uma mudança mais baixa, arranca de repente e passa por si, tendo de imediato encetado perseguição que veio a não ter sucesso pois o carro que tinha é mais lento e perdeu-o de vista.

Reiterando que manteve contacto visual com o condutor, afirmou não ter qualquer dúvida, agora, que se tratava do arguido, que na altura não conhecia, porque apenas tinha acesso à fotografia da carta de condução e estava diferente (agora já esteve em contacto com ele, até num julgamento em …, e não tem qualquer dúvida de que se tratava do condutor da carrinha).

Quanto à perseguição encetada descreveu que estavam numa estrada de serra, a cerca de 2,5 km, chegaram a …, e um militar num ponto mais alto viu a carrinha que ia entrar na estrada principal, tendo esta sido depois vista já a sair da aldeia do …, e porque tendo perguntado por ela ninguém a tinha ali visto, voltaram atrás, novamente à …, onde duas pessoas disseram que viram passar a carrinha na direção ao …, o que não podia ser pois nesse caso teriam de ter passado por ela. É então que viu uma entrada de um caminho florestal, que sai à direita da … ao …, tendo circulado apeado por esse caminho florestal, que disseram ter 500 metros mas tinha 1600, e não tinha saída, onde aguardou o reforço e progrediu o resto do caminho florestal.

É neste contexto que disse avistar a carrinha parada, no final do caminho, estacionada e com a chave na porta do lado direito, sendo que nas imediações, subindo, estavam uns arbustos ardidos e um cinturão da GNR, com coldre de pistola vazia, parecendo que tinha sido atirado para ali.

Explicou que estava com outros militares, dois ficaram juntos à carrinha e eles continuaram para localizar o suspeito, mas não o conseguiram.

Nesse entretanto, teve também a informação de que tinham encontrado um saco e uma arma (Glock) da GNR, junto a um curso de água, tendo de imediato dito a esse militar para não mexer e preservar o local até à chegada da Polícia Judiciária.

Confrontado com o teor de fls. 1146 a 1148 confirmou que estava ali, onde aparece aquele cruzamento, explicando que a viatura suspeita avança na direção da …, não parando ao seu sinal, sendo que, por reporte ao anexo 3, precisou que nos limites daquela localidade nasce aquele caminho florestal, onde a carrinha faz duas manobras para aí entrar, o que se percebe pelas marcas dos pneus que ficaram aí inscritas (e pelo cheiro a borracha).

Reconhecendo o registo de fls. 1285, foto 1, como sendo da aludida estrada, por reporte à foto 5 referiu que esta foi a carrinha que passou por ele e estava naquele mesmo local, salientando que após constatar que o condutor e não estava no seu interior viu roupas, mas não se apercebeu de toalhetes com sangue, sendo que a sua preocupação era não mexer, mas preservar a carrinha, afirmando que por se tratar do final do caminho a carrinha teve de parar.

É de ressalvar, para além dos toalhetes aí encontrados, a quantidade invulgar de sandes, sumos e leite que se encontravam no interior da carrinha.

Visualizando o teor de fls. 561 referiu que o cinturão estaria a alguns metros, poucos, e por reporte a fls. 563 confirmou ter encontrado o casaco aí registado e depois apreendido.

Instado sobre múltiplos aspetos da sua intervenção e das apreensões levadas a cabo explicou, entre o mais, que não estava a chover; fez claramente o sinal com a mão, não apontando qualquer arma, que estava no coldre, virada para baixo; a carrinha passou mesmo ao seu lado (cerca de 2 metros), ficando com a perceção de que ele queria fugir e não atropelar, sendo que saiu dali em “alta velocidade”; os civis nesse momento não o reconheciam porque ainda não tinha sido divulgada a sua identidade, tratando-se de pessoas da … que disseram que o veículo passou em marcha lenta e que o condutor disse bom dia…

Mais referiu que não tinha a noção exata e precisa do tempo, e quando fez o relatório pensava que seriam cerca de 11:30, mas depois de confrontado com um e-mail da PJ, no sentido de verificar se haveria um erro, constatou, com base nos elementos da sala de situação, que seriam 12:09.

Ainda neste conspecto afirmou que não esteve no local onde foi encontrada a arma e o saco, o qual fica a cerca de 1 km do sítio onde parou e aguardou por reforço, tendo passado pelo local onde foi encontrada uma camisola, reiterando que desde o início a preocupação foi sempre preservar e não mexer até à chegada da PJ (a carrinha, o saco ou a arma não foram mexidos), sendo que não recorda uma bolsa feminina na carrinha (nomeadamente a registada a fls. 567 e 570- foto 2).

Esta proximidade da carrinha azul conduzida pelo arguido e da arma da GNR encontrada, claramente deixada numa situação de fuga à perseguição encetada pelas autoridades, torna claro, se dúvidas ainda existissem, que o arguido se apropriou daquela arma e foi seu possuidor até aquele momento.

Evidente, pois, que o arguido andava fugido à autoridades desde o sucedido na noite anterior e que, mesmo perante uma situação em que se podia ter entregue às autoridades para esclarecer os factos, não estando em causa qualquer risco para si (a quem bastaria estacionar a carrinha e sair da mesma), optou por prosseguir a fuga, numa atitude que vai no sentido do antes sucedido e do que viria ainda a ocorrer neste iter.

Foi também inquirido PPP, nascido a … .11.1976, sargento ajudante da GNR no Destacamento Territorial de …, encontrando-se a chefiar o NIAVE há 3/4 anos do NIC do Destacamento de …, residente em …, que disse desconhecer todos os intervenientes nos autos.

Referiu, em síntese (pois a sua intervenção foi mínima), que tendo ido em reforço do comandante LLL, chegado ao local viu que vários elementos já tinham descido a encosta, em …, tendo a testemunha seguido na direção do …, pela estrada de asfalto, e aí é que desceram a encosta do outro lado.

Explicou que então, junto ao ribeiro, viu um saco preto, semi aberto, onde viu uma arma das forças de segurança (que disse ser uma Glock pelo punho que via e ter letras brancas, igual à que usa), tendo depois ali aguardado pelos inspetores da Polícia Judiciária.

Mais disse saber que foi encontrada a carrinha, embora não tenha estado junto dela, pensando que a mesma distaria cerca de 1,5 km do local onde estava o saco, mas sem certeza.

Note-se que durante a inquirição e a propósito do saco que encontrou, tendo pelo mesmo sido referido que efetuou um registo fotográfico do local, antes ainda da intervenção da Polícia Judiciária e estando munido do aparelho com que realizou tal registo, foi-lhe solicitado que o exibisse, o que fez a todos os sujeitos processuais, tendo-se determinando, pela sua relevância enquanto complemento probatório, o seu envio por via eletrónica para o Tribunal e junção aos autos, nos termos do art.º 340º, n.ºs 1 e 2 do CPP (como acima demos conta).

A testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 563 e ss. e 1153 dos autos, sendo que por reporte a fls. 1153 (Google maps) disse reconhecer o local e o sítio onde encontrou o saco, que estava junto a uma espécie de moinho, não tendo visto ali outros objetos.

Relativamente a fls. 564 e ss., em particular fotos 15 e 16, afirmou que foi ali próximo que encontrou o saco, o qual disse estar registado nas fotos 18 e 19, tendo sido assim que o encontrou, sendo que confrontado com a foto 20 disse não ter reparado em qualquer mala (ou se ali estava dentro não sabe, sendo que esta é também negra).

No mais referiu apenas que esteve no local com outro colega, preservando-o, até à chegada dos inspetores.

Revelando um conhecimento detalhado da investigação e dos vestígios coligidos nos autos, foi relevante a inquirição de CCC, nascido em … .01.1968, inspetor da Polícia Judiciária, na … há cerca de 17 anos, o qual disse não conhecer o arguido ou os restantes intervenientes antes do sucedido, tendo coordenado a investigação.

Num depoimento rico em detalhes e denotando grande objetividade e isenção, a testemunha descreveu as diligências a que procedeu e correlacionou muita da prova recolhida no inquérito, da qual acima já fomos dando conta[11].

Assim, e ressalvando os aspetos mais relevantes, a testemunha referiu que após ter notícia do sucedido foram organizadas várias equipas, tendo depois estado no hotel …; ao km 45 da EN onde encontraram os corpos dos civis; no marco geodésico do Picoto e em Moldes.

Seguindo o iter dos acontecimentos explicou que no primeiro local a ser sujeito a inspeção (hotel …, que identificou nos registos de fls. 1302 e ss.) foi encontrado um invólucro de 7,65mm; manchas hemáticas e um rasto que lhe pareceu de alguém ter sido arrastado, sendo que também observou rastos de viaturas, vestígios que foram recolhidos pelos peritos de … e remetidos ao LPC.

Salientou que não encontraram qualquer vestígio que indiciasse uma situação de luta ou conflito, nomeadamente tração ou espezinhamento, o que vai de encontro às declarações do assistente EE.

Neste local fizeram ainda uma vistoria ao interior do hotel, não encontrando nada de significativo, exceto um cabo elétrico ao longo do 1º andar, que aparentava ter sido mexido pela diferença do pó nesse piso.

Sendo que a inspeção demorou algum tempo, quando a concluía e ainda no hotel é informado por um capitão do destacamento que o carro da GNR tinha sido encontrado ao Km 45 da EN.

Referiu também que quando foram informados que o militar EE após ter sido socorrido pelo cabo GGG, foi assistido pelos bombeiros e conduzido ao hospital de …, de imediato uma equipa foi para aquele hospital a fim de preservar a roupa, as mãos e se fosse possível, falarem com aquela vítima.

Uma vez que o cabo GGG, na altura, indicou a zona que o EE lhe tinha mencionado como aquela de onde tinha vindo, mandou “barrar” os dois acessos a essa área (um cruzamento que vinha da casa do cabo GGG e um caminho que vinha da Quinta …), que eram os acessos à serra …, após o que foram para o Km 45 onde encontraram o carro da GNR, com uma fita a impedir o acesso, estando a viatura escondida no meio de uns pinheiros (o que para além de comprovar a intenção do autor dos factos em ocultar os seus passos permite concluir que este procurou evitar, quer o sistema que poderia localizar tal viatura, quer a atenção que suscitaria ao circular na mesma).

Analisado o veículo nada particularmente relevante resultou, pois já não tinha o cadáver no interior, restando vestígios hemáticos na mala e na zona da porta da mala, sendo que nesse local e na zona envolvente não viram armas ou qualquer vestígio, pelo que transportaram o carro em reboque para o DIC da …, onde foi examinado pelos peritos (sendo que não fizeram de imediato a recolha de vestígios no carro pois tinha de haver secagem dos vestígios hemáticos).

Precisou que foi efetuada pesquisa de vestígios hemáticos e biológicos, esclarecendo que são feitas zaragatoas (com recolha no volante e na manete de velocidades) e apenas depois o reavivamento das impressões digitais.

Após fazer o exame ao local onde estava o carro, foi para o Km 45, onde estavam os civis baleados, estando o local preservado com fitas, o qual dista cerca de 10 a 15 metros da estrada, sendo que depois, em linha reta, seriam cerca de 50 metros até à viatura da GNR.

Como vimos acima aquando da análise à prova documental, esta proximidade entre o local onde o veículo oficial das primeiras vítimas estava escondido e o local onde o casal foi encontrado baleado é bastante reveladora sobre a identidade do autor de ambos os factos.

Sobre o local onde estavam os civis descreveu que se via uma mancha de sangue, perto da berma da estrada, e depois um arrastamento mais para o interior da mata, e neste percurso manchas de sangue e giestas partidas, bem como outra vegetação pisada.

Com efeito, disse ter começado a inspeção a partir da mancha de sangue, ficando com a perceção de que alguém tinha ali sido ferido e levado para o interior da mata, e isto porque havia um rasto que percorreram até um local onde existem mais duas manchas de sangue, bem como invólucros.

Especificou que num primeiro momento logo encontraram um invólucro de 9 mm, e uma vez afastada a vegetação para pesquisa ao terreno, perto daquele, um outro invólucro de 9 mm, os quais foram recolhidos e remetidos ao LPC, evidenciando claramente a ocorrência de (pelo menos) dois disparos, com uma arma daquele calibre (idêntico ao das Glock utilizadas pelas primeiras vítimas) naquela zona.

Mais indicou, nas fotografias que lhe foram exibidas, onde estavam os invólucros, sendo que lhe foi referido o local exato onde estavam os corpos (que aquando da sua chegada tinham sido já removidos pelos bombeiros do INEM, com a ajuda da GNR, depois de fotografados), tendo cada um deles sinais de ter sofrido um disparo, tendo este recolhido dois invólucros.

Explicou todavia que podendo equacionar-se ser este local na mata onde as pessoas foram baleadas, não fazia sentido a outra mancha de sangue e o arrastamento, motivo pelo qual fez o alargamento do local do crime, tendo ainda procurado no alcatrão (onde viu vestígios hemáticos, mas de contágio, por pisada) e na berma, sem encontrar qualquer outro invólucro. A este respeito explicou que a mancha estava pisada, pelo menos em parte, o que poderá ter ocorrido por alguém ao socorrer as vítimas.

Aduziu que analisou depois as fotografias realizadas por um militar da GNR aos corpos dos civis, no local e condições em que foram encontrados, e tendo feito a contraposição com os vestígios que encontraram, encaixavam de “forma perfeita” com o local como o encontrou.

Continuou referindo que depois de terem encontrado, ao fim do dia, a viatura Volkswagen Passat, tendo constatado a existência de sangue no exterior daquele carro, presumiram (embora ainda sem o resultado dos exames) que a mancha inicial junto à estrada seria da pessoa que ali foi baleada e caiu (portanto junto à viatura Passat), tal era a quantidade de sangue no exterior do veículo. Esta presunção foi depois confirmada pelos exames realizados ao sangue, onde concluíram que CC foi alvejado junto à viatura (e assim próximo da estrada e não no local onde foi encontrado).

Ora, tais vestígios e exames permitem concluir, como se fez na pronúncia, pela existência de um disparo junto à estrada e à viatura, visando CC, o que, em conjugação com o local onde ficou escondido o veículo da GNR, leva sem dificuldade a concluir que o autor de tais disparos foi o mesmo que se fazia transportar na viatura da GNR e, bem assim, que a motivação subjacente aos mesmos se prendeu com a obtenção da viatura em que o casal se fazia transportar, cuidando depois em não deixar testemunhas.

Instado esclareceu que o colega MMMM foi o primeiro a ir até ao Passat, sendo que depois a testemunha também lá esteve, naquele que foi o último local e elemento inspecionado.

Neste particular, precisou que a viatura do casal encontrava-se num local difícil de encontrar (o que vai de encontro ao modus operandi de ocultação que se mostrou característico do autor dos factos); não havia chave no carro e assim tiveram de o empurrar para uma zona mais acima e colocar no reboque para o exame que veio a ser realizado no DIC da Guarda, sendo que foi feita recolha ao sangue existente naquele Volkswagen Passat.

Indicou depois nas respetivas fotografias o local e a mancha hemática na porta da viatura, cuja recolha fizeram, assim como dos vestígios biológicos no volante e na manete.

A intervenção da testemunha não terminou todavia por aqui, acrescentando que como tinham informação do local onde o EE tinha sido baleado (como sendo …), decidiu então ali se deslocar e dividindo várias equipas, também compostas por militares da GNR, foi seguindo os vestígios desde a casa do cabo GGG à …, sendo que a dada altura encontraram uma peça do carro da GNR (ficando com a ideia do trajeto do veículo da GNR, que tinha subido e “patinado”, até porque é uma zona ingreme, com pedras), ganhando assim uma perspetiva global do que tinha sucedido (depois comprovada pelo que o EE referiu no hospital de … e, no que ao Tribunal importa, pelo teor das suas declarações, como vimos acima).

Especificou que neste local, próximo do marco geodésico, encontraram o invólucro de 7,65mm apreendido nos autos (a cerca de 60 cm do pinheiro), bem como a caneta “bic” e vários vestígios hemáticos, para além de corte de vegetação (muito semelhante ao visto no km 45, a qual tinha sido cortada possivelmente para ocultar o corpo, pois era um sítio muito resguardado), salientando que o sítio onde estava o invólucro, não seria exatamente aquele onde o EE foi atingido, pois há sempre uma projeção, pensando que aquele foi atingido um pouco mais à esquerda.

Mais referiu que considerando o pinheiro como o local onde EE foi atingido, se ele descer em vez de subir (e existiam indícios disso), fazendo o percurso a pé, vai até à … e depois até à casa do cabo GGG, percorrendo assim cerca de 5km e 400m. Por outro lado, se ele subisse do pinheiro e fosse diretamente a casa do cabo GGG, seriam cerca de 1,5 km.

Conclui todavia que EE não fez o caminho mais direto, pois os vestígios encontrados apontam para que tenha feito o percurso ao contrário (desceu, circundou a zona da lagoa e depois é que vai a casa do cabo GGG), afirmando (como já havíamos dado conta acima) que desde a … deve ter sido uma batalha tremenda para o mesmo encontrar o caminho (sendo que o próprio na inspeção teve problemas de orientação) e estando desorientado terá demorado muito tempo a percorrer essa distância.

Instado sobre as distâncias entre a casa do cabo GGG; o sítio onde foi encontrado o carro patrulha e o hotel …, não as soube precisar com exatidão, salientando, todavia, que estas estão documentadas nos autos, como acima demos conta.

No seu longo depoimento a testemunha descreveu de seguida as diligências levadas a cabo até à detenção do arguido, salientando, entre o mais, que tendo sido informado, pela hora do almoço, que o arguido tinha passado por uma patrulha da GNR e havia sido encontrada a Toyota azul, dirigiu-se com uma equipa a …, dando instruções para preservarem vestígios e indícios, sendo que aquele veículo também foi trazido em reboque para exame mais pormenorizado no DIC da Guarda.

Estando em … quando aconteceram os factos de …, dos quais foi informado pelo comandante de …, na companhia de um especialista, chegaram à casa em causa, reservada com uma fita (pois já lá tinha estado a GNR), fecharam o acesso à mesma e nessa noite ainda fizeram a inspeção à residência, onde foram recolhidos vestígios hemáticos, biológicos e lofoscópicos.

Confirmando corresponder ao registado a fls. 1215 e ss., descreveu que tendo visto toda a casa, no 1º andar estava “virada do avesso”, ali encontrando uma mala (que confirmaram ser da FF); uma cadeira em frente à janela (denotando que alguém ali se havia sentado e utilizado tal sitio como ponto de vigilância); laços de tecido cortados, com nós e vestígios hemáticos; embora a casa não tivesse condições para cozinhar (nem sequer havia gás) existia comida cozinhada (o que lhe deu a ideia de que o arguido tinha sido ajudado), géneros alimentícios e garrafas com água; observaram claramente vestígios hemáticos, de luta e agressões, sendo que depois contataram FF que apresentada marcas evidentes de ter sido agredida, na cabeça, face e mãos (que aliás estão registadas e sujeitas a perícias).

Especificou que as vítimas tinham sido levadas para o hospital, onde falaram com ambos, confirmando as fotografias ali realizadas, quando estava a ser tratada, tendo sido eles que colheram as fotografias (não tendo o Tribunal valorado a singela referência da testemunha àquilo que a assistente lhe referiu no hospital, nos termos do art.º 356º, n.º7 do CPP, na sua interpretação mais abrangente) .

Acrescentou depois, como resulta da análise à prova pericial acima enunciada, que os exames biológicos e lofoscópicos vieram a confirmar que o arguido ali tinha estado (o que vai no sentido do depoimento de GG, absolutamente claro a este respeito, bem como do curto excerto das declarações da assistente FF lidas em audiência).

Mais adiante acrescentou que para a investigação era essencial a viatura de GG, no sentido de perceber o destino do arguido, tendo-se mantido em …, mas deslocaram uma equipa para …, tendo-a encontrado em Terra Queimada.

Também esta viatura foi examinada e aí apreenderam objetos de ambas as vítimas, nomeadamente roupa com vestígios hemáticos, correspondentes à referida FF e numa das peças mistura de vestígios hemáticos daquela e do arguido (em exame realizado em …).

Instado depois sobre múltiplos aspetos da sua intervenção referiu, entre o mais, que no veículo da GNR o apoio de suporte das mãos, do lado do pendura, mostrava-se arrancado e caído no chão; no km 45 (onde chegou pelas 11:00 ou 11:30) e em particular no local onde foi encontrada a mancha de sangue que se revelou ser de CC não havia vestígios de luta, embora seja difícil afirmá-lo pois a zona foi pisada e não estava preservada, sendo que não chegou a ver os corpos da DD e do CC; a mancha hemática que viram é de alguém que foi ferido e depois encosta ali a cabeça, ficando algum tempo a escorrer, criando uma mancha uniforme (as outras manchas no alcatrão mostravam ter sido impressas), concluindo que atento o exame de ADN conjugado com a roupa, o CC terá sido o primeiro a ser baleado.

Quanto ao demais salientou ter visualizado as imagens do posto de combustível (BP de Quinta …) que, não obstante a má qualidade, permitem ver duas passagens (uma em cada um dos sentidos), cerca das 4:00, do veículo da GNR (notando-se pelos pirilampos acesos, embora com o rotativo apagado), como resulta do auto de visionamento de fls. 1718 a 1724, o qual confirmou.

Aduziu também que a apreensão da pistola de calibre 7,65mm lhe foi comunicada pela GNR de …, após ter sido encontrada por um civil, tendo-se deslocado ao local acompanhado da GNR, precisando que a mesma estava enterrada, numa estrada onde foi visto o jipe Land Rover, sendo que foi depois remetido para o LPC, estando o resultado documentado no processo.

Acrescentando que foi a GNR que o levou ao local onde foi encontrada a arma de 7,65mm, referiu que os resultados da balística dão notícia de um processo antigo, e já a de 9 mm tem vestígios hemáticos cujo exame corresponde ao arguido.

Confrontado com o teor de fls. 2227 disse ter considerado este manuscrito relevante, o qual veio a ser examinado e comparado tendo a perícia concluído serem da autoria da mesma pessoa, por reporte ao apreendido na serra … e no Opel Astra branco.

Ora, sendo os documentos redigidos pela mesma pessoa, em função quer do seu teor, quer das circunstâncias em que foram apreendidos, é absolutamente evidente ter sido o arguido o seu autor.

Já quando confrontado com o teor de fls. 642 a 650 (auto de visionamento) referiu terem encontrado vestígios de disparo nesta camisola, salvaguardando que tal não implica que alguém tenha efetuado disparos com ela vestida, apenas afirmando que uma camisola semelhante tem resíduos de disparo, podendo ter transportado uma arma que disparou ou ter estado perto de uma arma que disparou.

Chamou a atenção, com toda a pertinência e relevo para a comprovação da intervenção do arguido no sucedido, para o pormenor de apenas terem descoberto aqueles registos por causa da factura e géneros alimentícios que encontraram na Serra …, pois encontraram nos objetos aí apreendidos uma factura do dia 11, com indicação da hora, na sequência do que diligenciaram pelas imagens registadas a essa hora no … de …, assim comprovando, de forma irrefutável, que foi o arguido quem fez estas compras (e assim quem havia deixado os objetos apreendidos na serra, onde se contava a Glock das forças de segurança, e estava em fuga às autoridades desde o sucedido junto ao hotel …).

Instado ainda quanto a mais pormenores da recolha probatória a testemunha referiu, entre o mais, que a roupa de EE e de BB foi recolhida pelos especialistas adjuntos no hospital, sendo que faltava o blusão do EE, perguntaram por ele e estava na GNR de …, dentro de um saco, tendo sido levado para lá pelo cabo GGG, desde a sua casa, dentro de um saco de plástico, que por sua vez estava dentro de um saco preto.

Acrescentou que nas instalações da GNR de … também estava uma camisola do CC e outra da DD, que tinham sido retiradas pela assistência médica, tendo sido o cabo EEEE quem as colocou em sacos individualizados de plástico, enquanto o casaco de RR já foi apreendido pela Polícia Judiciária e logo entregue aos peritos.

Ainda quanto ao verificado ao km 45, na zona da mata (local onde foram encontrados os civis), reiterou ter encontrado 2 invólucros de 9 mm; especificando que o Volkswagen Passat esteve parado na zona onde está a mancha, que é terra e não zona de mato, sublinhando que esse veículo Passat esteve na berma e não no mato (onde não havia sinais de rodados); é só na mata que identificam sangue da DD, a que acresce o já referido exame ao sangue no Passat, que indica que o CC foi baleado junto ao mesmo; está afastada a possibilidade do CC ter sido atingido na mata e depois trazido para junto do Passat porque apenas existe um percurso de arrastamento; considerando os elementos encontrados, e ressalvando que outro invólucro pode ter sido enterrado (mesmo ao passarem os bombeiros), tudo aponta à realização de três disparos.

Aduziu que a pistola Glock de BB encontrada na serra (ali deixada pelo arguido como acima se concluiu, juntamente com outros objetos daquele) foi a responsável pelos sobreditos disparos ao km45 e tendo vestígios hemáticos do arguido, conforme resultou dos exames periciais realizados, fácil se torna concluir quanto ao autor do sucedido com o casal … .

Da mesma forma sublinhou que dos vestígios biológicos e lofoscópicos recolhidos e dos ferimentos periciados à FF, dúvidas não tem de que é igualmente o arguido o seu autor.

Mais referiu que no alcatrão existe uma marca de travagem (fotos 21 e 23, que todavia não é comparável), que pela sequência presume que fosse rodado de carros, mas não o pode afirmar com certeza, sendo que o rodado não passa exatamente por cima, mas encosta à mancha hemática (foto 7 de fls. 1315), no sentido de Viseu (sendo que o vestígio junto à mancha de sangue não tinha qualidade para ser recolhido).

Duas notas ainda para a referência da testemunha a que em nenhuma das viaturas havia vestígios hemáticos do arguido, apenas depois, quando encontraram a Toyota azul, com caixa de madeira, nos toalhetes e no casaco da RR; e para a circunstância da Glock na Serra … ter (pensa que 5) munições.

Mais se considerou o depoimento de NNNN, nascida a … .02.1961, …, residente em …, que aos costumes disse ser irmã da FF, esclarecendo que viveu sempre muito perto da assistente e que esteve com ela no dia 16, tendo-a acompanhado até hoje, chegando a falar sobre o sucedido, sendo que nunca teve qualquer relação com o arguido, ou o conhecia, assim como aos demais intervenientes.

Na medida em que foi suscitada pelo Ilustre Mandatário da assistente FF que pretendia também ouvir a testemunha àquilo que lhe terá sido descrito pela irmã, nos termos do art.º 129º, n.º1, parte final, do CPP, tendo-se a tanto oposto o arguido, nos termos constantes da respetiva ata (n.º5), no que foi desacompanhado pelo Ministério Público e demais assistentes, pelo Tribunal foi então proferido o seguinte despacho:

“Atento o esclarecido na justificação da razão de ciência da testemunha e considerando as questões já suscitadas neste momento inicial quanto ao seu depoimento, maxime no que respeita ao segmento do mesmo relacionado com o que ouviu da sua irmã aqui assistente e demandante sobre o sucedido com esta, antes de ter ficado incapacitada de prestar declarações, como os autos atestam, importa, ainda que liminarmente, analisar da sua admissibilidade.

Como é jurisprudência assente a regra é a da invalidade do depoimento por ciência indireta, que só depois de confirmado se torna válido como meio de prova.

Ora, sendo consabido que a regra é que as testemunhas depõem sobre factos de que possuam conhecimento direto e que constituam objeto da prova (cfr. art.º 128º do CPP), a lei processual admite, no n.º1 do art.º 129º do CPP, que o depoimento possa incidir sobre meios de prova, em particular sobre outro depoimento ou, mais rigorosamente, sobre declarações cuja produção em audiência por quem as prestou, por motivos vários, se não mostra possível.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 12/10/2006, no processo n.º5998/06-3 (in www.dgsi.pt), “o actual Código de Processo Penal, no seu artigo 129º, n.º1, não estabelece qualquer proibição de produção dos depoimentos indirectos. Porém, prevê a proibição da sua valoração, na parte em que como tal devam ser qualificados, se o juiz não chamar a depor as pessoas indicadas pela testemunha como sendo a fonte originária do conhecimento por ela transmitido ao tribunal. Só assim não será se a inquirição dessas pessoas «não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas»”.

No caso vertente é patente neste momento que a assistente FF não está em condições de prestar declarações em juízo e que tal incapacidade será permanente (vejam-se os documentos clínicos e atestados já juntos aos autos).

Assim e sem prejuízo de ulteriormente o Tribunal deliberar sobre a necessidade e viabilidade legal de valorar tal segmento do depoimento a prestar (inclusive em face da junção dos relatórios periciais ainda em falta) o que verterá na decisão final, delibera-se, desde já, admitir o depoimento da testemunha com a amplitude acima referida, o que se consigna.

Se tal depoimento, neste segmento, será a final valorado e em que medida é matéria que se relega para momento ulterior à totalidade da produção probatória, sendo objeto de apreciação em sede de decisão final”.

Ora, aqui chegados e em função daquilo que entretanto se decidiu nos autos (e já aqui demos conta) relativamente à leitura em audiência das declarações prestadas em inquérito pela assistente FF, entendemos não valorar o relato que esta testemunha e as seguintes fizeram sobre o que lhes foi contado relativamente ao sucedido por parte da assistente.

E isto, essencialmente, por duas razões.

A primeira atendendo ao elemento literal da última parte do disposto no n.º1 do art.º 129º do CPP, em que condiciona à admissibilidade como meio de prova do depoimento indireto, às circunstâncias das pessoas indicadas a quem se ouviu dizer não poderem ser chamadas a depor devido à respetiva “morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”.

Como vimos acima e já apreciámos nos autos a propósito do disposto no n.º4 do art.º 356º do CPP (cfr. despacho de fls. 5317 a 5343 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a lógica subjacente à admissibilidade desta compressão dos princípios da imediação e do contraditório assenta numa ponderação feita pelo legislador, conforme à constituição, entre o apuramento da verdade material e os direitos de defesa do arguido.

Neste sentido, embora entendamos defensável opinião contrária, julgamos que o Tribunal apenas pode valorar estes depoimentos, nas partes em que são qualificáveis como “de ouvir dizer” nas exatas situações previstas na parte final do n.º1 do art.º 129º do CPP, sendo que no caso vertente e quanto à assistente se não verificam (embora se possa discutir se o seu estado clínico integra uma anomalia psíquica superveniente).

É que ao contrário do que o legislador ressalvou no n.º4 do art.º 356º do mesmo diploma, aqui não está prevista a “impossibilidade duradoira” da comparência da testemunha indicada (a que se ouviu dizer).

Assim, se o Tribunal entendeu poder valorar as curtas declarações que a assistente prestou perante autoridade judiciária atento o disposto no art.º 356º, tal já se não mostra possível no caso vertente à luz da parte final do n.º1 do art.º 129º quanto a estes depoimentos indiretos (embora, reiteramos, possa ser sustentado entendimento diverso, por exemplo, numa lógica de princípios e coerência sistémica).

A segunda razão pela qual se deliberou não valorar estes segmentos dos depoimentos que analisamos de seguida decorre da circunstância de que, atenta a demais prova já mobilizada e de que vimos de dar conta (objetiva, coerente e sustentada), tal valoração não se mostrar essencial ou mesmo particularmente relevante para apurar da verdade material subjacente a este excerto da pronúncia.

Dito de outra forma, não se mostra absolutamente necessário lançar mão da repetição de relatos para perceber o sucedido na casa … que, inegavelmente, teve como protagonista o arguido.

Importa todavia ressalvar o seguinte.

É que o exposto não se pode confundir com o conhecimento direto que alguma destas testemunhas tenham sobre aquilo que diretamente percecionaram nesse dia e nos ulteriores.

Com efeito, aquilo que está em causa e entendemos não poder valorar é, exclusivamente, a descrição feita por FF às testemunhas do sucedido na casa …, a que nenhuma daquelas assistiu.

Posto isto, o depoimento em causa relevou na medida em que a testemunha disse ser muito próxima da irmã, sendo que na véspera do sucedido esteve com a irmã até às 20:00, voltando a estar com ela no dia 16 e acompanha-a diariamente até hoje, sendo que, conforme já decorria da documentação junta aos autos (que acima demos conta), a testemunha logo referiu que a assistente FF sofreu um AVC em 29 de novembro, não conseguindo falar.

Relativamente à casa em questão, na parte final do seu depoimento, a testemunha precisou que fica em …, a cerca de 4 ou 5 Km de …, mesmo junto a uma estrada, entre a rotunda de … e o Lugar da …, sendo que este imóvel tinha sido em tempos de familiares da mãe (SS) e esta arrendou a casa.

Numa descrição que não envolve, como é facilmente percetível, qualquer reprodução do que lhe foi contado pela irmã sobre o sucedido com o arguido, mas apenas aquilo de que teve direta perceção, a testemunha explicou que, na sequência de uma conversa anterior, sabia que a assistente naquele dia ia a …, buscar correspondência à caixa do correio da mãe e arejar a casa, situação que ocorria com alguma periodicidade.

Posto isto e quanto ao sucedido no dia 16 a testemunha apenas sabe que, pelas 16:00 horas, recebeu uma chamada da irmã a dizer que estava gravemente ferida e logo lhe disse “aquele homem de … que anda a ser procurado pela polícia estava em casa da mãezinha” (sendo que isto é o que a testemunha diretamente percecionou no dia dos factos) .

Explicou que foi de imediato ter com a assistente à unidade de saúde de …, onde lhe disseram que a irmã estava a ser suturada e lhe haviam dado medicação para acalmar, descrevendo FF como tendo o rosto quase desfeito, cheio de sangue, com hematomas na face e mesmo no canto da boca (lábios abertos), dedos marcados no pescoço e magoada na parte exterior de ambas as mãos (disse estar irreconhecível).

Mais acrescentou que a irmã foi suturada na cabeça (pensa que levou 15 pontos), sendo que confrontada com os registos fotográficos de fls. 452 e ss. confirmou que viu assim a cabeça e a boca da irmã.

Referiu depois que em Janeiro, quando a autorizaram a ir a casa da mãe em …, viu um monte de pinhas no chão do quarto e cascas de batata em cima de uma cama.

Instada sobre a matéria do pedido de indemnização cível referiu que a irmã foi viver muito nova para …, sendo muito dedicada à mãe, a quem levou, algum tempo antes, também para …; não era casada, nem tinha filhos; trabalhava numa …, no … (…), onde auferia o ordenado mínimo, que era a sua única fonte de rendimento, com a qual fazia face às suas despesas e da mãe (onde contava com a ajuda dos irmãos), sendo que desde que está de baixa apenas recebe €360, que vão diretamente para suportar as despesas da instituição onde está.

Caracterizou a assistente como uma pessoa saudável, que vivia muito para a família, embora mais adiante no seu depoimento refira que hoje toma comprimidos para a tensão e está controlada, tendo já instruções para cessar a medicação, acrescentando que fazia alguns exames, mas não com muita regularidade.

Especificou que entre os dias 16 e 29 a assistente foi viver para casa de uma outra irmã (ela e a mãe); que a seguir ao sucedido a FF teve alta no próprio dia, embora com tratamentos diários; quando regressou a casa dela, com a mãe, passou a ir todos os dias dormir com elas, até ela ficar bem, sendo que nos tempos imediatamente subsequentes ao sucedido a assistente não andava bem, sentindo inquietação e muito medo na rua e mesmo no local de trabalho, dizendo-lhe a testemunha que tinha de esquecer, mas ela não conseguia, passava as noites sem dormir, a olhar para as mãos e para as lesões, recordando o sucedido; passados 12 dias voltou a trabalhar (até como escape para não estar sempre a pensar nisso); a assistente tinha muitas dores, dizendo-lhe que “sentia que a carne se tinha despegado dos ossos, o corpo desmantelado”; durante este período a irmã continuou a ser autónoma, mas com limitações e menos mobilidade até devido às dores; tentou sempre fugir dos meios de comunicação e das perguntas, falando de tudo com a família, sendo que já tinham pedido ajuda psiquiátrica; a testemunha ficou a viver e dormir com ela até ao dia 29, porque aquela estava numa situação de stress e com medo.

Explicou depois que no dia 29 de novembro a assistente teve um AVC, sendo que o médico de família aponta para uma situação pós-traumática (pois ela nunca foi hipertensa), na sequência do que foi internada e ainda está (o que, como vimos acima, foi pericialmente afastado).

Precisou que no dia 29 a irmã foi 28 dias para a unidade de AVC …; depois para … até janeiro; depois para o centro de reabilitação de …, até Março, e daí para os cuidados continuados da …, onde esteve dois meses e depois para as residências …, onde está até hoje.

Referiu que ela já conseguiu deixar a cama e as fraldas, assim como a cadeira de rodas, utilizando agora um tripé, embora não consiga levantar o braço direito, sendo que nota alguma evolução na mesma, mas com poucas perspetivas de recuperação total (referindo que ainda “tem sangue no cérebro que não foi absorvido”, o que lhe impede a fala).

Ao nível da fala só diz “olá”, “caramba” e “embora”, nada mais verbalizando, sendo que toma 20 comprimidos, está na fisioterapia das 8:00 às 11:00 e às 14:00 também faz tratamentos, os quais estão ser pagos com a baixa médica, de cerca de 300 euros, e os irmãos e a sobrinha também ajudam.

Acrescentou que a mãe vivia com a FF há 5 anos e no dia 30 teve de arranjar um lar, o que conseguiu em …, estando dois meses a pagar €1000 e agora €664, sendo a reforma da mãe €300 e a diferença suportada pela testemunha.

Salientou também que sempre que a irmã via o arguido na comunicação social dizia “lá está ele”.

Confrontada com a foto de fls. 789 confirmou que eram os rissóis que a irmã levou e reconheceu a respetiva caixa (embora não o saco da folha seguinte), o que permite concluir, para além do depoimento de GG e a circunstância de ter sido encontrado no veículo do mesmo, que o arguido levou tais objetos da casa …, com o que demais daí se infere quanto à sua intervenção no aí sucedido.

Instada sobre os bens retirados naquela casa referiu que apenas têm valor afetivo, sendo que o seu valor real se apura em cerca de €100.

Sem atender agora à ordem cronológica da produção da prova, mas porque se tratam de testemunhas que evidenciaram semelhante razão de ciência e relativamente a cujos depoimentos se colocaram as questões acima enunciadas e resolvidas, atentemos, desde já, aos depoimentos da outra irmã da assistente e da sua patroa, respetivamente OOOO e PPPP.

Assim, OOOO, nascida a … .07.1956, …, residente em …, irmã da assistente FF e que a tem acompanhado de perto após o sucedido.

Uma vez que também esta testemunha disse só saber o que a irmã lhe contou desde que chegou a casa do posto médico (no dia 16) relativamente à mesma, por maioria de razão, se pronunciou então o Tribunal nos termos acima consignados e se entendeu nesta sede desconsiderar o relato (indireto) do que lhe foi contado pela assistente FF quanto ao sucedido na casa … .

No que a esta inquirição respeita a testemunha disse ter falado com a sua irmã a primeira vez quando ela veio do posto de saúde, nessa noite, depois de ter tido alta, pois foi para sua casa, onde a recebeu e esteve 12 dias com a mãe.

Especificou que a assistente tinha a cabeça cozida e marcada; as mãos marcadas no pescoço; os pulsos cortados; a mão “empanada”; as pernas marcadas (de fitas) e a boca também toda marcada.

Referiu que quando chegou a casa só queria que ela descansasse e esquecesse, sendo uma dor muito grande olhar para ela e ver como estava, “tinha uma pasta de sangue na cabeça”, acrescentando que ia vê-la durante a noite, pois não dormia bem, o que se prolongou durante bastante tempo, afirmando mesmo que a irmã não dormia, sempre nervosa.

Acrescentando que iam com ela fazer os curativos ao posto médico, nomeadamente a filha e a irmã NNNN, sendo que ela tinha muitas queixas e dores na cabeça, referiu que tinha o corpo pesado (“o corpo a separar dos ossos”), e nos primeiros dias precisava muito de ajuda, nomeadamente para tomar banho (no primeiro dia deu-lhe mesmo de comer na cama).

Porque ela quis ir trabalhar, ao fim de 12 dias retomou o serviço, mas ainda com a cara amarelada, tendo depois voltado à sua casa, mas a irmã NNNN foi fazer-lhe companhia e dormia com ela (sabiam que não dormia bem), salientando que a assistente nunca mais foi igual, agora com receios, mesmo medo de andar na rua, o que antes não sucedia.

Relativamente à casa disse ter constatado que as roupas de cama tinham desaparecido, sendo que instada sobre o valor das coisas desaparecidas e inutilizadas apontou para talvez €100 ou nem isso, pois tratava-se essencialmente de lençóis e roupas da mãe.

Referiu depois que a irmã sofreu um AVC, na sequência do qual esteve muito mal, com sonda e fraldas, mas agora está a evoluir bem, inclusive deixou a cadeira de rodas.

Afirmando desconhecer os montantes exatos despendidos, salientou que são os irmãos e sobrinhos que estão a tentar assegurar os tratamentos e agora também a pagar o lar da mãe (sendo a NNNN que o paga).

Também esta testemunha referiu que a assistente era muito saudável, não costumando fazer exames médicos e nunca tomou medicamentos para a tensão.

Foi depois inquirida PPPP, nascida a … .01.1956, comerciante, residente …, que disse que a FF era sua funcionária há 23 anos, visitando-a agora regularmente, sendo que também a si foi relatado pela assistente o sucedido na casa … .

Também relativamente a esta testemunha se pronunciou então o Tribunal, em termos idênticos aos consignados a propósito do depoimento de NNNN, sendo aqui igualmente aplicáveis os considerandos expendidos a respeito da valoração restritiva que entendemos fazer daquele depoimento.

Afastada a valoração do depoimento, exclusivamente no segmento em que se limitou a descrever o que lhe foi contado pela assistente quanto ao sucedido na casa …, a testemunha referiu que a assistente esteve a trabalhar três semanas depois disto (tendo-lhe relatado várias vezes o que passou), caracterizando-a como uma excelente trabalhadora, afável, simpática com todos e uma pessoa em quem tinha a maior confiança, sempre bem disposta, nutrindo muito carinho por ela, assim como os clientes, que a adoravam e perguntavam por ela.

Instada referiu que nunca nos exames médicos realizados na medicina no trabalho lhe foi relatado algum problema de saúde da assistente ou esta aparentou problemas de saúde, assim como nunca se queixou, não a considerando uma pessoa doente.

Sucede todavia que, mais adiante no seu depoimento, esta mesma testemunha disse não saber quando foi a última vez que a assistente fez exames no âmbito da medicina no trabalho, concluindo mesmo que, se ela ia ao médico, seria ao médico de família e não a qualquer consulta no âmbito da medicina no trabalho…

Acrescentou que desde o sucedido e enquanto esteve a trabalhar, a assistente ficou completamente diferente, com necessidade de falar do caso, o que a aliviava, chorando muito, referindo que se sentia magoada, psicologicamente muito abalada e instável (chegando a dizer-lhe para ir para casa).

Disse também ter sentido que ela ficou com mais medo, indicando duas situações que ocorreram na loja e que antes não lhe teriam causado medo, sendo que nos últimos três dias achava-a muito instável e chorosa, mas não fez queixas.

Questionada sobre o vencimento da assistente disse não saber porque são assuntos com o escritório, podendo ser o salário mínimo…

Posto isto, que esgotada a produção testemunhal quanto ao sucedido na casa …, foram prestados esclarecimentos pela Sr.ª Perita QQQQ, nascida a … .02.1960, médica forense, com domicílio profissional em …, que nada tendo dito aos costumes, referiu ter feito autópsias e exames de avaliação do dano corporal em direito penal nos autos.

Conforme logo determinado no despacho que deferiu esta diligência, a Sr.ª Perita apresentou-se munida dos respetivos relatórios, tendo ainda trazido um crânio em plástico para exemplificar os esclarecimentos, sendo que lhe foram exibidas fls. 102 e ss. e 2637 e ss. dos autos.

Principiando pela autópsia realizada a DD refere que as agressões ocorrem em 11 de outubro de 2016 sendo que a morte advém em abril de 2017, confirmando o teor do relatório pericial que elaborou, reiterando que as lesões traumáticas iniciais (craneo-meningo-encefálicas) acabaram por ser causa da morte, sem qualquer dúvida, existindo enquadramento temporal.

Precisou que com estas lesões, sem ser assistida, a DD iria morrer, no espaço de horas ou em um ou dois dias (não pode precisar), pois além do mais estava absolutamente incapaz de se movimentar e continuaria prostrada no mesmo local (explicando mais adiante que tendo sido atingidos os lobos frontais e parietais -ou seja a zona motora- após essa lesão não conseguiria voltar a andar).

Ainda neste particular referiu que as complicações da bronquite purulenta resultam das lesões traumáticas, sendo uma consequência normal daquelas, sendo que tinha áreas de encefalite aguda que também decorrem das lesões traumáticas iniciais.

No que respeita à conclusão do ponto 4. está mais inclinada para al. b) referida no relatório, sendo que quanto às lesões na cabeça, explicou que foram produzidas com uma energia elevada, de forma repetida, admitindo a possibilidade de serem produzidas por pancada ou projétil, não podendo precisar mais na medida em que a DD não foi inicialmente vista por si, mas já depois de várias cirurgias.

Explicou que não tinha elementos suficientes, na altura em que fez o exame, para concluir por uma ou outra possibilidade e daí ter equacionado ambas, estando mais inclinada para a sua produção por projétil pois há uma onda de choque que se propaga (a qual quando entra ou toca na parte superficial do crânio, determinou fracturas também na parte da base, ou seja, o que fez a fractura teve energia para fazer também fractura ao nível da base, se fosse pancada a energia não seria tanta, sendo que a do projétil propaga-se e toda a massa encefálica vai ser atingida, inclusive à base do cérebro).

Acrescentou que o afundamento se deve a fracturas esquirolosas, descritas na TAC quando chegou ao hospital, admitindo que possam ter sido dois projéteis, mas não podendo assegurar tal conclusão.

Neste particular refere que podemos equacionar um projétil a ter atingido a parte mais superficial (o mais tangencial, que não entrou) e um outro que penetrou nos tecidos moles e atravessou a região cervical de um lado ao outro.

Esclareceu que os fragmentos ósseos foram retirados e puderam voltar a ser colocados, sendo esses que foram encontrados na parte abdominal.

Interessante a referência que fez à inexistência de lesões de defesa, mesmo no processo clínico que analisou, o que parece corroborar parte da versão do sucedido vertida na pronúncia, em particular quando à utilização de arma de fogo pelo arguido, que naturalmente inibe a vítima de uma reação física.

Incidindo depois sobre a autópsia que realizou a CC reiterou o vertido no relatório e concretizou a localização e descrição da entrada do projétil e saída pela região occipital, aduzindo que tinha queimadura em redor, o que indicia uma curta distância de disparo, cerca de 30 a 40 cm, mas não em cima da pessoa, dado que nestas circunstâncias seria diferente (o que vai no sentido da versão vertida na pronúncia).

Note-se que relativamente à DD é mais difícil responder, porque apenas a viu passados alguns meses, motivo pelo qual não pode afirmar que se tratou de um disparo a curta distância.

Outra circunstância que vai no sentido do vertido na pronúncia e acima dado como provado é a inexistência de hematomas no corpo do CC, onde apenas identificou o que descreveu, isto é, escoriações no braço, na parte posterior do braço direito, que podem ser derivadas de vegetação estando alguém a puxá-lo (e não propriamente resultante de agressão).

Relativamente à projeção de sangue do CC, apenas pode dizer que a face é altamente irrigada, podendo o disparo ter apanhado parte arterial interna, mais referindo que se ficar deitado no chão vai babando mais da ferida, nomeadamente na parte da saída ou seja, na occipital.

Por reporte à fotografia de fls. 102 refere que o que vê no carro não se trata de sangue projetado (o que se percebia desde logo pelo escorrimento acrescentamos nós) mas de “babar”, salientando que vai “babar” mais a parte da saída, acrescentando que poderia haver infiltração nos tecidos e o que se vê pode ser do “babar” da ferida.

CC poderia ter sido atingido e caído para trás, e ter “babado”, sendo que se a pessoa estivesse em pé, poder-se-ia ter ali encostado, e sempre com a ferida a “babar”, não propriamente criando projeção (salientando que aquele pode ter caído de frente, o mais normal é ter sido de costas e encostar). Parece-lhe, pois, que a hipótese do CC estar encostado à viatura logo após o disparo é compatível com os vestígios hemáticos (infirmando claramente o alegado disparo sobre CC junto ao veículo da GNR, referido pelo arguido).

Já no caso da DD, a lesão que foi de raspão poderá ser suscetível de projeção de sangue.

Quanto à posição em que estaria a DD quando se produz a lesão mais grave refere que quando alguém se move, oscila, sendo que ela tem uma cicatriz (que descreveu) que faz supor que a pessoa está mais estática do que em movimento, porque tem 160 para cada lado e não oscila (se a pessoa estiver sentada direita, ou em pé, será esta posição dos dois orifícios), pensando que estaria com a cabeça direita.

Igualmente se mostra comprometida a versão do arguido quando refere que esta teria sido alvejada em movimento quando fugia do marido baleado e o GNR que disparava na sua direção…

Mais refere que o primeiro disparo na DD terá sido o que atingiu a cervical, o mais superficial terá sido o segundo.

Já no que respeita ao CC refere não ser possível saber se ele estava encostado ao carro, mas pode dizer que ele morreu logo, em segundos (daí a factualidade acima não provada a este respeito e igualmente a impossibilidade deste se ter deslocado para junto do Volkswagen Passat onde o arguido disse tê-lo depois encontrado).

Por reporte à avaliação do dano corporal de EEreferiu apenas onde identificou a zona de entrada do projétil.

Instada também quanto a alguns aspetos da autópsia de BB, ressalvando que não foi quem a realizou, esclareceu que pelo respetivo relatório o mesmo morreu de imediato, salientando que o tronco cerebral tem a lesão da ponte que, não sendo completa, causa danos irreparáveis, pelo que, neste caso, poderão ser apenas mais alguns segundos, mas ainda assim a morte adveio próxima do instantâneo.

Questionada sobre a possibilidade do tiro que atingiu o CC também ter atingido a DD disse não lhe parecer plausível, apenas se ambos estivessem no mesmo plano, sendo que nunca poderia ser o projétil que vem da cervical, pensando ser pouco provável que possa ser o que a atingiu superficialmente.

Por outro lado, no disparo que atinge o CC atravessam-se estruturas ósseas, sendo improvável que fosse o mesmo que atinge a DD pois não teria força para depois atravessar várias estruturas ósseas.

Tão pouco é verosímil que o projétil que saiu do CC tivesse atingido a DD na cervical, pois esta teria de estar numa posição muito concreta para a bala entrar e sair tão direita como saiu (improvável até porque a autópsia não indicia que ela estivesse em movimento).

Ainda quanto aos disparos identificados reiterou que o tiro que atinge o CC terá sido disparado a cerca de 40 ou 50 cm, achando que 1 metro já será muito longe para as marcas que encontrou.

Já mais no que concerne aos pedidos de indemnização cível deduzidos por reporte à DD e ao seu sofrimento no hiato decorrido entre o sucedido ao km 45 e a sua ulterior morte explicou que a mesma apresentava bastante destruídas as estruturas sensitivas, motora, olfativa e a parte da fala, estando a occipital menos atingida, ou seja, a visão, podendo aquela (eventualmente) conseguir ver e reconhecer as pessoas.

Especificamente sobre o alegado sofrimento da mesma durante aqueles meses apenas pode referir que a DD poderia sentir sofrimento, sendo que em escala de Glasgow a classificação 10 é já muito elevada, ressalvando que aquela estaria consciente do modo que poderia estar atentas as suas circunstâncias…

Ficamos, pois, numa posição inconclusiva quanto ao sofrimento e real perceção da DD nos meses que antecederam a sua morte, pelo que não podemos ir mais longe do que acima consignado na matéria provada (como veremos existem relatos díspares das testemunhas quanto ao estado e interação da DD durante o internamento).

Temos assim que os esclarecimentos da Sr.ª Perita, fundamentados e enunciadores dos pontos em que poderia haver dúvida, foram de grande utilidade para a formação da convicção do Tribunal.

Já no plano exclusivamente cível, por reporte ao pedido formulado por LL, foi inquirida RRRR, nascida a … .12.1985, auxiliar da ação médica em …, residente na Quinta … e amiga da LL e do BB desde sempre.

A testemunha referiu que desde criança que conhecia ambos e sabia da relação de namoro já há muito tempo, dizendo que, no mínimo, viviam juntos (referindo relação de cama e mesa) 2 anos antes disto acontecer (embora primeiro tenha falado em 3 anos), sendo que viviam na mesma vivenda, na parte de baixo da casa dela, sendo vizinhas e convivendo.

Referindo que no verão de 2014 o BB já lá vivia, pois muitas vezes saíam de casa à mesma hora e via-o sair (o que todavia não implica necessariamente uma situação coabitação), acrescentou que até foram de férias juntos.

Acrescentou que “luz” era comum e dividiam as coisas, umas vezes era ela e outras o BB que lhe dava o dinheiro para pagar (não especificando como sabe estes pormenores), aludindo a um empréstimo para habitação, porque iam reconstruir uma casa, o qual já estava aprovado (e deve corresponder ao que acima aludimos na indicação da prova documental junta).

Mais adiante no seu depoimento precisou que a casa onde viviam era de um tio do marido dela e viviam lá porque estavam a construir uma casa, sendo que quando a LL se separou, no início de 2013, começou pouco tempo depois a namorar com o BB, e em 2014 já viviam juntos, antes do Verão, porque já foram de férias juntos e ele já lá vivia nessa altura.

Referiu ter “a certeza que vivia lá, porque vivia por cima e eles por baixo, via lá as coisas dele, de manhã ele saia e muitas vezes o via sair e chegar. Era impossível não viver lá, eu vivia no mesmo local”. Todavia, como já tivemos oportunidade de sublinhar, existem outros depoimentos (como o do cabo GGG e outros a que aludiremos infra), que transmitem outra realidade quanto ao início da coabitação do casal, o que não contende com a circunstância de BB ali pernoitar, inclusive amiúde, sem que se tratasse já de uma partilha estável e reiterada de cama e mesa.

Caracterizou a relação deles como sólida, afirmando que a assistente LL ficou muito abalada com o sucedido, pois o BB era um pai para o filho dela (do anterior casamento, então com 7 anos) convivendo os três diariamente, constituindo a sua perda um grande sofrimento, muito difícil para todos.

Aduziu que a assistente em causa foi acompanhada por um psiquiatra, tendo-a acompanhado a uma consulta, ainda falando regularmente com uma psicóloga e tomando medicação.

Foi também considerado o depoimento de SSSS, nascido a … .05.1983, militar da GNR em exercício de funções no Posto …, que ali foi colega e amigo de BB desde 2010, não conhecendo o arguido ou as demais pessoas envolvidas à exceção do EE, que também conhecia de …, mas com o qual não tinha a mesma amizade.

Esta testemunha referiu que o BB lhe disse que conheceu a LL (o que se estranha em face da suposta relação desde crianças relatada pela anterior testemunha) e falou-lhe na relação com ela, desde o início de 2013, precisando que andaria com uma rapariga que estava numa fase de divórcio.

Referiu que quando se casou, em Maio de 2014, eles já viviam e foram juntos ao seu casamento, sendo que desde então também passaram a ir a casa deles, recordando um jantar na Quinta …, e muitas vezes saiam juntos para o trabalho, vendo que ele morava lá, acrescentando que desde a altura do casamento da testemunha, o BB comentou que já estava a viver com ela (sendo que outras testemunhas aludem a comentários daquele em termos distintos, como é o caso, entre outros do cabo GGG).

Ainda neste particular e mais adiante no seu depoimento a testemunha aludiu a uma conversa em que o BB lhe disse que o divórcio se estava a arrastar, mas reiterou que em 2014 viviam juntos (sendo de notar que a própria LL, como veremos infra, refere que esperou pelo divórcio para oficializar a relação deles, o que torna inverosímil que antes deste eles vivessem juntos).

Acrescentou que como os pais chateavam o BB e não aceitavam a relação por ela ser casada e ter um filho, ele chegou a ponderar ir para outro local (o que parece infirmar qualquer coabitação antes do divórcio, que como vimos acima se oficializou apenas em 12.03.2014, cfr. fls. 5304 a 5306), mas no entanto relacionava-se com os pais apesar destes problemas, não cortando relações com eles e frequentando a sua casa, com quem a testemunha disse que BB morava antes de ir viver com a assistente.

Note-se que, mais adiante, a testemunha acaba por dizer que quando o BB foi viver com a LL foi “na altura do divórcio”, mas quando começaram a namorar ainda não.

Questionado sobre as contas domésticas disse desconhecer como o casal se articulava, apenas sabendo que eles contraíram um empréstimo para uma casa, que já era para ter sido iniciada, tendo visto o projeto.

Mais referiu que depois do sucedido continuou a falar com a LL, a qual ficou muito triste com a morte do BB, sofrendo bastante.

Foi também ouvida TTTT, nascida a … .05.1981, psicóloga, residente em …, que disse conhecer LL e EE no âmbito das suas funções, explicando que foi solicitada a sua intervenção porque fazia parte da CPCJ e o município de … não tem psicólogo, cabendo-lhe prestar apoio a ambos, sendo que não conhece o arguido ou as demais pessoas envolvidas no sucedido.

A testemunha começou por referir que viu a LL pela primeira vez em casa dos pais do BB, a qual dizia que não acreditava no sucedido, queria morrer pois a sua vida não fazia sentido, falou-lhe também no filho, sendo que a incentivou a continuar a sua vida.

Refere que atualmente a LL está na casa onde tem recordações e quando vive alguma situação mais constrangedora liga-lhe, continuando a dizer que não pode viver sem o BB, tomando medicação prescrita pelo psiquiatra.

Afirmou que a assistente vive em enorme sofrimento e muito triste, sendo que o filho perguntava-lhe porque aconteceu aquilo ao BB, existindo uma relação muito forte entre ambos, recusando-se esta a falar da situação.

Já quanto a EE disse tê-lo acompanhado desde o início, precisamente quando aquele veio do hospital, sendo que antes apenas o conhecia de vista.

Explicou que tentou conhecê-lo; falou dele com a mãe e irmã, que lhe disseram que ele era muito ativo, brincalhão, sociável e gostava de ajudar, sendo que depois do sucedido ficou muito apático, apenas sorrindo quando ela o visita; estava a vê-lo uma vez por semana, durante 7 ou 8 meses, e agora quinzenalmente; ele sempre lhe disse que gostava da sua profissão e da cavalaria, sendo que no início ele pouco falava, porque estava deitado, tinha um colar na cervical e esteve acamado cerca de 3 meses, e com o colar cervical mais tempo; tinha ainda dificuldade em articular as palavras e mesmo hoje, pelo telefone, tem dificuldade em o compreender, sendo que faz fisioterapia 3 vezes por semana.

Acrescentou que ele se queixava de dores, tendo de se levantar e sentar de vez em quando, sendo que esse quadro de dor, que se verifica desde o início e se mantém, sendo que toma muita medicação para ansiedade e para dormir (10 comprimidos por dia, sem os quais não consegue dormir), denotando muita angústia, todos os dias revendo o trajeto todo, a toda a hora fala nisso, revivendo esses momentos com lágrimas nos olhos.

Inicialmente ele só dizia “aconteceu o que a Dra. sabe” mas com o decurso do tempo ia contando o sucedido e ficava nervoso, ansioso e com raiva quando, por vezes, via as notícias.

Também fala no BB e diz que se sente frustrado por não ter conseguido salvar o colega, sendo que não consegue entrar no posto, a testemunha já tentou que ele o fizesse mas correu mal, ficando tão ansioso que até vomitou.

Neste sentido salientou que o EE diz que não quer voltar ao posto, nem à profissão, sendo que lhe entregaram a farda nova, mas nem abriu o saco e não quer ouvir falar da GNR (achando muito difícil ele continuar na GNR, tendo neste momento fobia social).

Aduziu que aquele deixou de querer conviver, sentindo-se frustrado por não ajudar os pais e diz que se sente um inútil para a sociedade.

EE tem sempre a porta fechada à chave e as janelas sempre fechadas, com medos, chegando mesmo a verbalizar que teve medo de morrer, tendo “desligado” pois sabia que ia morrer.

Denotando evidente razão de ciência, a testemunha protagonizou assim uma descrição bem pormenorizada e expressiva das dificuldades com que o assistente EE lida diariamente e como a vida que levava ficou irremediavelmente comprometida com tudo aquilo a que o arguido o sujeitou.

Também no âmbito do pedido cível, desta feita o formulado pelos pais de BB, foi inquirido UUUU, nascido a … .07.1987, militar da GNR em exercício de funções no Destacamento de Trânsito de …, o qual disse ser amigo de infância de BB e conhecer EE de vista.

Afirmando que são de uma aldeia pequena e desde a infância sempre frequentou a casa dos pais do BB, continuando mesmo agora a visitá-los em casa, em regra mensalmente, mantendo-se a amizade.

Descreveu os demandantes, antes da morte do filho, como pessoas sociáveis, alegres, que gostavam de conviver (organizando festas de aniversário onde muitas vezes participava), e o ambiente em casa do BB como saudável e alegre, sendo que tinham uma boa relação com o filho e apenas algumas divergências relacionadas com a LL.

Afirmou que agora são pessoas mais tristes, menos conversadores e isoladas (deixaram inclusive de ir ao café como faziam e às festas da aldeia), que continuam de luto, não conseguindo ainda perceber o porquê do sucedido, o que lhes gera muita revolta e torna todo este processo penoso.

Explicou que tinham muito orgulho na profissão do filho, que era um militar competente, expressando isso em público, sendo que o BB era alegre, extrovertido e brincalhão, sempre pronto a ajudar, tratando-se de um filho dedicado, que ajudava os pais na vida da agricultura e em casa.

Instado referiu que os demandantes já lhe disseram que tinham medo, quando o arguido ainda não tinha sido detido, sendo que hoje chegam a ter pesadelos e dificuldades em dormir, já os tendo visto muitas vezes chorar.

Relativamente à coabitação do BB com a LL disse pensar que ele saiu de casa dos pais em julho de 2016, embora antes já frequentasse a casa da LL mas ainda não vivia lá (à semelhança do referido, entre outros, pela testemunha GGG).

Explicou que tem esta data presente, porque coincide com a data em que o BB lhe disse que ia colocar um chão flutuante e só depois se mudaria para junto da namorada.

Foi depois inquirido VVVV, nascido a … .09.1975, funcionário público (… no Município do …), residente em …, que disse conhecer o BB, os pais e a LL, por ter casado há 18 anos na Quinta …, esclarecendo que vai lá muitas vezes pois é onde os sogros residem (próximo da casa dos pais do BB e da que ele ia construir), não conhecendo o arguido ou as demais pessoas envolvidas.

Com uma relação de amizade desde há 18 anos, a testemunha disse frequentar a casa dos pais do BB, com os quais conviveu e convive, assim como com o BB.

À semelhança da anterior testemunha (e com idêntica razão de ciência), afirmou que os demandantes em causa antes do sucedido eram alegres e socializavam, estando agora totalmente diferentes, mais fechados e dentro de casa (não frequentam festas ou cafés) ainda estando de luto.

Afirmou que o BB tinha uma boa relação com os pais (que tinham muito orgulho nele e na sua profissão), a quem ajudava na agricultura (o que viu muitas vezes), sendo que chegou a vê-los chorar muitas vezes, com muita revolta e sofrimento.

Mais caracterizou o BB como bem-disposto, falador e alguém para quem estava sempre tudo bem.

Instado sobre a relação com a LL afirmou que o BB sempre viveu com os pais, não tendo chegado a viver muitos meses antes da morte com a companheira, o que terá sucedido talvez no Verão anterior ao sucedido, sendo que nunca foi a casa da LL.

Questionado acerca do motivo pelo que refere o Verão anterior, diz que se apercebeu de que estavam publicamente juntos em junho ou julho antes da morte, e não muito antes disso.

Semelhante descrição foi protagonizada por XXXX, nascido a … .08.1980, …, residente em Quinta …, que disse conhecer os pais e o BB desde que nasceu e conhecer de vista o EE.

Também esta testemunha disse frequentar com regularidade a casa dos pais do BB, sendo um amigo de casa, mesmo depois do sucedido, falando mais com o pai.

Afirmou que desde a morte do BB que são mais retraídos, não saem do seu espaço (e por isso está menos com eles), sempre de luto (viu-os chorar uma ou duas vezes) e desabafando com ele (chegaram a dizer-lhe que têm pesadelos e que não conseguem esquecer, com muito sofrimento), sendo que antes eram pessoas alegres, bem dispostas e uma família unida.

Também esta testemunha referiu que o BB era o braço direito dos pais na agricultura e ajudava com os irmãos.

Sabia que ultimamente o BB tinha uma namorada, tendo vivido com os pais até se juntar com a mesma, o que ocorreu talvez meio ano antes desta situação, apontando para o início do Verão antes dele falecer, acrescentando que ele lhe falou disso e que “ia viver com a namorada”, não tendo dúvidas de que foi em 2016 (não tendo vivido mais de meio ano com ela), assim como lhe falou num empréstimo para habitação, mas não sabe pormenores.

Instado referiu que nunca foi a casa da LL, desconhecendo se os pais do BB aceitaram ou não aquela relação com ela.

Também conhecedor da vida de BB, foi inquirido ZZZZ, nascido a … .06.1987, militar em funções no posto de …, residente em …, que disse ser amigo daquele (desde a escola) e da família desde 1999, assim como conhecia o EE, como camarada, desde que trabalha em … e a DD de vista da escola, mas sem particular ligação.

A testemunha disse saber que à data dos factos o BB estava há alguns meses a residir com a companheira, e isto porque o mesmo lhe tinha contado isso em agosto de 2016, ocasião em que lhe disse que já estava há alguns meses a viver com ela (não precisando há quanto tempo).

Afirmou que o BB ajudava os pais no campo, sempre que saia do serviço, assim como apoiava a família, nomeadamente levando o irmão para o futebol e indo com os avós ao médico.

Caracterizou-o como alguém que tinha sempre um sorriso, muito divertido e que animava o grupo onde estava, com o qual convivia diariamente.

Os pais tinham muito orgulho nele e na profissão, era um bom camarada e profissional.

Referiu que frequentava a casa dos pais mensalmente, 2 ou 3 vezes por semana encontravam-se, sendo que agora a família mudou drasticamente, passando de um agregado alegre e divertido para estarem sempre abatidos e tristes, vendo-os constantemente a chorar e sempre de luto, denotando muito sofrimento.

A estas matérias foi ainda ouvido AAAAA, nascido a … .10.1950, reformado (…), residente em …, que disse conhecer os pais do BB desde pequenos e depois conheceu também o BB, sendo que conhecia a DD de vista.

Esclarecendo que era praticamente vizinho, quer dos pais, quer da companheira, afirmou claramente que o BB estava com ela desde julho do ano em que faleceu, acrescentando que numa aldeia pequena se sabe de tudo (embora nunca tenha abordado diretamente o BB sobre o assunto).

Referindo ter trabalhado com o pai e o BB, frequentando a casa, mesmo depois da morte daquele, afirmou que antes do sucedido tudo era diferente, pois eram reinadios, felizes e alegres, tratando-se de uma família muito unida, pessoas que gostavam de conviver e participavam nas festas.

Agora deixaram de o fazer, estão sempre tristes e continuam de luto, isolam-se mais e estão sempre a chorar quando se fala nisso, evidenciando muito sofrimento.

Com efeito, salientando que os pais tinham orgulho no filho, a situação foi dramática, tendo-lhe já dito muitas vezes que passam noites em claro, não tendo dúvidas em afirmar que os demandantes vivem em sofrimento.

A testemunha descreveu o BB como alegre, amigo de ajudar, sendo que ajudava os pais quando vinha do trabalho, fazendo o que fosse necessário.

Já relativamente ao pedido de indemnização cível deduzido por EE foi inquirida a sua irmã, BBBBB, nascida a … .05.1972, …, residente em … .

A testemunha começou por dizer que, antes disto, o irmão era muito divertido, gostava de viver e ajudar os outros, cativava as pessoas e era meigo, brincando muito com as duas sobrinhas (suas filhas).

Em casa colaborava a ajudava os pais, saia do trabalho e ia sempre ajudar nas terras, sendo que o pai tem 80 anos e era o irmão que fazia os trabalhos mais pesados e andava com o trator.

Profissionalmente referiu que o irmão era da cavalaria, montava e adorava fazer patrulhamento com cavalos.

Em contraste, referiu que nas semanas seguintes ao sucedido o irmão ficou sem vida, muito triste, várias vezes dizia que também devia ter partido, tendo estado numa cama articulada, dependente de terceiros e nem a barba conseguia fazer (repetindo muito “o que ando cá a fazer”).

Afirmando que o acompanhou nas primeiras consultas, primeiro semanais, depois quinzenais e mais tarde mensais, precisou que esteve 3 meses numa cama articulada, depois teve uma tromboflobite e tinham de o levantar por causa das feridas.

Esclarecendo que fala todos os dias com ele por telefone e visita-o mensalmente, especificou que o irmão não tem a parte do osso do nariz e o médico dizia que ele não podia espirrar, pois o olho podia deslocar-se, tendo de abrir ao máximo a boca para espirrar, sendo que ele nem gosta que se fale nisto, sentindo vergonha e não gostando de se ver ao espelho.

Descreveu que o irmão tem todos os dias uma enorme angústia por ter uma bala alojada no corpo, não pode andar em pisos com vibrações e o mero facto de se virar ou fazer uma força maior, pode ser extremamente perigoso (nos primeiros tempos a mãe tinha de lhe calçar as meias porque um simples movimento podia ser perigoso).

Atento o seu estado de saúde, mental e físico, onde as dores são uma constante, usa um penso devido às dores insuportáveis (o simples facto da lâmina passar na pele da barba provoca dores enormes), tendo de tomar 10 comprimidos por dia (sendo 2 para dormir).

Quanto ao seu estado anímico e expetativas referiu que ele tem esperança, mas o organismo não evolui tão bem quanto pretendiam, sendo que não pode montar, utilizar o trator ou ajudar na agricultura (deixando os pais de poder contar com ele).

Acrescentou que ele começou a ficar com fobia social, mesmo quando tem de ir fazer os tratamentos não quer ver as pessoas, tem medo do contacto social e de tocar no assunto.

Revivendo o estado do irmão nos primeiros dias, explicou que no primeiro dia que regressou a casa ficou no piso de baixo e arranjaram uma mini enfermaria para ele, com uma cama articulada que a GNR de … lhe facultou, salientando que nessa noite gritava pelo colega, com pesadelos, e mesmo atualmente só dorme com comprimidos.

Com o decorrer do tempo e para além da enorme frustração que continua a sentir por não ter conseguido salvar o colega, engordou cerca de 20 kg.; apesar de ter a farda que lhe enviaram, não lhe consegue mexer ou olhar para ela (o que lhe causa tristeza); vive com medo, fechando as portas constantemente e também as janelas, o que se verificou antes e depois de ter vigilância em casa.

Referiu ainda que várias vezes o irmão disse que pensou que ia morrer, sendo que a primeira coisa que disse foi “não sei como estou aqui, pensei que ia morrer”, o que demonstra bem, como já decorria das suas declarações, o sofrimento indiscritível que EE sofreu e ainda vivencia.

Ainda quanto à matéria de facto alegada neste pedido foi inquirido CCCCC, nascido a … .04.1968, …, residente em … (…), o qual disse conhecer o EE há vários anos, porque é vizinho e foi presidente de junta na mesma freguesia onde habitam ambos.

Referiu que o EE sempre foi boa pessoa, ajudava os pais no tempo livre, sendo bem disposto, sociável e na aldeia dava-se bem com todos, mas após o sucedido tornou-se uma pessoa totalmente diferente, triste, sempre preocupado com o futuro, não estando bem física e psicologicamente.

Acrescentou que o EE tem uma bala alojada no corpo e tem medo do que lhe possa acontecer se esta se movimentar, o que é um trauma que o preocupa diariamente.

Para além disso o assistente vive hoje com limitações, não podendo fazer a vida que fazia, estando traumatizado (pois o que ele passou mudou-o totalmente), sendo que no início tinha muitas dificuldades em falar sobre isso, pensando todos os dias no colega e mesmo para dormir tem de tomar a medicação, para além de agora não gostar de estar com pessoas como antes.

Mais referiu que profissionalmente, perante o que ele diz, não será fácil retomar o trabalho após o sucedido.

Já quanto às testemunhas arroladas pelos assistentes e demandantes KK; MM e NN e pelo demandante JJ, foi inquirido DDDDD, nascido a … .03.1964, … e atual … da junta onde vivem, residente na Av.ª …, em … (…), sendo primo direito da MM e por afinidade do NN e por isso primo do CC e por afinidade da DD, o qual disse conhecer bem os pais da DD.

Explicando que o CC e a DD também habitavam em … e desde miúdo que conheceu o CC e se deu bem com ele e os pais, sendo que se tratava de um jovem sempre bem comportado, fez o 9º ano da escolaridade e com bom aproveitamento, tendo começado a trabalhar a partir dos 15-16 anos, quando a mãe adoeceu e talvez tenha abandonado os estudos para os ajudar (pois a mãe está reformada por invalidez).

Descreveu ainda o CC como uma pessoa sociável e muito criativo, que fazia trabalhos para os pais, de quem era o braço direito, os quais inclusive compraram um trator para ele conduzir, sendo que mesmo depois de casado, e com prédios dele, continuou a ser muito dedicado aos pais (tendo ainda uma irmã), os quais são agricultores e têm ovelhas e cabras para leite e venda de animais.

Acrescentou que o CC esteve na Junta de Freguesia, onde foi um … muito dedicado, tendo começado em outubro de 2013, sendo respeitado por toda a gente.

Descrevendo a vida do CC referiu que trabalhava na …, com um cunhado, e depois do horário de trabalho ajudava diariamente os pais; gostava de pescar com regularidade; de motas; de jipe, participando em passeios; tirou a carta de caçador, estando à espera da carta de uso e porte de arma, mas não chegou a iniciar esta atividade pois faleceu; tinha um terreno com umas colmeias, pois também gostava desta atividade.

A testemunha referiu que eram uma família harmoniosa estando agora “arrasada” e em sofrimento, sendo que quando falam sobre isso choram, numa angústia total.

Acrescentou que o CC fez uma casa, muito perto da dos pais, onde habitavam ele e a DD depois do casamento (tendo ambos vivido com os pais até ao casamento), constituindo um casal muito feliz, sendo que a DD também ajudava os sogros. Eram pessoas saudáveis e estavam a tentar ter um filho, recordando que em 2011 os viu muito tristes e soube que ela esteve grávida de 7 meses e teve de abortar, sendo que continuaram a tentar e no dia do sucedido iam para … fazer tratamentos de fertilidade.

Quanto à DD referiu que trabalhava na … de … e era dedicada, as pessoas gostavam dela e esta ajudava no que podia; tinha animais; gostava de música e de ir aos bailes; pensando que existia um relacionamento bom com os pais dela, que se deslocavam diariamente a ver a filha.

Embora não conhecesse bem os pais da DD sabe que vivem um sentimento de grande angústia e emoção.

Neste conspecto foi também inquirido EEEEE, nascido a … .02.1984, …, residente em …, o qual disse conhecer o CC praticamente desde a infância (são da mesma geração), assim como a DD e os assistentes KK, MM e NN e o demandante JJ.

Sendo amigo de infância do CC, caracterizou-o como uma pessoa honesta, trabalhadora, divertida e sociável, cujas qualidades o levaram, quando foi Presidente da Junta de Freguesia de …, a convidá-lo para fazer parte da lista, como … .

Em particular no que à Junta de Freguesia respeita, iniciou funções em 2013, onde esteve até à data da morte, sempre preocupado com as pessoas, dedicado e empenhado, sendo que em … era ele que representava a Junta e contactava diretamente com as pessoas, mesmo para além do horário de atendimento.

Acrescentando que ele viveu com os pais até ao casamento, afirmou que o CC era o “braço direito e o braço esquerdo dos pais”, pois quando saia do trabalho na … ia ajudar os pais, nomeadamente na agricultura e na pastorícia, sendo ele que fazia praticamente tudo, manobrando ainda com o trator e alfaias agrícolas (até porque o pai não tem licença de condução e a mãe é praticamente inválida).

Mais referiu que o CC gostava de pesca, caça (estando a tratar da licença de caça), motocross e tinha também um terreno, onde se dedicava à apicultura.

Depois desta tragédia, que envolveu toda a freguesia, gerou em todos sofrimento e aos pais em particular, os quais nunca mais foram os mesmos (não obstante terem outra filha, mas que não vive lá), não só porque os ajudava em tudo, mas também porque o CC em regra ia almoçar em casa dos pais, vivendo a 50 metros deles, existindo uma convivência diária.

Afirmou que são pessoas em constante sofrimento, sendo que a MM ainda este ano, no dia de todos os Santos, esteve todo o dia no Centro de Saúde porque tinha o filho no cemitério.

Quanto à DD sabe que trabalhava nos cuidados continuados, em …, não conhecendo a relação com os pais dela.

Descreveu a DD e o CC como um casal perfeito, nunca se apercebendo de qualquer discussão entre eles.

Foi também inquirido FFFFF, nascido a … .10.1970, … no Jardim de Infância de … e residente nessa localidade, que disse conhecer CC desde pequeno e a DD desde o casamento, mais conhecendo os demandantes, pais da DD e do CC, sendo que os demandantes NN e a MM são seus tios.

Dizendo que acompanhou sempre o CC, desde pequeno, quando trabalhou na escola de …, o qual gostava de lutar pela vida e trabalhava muito, adorava a família, trabalhando atualmente na … com o cunhado (UU), e quando saía ajudava os pais em tudo (nomeadamente na agricultura e na pastorícia), pois eles são pessoas doentes e contavam com o filho para tudo.

Salientou neste particular que o trator é do tio NN e da tia MM, mas o CC é que andava com ele, sendo que o CC e a DD também tinham um terreno com colmeias, mas com a morte do filho os pais tiveram de mudar a sua vida, sendo para eles muito difícil, não podendo continuar a tratar os terrenos e tendo vendido algum gado porque não podiam continuar com tantas cabeças.

Referiu que depois do casamento o CC e a DD foram viver para uma casa que estavam a construir, perto de casa dos pais dele e num terreno oferecido por estes, e depois da sua morte falou muitas vezes com os tios e via que estava a ser muito difícil, eles não são já as mesmas pessoas, estando muito tristes, sendo que eram uma família muito unida.

Como as anteriores testemunhas, referiu que o CC aos domingos gostava da pesca e estava a iniciar-se na caça, sendo que com a DD constituía um casal feliz, davam-se sempre muito bem e esta também ajudava na vida do campo.

Acrescentou que ele era … ou secretário na Junta, preocupado e amigo de ajudar as pessoas, tendo lá estado 3 anos.

Também conhece os pais da DD, a qual gostava muito deles, referindo que se tratava de uma pessoa muito humilde, meiga e trabalhadora, sendo que a paixão da DD era sempre andar com o CC.

Referiu ainda que depois da morte da DD pouco falou com os pais dela, mas nota-os também pessoas magoadas e tristes.

Por seu turno, UU, nascido a … .03.1981, … e residente em …, referiu que a MM e o marido são seus sogros e conhecer a KK e o marido por serem os sogros do seu cunhado CC.

Esclarecendo que é casado com a irmã do CC, referiu que os sogros só tinham dois filhos, conhecendo aquele desde que começou a namorar com a sua mulher, há cerca de 15 anos, salientando que além de cunhado foi patrão do CC durante 4 anos, e aquele trabalhava para si à data da morte, como seu auxiliar na …, auferindo cerca de €471,47 trabalhando das 8:00 às 17:00 e um ou outro sábado.

Descreveu-o como uma pessoa bem disposta, conversadora e que gostava de trabalhar, sendo muito produtivo (inclusive fora do horário de trabalho) e capaz de evoluir, para além de que era uma pessoa saudável, muito forte, apenas tendo estado de baixa por um problema num dedo.

Também esta testemunha referiu que depois do horário de trabalho o CC ia para casa dos sogros e fazia todo o trabalho que era necessário, sendo que ele vivia na mesma propriedade dos pais (mesmo em frente deles), que lhes deram o terreno e foi viver para lá quando se casou (até casar viveu sempre com os pais), mantendo sempre um convívio diário com os pais.

O CC fazia todo o trabalho na agricultura, também com o trator (porque os pais não podem e o trator foi comprado apenas para ele poder tratar das coisas), sendo que o seu prédio (do CC) apenas tinha abelhas e umas árvores.

A DD também ajudava, estando sempre presente em tudo o que ele fazia, depois do seu horário de trabalho, acrescentando que eles adoravam pesca e jipes.

Após o sucedido os pais deles já tiveram de vender parte dos animais e vão vender ainda mais, pois apenas conseguiam com a ajuda do CC e da DD, sendo ele quem agora anda com o trator, mas tem pouco tempo para ajudar os sogros.

Mais referiu que havia uma enorme harmonia familiar, ele era um filho muito dedicado, sendo quem geria a casa dos pais.

Já a DD também era exemplar, adorava conviver com ela, sendo muito sociável, prestável, salientando que trabalhava … em … já há algum tempo.

Revelou também que os sogros estão destroçados, faz-lhes falta o pilar da casa, estando sempre a chorar e tenta-se evitar falar no sucedido, concluindo que não têm alegria de viver, para nada, estando num sofrimento permanente.

Relativamente aos pais da DD, pensa que também se davam muito bem, estavam muitas vezes juntos e tinham um relacionamento ótimo, sendo que ela ia regularmente a casa dos pais, os quais sentem também a dor da falta da filha, muitas vezes os tendo visto chorar.

A respeito do período que mediou entre o sucedido e o falecimento da DD referiu que os pais dela estavam sempre presentes, nunca a tendo ir ver que eles não estivessem com ela, o que pensa faziam diariamente.

Referindo que ia visitá-la e que as pessoas falavam para ela, houve momentos em que dava a sensação de que percebia, ela apertava-lhes a mão e dava a sensação que tinha reações também com os olhos (pensando que tinha consciência do estado em que se encontrava).

Já quanto às testemunhas arroladas por KK e JJ foi considerado o depoimento de GGGGG, nascido a … .01.1973, técnico superior … na Câmara Municipal de …, residente na …, que disse conhecer a KK e o marido; a MM e o marido; o CC e a DD, bem como o BB e o EE de vista.

Referindo conhecer a DD desde muito jovem, pois são da mesma terra e reside na mesma rua, também a conhece como Vice Provedor da … de …, dado que a mesma trabalhava na …, na unidade de cuidados continuados, desde finais de 2009 ou início de 2010, como auxiliar de serviços gerais (ajudando a dar banho aos utentes, o pequeno almoço e almoço e fazendo a limpeza dos quartos), onde auferia aproximadamente o salário mínimo (tendo ainda frequentado um curso profissional de cozinha).

Dizendo que era das melhores funcionárias e os utentes gostavam muito dela, tendo uma relação excelente com todos, descreveu-a como sendo muito amável e simpática, a qual se dava muito bem com os pais (sendo que muitas vezes, quando regressava do trabalho, via o carro dela junto da casa dos pais).

Mais referiu conhecer o CC, mas nunca tendo privado com ele, salientando que a DD queria muito ser mãe, tinha tido antes um aborto, aos 7 meses, sabendo que andava a fazer tratamentos.

Não a tendo visitado após o sucedido, a testemunha acrescentou que antes disto os pais dela eram sociáveis, participavam nas atividades da povoação, o que deixaram de fazer, apresentando-se muito mais reservados, e a mãe muito abatida, em grande sofrimento (muitas vezes a viu chorar).

Foi depois inquirida HHHHH, nascida a … .10.1975, … de lar e centro de dia, residente em …, que disse ter sido colega de trabalho da DD de 2011 a 2016 e conhecer o CC, assim como os pais deles e os sogros.

Referindo que por duas vezes chegou a ir a casa da DD, caracterizou-a como uma pessoa muito alegre (sempre a ouvir música e a cuidar dos seus cães, galinhas e patos), com quem toda a gente se dava bem, a qual gostava muito da família, dos pais e do irmão, constituindo com o CC um casal que se dava muito bem, tratando-o por “amor”.

Especificou que a DD fazia a higiene e alimentação dos utentes, que gostavam muito dela e da sua simpatia, trabalhando das 8:00 às 16:00, sendo que depois do horário de trabalho passava em casa dos pais e ia para casa.

Acrescentou que durante o tempo em que esteve internada foi visitá-la quatro vezes, chegaram a ir três colegas, sendo que uma vez, quando a … a chamava, ela puxou-lhes as mãos, ficando com a sensação que as reconheceu.

Mais disse saber que os pais iam visitá-la todos os dias, estando agora muito tristes e totalmente diferentes.

Seguiu-se o depoimento de IIIII, nascida a … .09.1976, desempregada (…), residente em …, que disse conhecer a DD desde a infância e o CC mais tarde, assim como os pais deste.

Explicou que os pais eram padrinhos de batismo da DD e frequentavam a casa uns dos outros, caracterizando esta como alguém muito simples; humilde; bem disposta e com alegria de viver; o seu sonho era ser mãe (sendo que já tinha engravidado e sofrido um aborto); tinha uma grande paixão pelo marido (que até se via no tratamento por “amor”); fez o 12º ano e tirou um curso de … (ou …); gostava de música e de animais, referindo que o casal tinha um terreno de castanheiros na … e os pais ajudavam.

Antes deste acontecimento os pais eram alegres e divertidos, sobretudo a mãe, o que não mais sucede, vendo-os hoje em sofrimento, muito tristes e sem vontade de viver, muitas vezes a chorar, recordando-os desesperados quando iam ver a filha.

Sendo que a DD esteve várias vezes internada, foi vê-la com os pais, os quais todos os dias a visitavam, percorrendo mais de 50 quilómetros, durante todo aquele tempo, recordando que era muito desesperante, havendo dias que parecia que abria e fechava os olhos quando os pais lhe pediam para dar um sinal, e chegou a apertar-lhe a mão, aduzindo que chegou a ver lágrimas cair da cara da DD.

A testemunha JJJJJ, nascida a … .05.1986, … na Santa Casa da Misericórdia de …, residente em …, que disse conhecer a DD desde que foi trabalhar para a Santa Casa, talvez em 2010, foi depois inquirida, reiterando a imagem da DD já expressa pelas anteriores testemunhas.

A este respeito referiu, entre o mais, que a DD era auxiliar e cuidava dos doentes, ajudando os enfermeiros; era muito dedicada, despachada e boa profissional; todos os enfermeiros adoravam falar com ela e os utentes gostavam muito dela; não lhe conhecia problemas de saúde, apenas de fertilidade, que ela desabafou consigo, tendo acompanhado a gravidez e o aborto, afirmando que aquela nunca desistiu de ser mãe, indo frequentemente a … e … a consultas; era muito trabalhadora e mesmo depois do serviço ajudava os pais e os sogros na agricultura, pensando que ela tinha terrenos e animais.

Quanto ao marido apenas conheceu o CC no casamento, não tendo grande confiança com ele, mas assegurou que a DD gostava muito dele, sabendo também que eles gostavam de motas e por vezes ela dizia que ia com o marido.

Já antes conhecia os pais da DD, chegou a ir apanhar cerejas a casa da mãe, e eles tinham um bom relacionamento, que se notava.

Após o sucedido referiu que chegou a visitá-la todas as semanas em …, normalmente sozinha e depois em …, uma vez, encontrando lá os pais (que pensa que iam diariamente), sendo que tentavam comunicar com ela e tinham uma grande esperança que ela ficasse boa.

Sem o poder garantir refere que a DD terá sofrido muito, pensando que ela tinha consciência e conhecia algumas pessoas, referindo que uma vez entrou o irmão e disse “ó mana” e ela abriu logo os olhos (o que nenhuma testemunha referiu…), embora consigo não tenha reagido.

Salientou que agora os pais dela estão destroçados e continuam em constante sofrimento, sendo que a mãe da DD não consegue dormir, não conseguindo lidar com esta perda.

Seguiu-se o depoimento de XX, nascida a … .09.1983, …, residente em …, irmã do CC e filha dos demandantes MM e NN, conhecendo também os pais da cunhada DD.

A testemunha disse ter crescido com o irmão, a quem só deixou para se casar (com o UU), numa relação muito próxima (era o único irmão), logo afirmando que ele era tudo para os pais, nunca quis sair dali para não os deixar e era a proteção deles.

Explicou que a mãe ficou inválida muito cedo e como os pais são pobres o irmão sempre sentiu a responsabilidade de ficar com eles, os quais lhe deram o terreno para construir a casa e para ficar perto (a mãe até o chamava da varanda e ele aparecia).

Como referido por várias testemunhas, disse que o seu irmão viveu com os pais até se casar mas sempre almoçava com eles (só assim não era quando a DD estava de folga) e, muitas vezes, ia com a DD almoçar com a mãe, sendo que esta tinha também uma excelente relação com os sogros.

Também repetiu que o CC é que ajudava em tudo, pois os pais têm graves problemas de saúde, sendo ele que assumia os trabalhos na agricultura e na pastorícia, indo também às gestas, estrumava os currais, o que assegurava quando saía do trabalho.

Sendo também … da Junta, exceção feita às quartas-feiras (que era o horário da Junta), ia sempre fazer o trabalho para os pais, os quais compraram um trator para ser o irmão a fazer os trabalhos (pois a mãe não pode e o pai nem tem carta de condução).

Caracterizou o irmão como uma pessoa muito alegre, que cantava, contava anedotas e tinha muitos amigos; adorava pesca, motas, jipes e fazia passeios que a cunhada acompanhava, sendo que eles tinham um terreno com colmeias e árvores de fruto.

Neste particular referiu que a DD estava sempre com o irmão, eram um casal muito amigo e ela também ajudava em tudo e dava-se bem com a sua mãe (precisando depois que o irmão estudou até ao 9º ano e a DD fez o 12º ano e depois um curso de … ou …).

Após o sucedido afirmou que a mãe chegou muitas vezes a dizer que se matava, estando sempre a chorar (chegou a estar paralisada), sendo que os pais não dormem (e o pai tem problemas de coração) e têm de tomar medicação, não querendo sequer falar sobre isso.

Mais referiu que os pais venderam logo ovelhas, cerca de 50 e vão ter de vender mais, porque não podem continuar com o gado sem o irmão, tendo também deixado de cultivar alguns terrenos.

Passando para a prova arrolada pelo arguido, foi inquirida a sua irmã, KKKKK, nascida a … .06.1978, …, …, residente em …, a qual foi advertida nos termos do art.º 134º do CPP, tendo declarado pretender prestar depoimento.

A testemunha afirmou que viveram momentos horríveis, passando quase um mês sem saber se o irmão estava vivo ou morto, e explicando finalmente a sua detenção referiu que tendo a avó sido dali retirada por causa destes acontecimentos e levada para …, quando foi a casa dela regar as plantas (no Domingo antecedente à detenção), viu a porta do frigorífico aberta com um papel onde estava escrito “quero entregar-me em segurança, vou tentar chegar aqui dia 8, ou se não conseguir, dia 11”, tendo de imediato desfeito o mesmo e isto deixou-a preocupada pois os inspetores da PJ tinham lá estado e garantido (o inspetor M…) que se ele aparecesse e o entregassem à GNR ia ser morto…

Pelo exposto contactou a atual defensora do arguido e combinaram que ele fosse entregue, em segurança, no dia 8, sendo que quando o arguido chegou foram para casa de uma amiga íntima, TT, ali ao lado, após o que se deu a entrega com a comunicação social.

Instada pelos Ilustres Defensores referiu que o irmão dizia que se queria entregar, era um cidadão e queria a verdade, por eles e pelos filhos, e que tinha de “assumir as responsabilidades”…

Referiu, entre o mais, que o arguido sempre teve dificuldades com sono, sendo habitual ficar a dormir na carrinha e frequentemente tinha de parar para dormir porque se não o fizesse despistava-se. Todavia depois referiu que o irmão nunca fez sequer tratamento…

Referiu que 21 dias antes do sucedido houve factos que o deixaram feliz, sendo uma família muito amiga e afetuosa, tendo lutado 8 anos por uma criança que sofria, a sobrinha OO, filha do arguido, tendo conseguido a guarda da criança, fizeram uma festa e a OO estava feliz com o pai.

Também o segundo filho do arguido, LLLLL, tinha tido um problema cardíaco e após a operação estava bem e tinham acabado de saber que ia ter um terceiro filho, sendo que o arguido não conhece o filho mais novo, que já nasceu depois de estar detido.

Estavam assim todos num momento maravilhoso da vida, o arguido estava feliz, com projetos de vida, estavam a fazer coisas juntos, na quinta, sendo que a testemunha estava a fazer o doutoramento, tendo parado tudo e com os problemas de saúde do pai (…) e da avó, “a vida tem sido uma dor intensa”.

Acrescentou que a família reza todos os dias pelas vítimas e famílias, salientando que o arguido rezava para que a DD pudesse falar, tendo essa expectativa, sendo que inclusive os mandava rezar por ela (fazendo o próprio novenas por ela).

Caracterizou o irmão como alguém pacífico e bondoso (“demais”), com enorme afeto com os filhos e toda a família, salientando que a situação de violência doméstica foi “só verbal”, sem contacto físico (sendo que “ele ficou doido” porque a criança estava em casa sozinha), dizendo mesmo que numa ocasião viu-o dar comida a uma pessoa que precisava.

Refere que muitas vezes ele foi abordado pela GNR, pois a ex-mulher tinha conhecimentos na guarda, sendo … na cavalaria da GNR, referindo mais adiante que o próprio arguido lida com os animais como nunca viu alguém (salientando que ele não mata animais, mas vende gado para abate).

Reiterando que nunca o viu fazer mal a alguém, disse que aquela noite destruiu famílias, e a deles foi uma delas, sendo que o irmão sempre foi muito paciente, apaziguador, julgando que tem de ter acontecido algo muito grave para justificar o que aconteceu, dando a entender que o arguido ainda não lhe contou a sua versão do sucedido…

Aliás, neste particular referiu ter visto o irmão chorar pela DD quando morreu, dizendo todavia não saber porque é que ele queria que a DD falasse.

Também ao contrário do referido pela ex-namorada, disse que nunca viu alteração súbita de humor no irmão, nem dupla personalidade, referindo que o arguido saiu de casa quando se casou e depois voltou a viver lá, sendo que aos fins de semana ela estava sempre com o irmão, embora desde os 18 anos não o acompanhe diariamente.

Confrontada com a discrepância entre a descrição que fez do irmão e os seus antecedentes criminais disse apenas, para além do acima referido, que no que respeita aos processos crime em que o irmão esteve envolvido, sabe que os teve, mas não sabe quantos, desconhecendo se o irmão andava armado (o que se estranha em alguém descrito como nada violento e bondoso, em que o natural seria saber que o mesmo não teria qualquer razão para andar armado).

Por outro lado, também se estranha a descrição do arguido pela testemunha como alguém incapaz de matar animais, considerando as armas e munições do arguido apreendidas nos autos.

Reiterando que o arguido nunca lhes disse o que fez, seja porque não houve tempo na altura e nunca esteve sozinha com o irmão nas visitas no EP, referiu depois, de forma reveladora, que o não terá feito porque os iria desiludir (falando por reporte à carta acima referida que ele terá escrito e a testemunha assume ser dele).

Sobre outra situação explicou que … é a cerca de 2 km da casa dos pais, não sabendo se o irmão conhecia a moradora da casa ou as filhas, sendo que ela não conhecia, como também não conhecia o Sr. GG.

Reportando-se ao bilhete do arguido a perguntar quem morreu, referiu que o irmão disse-lhe que chegou a pensar que fosse o pai que tinha morrido, confirmando que naquele período morreu em … um … e ali quando morre alguém tocam os sinos.

Referindo que o primeiro casamento do irmão durou apenas meses e ele logo regressou a casa dos pais, sendo que com a mãe da OO tinham residência alternada em … e …, já com a Dr.ª AAA, ela vivia em … e o irmão estava quase sempre em casa.

Ainda quanto às fiscalizações pela GNR de que foi alvo, nunca o irmão lhe referiu qual o motivo concreto destas ou qualquer problema com algum elemento da GNR.

Instada sobre a camisola do arguido registada nas câmaras do … referiu que tinham um projeto “Live” e fez várias camisolas, tendo oferecido uma camisola da águia ao irmão.

Depois foi inquirida MMMMM, nascida a … .09.1967, …, …, residente em …, que disse ser amiga do arguido desde a infância, pois foi colega de escola da irmã e sempre se lembra dele como visita de casa, desde que a irmã foi para a escola, em … .

Mais adiante no seu depoimento especificou que vive em … desde há 5 anos e até aí, desde um ano de idade, sempre esteve em …, vivendo na casa onde depois passou a viver a avó do arguido, convivendo socialmente com ele (em cafés e discotecas) mas sem frequentar a casa dos pais.

Começando por dizer que a sua tarefa “…é muito ingrata, mas a pessoa que eu conheço não tem nada a ver com o que vejo na comunicação social”, referiu que se há pessoa que não é perigosa é o arguido, sendo um bom amigo, que tenta ajudar, muito meigo, delicado e cuidadoso com todos (sendo a antítese do que é descrito na comunicação social), inclusive caracterizando-o como tendo sempre sido uma pessoa altruísta e muito dedicado aos animais (suscitando-se as mesmas interrogações enunciadas a respeito de semelhantes considerações tecidas pela anterior testemunha).

Mais adiante reiterou que quer ela, quer os amigos de …, não identificam o arguido como sendo a pessoa descrita pela comunicação social.

A testemunha disse conhecer a filha do arguido, OO, tendo acompanhado a situação e o drama daquele não poder estar com ela, referindo que à data dos factos tinha ficado com a guarda da menina (há menos de um mês) e por isso estava numa fase feliz da vida, sendo que o arguido tem mais dois filhos, um com 2 anos e outro com meses (que nasceu já quando ele estava detido).

Acrescentou que a família do arguido está destroçada, tratando-se de uma família muito respeitada em …, e referiu que tendo chegado a falar com elementos da GNR de …, os próprios não percebiam, porque o arguido “não funcionava assim”, dizendo-lhe que o AA assumia os factos e colaborava (até numa busca que fizeram à sua quinta ele colaborou).

Sendo curioso o motivo porque alguém tão bondoso e pacífico tantas vezes “assumia os factos” e inclusive foi sujeito a uma busca, tentou depois a testemunha justificar tais referências com várias “diligências com a GNR” por causa da ex-mulher, que foi a sua “desgraça”.

Sucedendo-se a reiteração de elogios à personalidade do arguido e suas virtudes, deu como exemplo um processo em que o representou e em que ele foi ofendido, porque foi insultado e “deram-lhe cabo” da mota, mas ele nem sequer reagiu e tendo o acusado sido condenado a pagar o arguido nem sequer lhe foi pedir o dinheiro.

Todavia quando confrontada com a existência de processos em que AA figurasse como arguido disse saber que eles existiram, mas desconhece o respetivo desfecho…

Igualmente estranho é a testemunha não saber o que o arguido profissionalmente fazia ou qual a sua ocupação em concreto, não colhendo a justificação de que tal se deve a estar há 5 anos em … atentos outros aspetos recentes da sua vida que disse conhecer.

Foi também ouvido NNNNN, nascido a … .02.1971, empresário em nome individual na área …, residente em …, que disse ter uma relação de amizade dos tempos de escola com o arguido, até aos 20 anos, esclarecendo que ultimamente tinham contatos esporádicos, sendo também amigo dos pais e da irmã.

Referindo ter ido algumas vezes a casa do arguido, tendo-o acompanhado desde a escola até aos 20 anos, disse que a sua família é estruturada e funcional, sendo uma casa onde sempre se sentia bem e era muito bem recebido.

Também alude ao arguido como um amigo de infância, que estimou e estima, cuja imagem era pacificadora, recriminando a violência, sempre o tendo defendido. Todavia importa reter que este relato reporta-se até aos 20 anos de idade da testemunha, pois como esta logo referiu, desde então os contatos são esporádicos, dizendo mesmo que há 27 anos que não contatam…

Precisamente na localização temporal da descrição que fez, a testemunha refere que para si o arguido é uma pessoa sem maldade, com quem conviveu toda a juventude, sendo alguém da simpatia geral e de quem toda a gente gostava, bem como da sua família (eram pessoas com mais posses, mas recebiam bem toda a gente).

Concluiu que as pessoas em … gostam do arguido e continuam a acreditar que ele é o que sempre foi, tendo carinho por ele.

Mais foi inquirido OOOOO, nascido a … .01.1979, …, técnico de …, residente em …, o qual disse ter uma relação de amizade, desde criança, com o arguido, sendo que já tiveram projetos juntos de negócios e também compras de alguns animais.

A testemunha que disse visitar regularmente o arguido na prisão, refere que este era e é religioso, sendo que teve a expetativa de que a DD pudesse recuperar e falar, porque para ele só ela é que poderia dizer o que aconteceu naquele dia.

Ora, se a DD e o marido apenas surgem no caminho do arguido bem depois do sucedido no hotel …, não se percebe bem como é que ela poderia ser a única a contar o que se passou… (com certeza a testemunha esquece que EE sobreviveu e descreveu já o sucedido antes).

Acrescentou que nos últimos dois anos, quase todos os dias falava ao telefone com o arguido, pois tinha uma situação semelhante à dele, com a filha, e desabafava com ele.

Ao contrário do referido pela irmã do arguido, esta testemunha disse que este se sentia perseguido pela GNR, não sabe bem porquê mas associando a ex-mulher à perseguição pela GNR, devido às queixas que ela fazia (a qual era … de cavalos e devia conhecer elementos da GNR por causa da cavalaria, constando que ela tinha um namorado da GNR de …, mas nada sabe de concreto).

Também esta testemunha veio referir que o que se tem falado na comunicação social não corresponde à pessoa do arguido, tendo assistido a cenas que o comprovam, como o arguido convidar romenos para almoçar na mesa dele, pagando, e numa outra situação viu-o dar dinheiro a mendigos, tratando-se de alguém muito bom, que não matava animais, mas cuidava e os levava para casa, nunca o tendo visto ser mau para alguém.

Acrescentou que ainda agora tem preocupação com os cães, sendo um pacificador e incapaz de matar o que seja…

Fica também quanto a esta testemunha por saber o motivo das armas e munições que o arguido possuía, pois que sendo confrontado com a circunstância do arguido poder ser caçador, disse não o saber e nunca o ter visto caçar ou sequer lhe conhecer qualquer arma (desconhecendo que tinha licença de caça).

Descrevendo a família do arguido diz que esta sempre lhe ensinou o bem, nunca ouvindo dizer que ele era bipolar ou violento, exceto a mãe da filha, que o acusava disso mesmo, acrescentando que este “é de uma família rica”, mas sempre trabalhou para arranjar dinheiro, criando e vendendo gado e ainda cortava o mato, mesmo sem precisar.

Não obstante esta proximidade (e para além de não conhecer o arguido como caçador e possuidor de arma) a testemunha disse ter visto o LLLLL filho do arguido uma vez, não conhecendo o filho mais novo do mesmo (não obstante este não viver em …) ou a ex-namorada RR, referindo no final do depoimento que afinal nos últimos três anos não conviveu muito com o arguido…

Referiu, por último, que ele tinha algum receio da GNR, mas nunca lhe disse que tinha qualquer amigo da GNR ou alguém com quem convivia.

Foi depois inquirida PPPPP, nascida a … .06.1956, …, residente em …, que disse ser amiga do arguido e da família, desde os 2 anos daquele, referindo que os pais do arguido lhe cederam um terreno para fazer a sua casa.

Esclarecida a evidente proximidade com a família do arguido, a testemunha descreveu-o como tendo sido uma criança afável, educada, com uma educação de “ouro”, com boas maneiras, das “grandes famílias de …”, família de princípio, muito conceituada, o AA sempre foi muito generoso, fazia o bem às pessoas.

Referindo que o arguido vem na linha da família e da educação que teve, chegando a recolher pessoas na quinta, dando-lhes abrigo, acrescentou que ele tratava do terreno dela sem exigir nada em troca e que a carrinha dele andava sempre de um lado para o outro, a distribuir lenha a quem precisava…

Afirmando que se trata de uma pessoa muito querida em …, aduziu que mesmo na guarda da filha, manteve sempre o controlo, não obstante todas as falsidades que a mãe da filha inventava a seu propósito.

Sempre colocando a nota de que o arguido é um bom filho pois teve bons pais e é um bom pai pois lutou muito pela filha, aventou que nunca faria nada que pusesse em perigo a possibilidade de criar a filha, sendo uma pessoa solidária, até para além do normal, um “ser humano com letra maiúscula”, altruísta e conciliador.

Explicou que o arguido tem um filho que nem sequer conhece e tem outro menino que é o LLLLL, que ela também não conhece, porque não vive em …, sendo que então estava com uma felicidade enorme com a guarda da OO.

Desconhecendo se o arguido era caçador, tão pouco alguma vez o viu com uniforme de piloto de aviação civil, mas ele disse-lhe que andava a tirar a “carta de piloto”, por fases…

Relativamente aos problemas que ele teve com a justiça, a mãe do AA chegou a dizer-lhe que a mãe da criança na tentativa de obter a guarda da filha, levantou calúnias sobre o comportamento dele, mas desconhece outros processos.

Depois foi inquirido QQQQQ, nascido a … .10.1973, …, residente em …, que disse ter uma relação de amizade com o arguido desde os tempos de liceu, conhecendo a família dele desde há muitos anos, sendo que eram mais frequentes os contactos e depois apenas, de tempos a tempos, porque é consultor na área agrária e têm tido contactos com alguma frequência nos últimos anos, para conversarem sobre projetos agrícolas, sendo que tinha estado com ele na véspera dos acontecimentos.

Com efeito, a testemunha afirmou que esteve com o arguido no café, na véspera destes acontecimentos, onde aquele lhe falou na guarda da filha e disse que tinham de retomar um projeto que tinha em vista na quinta de … (projetos agrícolas, de investimentos e de instalação de uma exploração agrícola).

A última situação que conversaram foi relativa aos terrenos em …, com as condições pessoais resolvidas, da guarda da filha, seria mais forte a possibilidade do projeto, que disse tratar-se de planos concretos, na sequência de outras reuniões, indo começar a estudar mais em concreto a planificação e os investimentos.

Referiu que nesta reunião (que disse ter sido espontânea e num café), o arguido apresentou muita motivação, devido à filha, sendo que ele tem três filhos, um deles nascido há pouco tempo.

A mãe do arguido foi sua … e desde sempre teve uma ligação muito próxima, quase familiar, sendo que sobre o arguido pode dizer que foi desde os tempos de liceu um companheiro muito próximo, fazia parte do grupo restrito de amigos, recorrendo a ele quando necessitou, em fases complicadas da vida, e ele esteve sempre presente (quase como um irmão).

O arguido sempre foi uma pessoa disponível para ajudar quem necessitava, sendo que a pessoa que conhece é de boa índole, com princípios, muito humano e bom.

Mais referiu que a família está destroçada, sem forças e com pouca motivação para a vida.

Considerando as várias versões sobre o momento a partir do qual BB passou a viver com LL, determinou-se por despacho de fls. 5340 a 5343 (cujo teor aqui se dá por reproduzido) a tomada de declarações ao assistente HH, nascido a … .08.1960, …, …, residente na Quintas … (…).

Ora, o assistente confirmou que o filho tinha uma companheira, que era a também assistente LL, com a qual foi viver no dia 10 de julho de 2016, o que até foi dito pela LL à sua esposa, tendo esse dia presente pois o filho era o amparo da casa, sendo que nesse dia saiu de casa, esteve ao pé dele e da mãe, e à noite lhes disse que a partir desse dia ia viver com ela e só lhe disseram “que tenhas muita sorte” (sendo que o assistente não aceitou bem isso).

Precisou que quando ele se mudou, ia levando as suas coisas à medida que precisava, mas no quarto ainda tem as botas dele e tudo o mais, pois a mãe não quer mexer em nada.

Esclareceu que antes disso, ele dormia lá em casa, podendo entrar mais cedo ou mais tarde, mas a regra era dormir em casa dos pais (quando não trabalhava passava a manhãs a dormir em casa), acrescentando que antes ele não contribuía para as despesas da casa, a internet deixou-a aos irmão e quando foi viver para o pé dela, pediu outra.

Mais disse saber que ele tinha um empréstimo com a LL, que era para o banco lhe facilitar o crédito, julgando que quando fizeram esse contrato já viviam os dois, desconhecendo o tempo que namoraram, mas cerca de um ano pelo menos seria.

Referiu também saber que ele tinha uma conta bancária com a mãe e depois de ter ido viver com a LL passou a ter o nome dela em vez da mãe (reiterando que a titularidade da conta foi alterada quando já viviam juntos).

Instado referiu que a LL vivia no rés-do-chão e o irmão na parte de cima, depois, quando o irmão saiu de casa (pois concluiu a casa dele), ela mudou-se para a parte de cima e só nessa altura é que o filho foi viver com ela (porque antes nem tinha espaço ou condições). 

Espelhando a desaprovação daquela relação, referiu que nunca foi visitar a LL ou o filho na casa dela, a sua mulher também não, sendo que os irmãos poderão ter lá ido, mas não sabe.

Na sequência do requerido e determinado no despacho de fls. 5340 a 5343 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), foram tomadas declarações à assistente LL, nascida a … .01.1986, …, …, residente na Quinta …, … .

Questionada nos termos do art.º 348º, n.º3 do CPP, a mesma disse ter tido uma relação amorosa com o BB, e instada a precisar as suas circunstâncias referiu, de forma nem sempre linear e objetiva (ao contrário do assistente HH), que tendo-se separado do então marido em 2013, esteve um ano para se divorciar, passando a viver com o BB desde junho de 2014, quando ele começou a dormir e a fazer refeições na sua casa (caindo por terra assim a versão da testemunha SSSS que afirmava que aquando do seu casamento, em maio de 2014, eles já viviam juntos, assim como o referido a este propósito por RRRR).

Porque os pais dele não aceitavam a relação tinham de fazer as coisas às escondidas, sendo que em junho ou julho de 2016 assumiram publicamente a relação, altura em que ele se mudou por inteiro para lá (o que em rigor não corrobora sequer a versão do pedido cível).

De forma confusa referiu depois que não obstante o que disse publicamente todos sabiam que eles namoravam (ora se namoravam apenas então não estavam unidos nos termos alegados no pedido cível…).

Instada referiu que o BB contribuiu para as despesas da casa desde junho de 2014, por vezes pagando ele algumas contas, precisando que ele pagou a Meo em 2015, sendo que o contrato foi feito em setembro.

Acrescentou que o BB comprou uma casa em ruínas e fez-lhe uma doação de metade da mesma em 23.02.2016, sendo que por alturas do empréstimo ele também a acrescentou como titular da sua conta e removeu a mãe (e ele tinha lá dinheiro a prazo no qual não tocou).

Instada a precisar a alegada vivência conjugal, a assistente secundou-se na preocupação do BB em evitar conflitos com os pais, referindo que ele por vezes saía de sua casa para a casa dos pais e vice-versa.

A versão do pedido cível da assistente é novamente abalada, diríamos mesmo irremediavelmente, quando esta depois refere que em 10 de julho de 2016 o pai coloca o BB fora de casa (data que aquele igualmente aponta como a da saída do filho de casa, embora em diferentes circunstâncias), coincidindo com a altura em que a mãe dele lhe começou a falar.

Ora, se só então o BB sai de casa é porque a coabitação alegada pela assistente não se verificava, ou pelo menos, não da forma como se mostra alegada in casu.

No decurso das suas declarações e após requerimento do arguido nesse sentido, considerando a posição assumida pelos demais sujeitos processuais, bem como a justificação apresentada para tal, verificados os pressupostos do que o art.º 356º n.º 2 al. b) e n.º5 do CPP faz depender a leitura de declarações de assistente e partes civis previamente prestadas nos autos, procedeu-se à leitura das linhas 3 a 7 de fls. 3061.

Daí resulta, em síntese, mas de forma clara, que a assistente referiu que “…em 2013 começou o relacionamento amoroso com (…) BB e que em Julho de 2016 decidiram oficializar o seu relacionamento passando a viverem juntos na Quinta …, n.º…, …” (sublinhado nosso).

Tentou depois justificar estas declarações, relembremos corroboradas por várias das testemunhas acima aludidas, considerando que a “oficialização” foi passar para a parte de cima da casa, quando ambos o decidiram, sendo que na altura disse aquela data para “não lavar roupa suja”, evitando problemas, sendo que a data verdadeira é 2014.

Ora, esta justificação, em face do que se vem de expor, não colhe.

Se ainda algo importa acrescentar após a análise da prova produzida a este respeito, haverá apenas a reter que não se alcança qual a “roupa suja” a evitar lavar perante uma inquirição nos serviços do Ministério Público, quando em causa estava apenas a indicação ad latere de uma data, que na sua versão inicial (normalmente a mais acertada pela proximidade do sucedido e ausência de nuances decorrentes dos articulados) corresponde àquela que o pai de BB logo refere, bem como à que terá sido referida pelo próprio BB a vários colegas com quem privava (e acima demos conta).

É que atentos os vários depoimentos a este respeito produzidos e a prova documental mobilizada nos autos, não se constata a existência de sustentação probatória para o alegado pela assistente LL no que ao início da relação (quase conjugal) de coabitação com a vítima BB respeita, nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo e modo como ali é caracterizada.

Sendo pacífico, em face da mobilização probatória acima enunciada, que existia uma relação amorosa entre ambos e que à data do falecimento de BB coabitavam, já quanto à alegação de que essa coabitação se tenha verificado em momento anterior a julho de 2016 existem múltiplos elementos que o infirmam (embora se possa admitir que a demandante assim o pensasse pelas noites que BB com ela passava).

Não nos referimos “apenas” aos depoimentos de GGG; UUUU; VVVV; XXXX; ZZZZ e AAAAA (que com distinta razão de ciência infirmaram que a coabitação do BB com a assistente fosse anterior ao verão de 2016), ou às declarações do assistente HH, que claramente contrariam a versão constante do pedido formulado pela referida assistente quanto ao momento em que aquela começou a viver com o falecido BB, mas também ao declarado pela própria demandante nos termos acima assinalados (seja em sede de inquérito, seja mesmo quando ouvida em audiência) e à ausência de prova documental bastante para assim se poder concluir.

Note-se que nenhum dos documentos juntos pela assistente permite, de per se ou conjugado com outros elementos, concluir de forma segura e objetiva pela coabitação do casal nos termos temporalmente configurados no pedido cível da assistente.

Com efeito, seja a factura MEO (de 14.12.2015, processada em nome de BB, para uma morada na Quinta … que não só não é prova bastante de qualquer coabitação desde então, como desde essa data até ao sucedido não tinham decorrido 2 anos, cfr. fls. 3888); seja o documento bancário da CGD de fls. 3889, relativo a conta titulada por BB e a demandante, de 31.01.2017, sendo que a menção desta como cotitular se reporta apenas a 2.06.2016 (lembre-se o referido a este respeito pelo pai de BB); seja o contrato de empréstimo com hipoteca, celebrado entre ambos e a CGD, de fls. 3890 a 3902, por reporte a 13.09.2016; seja ainda a descrição predial do prédio urbano junta a fls. 3903 e 3904, cuja doação registada a favor da demandante LL apenas se reporta a 31.03.2016, logo apenas alguns meses antes do falecimento de BB.

Ora, cabendo à assistente e demandante LL o ónus de prova da factualidade por si alegada, pois se trata de facto constitutivo do direito que se arroga (cfr. art.º 342º do Código Civil), e tendo esta soçobrado em tal desiderato, outra não podia ser a conclusão do Tribunal quanto à prova da referida factualidade.

Atento o exposto, o Tribunal apenas pôde dar como provado, a este respeito, o acima assim vertido, inexistindo prova que permita, de forma objetiva e sustentada, decidir de forma distinta neste particular.

Posto isto, e quantos à factualidade vertida nos pedidos de indemnização cível, a sua prova resultou dos depoimentos e declarações acima aludidos, nos seus pontos de convergência e sustentação com os documentos e periciais já aludidos, soçobrando, pois, os aspetos relacionados com o sofrimento relativo à iminência da morte de BB e CC, que foram pericialmente afastados.

No mais, e neste particular, temos que, conjugando as declarações e depoimentos acima assinalados, não restaram dúvidas quanto à correspondência à realidade do vertido nos pedidos de indemnização cível levado aos factos provados, inclusive por ir de encontro às regras de experiência comum e do normal acontecer.

Importa, contudo, e ainda neste particular, ressalvar a factualidade relacionada com a consciência e perceção de DD no hiato que mediou entre os disparos de que foi vitima e o seu decesso, restringido aos factos que acima provados ficaram e a impossibilidade de, em termos definitivos e rigorosos podermos concluir pela consolidação das lesões de EE, o que determinou a conformação da factualidade acima provada ao que se logrou, até agora, apurar neste particular.


Volvendo, para concluir, à factualidade vertida na pronúncia e acusação que constituem o objeto dos presentes autos e que foi considerada provada e não provada, importa reter que, não obstante a múltipla mobilização probatória quanto ao sucedido com o assistente EE e ao ocorrido na casa … (exceção feita às agressões a FF cuja produção não foi vista por GG, mas de cujo depoimento resulta clara a sua autoria por parte do arguido), estes eventos contaram com testemunhos presenciais e, assim, com uma prova direta que, ademais sustentada nos indícios recolhidos, documentos apreendidos e perícias realizadas, não deixa dúvidas ao Tribunal de que tais factos ocorreram da forma provada.

Já no que à autoria pelo arguido da factualidade respeitante ao casal … e às lesões produzidas pelo mesmo arguido em FF respeita, a convicção do Tribunal assentou, também, naquilo que vulgarmente se apelida de prova indireta.

Com efeito, na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação direta dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir.

A este propósito refere Germano M. Silva que “É clássica a distinção entre prova direta e prova indiciária. Aquela refere-se imediatamente aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indireta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, as que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.

Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando, fala-se de prova direta, se, porém, se refere a outro do qual se infere o facto probando fala-se em prova indireta ou indiciária” – Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 1999, p. 96.

«Uma prova é direta, positiva, imediata, quando é de tal natureza que (admitida a sua exatidão) leva em si mesma à convicção da coisa que se pretende provar. Uma prova é indireta ou circunstancial quando é de tal natureza (admitida a sua exatidão) que não pode, apesar dela, chegar-se à convicção da coisa que se quer provar a não ser por via de indução, de raciocínio, de inferência», cfr. Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales, traduzida do francês por Manuel Ossorio Florit, Granada, Editorial Comares, SL-2001, p. 311.

Como se consignou no Ac. do STJ de 12.09.2007 (Proc. 07P4588, in www.dgsi.pt), “A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.

A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.

O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência”.

Esta é, aliás, posição de há muito sufragada na jurisprudência nacional, importando aqui recordar que o nosso Supremo Tribunal, em 23.11.2006 (Proc. 06P4096, in www.dgsi.pt), já sustentava que “As normas dos artigos 126° e 127° do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo.

Essa interpretação não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art.º 32.°, n.º 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efectivo controlo da decisão”.

Daí que, tendo estes ensinamentos presentes, perante o cotejo da prova acima elencado e analisado, não teve este Tribunal dúvidas de que as circunstâncias conhecidas e provadas permitem e impõem, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, concluir de forma firme, segura e sólida, no que concerne à prova dos factos imputados ao arguido na matéria acima referida.

Com efeito, todas as circunstâncias assentes nos autos apontam, inequivocamente, para o arguido como o autor dos factos de cariz objetivo acima dados como provados.

E isto resulta não apenas dos meios probatórios de que acima demos conta (relativamente aos quais foi exercido amplo contraditório) mas também dos próprios factos cuja prova se mostra diretamente realizada e que, constituindo factos com evidente relevância penal, são também instrumentais relativamente à prova daqueles momentos relativamente aos quais inexistem relatos na primeira pessoa.

Queremos com isto dizer que, mesmo atentando nos “factos base” claramente provados in casu, e que se reconduzem, desde logo à conduta anterior e posterior do arguido relativamente ao sucedido no Km45, onde assume particular relevo a condução por aquele do carro patrulha até ao local (e a sua ocultação nas proximidades) e a que se segue a condução pelo mesmo do veículo das vítimas (que igualmente vem a ocultar), assim como a posse pelo arguido da arma com que o casal … é baleado (depois do mesmo ter baleado dois militares da GNR!) e que depois aquele abandona durante a fuga que se segue, tudo aponta, claramente, para aquele ser o autor dos disparos ali realizados sobre o casal … .

Ainda neste particular e por reporte aos ditos “factos base” importa chamar a atenção para a factualidade provada relativa à relação espácio temporal do arguido com o sucedido; aos sucessivos disparos na zona da cabeça das vítimas, claramente indiciadores de um padrão a que não escaparam CC e DD; assim como a reiterada ocultação de vestígios, igualmente presente na situação do km45, que permite concluir por um procedimento homogéneo claramente ligado ao arguido (cfr. entre outros, os factos provados em 11.; 40. a 45.; 47.; 48.; 57.; 62.; 63.; 111. e 371. a 374.).

Também neste conspecto a preocupação daquele em criar um álibi junto da testemunha RR acaba por ser bastante revelador (cfr. facto 66.).

O mesmo se verifica quanto às agressões a FF na casa de …, atentos os factos provados que antecedem e sucedem a sua ocorrência, assim como o estado em que a mesma ficou após ter estado em contato com o arguido, sendo que nenhuma agressão é imputada a GG que com ela esteve sequestrado (cfr. factos 69. a 72.; 78. a 85.; 87. a 92. e 97.).

Sucede que para além dos vários factos que provados ficaram, pelos motivos que vimos de enunciar, que nos permitem concluir ter sido o arguido o autor daquelas ações, existe todo o acervo probatório acima analisado (e reiteramos, relativamente ao qual foi cabalmente exercido o contraditório) que permite concluir nos termos consignados na decisão de facto.

Não se trata, pois, de qualquer juízo de inferência arbitrário, absurdo ou infundado, mas antes da ligação entre múltiplos meios de prova e factos cabalmente demonstrados, de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos e interrelacionados de forma preciso, direta e segundo as regras da experiência.

Existe, pois, nestas situações uma base indiciária constituída por uma pluralidade de indícios (concordantes e convergentes), sendo evidente a conexão entre os factos base e os factos consequência, aliás fundamentada no princípio da normalidade (conforme sublinhado no Ac. da R. do Porto de 9.09.2015 (Proc. n.º 2/13.7GCETR.P1, in www.dgsi.pt).

Assim, como fomos salientando, não subsistiram dúvidas quanto à verificação dos sobreditos factos (que resultaram provados), inexistindo qualquer fundamento para chamar à colação ou fazer aqui operar o princípio in dubio pro reo (que vigora no processo penal português, por força da sua consagração, por via indireta, no art.º 32º, nº2, da CRP).


O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente aos factos de índole subjetiva, no sentido dos mesmos se terem passado nos termos vertidos nos libelos acusatórios, sendo que tal é a necessária conclusão a retirar dos factos de índole objetiva comprovados in casu.

Assim, quanto aos factos de índole subjetiva dados como provados haverá que sublinhar, para além do acima considerado, o recurso às regras de presunção natural, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem e impõem concluir pela sua verificação.

Com efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação do arguido, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, vol. L 1981, pág. 292), quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indireta (presunções naturais não jurídicas), a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados, o que sucedeu in casu (cfr., a propósito, Malatesta “A Lógica das provas em matéria Criminal”, pág. 172 e ss.).

Veja-se, no mesmo sentido, o estudo do Dr. Sérgio Poças, in “Da sentença penal – fundamentação de facto”, Revista Julgar, n.º3, pág. 27, sendo este o entendimento que prevalece na doutrina e na jurisprudência, inclusive do Tribunal Constitucional que, uniformemente, tem entendido que a existência de presunções, mesmo em direito penal, é constitucionalmente admissível, desde que sejam presunções ilidíveis (cfr., entre outros, os acórdãos do TC n.ºs 922/96 e 252/92).

Neste conspecto importa referir que não se logrou apurar, atento todo o exposto, nomeadamente, a concreta motivação do arguido para o primeiro disparo; a forma como o arguido faz o casal … sair do Volkswagen Passat onde se faziam transportar (e neste contexto se primeiro escondeu o veículo da GNR ou só o fez depois, tendo-o utilizado para fazer parar o Passat); a exata sequência como sobre eles disparou; como e por quem CC é arrastado e ainda a forma como concretamente agrediu FF dentro da casa (no sentido do Tribunal, com toda a segurança em face da prova produzida, poder corroborar a factualidade vertida nos libelos acusatórios ou concluir por uma outra).

Com efeito, entendeu o Tribunal não poder concluir, no contexto que se logrou apurar, para além de qualquer margem razoável de dúvida, qual a concreta motivação do arguido para o primeiro disparo.

Estando afastada por tudo o exposto a versão do arguido, no sentido de ter reagido a agressões de BB, existe contudo ainda uma significativa margem de dúvida quanto ao que o terá levado a disparar sobre aquele militar, podendo-se equacionar, atenta a ausência de explicação reiterada por parte da única testemunha presente, uma multiplicidade de situações, nenhuma todavia com sustentação suficiente na prova produzida.

Estão nesta situação a possibilidade daquele ter pretendido evitar uma revista (como propugnado pelo Ministério Público e assistentes em alegações), que provavelmente iria ter lugar pelos militares, e assim obstar a que encontrassem a arma que tinha na sua posse, sendo que ainda que considerássemos que o arguido pudesse pensar que tal revista poderia redundar na perda da guarda da filha OO (que havia conseguido recentemente após um longo diferendo judicial com a mãe da criança), tal nos pareça de uma desproporção pouco expectável em alguém com o sangue frio do arguido.

Um pouco mais de lógica poderia ter a hipótese daquela reação extrema ter resultado do receio do arguido em se ver associado aos disparos que a arma que tinha na sua posse havia protagonizado na zona de …, contra elementos da GNR, o que, todavia, pressupunha que o mesmo tivesse tido intervenção ou, pelo menos, conhecimento dessa circunstância, matéria relativamente à qual não existem indícios (que extravasem a posse da arma).

Para além da possibilidade do arguido pretender, daquela forma, obstar a que se descobrisse qualquer outro ilícito de que fosse protagonista, em aberto está ainda a possibilidade, não afastada pela circunstância de EE estar mais atrás de BB e se ter distraído nos instantes que antecederam o disparo, deste último, quando se aproxima do arguido, ter de alguma forma dado a entender que iria sacar da pistola ou das algemas e assim espoletado uma reação mais instintiva no arguido.

Lembre-se que fica em aberto, atendendo à carrinha e material encontrado (nomeadamente jerricãs) a possibilidade do arguido estar naquele local envolvido em alguma prática criminosa, relacionada com furtos ou incêndios, e ter visto aquela como a única saída possível naquele contexto.

Certo é que as declarações, depoimentos e esclarecimentos periciais produzidos em audiência não são de molde a permitir concluir por qualquer uma dessas possibilidades.

Note-se que, como decidido no Ac. da R. do Porto de 12.12.2007 (Proc. n.º 0714692, in www.dgsi.pt), “Não é pelo facto de não se ter provado qualquer motivo para o agente ter cometido o crime de homicídio que deixa de haver intenção de matar. A intenção de matar e a existência de um motivo para essa intenção são coisas diversas, podendo verificar-se aquela sem este.

No caso em que o arguido se muniu de uma arma de fogo, a empunhou e apontou à cabeça da vítima, à distância de menos de 1 metro, e disparou, não havendo qualquer elemento indicativo de que esse disparo possa ter sido acidental, manda a lógica que se conclua pela sua voluntariedade”.

Daí o juízo negativo e positivo acima concretizado neste particular, nunca estando em causa a existência e autoria dos eventos (que é o essencial dos autos).

O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto aos demais aspetos acima assinalados e que o Tribunal não logrou apurar.

Desde logo quanto à forma como o casal … sai do Volkswagen Passat; a exata sequência como sobre eles o arguido disparou e depois CC é arrastado, permanece, após toda a prova produzida (e que era possível produzir), envolta em incógnita.

Com efeito, sendo absolutamente razoável, previsível e conforme às regras de experiência comum que o arguido solicitou ao casal …que parasse naquele local, para além dos depoimentos de quem realizou ou interveio na investigação, basta ler o sobredito relatório de análise do GACDC, para perceber que existem várias hipóteses de procedimento a que o arguido poderia ter recorrido para fazer os ocupantes do Volkswagen Passat saírem do mesmo (sendo que nenhum elemento de prova nos permite concluir que o veículo da GNR foi escondido antes do sucedido).

Sendo inverosímil a versão do arguido de que o casal …o parou atrás do veículo da GNR e perturbou a manobra de inversão de marcha que aquele tinha ordenado a EE, existe objetivamente para além da versão preconizada na pronúncia, em que o arguido utiliza a arma para, de imediato, os fazer sair do veículo, a possibilidade de, com recurso à presença do carro patrulha (que não sabemos quando foi exatamente escondido) e mesmo do casaco do GNR, ter levado aqueles a sair do veículo.

Embora sem elementos concretos que o possam sustentar, inclusive nos parece mais plausível esta segunda hipótese, motivo pelo qual não foi possível concluir, de forma segura e objetiva neste particular.

Atenta a prova produzida apenas podemos concluir que ambos saíram do veículo.

Da mesma forma não foi possível colher meios de prova capazes de permitir reconstituir, com o rigor exigível numa decisão judicial, a exata sequência como o arguido sobre ambos disparou e depois os veio a ocultar, sendo que a prova produzida, como vimos, apenas permite concluir que o disparo sobre CC (desde logo atenta a mancha no solo e os vestígios no veículo) ocorreu junto à berma e ao Volkswagen Passat, onde este ficou encostado, vertendo sangue.

Neste particular, tão pouco nos parece particularmente sustentada e mesmo verosímil a versão da pronúncia, no sentido de ter sido DD, a mando do arguido, a arrastar o marido baleado para o local onde ambos foram encontrados.

Não é apenas o esforço físico que tal tarefa implica, o qual (atentos alguns dos depoimentos de quem com ela convivia) se admitisse que pudesse lograr, mas o stress inimaginável que tal implicaria torna dificilmente exequível um arrastamento por todos aqueles metros, sendo talvez mais razoável equacionar ter sido o próprio arguido (como aliás refere embora na sua inverosímil versão) a arrastar para o interior da mata o corpo de CC.

Todavia, como o próprio modus operandi do arguido, ao longo destes factos, passou por várias vezes levar outras pessoas a intervir ativamente na ocultação de vestígios, fica um espaço que dúvida que não foi, nem é, possível debelar.

Aliás, ainda neste particular, ficamos sem saber exatamente como DD surge no local onde é baleada e depois tapada (sendo que os invólucros ali encontrados não deixam margem para dúvidas quanto ao sítio dos disparos), pois se a hipótese de para ali ter arrastado o marido é possível (embora como vimos não tenha ficado provada), as possibilidade de ter fugido para aquele local ou de para ali ter sido levada pelo arguido sob ameaça de arma são igualmente razoáveis e não são afastadas por qualquer indício ou meio probatório[12].    

Neste particular, o Tribunal apenas pôde concluir nos termos acima dados como provados, assim como apenas pôde concluir pela agressão, e não já pela sua concreta forma de execução, perpetrada sobre FF dentro da casa de … .

É que da conjugação do depoimento de GG (que disse ter estado instantes antes com aquela e se apresentava sem qualquer sinal de lesão) e dos registos fotográficos, elementos clínicos e exames periciais, resulta absolutamente evidente que aquela foi vítima de agressões (e não de qualquer queda como refere o arguido, ainda para mais de forma não particularmente aparatosa) e que estas só podem ter ocorrido no hiato entre o encontro daquela com o referido GG e a entrada deste na casa (o qual depois não presenciou agressões), onde apenas estava o arguido, que assim se percebe claramente ter sido o seu autor.

Mas se não há qualquer dúvida neste aspeto, já relativamente à forma como estas agressões foram produzidas, atenta a impossibilidade de ouvir a assistente FF e o parco relato a que pudemos ter acesso, não podemos ir além do que acima consignamos na decisão de facto.

Neste sentido, e sendo consabido que o Tribunal apenas pode aferir da existência de facto desconhecido a partir de factos conhecidos que, de forma razoável e lógica, imponham como previsível a sua ocorrência, não pode o mesmo, pese embora as diligências probatórias encetadas nesse sentido, corroborar o levado ao libelo acusatório neste particular.

Assim, e nestes aspetos em particular, o Tribunal não pode deixar de dar como não provados tais factos nos termos em que se mostravam vertidos na pronúncia.

No que concerne aos demais factos dos libelos acusatórios não provados e que se reportam, para além do acima referido, à factualidade de índole subjetiva associada ao imputado crime de homicídio tentado sobre FF, ficou-se tal juízo probatório a dever à inexistência de prova nesse sentido.

Aliás o comportamento anterior do arguido deixa bem claro que se fosse sua intenção por termo à vida de FF tê-lo-ia feito.

De igual forma, a prova mobilizada afasta a apropriação de outros bens da casa … que não os acima dados como provados.

Assim, em particular essa intenção concretizada de apropriação de bens perecíveis e seus invólucros que o arguido destinou ou destinaria a consumir durante a fuga mostra-se consubstanciada no depoimento de NNNN (que reconheceu a foto de fls. 789, aludindo a rissóis e à respetiva caixa, e não já a foto seguinte) e no que a respeito foi assumido pelo arguido neste particular que (convenientemente) colocou muitos desses bens como tendo sido retirados da casa que antes ocupou (situação que não desencadeou qualquer procedimento criminal).

A este respeito retenha-se que ambas as irmãs da assistente FF reportaram que aquilo que foi levado eram essencialmente coisas da mãe (inexistindo queixa desta nos autos) e sem valor material muito significativo (aludindo a menos de €100).

Da mesma forma, apenas com base no depoimento de GG e das irmãs de FF e nas declarações do arguido, e estando-nos vedado valorar, como acima justificámos, o auto de reconhecimento de objetos desta assistente de fls. 923 e 924 (que todavia não iria redundar em decisão de facto muito diferente daquela acima preconizada), quanto aos objetos levados pelo arguido da casa … e vertidos na pronúncia, apenas mostraram sustentação os que acima foram considerados provados (facto 85.).

Dúvidas não restaram, como vimos acima, da intenção de apropriação do relógio e telemóvel de GG e bem assim quanto à carteira (e aqui em particular quanto ao dinheiro e documentação) e telemóvel de CC.

E porque de apropriações estamos a tratar, ainda que de forma sintética, pois ao tema voltaremos na integração jurídica dos factos, igualmente nos parece, à luz de toda a prova de que acima demos conta, inegável a intenção de apropriação por parte do arguido dos veículos (bem como das armas e outros acessórios) que utilizou no decurso da ação criminosa.


Ainda quanto aos factos não provados constantes da pronúncia e da acusação deduzida importa fazer um breve reparo, para além do acima consignado, quanto ao dinheiro que o casal … traria consigo na viatura Volkswagen Passat.

É que não obstante se admita como possível que o casal pudesse trazer dinheiro (veja-se o montante que o arguido disse ter encontrado na carteira de CC), não existiu qualquer evidência do casal trazer entre €300 a €500 com eles nessa deslocação (nem mesmo o montante constante da factura do …conjugado com dinheiro abandonado pelo arguido na fuga permite chegar a tais montantes), contrariando ainda essa alegação a circunstância das consultas nos HUC, por norma, não implicarem significativo pagamento imediato (situação que poderia ser distinta caso estivesse em causa uma instituição de saúde privada).

Neste particular o Tribunal não pôde ir além do montante que o arguido reconheceu existir na carteira de CC, da qual disse ter-se apropriado e mais tarde deitado fora.

Assim, e nestes aspetos em particular, o Tribunal não pode deixar de dar como não provados tais factos nos termos em que se mostravam vertidos na pronúncia.


Para além destes aspetos, relativamente a outros factos vertidos nos pedidos de indemnização cível não foi mobilizada qualquer prova ou, pelo menos, de forma suficientemente clara e sustentada, para que o Tribunal concluísse pela sua verificação.

Se ao invés da restante factualidade vertida nos pedidos de indemnização que provada ficou, relativamente à qual foram mobilizados, como vimos acima, múltiplos (e em alguns casos repetidos) depoimentos, declarações, documentos e perícias, que não deixam margem para dúvida quanto à sua verificação, relativamente aos factos integrantes dos pedidos cíveis dados como não provados isso não se verificou.

Desde logo estão neste conjunto os factos relacionados com aspetos da acusação e da pronúncia, sem sustentação probatória, relativamente aos quais supra nos pronunciámos (e com particular destaque para a descrição do sucedido ao quilómetro 45 com CC e DD, cuja alegação, como demonstrámos, não colhe respaldo na prova produzida a esse respeito, desconhecendo-se, para além do que a este respeito provado ficou, as circunstâncias que antecederam a sua morte, a ordem das mesmas e a forma como as vítimas foram ocultadas.

Depois, nenhuma prova minimamente sustentada foi produzida no sentido de EE ter sido conduzido a casa do cabo GGG pelo cantar de um galo ou que este assistente tenha ainda hoje receio do arguido por ser a única testemunha ocular de alguns dos crimes.

Também por reporte aos pedidos de indemnização civil, como vimos acima, o Tribunal apenas pôde concluir com segurança que LL, sendo que por reporte a este articulado provou-se que as lesões provadas em 33. não foram produzidas por um violento traumatismo de natureza contundente (como aí se alegava), nenhuma referência ou indício tendo sido mobilizado no sentido de que a angústia desta assistente se agudizou com conhecimento de todo o sofrimento do BB.

Pelos motivos que se julgam evidentes não podia o Tribunal concluir que o arguido ao recusar confessar os seus crimes vai “forçar os pais da vítima a enfrentarem todo o julgamento da morte do filho”, pois que o julgamento teria sempre lugar, a que acresce que nenhuma referência existiu de que um eventual arrependimento do arguido poderia ter trazido algum conforto aos demandantes pais de BB.

Aliás, tão pouco se percebe ou pode concluir da conjugação da prova mobilizada nos autos, e por reporte ao pedido de indemnização cível de JJ e KK, nestes autos formulado, que onde eram as deslocações de pesca de CC e com quem (além da esposa); qual o horário referido em 220. e qual a frequência mensal com que CC e DD tinham consultas de fertilidade.

Por contraponto e em face do que analisamos (pensando mesmo que se terá tratado de lapso na alegação que se transpôs de um pedido para outro), é evidente que o trator e respetivas alfaias agrícolas não eram propriedade dos demandantes JJ e KK ou que CC limpasse, lavrasse, surribasse, ceifasse, enfardasse e amanhasse os prédios rústicos destes ou guardasse as suas ovelhas, o mesmo valendo para a alegação de falta de licença de condução e capacidade por reporte ao trator relativamente àqueles demandantes.

Quanto ao pedido de indemnização cível de FF, para além de, como vimos não existir prova de que o arguido tivesse pretendido pôr fim à vida da mesma ou de que esta tivesse visto a sua vida perigar por causa daquele, nenhuma prova se mobilizou, com um mínimo de sustentação, no sentido de que o AVC referido em 352. tenha ocorrido em virtude das lesões provocadas pelo demandado, antes pelo contrário tal alegação foi pericialmente afastada, tendo sido apurada a extensão e gravidade das lesões sofridas provocadas pelo demandado (e tão só por este), não estando essa situação ainda em aberto (como alegado por esta demandante).

Logicamente que tudo o que se sucedeu na sequência do AVC e que ficou provado em face dos documentos e depoimentos a que acima aludimos, não é, por qualquer forma, relacionável com a conduta do arguido e suas consequências, perfeitamente delimitadas em função da prova produzida (e logo não se podia dar como provado que o referido em 361. tenha ocorrido em consequência do praticado pelo arguido ou que o referido em 361. e 362. seja totalmente decorrente da conduta daquele). 

Nenhuma prova se mobilizou quanto à alegação de que esta demandante se tenha sentido inferior aos seus amigos e conhecidos ou mesmo tenha sentido enorme humilhação junto dos seus familiares, amigos e vizinhos pelo sucedido; que nunca antes a demandante havia sequer estado de baixa médica ou internada; que o arguido tenha provocado na demandante sequelas para o resto da sua vida. Mais é contrariado pela prova produzida que FF em consequência das agressões perpetradas pelo demandando e das consequências do mesmo, esteja de baixa médica desde a referida data, não mais tendo retomado o trabalho, nem recebido vencimento.

Como fizemos referência acima, não só não se produziu prova que o arguido se tenha apropriado de todos os bens identificados na pronúncia nos pontos 87. e 99., como tão pouco se produziu prova que permitisse concluir que o seu valor conjunto se calcula em €150,00 (como alegado).

No que ao valor dos bens subtraídos, para além daqueles que se mostram documentalmente referidos (nomeadamente os que estavam afetos às forças de segurança), relativamente aos demais ou não se mostrou possível fazer qualquer avaliação (pois que ou o arguido se desfez dos mesmos[13] ou por outro motivo não foram encontrados) ou atenta a sua natureza e estado apenas se indicou o seu valor estimado por reporte aos usos de mercado e conhecimentos gerais (veja-se o caso das comidas, seu invólucro e saco térmico, que manifestamente não carecem da mobilização de qualquer avaliação especializada).

O mesmo se diga relativamente aos veículos de DD e GG cujas características, estado de conservação e data da matrícula permitem claramente concluir nos termos dados como provados neste particular.

Volvendo ao alegado nos pedidos de indemnização cível, em particular importa reter não ter sido possível ir mais além do que acima consignado quanto ao sofrimento das vítimas mortais, sendo que não obstante os esforços diligenciados nesse sentido, não pôde o Tribunal concluir pela presciência da morte alegada nos pedidos cíveis relativos a BB, CC e DD.

É que, como vimos, se no caso de BB é claro que o disparo protagonizado pelo arguido o surpreendeu (inexistindo assim sequer indícios de que ao prever a sua morte tenha suportado sofrimento ou angústia), quanto ao casal …não foi possível apurar o contexto em que os mesmos foram baleados e, assim, a factualidade alegada sobre os momentos que antecederam tal momento e o inerente sofrimento e aflição.

Acrescente-se, neste particular, que por isso mesmo, não pôde o Tribunal concluir que o arguido atuou nos termos provados em 112. com o intento de não ser responsabilizado pelo crime cometido contra CC, pois tal pressupunha que se tivesse provado que o arguido disparou primeiro sobre CC e só depois sobre a DD, o que, sendo possível, não mostrou (pelo já explicitado) revestiu suficiente respaldo probatório.

Quanto à dor[14] sofrida pelas referidas vítimas na sequência dos disparos não foi possível ir mais além do que foi pericialmente atestado.

Ao não se conseguir provar um hiato minimamente significativo entre a (possível) exibição da arma e o disparo desferido em BB, não temos forma de saber se a vítima percecionou algo ou experienciou dor (e em que termos) até ao momento da sua morte, para além do pericialmente atestado, o mesmo sucedendo relativamente a CC e DD.

Não se provou, assim, para além do que acima se consignou, a consciência do seu estado e da aproximação aterradora e certa da morte por parte das vítimas (em particular BB e CC).

Assim, atenta a insuficiência probatória neste particular, o Tribunal não pôde concluir nos sobreditos termos propugnados na pronúncia e nos pedidos de indemnização cível (que os repetem), sendo que conclusão diversa seria atentatória da prova efetivamente (não) produzida em julgamento.

Aliás, e em jeito de síntese, atenta a análise que acima fomos fazendo, relativamente à demais factualidade não provada a mesma ficou a dever-se ou à ausência total de prova da sua verificação ou à prova de factos diametralmente opostos.

Em todos estes elementos assentou a convicção do Tribunal.»

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Apreciação do recurso


2. Apreciando.



Conforme jurisprudência pacífica, as conclusões delimitam, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, os poderes de cognição do Tribunal de recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, pág. 316; jurisprudência do STJ referenciada no Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Rel. Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Rel. Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Rel. Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Rel. Manuel Augusto de Matos).


Cumpre realçar que, no presente recurso, o arguido reedita, no essencial, os fundamentos que serviram para alicerçar o recurso do acórdão da 1.ª instância para a Relação de Coimbra (as questões do recurso para a Relação encontram-se resumidas nas págs. 40-41 do aresto em crise).


Questões levantadas nas conclusões do presente recurso:



recurso do crime de furto simples em que é ofendida FF (em causa a pena de 2 meses de prisão);


recurso do crime de furto simples em que é ofendido CC (em causa a pena de 6 meses de prisão);


recurso do crime de furto qualificado em que é ofendida DD (em causa a pena de 3 anos de prisão);


inconstitucionalidade das normas conjugadas dos arts- 410.º, n.º 2 e 3 e 434.º do CPP;


do homicídio qualificado em que foi vítima BB – Contradição insanável da fundamentação, erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo;


dos homicídios qualificados em que foram vítimas CC e DD - Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e consequente violação do princípio in dubio pro reo;


do cúmulo jurídico de penas - da pena única e sua dosimetria.


Como vimos, estão em causa nos presentes autos as seguintes penas (aplicadas pela 1.ª instância e confirmadas pela Relação de Coimbra):


21 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado (vítima BB);

22 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado (vítima CC);

22 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado (vítima DD);

11 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada (vítima EE);

2 anos de prisão pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada (ofendida FF);

6 anos de prisão pela prática de um crime de sequestro (ofendido EE);

1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de sequestro (ofendida FF);

1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de sequestro (ofendido GG);

5 anos de prisão pela prática de um crime de roubo (ofendido Estado Português);

3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo (ofendida GG);

6 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples (ofendido CC);

3 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado (ofendida DD);

2 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples (ofendida FF);

3 anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida e

2 anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma.


O Tribunal da Relação de Coimbra manteve de igual modo a pena única, em cúmulo jurídico, em 25 anos de prisão.


Os crimes de furto (simples e qualificado), de que o arguido recorre para este STJ, foram, como se vê da grelha que antecede, punidos com penas inferiores a 5 anos de prisão.


Questão prévia


Quer o Ex. mo PGA, junto da Relação de Coimbra, na sua Resposta, quer a Ex. ma PGA, junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer, levantam como questão prévia, o problema da admissibilidade do recurso no que tange aos furtos, em face do disposto nas alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º, e do art. 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP .

Sabido que a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior (n.º 3 do art. 414.º, do CPP), cumpre apreciar, primeiramente, tal questão, dado que a mesma é susceptível de comprometer, neste domínio, a apreciação das questões subsequentes.

É o que passará a fazer-se.


O artigo 432.°, n.° 1, alínea b), do CPP refere que "Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400°."

Por seu turno, o art. 400° do CPP é do seguinte teor (sublinham-se as alíneas e) e f) expressamente convocadas na questão prévia):


Artigo 400.º

(Decisões que não admitem recurso)

1 — Não é admissível recurso:

a)   De despachos de mero expediente;

b)   De decisões que ordenam atos dependentes da livre resolução do tribunal;

c)    De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo;

d)   De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

e)    De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

f)    De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos;

g)   Nos demais casos previstos na lei.

2 — Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

3 — Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.


O presente normativo foi objecto de diversas alterações introduzidas pelas Leis 59/98, 48/2007 e 20/2013. Mas apenas as L 59/98, 48/2007 se debruçaram sobre a redacção da referida alínea f).


--evolução do regime jurídico dos recursos

Com a reforma introduzida no processo penal pela L 59/98, de 25 de Agosto, o legislador alterou o regime jurídico dos recursos[1].

O legislador pretendeu reequacionar a posição do STJ resguardando a sua intervenção para a criminalidade mais grave e para o conhecimento apenas das questões de direito (excepção feita ao recurso interposto dos acórdãos finais do tribunal de júri).

Em contrapartida alargou‑se a competência das Relações, que conhecem de facto e de direito, e procurou assegurar‑se um efectivo recurso no âmbito da matéria de facto, assim se consagrando um verdadeiro duplo grau de jurisdição e evitando as críticas que diversos sectores (v. os votos de vencido de António Vitorino e de Maria Fernanda Palma, respectivamente nos Acs. TC 170/94, DR II S., de 16 de Julho de 1994 e no BMJ 434, pág. 166 e ss. e 573/98, DR II S., de 13 de Novembro de 1998) vinham dirigindo aos artigos 410.º e 433.º do Código, na versão anterior à reforma de 1998.

Com o regime introduzido pela Lei n.º 59/98 deixou de se verificar a limitação a um único grau de recurso, a interpor forçosamente e, em alternativa, para a Relação ou para o STJ.

A Relação, antes da reforma de 1998, conhecia, em princípio, apenas os recursos interpostos das decisões do tribunal singular. Dos acórdãos finais dos tribunais colectivos recorria‑se, directamente, para o STJ (art. 432.º, alínea c), do CPP versão de 1987). E como o conhecimento do STJ se limitava, nos termos do artigo 433.º do CPP, versão de 1987, ao reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.º 2 e 3, havia quem criticasse tal regime por não proporcionar um verdadeiro duplo grau de jurisdição no que ao conhecimento da matéria de facto concerne, dado que os vícios do cit. artigo 410.º tinham que resultar do texto da decisão.

Na prática, tal equivalia, segundo a corrente crítica, a uma verdadeira negação do recurso em matéria de facto. De qualquer modo, o TC acabou por não declarar a inconstitucionalidade dos arts. 410.º e 433.º do CPP versão de 1987 (cfr. elementos no cit. Ac. TC 573/98).

Assim, uma das principais alterações da reforma de 1998 consistiu na nova redacção introduzida ao artigo 432.º

De acordo com a alínea d), de tal normativo, recorre‑se para o STJ de acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. O que significa que, se o recurso das decisões do tribunal colectivo tiver por objecto matéria de facto ou, simultaneamente, matéria de facto e de direito, é competente para o seu conhecimento o Tribunal da Relação (art. 427.º).

No regime decorrente da reforma de 1998 recorria‑se para a Relação das decisões e sentenças do tribunal singular e das decisões e dos acórdãos finais do tribunal colectivo, reservando‑se o STJ (v. artigos 432.º, alíneas c) e d) e 434.º) para os recursos dos acórdãos finais do tribunal de júri e dos acórdãos finais do tribunal colectivo, que visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Em princípio, de acordo com o artigo 427.º, que enuncia uma espécie de regra geral, os recursos devem ser interpostos para a Relação.

Na prática, o regime decorrente da reforma de 1998 permitia, em certos casos, mais um grau de recurso: de acórdãos das decisões finais dos tribunais colectivos, que não visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito, recorria‑se para a Relação e desta para o STJ (salvo se a decisão fosse irrecorrível nos termos das alíneas c) a f), do artigo 400.º).

Em face do quadro constitucional vigente (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação ao art. 32.º, págs. 355) é necessária a consagração de pelo menos um grau de recurso abrangendo as questões de facto e de direito.

O regime de recursos em processo penal está conforme a exigência constitucional.

A única dúvida podia colocar‑se perante os recursos dos acórdãos finais do tribunal de júri (alínea c), do art. 432.º), cuja competência continuava a caber ao STJ (José Manuel Damião da Cunha, A estrutura dos recursos na proposta de revisão do CPP, na R.P.C.C., Ano 8, Fasc. 2.º, Abril‑Junho 1998, págs. 256, defendia a insustentabilidade constitucional do esquema de recurso das decisões do tribunal de júri, dado que como era interposto necessariamente para o STJ ficava precludido o recurso em matéria de facto; de acordo com José Manuel Vilalonga — cujo entendimento nos parecia mais avisado —, Direito de Recurso em Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, págs. 378, na esteira da doutrina defendida por M. Simas Santos e M. Leal‑Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, 2002, págs. 135, o STJ, nos recursos das decisões do tribunal de júri, conhece «de facto, nos mesmos moldes em que o tribunal da relação conhece, isto é, irrestritamente, desde que os autos contenham suporte documental do que se passou em audiência».).

Relativamente ao regime dos recursos, após a revisão da L 48/2007, o fio condutor do legislador, neste aspecto, encontra‑se plasmado na Exposição de Motivos da PL 109/X, onde se refere, além do mais, que «O conjunto de alterações introduzidas em sede de recursos pressupõe que o direito de recurso constitui uma garantia de defesa, hoje explicitada no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, e um corolário da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20, n.º 1, da Constituição), mas deve subordinar‑se a um desígnio de celeridade associado à presunção de inocência e à descoberta da verdade material.»

O artigo 427.º do CPP enuncia uma regra geral dos recursos.

Em face da reforma de 1998 resultava, como vimos, o seguinte esquema de recurso:

— dos despachos e sentenças do tribunal singular recorria‑se sempre para a Relação;

— dos despachos e acórdãos do tribunal colectivo recorria‑se para a Relação.  Todavia, dos acórdãos do tribunal colectivo, recorria‑se para o STJ, quando o recurso visasse, exclusivamente, o reexame de matéria de direito;

— dos acórdãos finais do tribunal do júri recorria‑se sempre para o STJ.

A reforma de 2007, levada a cabo pela L 48/2007, de 29 de Agosto, alterou o esquema antecedente não só no que diz respeito aos acórdãos finais do tribunal do júri, seguindo, neste aspecto, pelo menos em parte, as recomendações da doutrina (v. g. José Damião da Cunha, A estrutura dos recursos na proposta de revisão do CPP, na R.P.C.C., Ano 8, Fasc. 2.º, Abril‑Junho 1998, cit, págs. 256, Manuel Simas Santos Uma leitura do Relatório de Avaliação dos Recursos, também publicado na R.P.C.C., Ano 16, n.º 2.º, Abril‑Junho 2006), mas também, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos visando exclusivamente o reexame de matéria de direito (tratam‑se de duas condições cumulativas — pena de prisão aplicada superior a cinco anos e exclusivo reexame de matéria de direito).

Destes acórdãos recorre‑se, obrigatoriamente, para o STJ (v. artigo 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, resultantes da reforma de 2007), salvo o caso do disposto no artigo 414.º, n.º 8.

Assim, dos acórdãos finais do tribunal do júri, bem como dos acórdãos finais do tribunal colectivo, mesmo que o recurso vise exclusivamente o reexame de matéria de direito, recorre‑se para a Relação sempre que tenha sido aplicada uma pena de prisão até cinco anos (inclusive).

Se o recurso não visar exclusivamente o reexame de matéria de direito, recorre‑se para a Relação, independentemente da pena aplicada.

            O artigo 432.º do CPP, nuclear na questão do recurso para o STJ, foi alterado pelas reformas de 1998 e 2007

A alínea d), do referido artigo, com a redacção resultante da reforma de 1998, prescrevia que eram recorríveis para o STJ os «acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito».

Esta matéria foi profundamente alterada, juntamente com a que diz respeito ao recurso dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, pela reforma de 2007 (L 48/2007).

O monopólio, ou exclusividade, do STJ para a apreciação dos recursos interpostos dos acórdãos finais do tribunal do júri, consagrado na alínea c), do artigo 432.º, versão da reforma de 1998, acabou.

Consagra agora a alínea c), do mesmo normativo, fruto da reforma de 2007, que se recorre para o STJ: «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.», alterando o esquema dos recursos.

O legislador introduziu uma nova barreira na alínea c) (a condição do exclusivo reexame da matéria de direito, já constava da versão de 1998): a da pena aplicada (pena de prisão superior a 5 anos).

Assim, dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão até 5 anos (inclusive) recorre‑se sempre para a Relação, quer o recurso vise só matéria de direito, ou só matéria de facto, ou ambas.

Dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos recorre‑se para a Relação, sempre que o recurso vise matéria de facto ou matéria de facto e de direito. Se visar exclusivamente o reexame de matéria de direito então o recurso deve, obrigatoriamente (cfr. n.º 2, do artigo), ser interposto para o STJ.

De acordo com a alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não é admissível recurso «De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos

As penas em causa nestes autos são inferiores a 5 anos de prisão.

O recurso é, por isso, inadmissível.

Na verdade, tal como se consigna no Ac. STJ de 29 de Abril de 2009, Proc. 329/05.1PTLRS.S1, Rel. Santos Cabral e na CJACSTJ, XVII, T. I, pág. 254, «O art. 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo do n.º 1, alínea c), do art. 432.º do CPP, ou seja serem superiores a cinco anos de prisão.».

Este aresto constituía jurisprudência maioritária do STJ, mesmo antes da alteração de 2013 ao CPP; o Ac. STJ 14/2013 seguiu o entendimento desta corrente.

Muitos outros arestos do STJ se debruçaram sobre esta questão, de que são exemplo os que a seguir se mencionam:

• Ac. STJ de 19/1/2011, Proc. 376/06.6PBLRS.L1.S1, Rel. Pires da Graça

XIV - Por aplicação do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na interpretação que lhe tem sido dada maioritariamente pelo STJ, condenado o arguido por vários crimes, uns puníveis com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos e outros puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, e tendo sido interposto recurso para a Relação, o recurso, em segundo grau, da decisão desta para o Supremo fica limitado aos crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos. (Ac. do STJ de 13-03-2008, Proc. n.º 3307/07 - 5.ª Secção).

• Ac. STJ 14/2013, DR I S. de 12/11/2013

«Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão.»)

(escreve-se neste acórdão que não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos da decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos).

• Ac. STJ de 20/11/2013, Proc. 258/06.1IDLSB.L1.S1, Rel. Maia Costa

I - A nova redação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, introduzida pela Lei 20/2013, de 21-02, limitou-se a clarificar a interpretação que o legislador considera mais adequada, dentre as interpretações possíveis, ainda na vigência da anterior redacção do mesmo preceito (Lei 48/2007, de 29-08), quanto à admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos das Relações que apliquem penas privativas da liberdade não superiores a 5 anos.

II - A Lei 20/2013 veio pôr termo a essas dúvidas, estabelecendo expressamente a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que “apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.”.

III - Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada, nos termos do n.º 1 do art. 13.º do CC, deve ser aplicada imediatamente e não pode ser arguida de retroactiva, uma vez que ela correspondia já a uma das interpretações possíveis da lei, não sendo suscetível de frustrar expectativas seguras e legitimamente fundadas por parte do arguido.

IV -O AFJ do STJ de 09-10-2013 consagrou tal entendimento de que, da conjugação das normas dos arts. 400.º n.º 1, als. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, na redacção da Lei 48/2007, de 29-08, não é admissível recurso para o STJ do acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão.

V - Por isso, não admite recurso para o STJ o acórdão da Relação que, concedendo provimento ao recurso do MP, revogou a sentença de 1.ª instância, proferida em 16-04-2012, na parte em que suspendeu a pena de prisão, condenando o arguido na pena de 2 anos de prisão efectiva pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal.

            (idem, do mesmo Relator, Ac. STJ de 6/2/2014, Proc. 315/11.2JACBR.C1.S1; com posição similar, Ac. STJ de 12/6/2014, Proc. 271/07.1SAGRD.L1.S1, Rel. Souto de Moura; com um entendimento diferente relativamente ao sumariado na conclusão II e à aplicação da nova lei, cfr. Ac. STJ de 22/5/2014, Proc. 10/12.5SFPRT.P1.S1, Rel. Helena Moniz).

• Ac. STJ de 12/11/2014, Proc. 1287/08.6JDLSB.L1.S1, Rel. Santos Cabral

III -O AFJ 4/2009, de 18-02-09, fixou jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância. Assim, a questão da recorribilidade convocada no caso está perfeitamente definida no sentido da admissibilidade de recurso para o STJ das decisões absolutórias ou decisões que aplicam penas privativas de liberdade, estar dependente de as respectivas penas se inscreverem no catálogo da al. c) do n.º 1do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos (als. d) e e) do art. 400.º do CPP na versão introduzida pela Lei 20/2013, de 21-02).

IV - Consequentemente, tal como no caso vertente, a decisão absolutória proferida em 1.ª instância a que se tenha sucedido uma decisão condenatória em pena privativa de liberdade inferior a 5 anos proferida pelo Tribunal da Relação não é susceptível de recurso para o STJ. Igualmente não são susceptíveis de recurso, nos mesmos termos, as restantes penas parcelares que mereceram a confirmação do Tribunal da Relação. Assim sendo, o presente recurso cinge-se à questão da pena conjunta aplicada.

• Ac. STJ de 13/1/2016, Proc. 174/11.5GDGDM.L1.S1, Rel. João Silva Miguel

III - Atento o disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, em caso de concurso de crimes ou das questões que lhes respeitem só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida. Atentas as molduras penais das penas parcelares aplicadas, a irrecorribilidade da decisão decorre também do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, nos termos do qual não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tendo em atenção que as penas de prisão parcelares aplicadas na Relação não excedem 5 anos e foram proferidas em recurso não é admissível recurso para o STJ dessa decisão.

• Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1.S1, Rel. Armindo Monteiro

I - Não cabe recurso da condenação pela Relação quanto às penas parcelares. Todas sem excederem 5 anos de prisão, transitando em julgado a espécie e medida da pena aplicadas, pelo que o poder cognitivo do STJ objectivar-se-á, apenas e no que respeita à pena única, nos termos do art. 77.º, do CP, de todos os arguidos recorrentes impugnada por excessiva.

• Ac. STJ de 23/11/2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Rel. Sousa Fonte

XI - Também no caso de aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º a decisão da relação proferida em recurso que haja recaído sobre um concurso de crimes, só admite recurso para o STJ quanto às penas parcelares e única, não confirmadas, superiores a 5 anos de prisão. O mesmo é dizer que relativamente aos crimes parcelares e a todas as questões com eles conexas que, inovatoriamente ou por agravação das cominadas pela 1.ª instância, o tribunal da relação puna com prisão até 5 anos, não são susceptíveis de apreciação pelo STJ.

Sobre a mesma norma (alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP), cfr. também Acs. STJ de 14/5/2015, Proc. 8/13.6GAPSR.E1.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva (tem uma listagem de arestos sobre as alíneas e) e f) do art. 400.º), de 10/5/2017, Proc. 109/13.0GAMDB.G1.S1, Rel. Rosa Tching e de 25/1/2017, Proc. 231/11.8IDLSB.L2.S2 e 24/1/2018, Proc. 5007/14.8TDLSB.L1.S1, ambos relatados por Raul Borges e com vastíssima informação jurisprudencial.

O legislador de 2007, além da alínea e), alterou também a redacção da alínea f) do art. 400.º para ultrapassar todas as divergências, doutrinárias e jurisprudenciais, abolindo as expressões controversas (pena aplicável; concurso de infracções). E tê‑lo há conseguido melhor do que na alínea anterior [alínea e)].

«Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui‑se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas.» (Exposição de Motivos da PL 109/X).

Sobre a interpretação da referida alínea f), à luz da redacção dada pela L 48/2007, cfr. Acs. STJ de 7 de Maio de 2009, CJACSTJ, XVII, T.II, págs. 193, de 24 de Março de 2011, Proc. 322/08.2TARGR.L1.S1. e de 7 de Novembro de 2012, Proc. 1198/04.4GBAGD.C4.S1, ambos relatados por Raul Borges e com vasta informação jurisprudencial.

É muito vasta a elaboração jurisprudencial deste STJ sobre a alínea f) do artigo 400.º do CPP. A título de exemplo, a seguir, se enumera alguma da mais recente:

• Ac. STJ de 4 de Fevereiro de 2010, Proc.1244/06.7PBVIS.C1.S1‑3.ª, Rel. Fernando Fróis

I — Não é possível ao STJ conhecer da medida das penas parcelares aplicadas quando se está perante penas de prisão inferiores a 8 anos e foram confirmadas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, pelo que o objecto do recurso terá de respeitar apenas à medida única da pena aplicada, de 9 anos de prisão.

II — Com efeito, com a entrada em vigor, em 15‑09‑2007, da Lei 48/2007, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, restringindo‑se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos.

III — A alteração legislativa de 2007 tem um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, aludindo à pena aplicada e não (como anteriormente) à pena aplicável. E isto, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de 1.ª instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas em 1.ª instância às que apliquem pena de prisão superior a 8 anos.

Ac. STJ de 4/5/2011, Proc. 626/08.4GAILH.C1.S1, Rel. Armindo Monteiro

I - A versão actual do CPP numa feição mais restritiva do direito ao recurso, quando confrontada com o regime antecedente, substituiu o critério da admissibilidade do recurso em função da pena aplicável pelo da pena efectivamente aplicada, afastando a admissibilidade do recurso da moldura da pena abstractamente aplicável, concentrada no regime antecedente.

II - Assim, em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação, mas em que a pena imposta seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida esta pena unitária no STJ.

Ac. STJ de 18/5/2011, Proc. 37/09.4PBVCD, Rel. Raúl Borges

I - A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista no artigo 432.º do CPP, preceito que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para este Tribunal, sendo decisão recorrida, objecto de recurso, apenas acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo (atendendo à natureza e categoria do tribunal a quo) e (atendendo agora à gravidade da pena efectivamente imposta) que apliquem pena de prisão em medida superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.

II - O critério da gravidade da pena aplicada é determinante na conformação da competência do STJ, o qual intervirá apenas se e quando tiver sido aplicada pena superior àquele limite.

III - No caso de recurso directo de acórdão de tribunal colectivo ou do júri que aplique pena igual ou inferior a 5 anos de prisão não há recurso para o STJ, atento o patamar mínimo, incontornável, definitivo, de acesso ao Supremo se definir na pena de prisão superior a 5 anos. (…) (negrito e sublinhado nossos)

Ac. STJ de 15/5/2013, Proc. 7/04.9TAPVC.L2.S1, Rel. Oliveira Mendes

I - A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no art. 432.° do CPP. De uma forma directa, nas als. a), c) e d) do n.º 1; de um modo indirecto na al. b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, nos termos do art. 400.°, n.º 1, e respectivas alíneas, do CPP. (…)

Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes

I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo).

II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar.

• Ac. STJ de 26 de Fevereiro de 2014, Proc. 851/08.8TAVCT.G1.S1, Rel. Maia Costa

II — Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não têm recurso para o STJ os acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

III — Como é jurisprudência uniforme do STJ, a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender‑se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto.

IV — A confirmação da condenação admite, assim, a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo‑se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. Por identidade ou maioria de razão abrange qualquer benefício em sede de penas acessórias, efeitos das penas ou quanto à perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime. É a chamada confirmação in mellius. (…)

Ac. STJ de 25/3/2015, Proc. 1101/09.6PGLRS.L1.S1, Rel. Raúl Borges

I - A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão objecto de recurso.

II - O STJ tem entendido, que em caso de dupla conforme total, à luz do art. 400.º, n.º 1. al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a 8 anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão parcelares ou única(s), aplicadas em medida superior a 8 anos.

III -Esta solução quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, consignado no n.º 1 do art. 32.º da CRP.

IV -O direito ao recurso em matéria penal está consagrado em um grau, de modo a possibilitar a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho ao n.º 1 do art. 32.º da CRP a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição.

V - Entende-se que se está ainda perante dupla conforme (total) quando o tribunal de recurso nem chega a conhecer do mérito, como é o caso da rejeição do recurso, ou quando o seu conhecimento se traduz em benefício para o recorrente, por o tribunal de recurso aplicar pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida (confirmação in mellius).

VI -O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e de um segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão. Por outro lado, tende a impedir que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

VII - A dupla conforme, como indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, não supõe, necessariamente, identidade total, absoluta convergência, consonância total, integral, completa, ponto por ponto, entre as duas decisões.

VIII - A conformidade parcial, mesmo falhando a circunstância da identidade da factualidade provada e da qualificação jurídica (desde que dai resulte efectiva diminuição da pena), não deixa de traduzir ainda uma presunção de bom julgamento. (….)

Ac. STJ de 14/5/2015, Proc. 8/13.6GAPSR.E1.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva

I - A arguida foi condenada, em 1.ª instância, pela prática dos seguintes crimes p. e p. no CP cometidos em autoria material:

- um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;

- um crime de furto, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão;

- um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão;

- um crime de desobediência, na pena de 3 meses e 15 dias de prisão;

- um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 10 meses de prisão;

  em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 10 anos de prisão.

II -Interpôs recurso para o Tribunal da Relação que lhe negou provimento, confirmando a decisão recorrida.

III -Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, havendo uma decisão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância que aplicou penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão – a chamada dupla conforme – o recurso para o STJ só é admissível quanto à medida da pena única caso esta exceda 8 anos de prisão.

IV - Acresce que sendo irrecorríveis os acórdãos proferidos pela Relação (independentemente da existência de dupla conforme) que apliquem penas de prisão inferiores a 5 anos, de acordo com a al. e) do art. 400.º CPP, e sendo as penas parcelares aplicadas neste processo todas elas inferiores não só a 8 anos de prisão como mesmo inferiores a 5 anos de prisão a decisão da qual foi interposto o presente recurso é também, por esta via, irrecorrível.

V - Ora, no caso presente, o recurso tinha um propósito específico (qualificação jurídica) e foi apresentado com um âmbito (o dos crimes parcelares) relativamente ao qual, por força do caso julgado já formado, a discussão está encerrada, sendo, assim, de rejeitar na totalidade o recurso.

(Aresto com um voto de vencido; faz uma listagem de jurisprudência do STJ de 2014, de mais de 40 arestos, sobre a alínea f) do art. 400.º)

Ac. STJ de 3/6/2015, Proc. 293/09.8PALGS.E3.S1, Rel. João Silva Miguel

I - O recorrente, professor do ensino básico, foi condenado pela autoria de 10 crimes de abuso sexual p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP, em 5 meninas de 9/10 anos, suas alunas, cometidos no decurso do ano letivo de 2008/2009, na pena conjunta de 9 anos de prisão, numa submoldura para efeitos de efetivação do cúmulo de 3 a 25 anos de prisão.

II - O STJ não conhece da medida das penas parcelares aplicadas, inferiores a 8 anos, confirmadas em recurso pelo tribunal da relação, sendo inadmissível e de rejeitar o recurso quanto às questões relativas às nulidades e à reapreciação: da matéria de facto, incluindo a invocação do princípio ne bis in idem, da qualificação jurídica dos factos e, implicitamente, das penas parcelares. (sublinhado nosso)

III -A pena única a impor deverá, na sua duração, espelhar, além do mais, a intensidade da ilicitude e as necessidades de prevenção geral e especial, temperada peias circunstâncias concretas já assinaladas, bem como os efeitos do tempo já decorrido desde a data da prática dos factos.

IV - É em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa, que é determinada a medida da pena, cuja concretização há de atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime.

V - Na formação da pena única importa atender à visão de conjunto dos factos dados como provados e à conexão entre eles, e surpreender da atividade desenvolvida pelo agente uma compreensão dos factos por referência à sua personalidade e aos demais critérios legais enunciados, aos quais se conforme e encaixe a pena única a aplicar, tendo presente as exigências de prevenção geral e especial, esbatidas pelo afastamento do ensino e inibição de lecionar crianças que lhe foi imposto, bem como os efeitos do tempo já decorrido desde a data da prática dos factos;

VI - A pena única de 7 anos de prisão, em vez da pena de 9 anos de prisão mostra-se adequada por satisfazer os interesses da prevenção, especial e geral, e não ultrapassar a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade e de justa medida, derivada da severidade do facto global.

Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges

I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.

II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão. (….)

(Referencia imensos arestos do STJ sobre a questão da alínea f) do art. 400.º)

Ac. STJ de 18/5/2016, Proc. 653/14.2TDLSB.E1.S1, Rel. Sousa Fonte

I - Nos termos da al. b) do art. 432.º do CPP, admitem recurso para o STJ, as decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do art. 400.º. E a al. f) do n.º 1 do art. 400.º estipula que são irrecorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão superior a 8 anos.

II - Segundo a jurisprudência maioritária do STJ, a confirmação não pressupõe a coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões, mas apenas a sua identidade essencial. Por isso que, no caso de condenação, se verifica, em nosso entender, confirmação (in mellius), quando o tribunal da relação, sem alterar a decisão sobre a matéria de facto, desagrava a responsabilidade do arguido, absolvendo-o de um dos crimes por que ia condenado ou reduz uma das penas parcelares e, consequentemente, a pena conjunta.

III - No caso sub judice, o tribunal da relação, sem ter alterado a decisão sobre a matéria de facto: - absolveu o arguido de um dos crimes por que ia condenado; - reduziu uma das penas parcelares por que ia condenado; confirmou a outra e, consequentemente, reduziu a pena conjunta. Está pois verificado o requisito da dupla conforme, no caso, confirmação in mellius. Quanto à medida da pena, quer a pena conjunta, quer cada uma das penas parcelares são inferiores a 8 anos de prisão. Pelo que, o recurso é inadmissível na sua totalidade.

Ac. STJ de 6/10/2016, Proc. 535/13.5JACBR.C1.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva

I - O art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP consagra a regra da dupla conforme, impeditiva de um terceiro grau de jurisdição, segundo de recurso, de acordo com a qual se as instâncias se pronunciam da mesma maneira quanto às questões essenciais e chegam à mesma solução jurídica sem que existam nas decisões proferidas elementos relevantes de desconformidade não há motivo consistente para continuar a questionar a justiça que foi feita.

II - Já assim não será se a decisão da 2.ª instância que aprecia um recurso se releva discrepante quanto a aspectos essenciais, isto é, se são alterados factos que possam influenciar a qualificação jurídica ou se, sem qualquer alteração factual, essa qualificação se modifica. No caso, sendo as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes inferiores a 8 anos de prisão, e tendo a condenação imposta pela 1.ª instância sido inteiramente confirmada pelo tribunal da relação, verifica-se a existência de dupla conforme, de onde resulta que relativamente a cada um dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados se formou caso julgado material. (…)

Ac. STJ de 30/11/2016, Proc. 172/15.0JABRG.G1.S1, Rel. Francisco Caetano

I - Dispõe a al. b) do n.º1 do art. 432.º do CPP que se recorre para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º do mesmo diploma legal. Estipula a al. f) do n.º 1 deste normativo, não ser admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações que confirme decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. É a consagração da denominada dupla conforme, assente na presunção legal de mérito de uma decisão concorde de duas instâncias e cuja constitucionalidade já por mais de uma vez passou a fieira do TC.

II - Nesse sentido, a condenação transitou em julgado, com o que se tornou definitiva e intangível a decisão. Motivo pelo qual, tendo o tribunal da relação confirmado na íntegra o acórdão da 1.ª instância, não é admissível o recurso interposto pelo arguido quanto à sua condenação em pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida. (…)

Ac. STJ de 30/11/2016, Proc. 103/14.4JAPRT.P1.S1, Rel. Isabel Pais Martins

I - De acordo com o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. São, assim, dois os pressupostos de irrecorribilidade estabelecidos na norma: o acórdão da relação confirmar a decisão de 1.ª instância e a pena aplicada na relação não superior a 8 anos de prisão.

II - Havendo recurso para a relação e conformação da decisão de 1.ª instância (a chamada dupla conforme, ainda que in mellius), só é admissível recurso para o STJ quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão. Assim, nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não é admissível o recurso no segmento da impugnação da medida da pena, pelo crime de homicídio tentado, a implicar a respectiva rejeição, nessa parte, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), do CPP. (…)

Sobre a mesma norma (alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP), cfr. também, na jurisprudência mais recente, Acs. STJ de 28/11/2018, Proc. 115/17.6JDLSB.L1.S1 e de 11/7/2019, Proc.1203/16.1T9VNG.P1.S1, ambos relatados por Raul Borges e com vastíssima informação jurisprudencial, também do Tribunal Constitucional.

 Como se vê pela resumida análise da evolução do direito ao recurso, a partir da reforma de 1998, inclusive, o legislador vem restringindo a possibilidade de interposição de recurso para o STJ.


            --critério de admissibilidade dos recursos para o STJ


Após a reforma de 2007, levada a cabo pela L 48/2007, de 29 de Agosto, o critério de admissibilidade do recurso a interpor para o STJ reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja à pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida.

            O regime de recorribilidade de decisões penais para o STJ está previsto, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP[2], que estipula na sua alínea b) que se recorre «De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º»

De acordo com a alínea e) do art. 400.º, acima transcrito, não é admissível recurso «De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos»

            E segundo a alínea f) do cit. art. 400.º, acima transcrito, não é admissível recurso «De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos».

A confirmação ou dupla conforme é perfeita, quando o tribunal de recurso (Relação) mantém a pena e o tipo de crime.

Mas verifica‑se, do mesmo modo, a dupla conforme quando a Relação rejeita (cfr. Ac. TC 603/2009 e Acs. STJ de 30 de Janeiro de 2003, Proc. 150/03‑5.ª secção, Rel. Pereira Madeira; de 8 de Maio de 2003, Proc. 1224/03‑5.ª secção, Rel. Simas Santos; de 21 de Setembro de 2005, Proc. 2759/05‑3.ª secção, Rel. Silva Flor; Ac. STJ de 2 de Fevereiro de 2006, Proc. 4226/05‑5.ª, Rel. Rodrigues da Costa; Ac. STJ de 26 de Abril de 2007, Proc. 07P1132, Rel. Simas Santos) o recurso da 1.ª instância ou quando reduz (v. Acs. STJ de 13 de Fevereiro de 2003, CJACSTJ, XXVIII, T. I, n.º 166, pág. 186; de 30 de Outubro de 2003, Proc. 03P2921, Rel. Rodrigues da Costa; de 11 de Março de 2004, CJACSTJ, XII, T. I, pág. 224; de 25 de Março de 2009, CJACSTJ, XVII, T. I, pág. 236; de 29 de Outubro de 2009, CJACSTJ, XVII, T. III, pág. 224; cfr., também, Ac. STJ de 3 de Novembro de 2004, CJACSTJ, XII, T.III, pág. 221) a pena (confirmação in mellius; sobre esta, cfr. também Acs. STJ de 24 de Março de 2011, CJACSTJ, XIX, T. I, pág. 208 e ss. e de 7 de Novembro de 2012, Proc. 1198/04.4GBAGD.C4.S1, ambos rel. por Raul Borges e com vasta informação jurisprudencial).

A jurisprudência mais recente do STJ, segue na mesma esteira defendendo a figura da confirmação in mellius, conforme se alcança, v.g., dos seguintes arestos: Ac. STJ de 26/2/2014, Proc. 851/08.8TAVCT.G1.S1, Rel. Maia Costa; Ac. STJ de 23/4/2014, Proc. 33/12.4PJOER.L1.S1, Rel. Pires da Graça; Ac. STJ de 17/9/2014, Proc. 67/12.9JAPDL.L1.S1, Rel. Santos Cabral; Ac. STJ de 25/2/2015, Proc. 74/12.1JACBR.C1.S1, Rel. Manuel Braz; Ac. STJ de 25/3/2015, Proc. 1101/09.6PGLRS.L1.S1, Rel. Raul Borges (com vastíssima informação de jurisprudência do STJ e do TC sobre a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP— confirmação e confirmação in mellius); Ac. STJ de 17/6/2015, Proc. 28/11.5TAVD.E1.S1, Rel. Pires da Graça; Ac. STJ de 23/9/2015, Proc. 524/13.0JDLSB.E1.S1, Rel. Armindo Monteiro; Ac. STJ de 18/5/2016, Proc. 653/14.2TDLSB.E1.S1, Rel. Sousa Fonte; Ac. STJ de 8/6/2017, Proc. 12/14.7JAPTM.E2.S1, Rel. Manuel Braz; Ac. STJ de 6/9/2017, Proc. 360/14.6JACBR.C1.S2, Rel. Oliveira Mendes; Ac. STJ de 18/1/2018, Proc. 239/11.3TALRS.L1., Rel. Lopes da Mota; Ac. STJ de 21/3/2018, Proc. 736/03.4OPRT.P2.S1, Rel. Oliveira Mendes.

Havendo alteração da qualificação jurídica dos factos já se não verifica a dupla conforme (cfr. Acs. STJ de 13 de Outubro de 2004, Rel. Antunes Grancho; de 27 de Janeiro de 2010, Proc. 401/07.3JELSB.L1.S1, Rel. Isabel Pais Martins; de 24 de Abril de 2014, Proc. 11/10.8GCTB.C1.S1‑5.ª, Rel. Isabel São Marcos).

            No caso em concreto, estamos perante penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão que foram integralmente confirmadas pela Relação.

            Aplicando o disposto nos mencionados arts. 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea d) do CPP, verifica-se que o presente recurso para este STJ é, nesta parte, inadmissível.

            E sê-lo-ía também em face da alínea f) do n.º 1 do cit. Art. 400.º

É pacífico o entendimento destas duas alíneas na jurisprudência deste STJ.


            O recorrente invoca, neste âmbito do recurso relativo aos furtos, várias nulidades insanáveis


            --questão da nulidade de acórdão da Relação


A eventual nulidade do acórdão da Relação—e o recorrente faz apelo, nas suas conclusões do recurso, à nulidade do art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP-- não constitui qualquer pressuposto ou critério de recorribilidade para o STJ, o qual se afere, como vimos, pela pena aplicada.        

Sobre esta questão da possibilidade, ou impossibilidade, de recurso para o STJ com fundamento em nulidades cometidas pela Relação, cfr. Acs. TC 390/2004, DR II S., de 7 de Julho de 2004 (pronunciou‑se sobre a constitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º), 659/2011 (pronunciou‑se sobre a constitucionalidade da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º e tem o seguinte sumário: «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão.» — itálico nosso) e 205/2012 (também sobre a constitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º) e os Acs. STJ de 3 de Junho de 2015, Rel. João Silva Miguel e de 6 de Outubro de 2016, Rel. Nuno Gomes da Silva, já acima sumariados na listagem de jurisprudência relativa à alínea f).

Escreve-se no sumário da Decisão de 19 de Março de 2013, do então Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Silva Henriques Gaspar, proferida na Reclamação n.º 131/08.9TARGR.L1-A.S1 – 5ª Secção, o seguinte:

           «1. O art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, estabelece serem irrecorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. 2. A eventual nulidade do acórdão da Relação não constitui fundamento de admissibilidade do recurso. 3. A nulidade, só pode ser arguida e constituir objecto de recurso se a decisão for recorrível.» (em sentido idêntico, cfr. Ac. STJ de 14 de Março de 2018, Proc. 22/08.3JALRA.E1.S1, Rel. Lopes da Mota).

           Conforme doutrina há muito defendida neste STJ «I—Não admitindo os acórdãos recurso ordinário, como ocorre com os proferidos por este Supremo Tribunal, as nulidades de que eventualmente enfermem têm de ser arguidas perante o próprio tribunal, no caso o STJ, como resulta, a contrario, do n.º 2 do art. 379.º do CPP (cf. o n.º 3 do art. 668.º do CPC). II—Não estabelecendo a lei prazo específico para a arguição dessas nulidades, terá de se observar o prazo geral de 10 dias estabelecido no n.º 1 do art. 105.º do CPP» (Ac. STJ de 21 de Março de 2007, Proc. 3043/06‑3.ª, Rel. Sousa Fonte).

            Em suma, e apreciando a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, estando perante uma decisão irrecorrível (art. 400.º, n.º 1, alínea f) CPP), prejudicado fica o conhecimento das questões levantadas na conclusão da motivação de recurso.  


● Da questão da inconstitucionalidade das normas conjugadas dos arts- 410.º, n.º 2 e 3 e 434.º do CPP.

O direito de recurso não é absoluto nem ilimitado.

Tal direito encontra‑se ligado à garantia do duplo grau de jurisdição (cfr. v. g., Acs. TC 189/2001 e 49/2003, este último publicado no DR II S., de 16 de Abril de 2003; note-se, porém, que recentemente o Tribunal Constitucional, no Ac. 429/2016, introduziu uma significativa alteração no sentido da jurisprudência até aí vigente, porque, apesar de reconhecer a interligação entre “direito ao recurso” e a garantia de um “duplo grau de jurisdição”, realçou que se tratava de conceitos autónomos e não confundíveis: v. Ac. TC 672/2017, DR II S. de 15 de Fevereiro de 2018, sumariado na jurisprudência do art. 400.º). Sobre o direito de recurso e o duplo grau de jurisdição, cfr., também, Acs. TC 565/2007, DR II S. de 3 de Janeiro de 2008 e 549/2007, DR II S. de 31 de Janeiro de 2008.

O duplo grau de jurisdição pressupõe que a decisão de um tribunal seja sindicada por um tribunal superior, isto é, pressupõe um só recurso (v. g. de decisão de tribunal de 1.ª instância para um tribunal de 2.ª instância).

E tal garantia projecta‑se quer no que respeita à matéria de facto (tem sido este o aspecto mais controverso), quer no que concerne à matéria de direito da decisão.

Se a questão for objecto de um segundo recurso (da Relação para o Supremo, v. g., de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão superior a oito anos — n.º 1, alínea f), do art. 400.º), já não é por obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição: aqui já estaremos num terceiro ou triplo grau de jurisdição.

O direito de recurso, porém, fica satisfeito com um duplo grau de jurisdição. Na verdade, «não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um terceiro grau de jurisdição» (Ac. TC 2/2006, DR II S., de 13 de Fevereiro de 2006; v., também, com interesse, o Ac. TC 64/2006 e o Ac. STJ de 26 de Janeiro de 2006, Rel. Quinta Gomes, igualmente referenciado na jurisprudência do mesmo artigo; na jurisprudência mais recente do TC, afastando o triplo grau de jurisdição, cfr. Acs. 418/2016 e 186/2019).

O princípio do duplo grau de jurisdição não abrange o reexame da matéria de facto em termos que permitam a repetição do julgamento para além dos casos referidos no artigo 410.º do CPP. Este entendimento está, jurisprudencialmente, tão consolidado que o STJ (cfr. Ac. de 30 de Março de 1995, BMJ 445, pág. 355) já chegou a defender que é de rejeitar o recurso, por manifesta improcedência, quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e livre apreciação do tribunal e a inconstitucionalidade do artigo 433.º do CPP.

O TC não declarou a inconstitucionalidade dos arts. 410.º e 433.º do CPP versão de 1987.

Em face do quadro constitucional vigente (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação ao art. 32.º, págs. 355) é necessária a consagração de pelo menos um grau de recurso abrangendo as questões de facto e de direito.

O vigente regime de recursos em processo penal está conforme a exigência constitucional.


A invocação perante o STJ dos vícios do art. 410.º do CPP está, em princípio, votada ao fracasso.

Conforme já tivemos oportunidade de escrever noutras decisões a este propósito, no que concerne à questão do conhecimento dos vícios consagrados no n.º 2 do art. 410.º, do CPP, gerou‑se controvérsia entre as Relações e o STJ, após as alterações introduzidas, em matéria de recursos, pela revisão de 1998 (L 59/98)

Todavia, posteriormente a jurisprudência do STJ estabilizou, consolidando‑se.

O Ac. do STJ de 24 de Março de 2003, CJACSTJ, ano XXVIII, n.º 166, T. I, pág. 236, refere em sumário que: «Nos recursos das decisões do Tribunal Colectivo, o STJ só conhece dos vícios contemplados no art. 410.º, do n.º 2, do CPP, por sua iniciativa e nunca a pedido do recorrente, o qual, para esse efeito, terá sempre de se dirigir ao Tribunal da Relação, por ser o competente para tal.».

O entendimento expresso neste aresto é hoje pacífico no STJ, como informa, também, A. G. Lourenço Martins, O Instituto dos Recursos, Revista do MP n.º 94, 2003, págs. 81, 82 e como ressalta, entre muitos outros, dos Acs. de 20 de Outubro de 2005, Proc. 2939/05‑5.ª, Rel. Simas Santos, de 2 de Novembro de 2005, Proc. 2752/05‑3.ª, Rel. Silva Flor, de 30 de Novembro de 2005, Proc. 2901/05‑3.ª, Rel. Pires Salpico, de 30 de Novembro de 2005, Proc. 3637/05‑3.ª, Rel. Sousa Fonte, de 14 de Dezembro de 2005, Proc. 3357/05‑3.ª, Rel. Oliveira Mendes, de 4 de Janeiro de 2006, Proc. 3636/05‑3.ª, Rel. Armindo Monteiro, de 25 de Janeiro de 2006, Proc. 2981/05‑3.ª, Rel. Pires Salpico, de 8 de Fevereiro de 2006, Proc. 4411/05‑3.ª, Rel. Henriques Gaspar, de 8 de Fevereiro de 2006, Proc. 98/06‑3.ª, Rel. Silva Flor, de 8 de Fevereiro de 2007, Proc. 159/07‑5.ª, Rel. Simas Santos, de 27 de Novembro de 2007, Proc. 3872/07‑5, Rel. Simas Santos, de 12 de Junho de 2008, Proc. 07P4375, Rel. Raul Borges, com ampla referência jurisprudencial, de 7 de Abril de 2010, Proc. 2792/05.1TDLSB.L1.S1, Rel. Pires da Graça, de 6 de Janeiro de 2011, Proc. 355/09.1JAAVR.C1.S1, Rel. Rodrigues da Costa, de 15 de Dezembro de 2011, Proc. 17/09. 0TELSB.L1.S1, Rel. Raul Borges, também com muita referência jurisprudencial, de 17 de Outubro de 2012, Proc. 1243/10.4PAALM.L1.S1, Rel. Pires da Graça, de 7 de Setembro de 2016, Proc. 405/114.0JACBR.C1.S1, Rel. Santos Cabral, de 19 de Outubro de 2016, Proc. 108/13.2P6PRT.G1.S1, Rel. Pires da Graça, de 21 de Março de 2018, Proc. 736/03.4OPRT.P2.S1, Rel. Oliveira Mendes.

E tal entendimento deriva, além do mais, conforme frisa a jurisprudência do STJ, da interpretação do sistema de revista alargada consagrado nos n.os 2 e 3, do cit. artigo 410.º.

Tal interpretação está bem delineada em múltiplos arestos, transcrevendo-se de um deles o seguinte passo:

«Concordando‑se ou não com os fundamentos expressos, é inegável que sobre a matéria de facto e os vícios que o recorrente lhe assacava, o Tribunal da Relação, ora recorrido, se pronunciou expressamente, tendo‑os por afastados.

E não se descortinando no discurso do próprio acórdão recorrido, ex novo, nenhum dos apontados vícios da matéria de facto, há que ter esta como definitivamente adquirida, até porque a discussão sobre matéria de facto, para além, em certos limites, do conhecimento oficioso desses vícios, está, em regra, como no caso, fora da alçada do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é — art. 434.º do CPP.  Com efeito, como reiteradamente aqui vem sendo decidido, em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe‑se para a relação» (art. 427.º do Código de Processo Penal).

E só excepcionalmente — em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» — é que é possível recorrer directamente para o STJ (arts. 432.º, d), e 434.º).

Ora, como resulta do exposto, o aspecto em apreciação do actual recurso — proveniente da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) — visa, fundamentalmente, o reexame de matéria de facto. De qualquer modo, não visa, exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP). Aliás, o reexame pelo Supremo Tribunal exige a prévia definição (pela Relação) dos factos provados. E, no caso, a Relação — avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso (os factos imputados ao arguido, mormente a posse das cerca de 98 gr de heroína) — manteve‑o, definitivamente, no rol dos «factos provados».

De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.os 2, e 3 do Código de Processo Penal, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava‑se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar‑se sanada»).

Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido — em caso de prévio recurso para a Relação — quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (arts. 427.º e 428.º n.º 1).

Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: — se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; — ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige‑o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º b).» (Ac. STJ de 20 de Maio de 2004, Proc. 04P771, Rel. Pereira Madeira)[3].

Como se refere‑se no sumário do Ac. STJ de 27 de Janeiro de 2009, Proc. 08P3978, Rel. Santos Monteiro «I — O Tribunal da Relação fecha, como regra, o ciclo de conhecimento da matéria de facto, nos termos do art. 428.º do CPP, a ele cabendo a reapreciação daquela matéria, não de uma forma ilimitada, ignorando a fixação naquele domínio pela 1.ª instância, procedendo a um seu reexame na globalidade, fazendo do anterior julgamento autêntica tábua rasa, como se não existisse e, ainda assim, no pressuposto do cumprimento, nas conclusões do recurso, do ónus de impugnação imprimido no art. 412.º, n.º 4, do CPP.» (itálico e sublinhado nosso).

Ou, mais recentemente, no sumário do Ac. STJ de 18 de Junho de 2014, Proc. 659/06.5GACSC.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes:

I — Constitui jurisprudência constante e uniforme do STJ (desde a entrada em vigor da Lei 58/98, de 25‑08) a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ.  É que o conhecimento daqueles vícios, constituindo actividade de sindicação da matéria de facto, excede os poderes de cognição do STJ, enquanto tribunal de revista, ao qual apenas compete, salvo caso expressamente previsto na lei, conhecer da matéria de direito — art. 33.º da LOFTJ. O STJ, todavia, não está impedido de conhecer aqueles vícios, por sua iniciativa própria, nos circunscritos casos em que a sua ocorrência tome impossível a decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação[4].


             Conforme se escreve no Ac. STJ de 29 de Março de 2018, Proc. 5160/13.8TDPRT.P1, Rel. Pires da Graça, «A valoração da prova é questão pertencente à matéria de facto e, por conseguinte do âmbito de recurso em matéria de facto, que é da exclusiva competência do tribunal da relação, que conhece de facto e de direito, nos termos dos arts. 412.º, n.º 3 e 4, e 427.º, do CPP e, por isso, fora do âmbito dos poderes de cognição do STJ, nos termos do art. 434.º, do CPP.».

É perfeitamente inútil, maxime nos casos, como o dos presentes autos, em que já houve intervenção da Relação, pretender-se rediscutir a matéria de facto perante o STJ, que como é sabido funciona, em regra, como tribunal de revista, conhecendo apenas de direito. Mesmos nos casos de recurso directo para o STJ, a competência deste restringe-se, exclusivamente, à matéria de direito (alínea c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP). 

«Os vícios do art. 410,°, n.º 2, do CPP, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tomam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probandum, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão ora recorrido, o que seria possível apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é o caso, para nos referirmos apenas à actuação da Relação em sede de recurso (tal possibilidade de sindicância em matéria de facto poderá ter lugar, obviamente, quando a Relação funcionar como 1.ª instância).» (Ac. STJ de 15 de Dezembro de 2011, Proc. 17/09. 0TELSB.L1.S1, Rel. Raul Borges)


«A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre o modo e consequência da valoração dessas mesmas provas, efectuada pelo tribunal competente para apreciá-las, pelo que não integra qualquer nulidade, desde que o tribunal se orienta na valoração das provas de harmonia com os critérios legais. Na verdade, o art. 32.º, da CRP, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária. Ao STJ como tribunal de revista, e na inexistência de vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP, apenas incumbe sindicar eventuais nulidades, se a convicção do tribunal do julgamento se fundamentar em meios de prova, e provas, proibidos por lei, atentos o princípio da legalidade das provas e os métodos proibidos de prova – arts. 125.º e 126.º, do CPP.» (Ac. STJ de 19 de Outubro de 2016, Proc. 108/13.2P6PRT.G1.S1, Rel. Pires da Graça).


E o texto do art. 434.º do CPP, que refere «Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito» (negrito nosso), também nos não conduz pelo caminho que, à primeira vista, parece indicar.

Conforme se escreve no Ac. STJ de 15 de Julho de 2008, Proc. 08P418, Rel. Souto de Moura «Quando o art. 434.º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 410.º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é‑nos revelado pela al. c), hoje al. d) do n.º 1 do art. 432.º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira‑se que as alterações do C.P.P. operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do art. 432.º e art. 434.º), de modo a justificar‑se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J.» (no mesmo sentido e do mesmo Relator, Acs. STJ de 14 de Abril de 2011, Proc. 117/08.3PEFUN.L1.S1 e de 1 de Outubro de 2015, Proc. 275/12.2JAPDL.L1.S1; Ac. STJ de 8 de Janeiro de 2014, Proc. 124/10.6JBLSB.E1.S1, Rel. Manuel Braz.)

Deste último aresto, de 8 de Janeiro de 2014, extracta-se, por sugestiva a seguinte passagem: «Mas o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito, nos termos do artº 434º do CPP.

Se nesse preceito se contempla a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça declarar a existência dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º, isso é só nos casos em que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja, quando esses vícios não são invocados como fundamento do recurso, pois, se o forem, o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Efectivamente, a alegação da verificação dos vícios do nº 2 do artº 410º representa uma das formas, a mais restrita, de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, sendo a mais ampla a prevista no art. 412º, nºs 3 e 4. Por outras palavras, o Supremo Tribunal de Justiça, visando o recurso para ele interposto «exclusivamente o reexame da matéria de direito», como, por exemplo, a qualificação jurídica dos factos provados ou a medida da pena, deparando-se com qualquer dos vícios do nº 2 do artº 410º que inviabilize a correcta decisão de direito, não está impedido de afirmar oficiosamente a sua verificação, e deve fazê-lo, tirando as devidas consequências, ou seja, decretando o reenvio do processo para novo julgamento, por lhe estar vedado decidir sobre a matéria de facto. É neste sentido que o Supremo vem uniformemente interpretando o art.º 434.º (v., por exemplo, os acórdãos de 08/02/2007, no processo nº 07P159, de 15/02/2007, no processo nº 07P015, de 08/03/2007, no processo nº 07P447, de 15/03/2007, no processo nº 07P663, de 29/03/2007, no processo nº 07P339, de 27/05/2009, no processo nº 05P0145, de 17/09/2009, no processo nº 169/07.3GCBNV, de 14/10/2009, no processo nº 101/08.7PAABT, de 13/01/2010, no processo nº 274/08.9JASTB, de 24/02/2010, no processo nº 3/05.9GFMTS, e de 07/04/2010, no processo nº 2792/05.1TDLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).»


Do que vem exposto se conclui que a arguição dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP não pode, em princípio, constituir fundamento de recurso para o STJ, como é pacificamente entendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que não está, porém, impedido de os conhecer oficiosamente.


            Conforme se escreveu no recente Ac. STJ de 25/9/2019, Proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1, Rel. Raul Borges, a propósito da questão da Ilegitimidade de invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP, como fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (quer em caso de recurso directo, quer em recurso interposto de acórdão da Relação:


         «Como se viu, o acórdão da Relação de Évora de 5 de Fevereiro de 2019, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, no que concerne à impugnação da matéria de facto e à invocação do vício do erro notório na apreciação da prova.

            Na motivação do recurso interposto para a Relação, de fls. 1053 a 1078, o ora recorrente invocou os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a insuficiência da prova e contradição com a prova gravada, a violação do artigo 127.º do CPP e do princípio in dubio pro reo.

                No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.

            É que, mesmo nos recursos interpostos directamente para o Supremo Tribunal deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação – neste sentido, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 - 3.ª Secção, de 22-04-2004 e de 01-07-2004, processo n.º 2035/04-5.ª Secção, CJSTJ 2004, tomo 2, págs. 239/242, de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª Secção, de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª Secção, de 28-02-2007, processo n.º 4698/06 - 3.ª Secção, de 08-03-2007, processos n.ºs 447/07 e 649/07 - 5.ª Secção, de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07 - 5.ª Secção, de 29-03-2007, processos n.ºs 339/07 e 1034/07 - 5.ª Secção, de 19-04-2007, processo n.º 802/07 - 5.ª Secção, de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - 5.ª Secção.

            O recorrente invocou expressamente a verificação do vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, parecendo olvidar que o ciclo da matéria de facto se encerra na Relação e que o Supremo Tribunal de Justiça apenas reexamina o decidido a nível de matéria de direito.

            Face a improcedência da pretensão, numa segunda vaga recursiva, em recurso interposto para o Supremo Tribunal, na fundamentação do recurso, o recorrente reedita a invocação do aludido vício.

            A menos que o acórdão recorrido padeça de patentes, ostensivos, evidentes, incongruentes e relevantes vícios ao nível da confecção da narrativa no plano fáctico, que justifique e imponha intervenção oficiosa deste Supremo Tribunal, com o objectivo de expurgar o vício, debelar a maleita, afastando a insuficiência, a contradição, a desarmonia, a incongruência na apreciação da prova, de modo tal que sem intervenção correctiva no plano factual, a decisão de direito não pode/deve ser tomada.

            Estando-se perante um acórdão do Tribunal da Relação, que no caso concreto apreciou o recurso interposto pelo arguido, não é possível deduzir esta forma de impugnação de matéria de facto, mitigada embora, em recurso dirigido ao Supremo Tribunal, o que ocorre, aliás, seja ele interposto de acórdão final de tribunal colectivo, seja de acórdão da Relação.»

            O recorrente discorda do entendimento uniforme deste STJ acerca deste assunto e expressa-o em diversos artigos das conclusões da sua motivação (v.g. arts. 30.º, 32.º a 34.º).

            Apesar da sua visão sobre a inconstitucionalidade dos arts. 410.º, n.º 2 e 3 e 434.º do CPP (cfr. art. 28.º e ss. das conclusões do recurso), o recorrente não indica, todavia, qualquer aresto do Tribunal Constuticional que afague a sua posição.

            De qualquer modo, entende (v. art. 34.º das conclusões) que os invocados vícios devem «ser oficiosamente apreciados e declarados por este STJ». E em abono deste seu entendimento socorre-se do comentário do Cons.º Pereira Madeira ao art. 410.º do CPP, constante do Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva referenciada na nota 4 deste acórdão, donde transcreve o seguinte passo:

   

            A circunstância de a detecção dos vícios ser de conhecimento oficioso não prejudica a possibilidade de os recorrentes tomarem a iniciativa e suscitarem esse conhecimento na fundamentação do recurso que interponham. Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria.

            Na mesma anotação, e imediatamente a seguir ao trecho transcrito pelo recorrente, escreve-se também algo muito elucidativo, que o recorrente, porém, não trouxe a terreiro, e que a seguir se reproduz:

            «Este conhecimento oficioso dos apontados vícios da matéria de facto, quando efectuado no Supremo pode—e deve—situar-se para além do já levado a cabo pela Relação, sendo que no que já tenha aí sido decidido, a discussão está encerrada por força dos limites da competência entre aquelas duas espécies de tribunais superiores, pois é na Relação que, em regra, se encerra a discussão do facto.» (pág. 1273 da 2.ª edição do cit. Código de Processo Penal Comentado).


Em suma, conforme jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal Justiça de que os vícios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, dado integrarem matéria de facto, não podem constituir fundamento do recurso de revista a interpor para o STJ, e que este Supremo Tribunal apenas deles conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso sub judice, cumpre, nos termos dos arts. 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 2, alínea b) e 434.º, todos do referido Código, rejeitar, nesta parte, o recurso.


As questões atinentes à matéria de facto foram, definitivamente, decididas pela Relação.

Não obstante, não deixaremos de nos pronunciar, oficiosamente, a seguir, na apreciação das duas questões subsequentes.


● Da questão do homicídio qualificado em que foi vítima BB – Contradição insanável da fundamentação, erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo.


Neste campo, o recorrente parece pretender torcer, quebrar, desconstruir, a versão fáctica dada como assente pelas instâncias (a Relação confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância), contrapondo-lhe a sua própria versão arranjada, ou melhor, fornecida, à última da hora, como bem se denota das transcrições a seguir efectuadas: «Atentemos então na prova que foi produzida em audiência (não descurando obviamente que muitos dos sobreditos elementos documentais e periciais foram abordados e analisados na mesma), começando pelas declarações do arguido AA, que todavia apenas foram prestadas no final da produção de toda a prova (a oferecida com a pronúncia e a acusação e os pedidos de indemnização cível, bem como da própria contestação).» (escreve-se no texto da decisão da 1.ª instância reproduzido no aresto recorrido a págs. 118-119); «Ora, a invocada agressão que o recorrente refere ter-lhe sido infligida previamente pelo militar BB assenta única e exclusivamente nas declarações prestadas pelo próprio, ao fechar do pano da produção de prova, na última sessão.» (escreve-se no aresto recorrido a pág. 264).

Não constando, os factos aportados pelo recorrente, da acusação, da pronúncia ou da contestação, bem se pode dizer que os mesmos, como bem se frisa na Resposta do Ex.mo PGA junto da Relação de Coimbra, «não eram objecto do processo».

É claro que as garantias de defesa do arguido são sagradas. O arguido recorrente está no seu pleníssimo direito de falar ou não falar, ou de escolher o momento apropriado para o fazer (no início, no meio, ou no fim da produção de prova, como melhor entender). Nada disso está em causa.

Aqui, no âmbito desta questão recursiva, o que se trata é de, oficiosamente, perscrutar se existe algum vício na decisão recorrida.


O primeiro aspecto focado nas conclusões de recurso tem a ver com princípio in dubio pro reo, razão pela qual nos debruçaremos, em seguida, sobre o mesmo.

Já se discutiu se o princípio in dubio pro reo (sobre este princípio, cfr., na jurisprudência mais recuada, Acs. STJ de 21 de Outubro de 2004, CJACSTJ, XII, T. III, págs. 197 e ss. e de 25 de Maio de 2006, CJACSTJ, XIV, T. II, págs. 196 e ss., referenciando este último jurisprudência e muita doutrina) vale apenas em sede de julgamento ou noutras fases processuais.

O princípio in dubio pro reo, que constitui uma das vertentes do princípio da presunção de inocência, é um princípio relativo à prova (cfr. Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal I, 2000, pág. 81 e ss.; já houve quem defendesse que o mesmo se aplica também na matéria de direito — v. g. Ac. STJ 6 de Abril de 1994, BMJ 436, pág. 248, mas tal posição não vingou) e que se estende, segundo alguns, no seu aspecto objectivo, «por toda a relação processual penal» (J. Costa Pimenta, Introdução ao Processo Penal, Almedina, pág. 215; cfr. também Eduardo Correia, Direito Criminal I, 1968, pág. 150‑151).

Actualmente considera-se que vale para as outras fases processuais, embora o seu campo de aplicação, por excelência, se manifeste na fase do julgamento.

Um non liquet na questão da prova tem de ser sempre, por imposição das regras do processo penal, valorado em favor do requerido.

«O Tribunal Constitucional — refere‑se no Ac. 530/2003, DR II S., de 6 de Janeiro de 2004 — já teve a oportunidade de se pronunciar sobre este princípio, nomeadamente, no seu Acórdão n.º 491/00 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):

«8. Importa ainda verificar se o regime em causa no presente recurso de constitucionalidade resiste incólume à invocação do princípio in dubio pro reo.

Este princípio, que se aceita decorrer da Constituição em estreita ligação com o princípio da presunção de inocência (cfr., quanto à relação entre a presunção de inocência e o in dubio pro reo, HELENA MAGALHÃES BOLINA, Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXX, 1994, págs. 440‑446), assenta na ideia de que a impunidade do culpado é mais tolerável do que a condenação de um inocente (CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, II, reimp. da Universidade Católica, Lisboa, 1981, pág. 310).  Noutros termos, pode afirmar‑se que é “resultante de dois postulados processuais — o postulado processual geral da exigência dirigida ao juiz de decidir sempre (…) e o postulado processual criminal que tem por incondicionalmente inadmissível uma condenação penal em que se não tenha ‘convencido’ o réu da sua efectiva responsabilidade e culpabilidade” (CASTANHEIRA NEVES, Sumários de processo criminal, policop., Coimbra, 1968, págs. 55‑56).

Assim, decorre do in dubio pro reo que “todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à ‘dúvida razoável’ do tribunal, também não possam considerar‑se como ‘provados’” (FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, I, reimp., Coimbra, 1984, pág. 213).»

Tal como resulta do que então se afirmou, o princípio in dubio pro reo tem aplicação no domínio probatório e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido; é justamente por isso que é no princípio da presunção de inocência, incluído pela Constituição entre as garantias do arguido em processo criminal (artigo 32.º, n.º 2), que se encontra a base constitucional para a sua protecção.

Como escreveu BELEZA DOS SANTOS (Crimes de moeda falsa, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 65.º, p. 322), “À lei criminal deve dar‑se a interpretação que os respectivos elementos — gramatical, lógico e histórico — impõem, e não a que favorece o acusado. A máxima in dubio pro reo é inteiramente inaceitável para fazer prevalecer uma interpretação sobre outra. É melhor interpretação a que for mais lógica e não a mais favorável para o réu”.

O mesmo se pode ler em FIGUEIREDO DIAS, op. cit., p. 215, CASTANHEIRA NEVES, op. cit., p. 59 ou GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, II 1993, Lisboa, p. 93 e nota 2. EDUARDO CORREIA, em Direito Criminal, I, Coimbra, 1971, depois de afirmar que “é seguramente de repudiar” considerar, em nome do referido princípio, que “o intérprete, em caso de dúvida, siga aquela das interpretações que mais favoreça o réu”, e que, “em caso de dúvida sobre o significado das normas, deve, com efeito, o intérprete socorrer‑se de todos os elementos que permitam a averiguação da vontade do legislador”, apenas admite que, embora “mal se compreend[a], depois disso, que se continue em face de duas interpretações contrárias de valor igual” se opte pela interpretação mais favorável em atenção ao “princípio de que a liberdade é a regra e a limitação a excepção”.

Não estando em causa, no caso presente, qualquer situação de dúvida por falta de prova, não se encontra qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.».


É muito vasta a jurisprudência dos tribunais superiores[5] sobre este princípio, como se vê pela amostragem que segue:

Ac. STJ de 4 de Outubro de 2001, CJACSTJ, IX, T. III, pág. 182

V — O princípio da livre apreciação da prova encontra, assim, no in dubio pro reo o seu limite normativo.

(escreveu‑se no Ac. STJ de 15 de Junho de 2000, BMJ 498, pág. 148, que «III — O princípio in dubio pro reo acha‑se intimamente ligado ao da livre apreciação da prova do qual constitui faceta e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum.»).

Ac. STJ de 15 de Outubro de 2003, Proc. 1882/03‑3.ª, Rel. Henriques Gaspar

IX — O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.º do CPP, impondo a orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos, mas, para ser apreciada, a violação de tal princípio terá de resultar dos próprios termos da decisão recorrida, dada a limitação dos poderes de cognição do STJ às questões de direito. X — Por isso, e neste limite de apreciação, não existe violação desse princípio se dos termos das decisões das instâncias se não retirar que estas, colocadas perante uma dúvida sobre a prova, tenham optado por uma solução desfavorável ao arguido.

Ac. STJ de 11 de Novembro de 2004, Proc. 04P3182, Rel. Simas Santos

10 — A garantia de legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar‑se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.(...).12 — O princípio da livre apreciação — que contem sempre uma certa margem de intervenção pessoal do juiz— essa garantia de legalidade terá de bastar‑se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo de formação da convicção, de forma a ficar claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção (possibilitando a partir daí o necessário controle da sua legalidade), como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito dado a este ou àquele meio de prova. E quando se trata de usar as regras da experiência e da vida, obviamente que tal uso se tem de haver como pressuposto de todo e qualquer julgamento de um homem por outro ou outros, pelo que seria, no mínimo, excessivo, exigir a torto e a direito, menção expressa feita de tal uso, a explicar que o tribunal tenha dado por provados factos a que porventura ninguém tenha assistido.13 — O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.

     Ac. STJ 16 de Junho de 2005, Proc. 1576/05‑5.ª, Rel. Pereira Madeira

III — O processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do Mais Alto Tribunal, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui matéria de facto. Designadamente pode e deve o STJ avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos, até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada.

Ac. STJ de 20 de Outubro de 2005, Proc. 2431/05‑5.ª, Rel. Pereira Madeira

I — O STJ tem vindo a entender que os parâmetros legais da aplicação do princípio in dubio pro reo, assim como os da livre convicção do juiz, são sindicáveis, até certo ponto, em recurso cingido à matéria de direito. II — Contudo, essa sindicância está limitada aos aspectos externos da formação da convicção das instâncias: há‑de ficar‑se pela exigência de que tal convicção seja objectivada e motivada na análise crítica das provas, dela sendo de exigir a expressão de um processo racional convincente que suporte a conclusão final do tribunal recorrido pela valoração feita deste ou daquele meio de prova.

Ac. STJ de 27 de Abril de 2006, Proc. 3612/05‑5.ª, Rel. Arménio Sottomayor

I — O recurso de revista para o Supremo Tribunal deve reportar‑se à matéria de direito colocada perante a Relação, que aí tivesse sido decidida ou indevidamente omitida, não podendo apreciar‑se questões novas. (…). IV— O STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida, quando se possa dizer que só um erro na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP justifica que o tribunal não tenha ficado em estado de dúvida.

Ac. STJ de 6 de Dezembro de 2006, Proc. 06P3520, Rel. Santos Cabral

I — Ao colocar em causa a forma como foi valorada em termos de convicção probatória a inexistência de demonstração de uma invocada ingestão de estupefaciente [é suscitada a não aplicação do princípio in dubio pro reo como resultado da não realização de exame médico que requereu, para verificar se estaria sob o efeito de droga no dia dos factos] o recorrente emite uma discordância sobre o modo como foi valorada a prova e quanto à convicção das instâncias sobre os factos, pois a pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais do que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativamente ao julgamento sobre a matéria de facto. II — Na verdade, o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui a única solução correcta residirá em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. III — Tal princípio situa‑se em sede estranha ao domínio cognitivo do STJ enquanto tribunal de revista (ainda que alargada), por a sua eventual violação não envolver questão de direito (antes sendo um princípio de prova que rege em geral, ou seja, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário). O Supremo Tribunal está tão‑só dotado do poder de censurar o não uso do falado princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que, perante ele, optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido.

(este princípio, escreve‑se no Ac. STJ de 27 de Junho de 2012, Proc. 127/10.0JABRG.G2.S1, do mesmo relator, aplica‑se «sem qualquer limitação, a todos os factos sujeitos a julgamento e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta»; no mesmo sentido, Ac. STJ de 3 de Maio de 2018, Proc. 444/14.0JACBR.C1.S1, Rel. Isabel São Marcos).

Ac. STJ de 15 de Fevereiro de 2007, Proc. 3174/06‑5.ª, Rel. Costa Mortágua

I — “O processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do STJ, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui «matéria de facto». Designadamente pode e deve o STJ avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde lhe for possível, ou seja, ao menos até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada” — cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 15‑01‑04, Proc. n.º 3766/03‑5.ª II — “Neste contexto, o princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe‑se que o Tribunal decida pro reo (…). A dúvida, que há‑de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” — cf. Ac. do STJ de 20‑01‑05, Proc. n.º 3209/05‑5.ª III — Neste Supremo Tribunal só pode “conhecer‑se da violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou então quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente por erro notório na apreciação da prova” — assim, Ac. do STJ de 08‑07‑04, Proc. n.º 1121/04‑5.ª

Ac. STJ de 28 de Fevereiro de 2007, Proc. 3646/06‑3.ª, Rel. Santos Monteiro

VI — Do princípio da presunção de inocência resulta que o acusado se presume inocente até prova em contrário, mostrando‑se intimamente ligado aos princípios in dubio pro reo e da nulla poena sine culpa, este último segundo o qual o juiz não pode pronunciar sentença condenatória sem estar convencido da culpa do agente. A CEDH, ao abordar o princípio, preocupa‑se em que os juízes não profiram uma condenação senão com base em provas directas ou indirectas, mas suficientemente fortes aos olhos da lei para estabelecer a culpabilidade do interessado; não respeita nem à natureza nem ao quantum da pena.

Ac. STJ de 11 de Abril de 2007, Proc. 3193/06‑3.ª, Rel. Santos Monteiro

I — O STJ, enquanto tribunal de revista, não sindica, como regra, a medida, a refracção dos mais diversos meios de prova sobre a convicção dos julgadores, e isto assim é porque os sujeitos processuais e os diversos meios probatórios dele estiveram fisicamente ausentes, permitindo a sua presença aperceber‑se dos traços do depoimento, denunciadores ou não da sua isenção ou imparcialidade e certeza, que se manifestam por gestos, comoções e emoções e da própria voz, tudo de acordo com o princípio da oralidade. (…) III — Não significa isto que o processo de sindicância escape, em absoluto e em todas as circunstâncias, ao controle do STJ, particularmente quando do texto da decisão recorrida resulte a violação de quaisquer passos para a formação da convicção, seja porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os passos para aquisição desses dados objectivos, ou porque não houve liberdade na formação dessa convicção. IV — Na verdade, nem tudo o que diz respeito à aquisição da matéria de facto integra matéria de facto (cf. Ac. deste STJ de 15‑01‑2004, Proc. n.º 3766/03), podendo e devendo o STJ, até onde lhe for possível, avaliar do uso do princípio in dubio pro reo, exigindo que o processo de formação da convicção probatória seja objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com a suficiência dessa objectivação e com o processo racional enunciado. V — E, quanto ao aludido princípio, a sua violação vai ao ponto em que este STJ pode afirmar que o tribunal recorrido caiu num estado de dúvida e, apesar disso, decidiu, à evidência, in malam partem contra o arguido, ou quando seja resultante, de forma evidente, a partir do texto da decisão recorrida, esse estado de dúvida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum, de erro notório na apreciação da prova.

     Na jurisprudência mais recente do STJ, e com vasta informação doutrinária e jurisprudencial, cfr.:

Ac. STJ de 15/12/2011, Proc. 17/09.0TELSB.L1.S1, Rel. Raul Borges

XVII - Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, num caso em que, como o presente, o Tribunal da Relação se encontra no âmbito de um recurso da matéria de facto restrito aos vícios previstos no art. 410.°, n.º 2, do CPP, a mesma deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos referidos vícios. Ou seja, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção. XVIII - Esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum. O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo art. 410.° do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento.

Ac. STJ de 7/9/2016, Proc. 405/14.0JACBR.C1.S1 Rel. Santos Cabral

III - O STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

Ac. STJ de 20/9/2017, Proc. 596/12.4 JABRG.G2.S1 Rel. Manuel Augusto Matos

VI - A violação do princípio “in dubio pro reo” pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados.

(v. do mesmo Relator, Ac. STJ de 6/2/2019, Proc. 1074-15.5PAOLH.E1.S1)

Ac. STJ de 7/2/2018, Proc. 59/15.6GGODM.E1.S1, Rel. Gabriel Catarino

II - Situando-se a regra/princípio do in dubio pro reo no plano da valoração/apreciação da prova, não compete a este tribunal, salvo se se verificar uma vulneração/violação extrema e flagrante da regra que prescreve a decisão de um juízo de exculpação do arguido quando se verifique uma situação de non liquet probatório – vale dizer para além de qualquer dúvida razoável.


Em resumo, da leitura e análise da jurisprudência, retiram-se algumas conclusões, que a seguir se expressam.

O princípio in dubio pro reo, que constitui uma das vertentes do princípio da presunção de inocência, é um princípio relativo à prova (cfr. Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal I, 2000, pág. 81 e ss.) não se aplicando na matéria de direito.

A diversidade das versões não impõe, necessariamente, que se lance mão do princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.

Conforme se escreve no Ac. STJ de 3/5/2018, Proc. 444/14.0JACBR.C1.S1, Rel. Isabel São Marcos, na esteira de muitos outros arestos deste mesmo Supremo Tribunal, como «tem considerado a jurisprudência constante e pacífica do Supremo Tribunal de Justiça[4], este só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo se, da decisão, resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.»


A questão da violação do princípio in dubio pro reo é reeditada pelo impetrante, dado que já foi alegada no recurso para a Relação, que sobre o mesmo se debruçou em vários passos do aresto em crise (cfr. págs. 260-263 do mesmo). 


Tendo em atenção o recorte conceitual, traçado pela doutrina e pela jurisprudência, do princípio em causa, e atenta a factualidade provada e a fundamentação respectiva, acima transcritas, não se divisa que o tribunal a quo (Relação de Coimbra) tenha ficado com qualquer dúvida relativamente à responsabilidade do recorrente.

É que, note-se bem, a dúvida é a do tribunal e não a do recorrente.

Conforme se escreve no Ac. STJ de 30/3/2017, Proc. 199/15.1PEOER.L1.S1, Rel. Souto de Moura, a propósito do princípio em análise:


«Só que a situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e concretamente através da sentença, porque a dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido. A esta outra problemática se responderia, eventualmente, com a invocação de eventuais vícios da matéria de facto do art. 410º, nº 2, do CPP. E no caso em apreço, o que se constata é que o tribunal, quer da primeira, quer da segunda instância, não revelaram dúvidas quanto à possibilidade de responsabilização do recorrente.» (itálico nosso).


Bem se poderia dizer, conforme se escreveu no Ac. STJ de 13/11/2013, Proc. 2032/11.4JAPRT.P1.S1, Rel. Maia Costa, que:

 

«III - De facto, o que o recorrente invoca e alega são as “dúvidas” que, na sua perspetiva, o tribunal deveria ter tido, as “dúvidas” que, segundo o seu ponto de vista, as provas suscitam e que ele queria ver resolvidas em sentido diferente. Ou seja, sob a invocação de violação do princípio in dubio pro reo, o recorrente procede afinal a uma contestação da matéria de facto, apresentando uma interpretação e valoração diferentes das provas produzidas. No fundo, o recorrente mais não faz do que impugnar os factos, sob a capa de arguição de violação daquele princípio.»


Não se verifica, por isso, qualquer falta de valoração ou de violação do princípio in dubio pro reo.



Também em tudo o que se relacione com o julgamento da matéria de facto e com o recurso no âmbito da mesma matéria, há sempre que ter em consideração o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), os princípios da oralidade e da imediação, intimamente ligados com a credibilidade ou a sinceridade dos depoimentos, bem como questões da avaliação e valoração das provas e dos poderes dos tribunais de recurso.

Os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, conforme parece ser entendimento doutrinário (J. N. Cunha Rodrigues, Recursos, em O Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1989, pág. 393 e em A Tramitação do Processo Penal.  Recursos, aula de 21 de Janeiro de 1992, em Apontamentos de Direito Processual Penal, II vol., Teresa Pizarro Beleza e outros, edição da AAFDL, 1993, pág. 55; Germano Marques da Silva, Aplicação das Alterações ao Código de Processo Penal, Forum Iustitiae, ano 1.º, n.º 0, págs. 21 e 22; José Manuel Damião da Cunha, A estrutura dos recursos na proposta de revisão do CPP, na R.P.C.C., Ano 8, Fasc. 2.º, Abril‑Junho 1998, cit, págs. 259) e jurisprudencial (Ac. TC 677/99, cit.; Ac. TC 59/2006 cit. nas anotações ao art. 423.º; Ac. STJ de 11 de Novembro de 2004, Proc. 04P3182; Ac. STJ de 17 de Fevereiro de 2005, Proc. 04P4324; Ac. STJ de 15 de Dezembro de 2005, Proc. 05P2951; Ac. STJ de 20 de Julho de 2006, Proc. 06P2316; Ac. STJ de 4 de Outubro de 2007, Proc. 07P2433, todos relatados pelo Cons.º Simas Santos; Ac. STJ de 23 de Março de 2006, Proc. 06P547, Rel. Santos Carvalho; Ac. STJ de 18 de Outubro de 2006, CJACSTJ, XIV, T. III, pág. 210; Ac. STJ de 17 de Janeiro de 2008, CJACSTJ, XVI, T. I, pág. 206; Ac. STJ de 25 de Março de 2010, Proc. 76/10.2YRLSB.S1, Rel. Santos Cabral; Ac. STJ de 7 de Julho de 2016, Proc. 23/14.2GBLSB. L1.S1, Rel. Raul Borges, com indicação abundante de jurisprudência) pacífico.

Deste entendimento deriva que:

—        conforme se escreve no cit. Ac. STJ de 17 de Fevereiro de 2005, Proc. 04P4324, «o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.»;

—        os recursos não se destinam a criar ou debater questões novas (salvo o caso das questões que devem ser oficiosamente conhecidas) que não tenham sido suscitadas ou apreciadas pelo tribunal recorrido, mas apenas a reapreciarem uma questão (ou questões) decidida ou que deveria ter sido decidida pelo tribunal recorrido (cfr. Ac. STJ de 7 de Junho de 2006, Proc. 650/06‑3.ª, Rel. Henriques Gaspar).

Há uma grande diferença, uma «incomensurável diferença», nas palavras do Ac. STJ de 14 de Março de 2007, Proc. 21/07‑3.ª, Rel. Santos Cabral, entre a apreciação da prova em 1.ª instância e a efectuada, em tribunal de recurso, pelas Relações.

 Quanto à matéria de facto há, na verdade, como quase sempre, duas versões distintas dos factos em causa nos autos. Cada parte tem a sua.

            O tribunal da primeira instância, secundado pela Relação de Coimbra, optou por uma delas, explicando pormenorizadamente na motivação da sentença as razões por que seguiu em tal direcção (cfr., nomeadamente, págs. 118 a 142, 226, 227, 264 e ss. do aresto recorrido).

            O Juiz julga segundo o princípio da livre apreciação da prova (cfr. Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal l, Ed. Verbo, 4ª edição, 2000, pág. 84-85) consagrado no art. 127.º do CPP que reza: “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente “.

Tal princípio não pode ser entendido como uma operação meramente subjectiva imotivável ou emocional, mas antes como uma operação lógica, racional, de acordo com as regras da experiência e os conhecimentos científicos.

            É óbvio, como se vê pela análise do aresto recorrido, que o mesmo fez uma correcta interpretação e aplicação daquele princípio.

E os factos dados como provados ou não provados devem ser os que resultarem da livre convicção do julgador, colhidos do conjunto da prova produzida e de acordo com a sua consciência e as regras da experiência e não só aqueles que alguma ou algumas testemunhas, ou arguido, referiram.

A decisão do juiz acabará inelutavelmente por ser sempre uma “ convicção pessoal “ – pois que para além dos elementos cognitivos, nela intervirão também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais “- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, 1974, pág. 204.

E o juízo de valoração da prova, como tem sido entendido, tem diferentes níveis, ressaltando, num primeiro nível, a natureza da própria prova (directa ou indirecta), bem assim como a credibilidade que mereceram ao tribunal os meios de prova e, num segundo nível, emergem as operações de julgamento sob o aspecto cognitivo, sendo certo que o valor da prova não depende tanto da sua natureza, mas, sobretudo e fundamentalmente, da sua credibilidade.

            E, por outro lado, também não se deve olvidar o facto de a valoração das provas efectuadas na 1.ª instância resultar do contacto directo do julgador com o arguido e com as testemunhas e, assim, após ele se ter apercebido do modo e da convicção como as pessoas depuseram, nomeadamente a convicção com que o fizeram, o tom de voz e a forma de resposta, os gestos, os olhares, a postura e as reacções, aspectos que, como é óbvio, praticamente escapam à própria gravação da prova.

            O que o arguido manifesta ao longo do seu recurso é uma visão diferente da do julgador, uma diferente interpretação da prova.

            Mas não pode fazê-lo dado que o Juiz da 1.ª instância julga de acordo com o citado princípio da livre apreciação da prova e segundo as regras da experiência comum e mediante princípios (v. g. da imediação) que, em regra (a excepção configurar-se-á nos caso de renovação da prova do art. 430.º CPP, mas mesmo aí já é uma prova em segunda mão), escapam ao tribunal de recurso.

            Não tem que se verificar unanimidade de depoimentos para o julgador seguir uma determinada direcção.

            Julgar pressupõe optar, escolher, decidir.

           A prova é apreciada globalmente.

Se assim é, de acordo com o acabado de expor, nas decisões da primeira instância, sindicadas pela Relação, no recurso dos acórdãos da Relação para o STJ há que atender a outros parâmetros.

Na verdade, a diferença no que diz respeito ao STJ tem que encarar-se por outro prisma, dado que este Supremo Tribunal, como vimos, em princípio, só conhece de direito, não apreciando matéria de facto, a não ser oficiosamente, em casos pontuais, quando se detecte que «o acórdão recorrido padeça de patentes, ostensivos, evidentes, incongruentes e relevantes vícios ao nível da confecção da narrativa no plano fáctico.» (Ac. STJ de 25/9/2019, Proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1, acima parcialmente transcrito).

Também «IV - A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, de acordo com jurisprudência há muito firmada – cf. Acs. do STJ de 19-09-1990, BMJ 399.º/260; de 21-06-1995, BMJ 448.º/278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório); de 01-10-1997, Proc. n.º 876/97 - 3.ª; de 08-10-1997, Proc. n.º 874/97 - 3.ª; de 06-11-1997, Procs. n.ºs 666/97 e 122/97, de 18-12-1997, Procs. n.ºs 47325 e 930/97, Sumários de acórdãos do STJ, Vol. II, págs. 156, 158, 216 e 220; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247; de 19-01-2000, Proc. n.º 871/99 - 3.ª; e de 06-12-2000, Proc. n.º 733/00. Ou, como se dizia no Ac. de 18-12-1997, Proc. n.º 701/97, Sumários, ibidem, pág. 220, a convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso. V - A impossibilidade de este Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim tem, digamos, um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do art. 420.º, n.º 1, do CPP, preceito que, nesta perspectiva, não padece de inconstitucionalidade – cf. Acs. do TC n.ºs 352/98, de 12-05-1998, BMJ 477.º/18, e 165/99, de 10-03-1999, DR, II Série, de 28-02-2000, e BMJ 485.º/93. (Ac. STJ de 4/12/2008, Proc. 08P2507, Rel. Raul Borges; mais recentemente, cfr. Ac. STJ de 29 de Março de 2018, Proc. 5160/13.8TDPRT.P1, Rel. Pires da Graça, acima citado).

Os vícios do n.º 2, do art. 410.º do CPP, são frequentemente confundidos com o erro de julgamento (cfr. Ac. STJ de 20 de Abril de 2006, Proc. 06P363, Rel. Rodrigues da Costa, onde, além do mais, são definidos aqueles vícios; no Ac. STJ de 22 de Abril de 2009, Proc. 303.06.0GEVFX, Rel. Fernando Fróis faz‑se a distinção entre o erro de julgamento e os vícios do n.º 2).

E «são vícios intrínsecos da sentença penal, pois respeitam à sua estrutura interna» (cfr., v.g., Ac. TC 167/2007, DR II S. de 7/5/2007), que têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Há erro de julgamento quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado.

O erro de julgamento só podia ser sindicado com o recurso à transcrição e agora, em virtude de a exigência da transcrição ter sido abolida pela reforma de 2007, com o recurso à gravação.

Este tipo de erro não se confunde com o erro notório, nem com os restantes vícios consagrados no art. 410, n.º 2, do CPP, que têm, como vimos, de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Este é o entendimento corrente da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

E de acordo com o Ac. STJ de 17 de Março de 2004, Proc. 03P2612, Rel. Henriques Gaspar, «Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP não podem, por outro lado, ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do CPP.

Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos.» (em sentido semelhante, e do mesmo Relator, cfr. Ac. STJ de 13 de Julho de 2005, Proc. 05P2122).

Quando o recorrente coloca em causa o modo como o tribunal valorou a prova (testemunhal, pericial ou outra) não está a invocar os vícios do n.º 2, do presente artigo, mas a questionar o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova (v. art. 127.º).

Os invocados vícios de contradição insanável e do erro notório foram definidos na jurisprudência mais recuada, como por exemplo, no Ac. STJ de 23 de Outubro de 1997, Proc. 97P318, Rel. Dias Girão, nos seguintes termos:

«III — A contradição insanável da fundamentação dá‑se quando, analisando‑se a matéria de facto dada como provada e não provada se chega a conclusões contraditórias, insanáveis, irredutíveis, que não podem ser ultrapassadas recorrendo‑se ao contexto da decisão no seu todo e ainda com recurso às regras da experiência comum.

IV — O erro notório na apreciação da prova existe quando sendo usado um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.».

Nas palavras do Ac. STJ de 12/7/2012, Proc. 350/98.4TAOLH.E1.S1, Rel. Raul Borges, «XI - A contradição insanável da fundamentação é a contradição ou oposição intrínseca na matéria de facto ou na respectiva fundamentação. O vício consiste na afirmação de factos animados de sinal contrário, cuja verificação simultânea é impossível, sendo a sua coexistência inexoravelmente inconciliável. Supõe oposições factuais ou a existência de factos contraditórios na factualidade apurada, e a partir de 01-01-1999, oposição entre a matéria de facto e/ou a fundamentação desta e a decisão.»

Na jurisprudência mais recente, e com amplas referências doutrinárias e jurisprudenciais, cfr. Acs. STJ de 20/9/2017, Proc. 596/12.4JABRG.G2.S1 e de 5/9/2018, Proc. 2175/11.4TDLSB.L1.S1, ambos Rel. Manuel A. Matos (sobre contradição insanável e erro notório) e de 25/9/2019, Proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1, Rel. Raul Borges, cit., (sobre o erro notório).

O erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP) é aquele «que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente» (Simas Santos, Leal-Henriques, Código Processo Penal Anotado, 2.ª ed. R. Livros, 2000, pág. 740) e não se confunde, como se alerta, na sequência do entendimento pacífico que é adoptado pela jurisprudência, no cit. Ac. STJ de 25/9/2019, Proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1., «com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar.».

No Código de Processo Penal Comentado, cit., 2.ª ed., 2016, a págs. 1274-1275, em anotação ao artigo 410.º, escreve Pereira Madeira que: «A contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão só importa a verificação do vício quando não seja suprível pelo tribunal ad quem. Isto é, quando seja insanável. Na verdade, tratando-se, por exemplo de um erro no assentamento da matéria de facto, ou mesmo da respectiva fundamentação de facto, um erro perceptível pela simples leitura do restante texto da decisão, não poderá falar-se em vício de contradição, o qual só existirá se, eliminado o erro pelo expediente previsto no artigo 380.º do CPP, correcção a que o próprio tribunal de recurso pode e deve proceder (n.º 2 do mesmo artigo), a contradição persistir. Então, sim, insanável.

       A contradição tanto pode emergir entre factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados («provado que disparou», «não provado que disparou»), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão. É exemplo deste último tipo de contradição, a circunstância de a sentença se espraiar em considerações tendentes à irresponsabilidade penal do arguido e a decisão final concluir, sem mais explicações, por uma condenação penal, ou vice-versa.

Por vezes a contradição surpreende-se até no modo como se apresenta a fundamentação da matéria de facto, quando essa fundamentação resulta contraditória com a solução de facto encontrada.»


Volvendo ao caso dos autos.

O arguido recorrente transcreve, no n.º 39 das conclusões de recurso, parte das considerações tecidas pelo tribunal da 1.ª instância (constantes de fls. 226-227 do aresto em crise) sobre a questão da concreta motivação do arguido para o disparo contra a vítima BB.

E, no seu entender, o tribunal deveria ter dado com provado que o arguido disparou apenas por ter sido vítima de prévia agressão por parte do BB; a conduta do arguido deveu-se «exclusivamente às agressões antecedentes que o militar BB lhe dispensou», escreve-se na conclusão 43.º do recurso.

O tribunal, na óptica do recorrente (v. conclusão de recurso n.º 57), deveria ter dado com provado, alterando nomeadamente o facto provado n.º 9, que  …, perante agressão da vitima BB sobre o arguido AA nos instantes que precederam o fatal disparo, atingindo-o com as algemas numa das mãos e socando-o e pontapeando-o em diversas partes do corpo, nomeadamente, a zona lombar, este efectuou o dito disparo sob forte perturbação emocional e medo…”.

Tinha que existir «algo de muito grave» (v. conclusão n.º 40) para que o arguido tivesse disparado sobre o BB; colocando de parte a versão do arguido e dando credibilidade e varacidade às declarações do militar EE (v. conclusão n.º 44).

Ao decidirem como decidiram as instâncias (conclusão n.º 44) incorreram em contradição insanável na fundamentação no sentido.

E verifica-se também erro notório, como se escreve nas conclusões de recurso a seguir transcritas:

              «48.º - Isto significa que, na verdade, as instâncias tiveram dúvidas sérias, dúvida razoável, de que efetivamente o que desencadeou a conduta do arguido foi a agressão de que foi alvo por parte do militar BB.

              E perante essa dúvida razoável – que inclusivamente as fez deixar em aberto aquela possibilidade – as instâncias decidiram como decidiram, isto é, em total prejuízo do arguido.

              49.º - O que significa também que estamos perante erro notório, no sentido de ostensivo e evidente, na apreciação da prova que as instâncias levaram a cabo, erro notório esse proveniente sobretudo da clara violação das regras da experiência comum.»


Sobre as considerações tecidas acerca da credibilidade ou veracidade de declarações de testemunhas, remete-se para o que a propósito atrás se escreveu nesta mesma questão de recurso.

O Tribunal rejeitou a versão do recorrente.

E a circunstância de ter dado como não provada a versão do arguido não integra qualquer vício, nomeadamente os invocados pelo recorrente (já acima se enunciou o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre tais vícios).

 

Estamos perante um processo complexo, com factos que se desenrolaram durante a noite e a madrugada de Outubro de 2016, e em que não é abundante a prova testemunhal directa (neste aspecto foi essencial o depoimento do único sobrevivente o militar EE). Mas existe muita outra prova, que foi apreciada pelas instâncias. 

O Tribunal recorrido refuta, pormenorizadamente, a versão dos factos apresentada pelo recorrente, não tendo manifestado quaiquer dúvidas, nomeadamente as que o arguido lhe assaca, como bem se alcança das transcrições a seguir efectuadas.  

Após passar em revista, a págs. 108-117, as numerosas provas constituídas pelos exames e pelas perícias, escreve-se no Ac. da RC (que aqui reproduz o decidido na 1.ª instância), a págs. 118-142, o seguinte:


«Posto isto e antes de entrarmos nas declarações e depoimentos produzidos, importa desde já salientar que também a autoria pelo arguido dos factos acima dados como provados resulta como altamente provável em face (apenas) daqueles elementos, desempenhando aqui um papel fundamental todos os registos que demonstram, para lá de qualquer dúvida, a fuga que o mesmo protagoniza desde que esquece o seu documento de identificação com BB, os locais onde esteve e o rasto de morte e ferimentos em terceiros que foi deixando, assim como os documentos escritos dirigidos à família, acima analisados.

Fazendo depois uma correlação dos vestígios com as lesões sofridas pelas vítimas, mesmo ao nível pericial, a conclusão da autoria e modo de produção das lesões é harmonioso e coerente com a descrição do sucedido realizada pelo assistente EE em julgamento (e de que infra daremos conta) e com a acima dada como provada.

Também a correlação entre os objetos encontrados e apreendidos, alguns dos quais transpostos de um cenário e momento para outro[15], são bem evidenciadores de que o arguido protagonizava uma fuga, com preocupações claras (embora nem sempre conseguidas) de ocultação de vestígios, claramente indiciadora da sua atuação nos sucessivos eventos (outra explicação se não encontra para tudo o sucedido após o disparo sobre BB, momento em que poderia ter, sem mais, entregue a arma a EE que a tudo tinha assistido, e que, na versão do próprio, como veremos, nunca o agrediu ou ameaçou, antes pelo contrário).

Aliás, a reconstituição que é possível fazer tendo apenas em conta os sobreditos elementos documentais e periciais evidencia claramente uma nítida espiral de violência, sempre com cuidados e propósitos de ocultação do rasto, incompatíveis com quem apenas pretende fugir para acautelar a sua integridade física ou vida (e, acrescente-se, incompatível com a própria versão do arguido).

A conjugação de todos estes elementos, bastante reforçados nos termos que abaixo enunciaremos (com as declarações e depoimentos produzidos em audiência), apontam, claramente, para a pessoa do arguido como agente dos factos acima dados como provados.

Atentemos então na prova que foi produzida em audiência (não descurando obviamente que muitos dos sobreditos elementos documentais e periciais foram abordados e analisados na mesma), começando pelas declarações do arguido AA, que todavia apenas foram prestadas no final da produção de toda a prova (a oferecida com a pronúncia e a acusação e os pedidos de indemnização cível, bem como da própria contestação).

E começamos pelo último momento de produção probatória em audiência para que se perceba melhor em que medida toda a demais prova mobilizada em julgamento (que depois analisaremos em maior detalhe para além do acima referido), não permite ter por fundada a versão que o arguido entendeu expor em audiência ou mesmo criar alguma dúvida quanto à sua possível verosimilhança.

Posto isto, tenhamos presente que as declarações prestadas pelo arguido foram-no, sempre, de forma muito controlada e pausada, pensando antes de dar qualquer resposta e recuperando, aqui e ali, um discurso que (naturalmente) havia preparado e pretendia transmitir.

Não existindo qualquer censurabilidade em tal procedimento, natural e expectável em todo o arguido que aguarde julgamento privado da liberdade, e ainda para mais quando em causa estão situações com a gravidade dos factos vertidos na pronúncia e acusação, o que não se entende é a ressalva que o arguido teve necessidade de fazer, em últimas declarações, sobre alguma dificuldade de narração do sucedido derivada de estar há muito privado de conversar diariamente com terceiros.

É que não obstante se admita tal circunstancialismo, não se notou qualquer dificuldade de comunicação na sua descrição do sucedido e claramente o arguido disse o que quis e entendeu dizer sobre o sucedido.

Se essa descrição tem (ou não) respaldo probatório, se é (ou não) contraditória num ou outro ponto e, em última análise, se é (ou não) verosímil é matéria que não decorre neste caso de qualquer falta ou dificuldade de comunicação.

O arguido começou então por reconhecer as circunstâncias de tempo e lugar em que decidiu parar a Toyota Hilux preta que conduzia junto ao hotel …, onde chegou pelas 23:30.

Explicou que os dias anteriores tinham sido difíceis, com muito trabalho, e estava bastante cansado, quase se despistando momentos antes, pelo que acabou por parar naquele local apenas para descansar, sendo que podia ter parado mais à frente, na aldeia …, mas para evitar desconfianças na aldeia parou ali, por ser mais isolado (não obstante a estranheza que suscita alguém preferir parar num local isolado para descansar noite dentro, mais estranho é alguém fazer um desvio tão significativo da estrada principal para descansar, ainda para mais quando já vai cansado a ponto de ter tido quase um acidente…).

Instado referiu que antes disso, cerca das 22:30 saiu de casa de um Sr. RRRRR, não sabendo precisar a localidade, situada entre … e …, atravessou … e inicialmente pensava seguir até casa em …, mas não conseguiu devido ao sono e cansaço, sendo que pelas 23:00 horas da noite falou com a companheira (AAA) e disse-lhe que ia dormir um pouco e para o acordar quando fosse a próxima vez de dar de mamar ao seu filho LLLLL (a este propósito esclareceu que tem dois filhos da AAA e vive com ela desde 2008-2009).

Mais adiante nas suas declarações e ainda a este respeito o arguido referiu que foi levar a filha à escola, tinha marcado uma reunião da Segurança Social às 11:30, que foi desmarcada, foi almoçar com a filha e depois dirigiu-se para a quinta …, que distava cerca de 25 km do hotel … (encostada a …), sendo que por ter dado folga ao empregado esteve a trabalhar na quinta desde as 4 ou 5 da tarde até ao final do dia, após o que se dirigiu a casa do referido RRRRR, depois das 21:00, para receber um dinheiro que ele lhe devia, não tendo jantado com ele, mas antes comido alguma coisa na carrinha, sendo que saiu dali pelas 23:00.

Explicou que conhecia o local onde parou desde agosto de 2016, porque ali havia um ribeiro para dar uns mergulhos e tinha ido ali, nesse verão, passar uma tarde com a filha e a afilhada (todavia, se atentarmos nas fotografias aéreas do local juntas aos autos –entre outras nas juntas ao relatório do GACDC – não se vislumbra qualquer curso de água nas proximidades do hotel em construção).

O arguido assumiu depois que tinha consigo uma arma de fogo, 7.65mm, talvez com 4-5 munições (referindo depois que estava aos seus pés), mas não o pé de cabra, confirmando que não tinha licença de uso e porte de arma.

Justificou a detenção da arma porque “estavam” a ter muitos problemas com os cães, “meio selvagens”, que atacavam os animais, provocando muitos prejuízos (já tendo sido prejudicado pelos ataques daqueles cães 2 ou 3 vezes)[16].

Questionado pelo recurso a um método tão drástico para afastar cães (que ainda assim não justifica a posse de uma arma daquele calibre consigo na carrinha, naquele contexto) o arguido referiu ainda que na quinta já tinham uma pressão de ar e uma arma tipo airsoft para os afastar, mas não era suficiente, e em julho de 2016 tinha acabado por comprar a arma em …, de forma ocasional (curiosamente, como vimos acima, essa mesma arma estava relacionada com um inquérito envolvendo disparos contra a GNR na zona de Leiria).

Mais adiante nas suas declarações e volvendo à questão da arma e sua obtenção o arguido precisou que adquiriu em … em frente à Câmara Municipal tendo sido abordado por um vendedor (naquele sítio público) para o efeito, em dois dias consecutivos…

Tornando ao relato do sucedido naquela noite, referiu que porque sentiu muito frio, tendo acordado gelado, tapou-se com a manta e ligou o carro e o aquecimento, motivo pelo qual, dado o barulho que o veículo fazia, não ouviu o carro da GNR aproximar-se, apenas tendo acordado com uma pessoa, do seu lado (lado do condutor), a bater-lhe no vidro e outra do lado direito apontando-lhe uma lanterna à cara, pelo que se levantou e tendo a perceção de que era um veículo da GNR ficou mais descansado, desligando a carrinha.

Refere que se levantou já com as mãos no ar (?), deixando a “mantinha” que o tapava cair aos seus pés, assim tapando a arma que ali estava[17], e o militar da GNR que estava do seu lado mandou-o sair do veículo perguntando-lhe pela identificação e o que estava ali a fazer, ao que respondeu estar a descansar.

Diz que o militar lhe volta a perguntar o que estava ali a fazer, pois era um lugar suspeito, e ele explicou-lhe novamente que estava com sono, que já se tinha quase despistado e parou naquele sítio para não alarmar a aldeia.

Tendo o militar voltado a insistir que era suspeito parar ali, pediu-lhe os documentos da viatura e pessoais, o que aquele fez, tendo-os recolhido do porta-luvas, referindo que nesse momento viu o outro militar a meter a pistola no coldre, o que depois retificou, salientando que afinal não o chegou a ver com a pistola.

Tinha os documentos da carrinha numa pasta e tirou-os, sendo que no banco do passageiro tinha a carta de condução e o B.I. que entregou.

Uma vez que o piso, por baixo do banco do passageiro, estava com lixo de refeições que ali tinha feito, perguntaram-lhe se vivia na carrinha, o que aquele negou, afirmando que tinha casa para viver, mas passava muito tempo no carro e fazia algumas refeições no veículo, acrescentando que estava a deslocar-se para uma casa, em …, a cerca de 9km (note-se, todavia, que dali a … distam, pelo menos, 25 kms), mas não conseguiu chegar até lá devido ao sono e ao cansaço (lembremos que o arguido começou por referir que ia para Arouca[18]).

Explicou que de seguida pegaram nos documentos e disseram-lhe para se deslocar junto do carro da GNR, o que fez, sendo que ali existia mais luminosidade, pois tinham as luzes superiores da viatura também ligadas, afirmando que foi o militar BB (cujo nome sabe agora) quem tomou os documentos e procedeu à sua identificação.

É também ao chegarem junto do veículo da GNR, que os militares entram em contacto com o posto, a quem deram o seu nome, perguntaram se havia algo pendente com a sua pessoa e se os dados do veículo eram corretos, o que fizeram pelo rádio da GNR, tendo ouvido responder do outro lado que quanto à pessoa nada constava, mas que o nome do proprietário do veículo não era o mesmo.

Explicou-lhes, então, que a sua amiga RR poderia ter alterado o proprietário, porque podia não haver interesse em que a carrinha continuasse em nome da empresa, mas não sabia bem (…), tendo referido que ainda em agosto tinha feito a inspeção da carrinha com esses documentos e não tinha tido qualquer problema, assegurando não a ter furtado.

Diz que nessa altura comunicam novamente por rádio com outro posto da GNR, o que refere porque a voz que respondia era diferente, tendo o militar EE ficado a falar ao rádio enquanto o BB caminhou outra vez em direção da Toyota, tendo ido atrás dele (pelo que não ouviu o que então foi dito).

Novamente aquele lhe perguntou o que fazia num sítio suspeito e voltou-lhe a responder que não estava a fazer nada de mal, que só descansava e não tinha nada de mais na carrinha, nem estava a roubar ninguém.

Entretanto o BB começou a mexer e observar a carrinha, abriu a porta do lado esquerdo e vê mochilas de roupa, pergunta-lhe novamente se não vive na carrinha e responde-lhe que tem ali mudas de roupa para poder vestir roupa limpa depois do trabalho.

Aduziu que aquele militar viu uns documentos que ali tinha, em dossiers, também os abriu, viu umas fotografias dos filhos e depois voltaram a aproximar-se do carro da patrulha.

Percebendo que os militares falaram entre si, não percebendo o quê, prosseguiu dizendo que o BB continuou a falar com ele, sobre a estranheza da situação, como e porquê conhecia aquele desvio, dando-lhe o arguido as explicações pedidas, enquanto o EE foi fazer um telefonema, após o que se aproxima deles e trocam de posição, ficando o EE junto a si, fazendo perguntas, e novamente se aproxima da carrinha, começando a abrir uns sacos que estavam no lugar dos passageiros.

Explicou que o BB nessa altura se afastou, tendo-o perdido de vista, enquanto o EE continuou a insistir, sobre o que estava ali a fazer e se tinha algo ilegal, ao que lhe respondeu que se tinha algo fora da legalidade, seriam os jerricans com o gasóleo, tendo aberto a parte de trás da carrinha e mostrado os mesmos, dizendo que pagou o gasóleo, mas que não sabia se ali podia transportar combustível.

Disse que aquele ainda lhe pergunta para que queria a mangueira, respondendo-lhe que era para pôr o gasóleo dos jerricãs para o trator, e quando questionado pela não utilização de um funil para o efeito explicou as vantagens da mangueira.

Ainda quanto a este diálogo acrescentou que tendo o EE lhe perguntado para que queria o gasóleo, respondeu que era para o trator, porque era altura de remexer as terras, e mais foi questionado sobre quantos cavalos tinha, o que estranhou pois desconhecia como o militar poderia saber dos seus cavalos.

Mais referiu então o arguido que, logo no início da interpelação, lhe perguntaram ainda antes da identificação e com ele no interior da carrinha, se era o SSSSS, não percebendo porquê, assim como disse não ter percebido tudo o que se passou naquela noite e aquelas insistências (não tendo igualmente referido qualquer pormenor sobre quem seria o SSSSS a que aludiu).

Continuou referindo que entretanto o BB sai de dentro da obra do hotel, para onde tinha ido, dirigindo-se novamente à carrinha, que está afastada da saída do hotel cerca de 6 metros, chamando o EE, que se desloca junto dele, segredou-lhe alguma coisa que não percebeu, e logo de seguida o BB vem na sua direção com algemas na mão, movimentando-as em movimento circulares que exemplificou.

Afirmando ter-se mantido calmo, como sempre disse ter estado, refere que o BB, sem qualquer explicação, chegando junto a si lhe acerta com as algemas no pulso da mão direita (sendo que mais adiante retifica o local atingido para o exterior da mão direita) ao que o arguido se queixou, dizendo-lhe que o tinha magoado, sendo que o BB, em ato contínuo, o empurra contra a carrinha e desfere um pontapé para aquele abrir as pernas e faz-lhe a revista[19].

Neste hiato dizia-lhe que afinal era um “pilho”, um “pilha galinhas”, e deu-lhe um murro do lado direito das costas, nos rins, dizendo-lhe “fala agora”, e isto enquanto o EE estava afastado e dizia para o BB ter calma e o arguido se tentava proteger, de costas, e dizia que não estava a fazer mal.

No entanto, o BB volta a dar-lhe dois murros nos rins, ficando mesmo muito magoado e um pouco debruçado, sobre a parte mais alta da carrinha, tendo-lhe o arguido dito que ia fazer queixa ao advogado.

Nesse momento, ele deu-lhe mais uma pancada e acaba por quase cair, em frente à porta do passageiro (indo contra esta porta), após o que o BB lhe desfere um murro com a algema, na parte direita da cabeça, apanhando o ouvido, levando o arguido a quase cair de joelhos sobre a carrinha, após o que refere ter sofrido uma joelhada na zona lombar, quando está de joelhos, precisamente num sitio onde tem hérnias, e depois nova joelhada nas costas, a que se seguem um ou dois murros (esclarecendo depois que, afinal, não está bem ajoelhado, mas inclinado sobre a carrinha).

Referindo que em desespero e para acabar com aquilo, nesse momento vê a sua arma, que estava por baixo da manta, no chão da carrinha junto ao banco do condutor, e puxa da mesma, disparando sobre o BB, que cai imediatamente ao chão.  

Instado a explicitar o sucedido refere que, com a arma na mão, vira-se para trás e dá um tiro ao BB, sendo que a arma estava pronta a disparar, com uma bala na câmara porque tinha estado a dar tiros a uns cães, sendo que o seu objetivo era apenas fazer cessar as agressões, embora refira simultaneamente que via apenas “vermelho e preto”.

Aqui chegados são evidentes várias perplexidades que esta versão do sucedido suscita.

Centrando-nos apenas nas mais evidentes, a primeira prende-se com a ausência de motivação para as violentas agressões que, de forma inopinada, o militar BB, até então correto para com o arguido, decide encetar e com uma gradação progressiva inusitada (note-se que se o arguido questiona a desadequação da motivação levada ao despacho de pronúncia e a avançada pelo Ministério Público e assistentes em alegações, esta não é mais clara ou adequada).

A segunda é que não se percebe como consegue o arguido, naquele contexto de dor e agressões non stop, dobrado ou ajoelhado, ver a arma, se, como o próprio logo no início da descrição cuidou de dizer, esta estava tapada. E tapada de tal forma que os militares que o arguido disse terem observado e mexido no interior do veículo, inclusive nos sacos e dossiers ali existentes, nem sequer a detetaram…

A terceira é que é altamente improvável que um utilizador minimamente experiente de armas de fogo, como o arguido reconheceu ser (e o demonstram os próprios factos por este assumidos), guarde uma arma que, na sua própria versão, utiliza amiúde, carregada e pronta a disparar por debaixo da carrinha que conduz (ainda para mais uma carrinha que comprovadamente percorre caminhos acidentados, pautados pela permanente trepidação). Note-se que questionado sobre tal paradoxo o arguido limitou-se a referir não ter pensado nisso.

A quarta decorre da evidente inverosimilhança da utilização daquela arma visando cães, ainda para mais recentemente (por forma a não ter de puxar a corrediça antes do disparo), quando o próprio descreveu o trabalho e deslocações realizadas naquele dia, sem que envolvesse qualquer ataque de cães ou outros animais.

A quinta prende-se com a forma como o arguido descreve o disparo, é que estando aquele de joelhos, curvado, ou apenas inclinado junto à porta do condutor, enquanto está a ser agredido, é dificilmente equacionável que consiga ter tempo para, sem reação de quem está tão próximo de si, retirar uma arma debaixo de uma “mantinha”, virar-se e disparar um só tiro precisamente na face do agressor (que tinha 1,88m, cfr. fls. 2637).

A sexta resulta da circunstância pericialmente atestada de se tratar de um disparo de muito curta distância, como vimos, que atinge BB, com um trajeto “da frente para trás, da esquerda para a direita e sensivelmente horizontal”. Ora, não resulta da descrição do arguido que este se tenha levantado por forma a disparar sobre o BB em termos do projétil o atingir num trajeto sensivelmente horizontal. Antes pelo contrário, atenta a posição que o arguido disse ter (e que teria que ter para conseguir agarrar uma arma que está no piso da carrinha) e o imediato da reação e disparo que sustenta tal trajeto não poderia ser horizontal (o que pressupõe o arguido numa posição erigida ou, pelo menos, na linha da face do seu agressor, que não foi descrita). Lembre-se que o arguido referiu, mais que uma vez, que na altura que o BB o está a agredir, ele está quase ajoelhado.

A sétima prende-se com a sustentação de que não pretendia matar o agressor mas apenas fazer cessar as agressões, o que não é muito compatível com o disparo que comprovadamente foi feito na face daquele, é que se a mera exibição de uma arma não fosse suficiente para demover o militar das supostas agressões que estava a realizar, com certeza um qualquer disparo noutra direção teria obtido o pretendido desfecho (não se desconsiderando que o agressor também estava armado, o que tornaria desaconselhável qualquer recurso a uma arma de fogo, certo é que o desespero invocado pelo arguido tão pouco lhe permitiria um raciocínio tão esclarecido durante um espancamento inopinado como o por si alegado).

A oitava decorre da inexistência de qualquer registo, descrição ou indício da existência de um espancamento da natureza do descrito pelo arguido seja nos autos e, adiantamo-lo desde já, seja nos vários relatos prestados em audiência. Com efeito, se tivermos em conta as agressões descritas pelo arguido, nomeadamente o murro com as algemas na parte direita da face (zona bastante irrigada como referiu a Sr.ª Perita a que infra aludiremos), seria difícil não existirem registos disso mesmo quer nas imagens colhidas horas depois do arguido no …(onde nenhuma lesão na face é percetível), quer nenhuma referência a lesões por parte de quem, como RR, ainda menos tempo depois disto, privou e inclusive acompanhou o arguido numa deslocação no mesmo veículo (para já não mencionar EE que esteve com o arguido até ser baleado ou mais tarde GG, que tão pouco refere feridas ou ferimentos no arguido).

E não se diga que os toalhetes muito depois (desde logo do encontro do arguido com RR) encontrados com vestígios de sangue do arguido ou o vestígio encontrado na Glock apreendida evidenciam tais lesões, pois não só não são de molde a estabelecer qualquer relação direta com as alegadas agressões, como tais vestígios podem ter muitas outras explicações (naturais, como referiu o Ministério Público em sede de alegações, em quem encetou a fuga que o arguido protagonizou durante quase um mês por serras e matas).

Posto isto, refere o arguido que ao ver o BB cair no chão vira-se para o EE, que estava na esquina traseira da caixa da carrinha (muito próximo), aponta-lhe a arma e só lhe diz “está quieto”.

Referindo que a confusão era muita, não tendo logo noção de ter morto o militar BB, referiu ainda lhe ter dito para parar de brincar e se levantar, ao que o EE lhe diz “mataste o meu colega”.

Ato contínuo o arguido diz ordenar ao EE para levantar os braços, e depois para desapertar o cinto onde tinha o coldre com a outra mão, o que o EE fez, deixando cair o cinto ao chão.

Depois disso referiu estar numa grande confusão, sem saber o que fazer, apenas queria ir “dali para fora”, pelo que disse ao EE para entrar no carro da GNR, o que também fez, enquanto lhe apontava a arma, seguindo o EE no lugar do condutor.

Detenhamo-nos um instante aqui.

É que se a versão do arguido quanto ao que precedeu o disparo sobre o militar BB, pese embora as perplexidades acima assinaladas, poderia ter alguma lógica (coisa distinta de verosimilhança) perante o quadro de agressões que aquele descreveu, daqui em diante toda a narrativa falha também nesse aspeto.

E note-se que esta falha de lógica e sentido, que se poderia ficar a dever ao estado de exaltação e desespero de que o arguido estaria animado num contexto como este, tão pouco colhe na medida em que decorrem do próprio relato deste múltiplos aspetos que apontam, precisamente, no sentido inverso, de que é exemplo a sua imediata reação no sentido de determinar que o militar EE se não mexa, levante as mãos e retire o cinto com a mão oposta à da posição do coldre.

Este cuidado e determinação imediata após desferir um disparo sobre um militar da GNR (ainda que o tenha estado a agredir) contraria qualquer comportamento expectável de alguém que se limitou a defender de múltiplas agressões inopinadas.

Com efeito, a circunstância de imediato o arguido se virar para o outro militar da GNR, de quem o próprio disse ter tentado refrear as alegadas agressões, levanta as maiores reservas sobre o que terá realmente antecedido o fatídico disparo.

É que se alguém naquelas circunstâncias efetua um disparo apenas para se defender, porque motivo passaria a apontar a arma para a única testemunha do sucedido, que em momento algum atentou contra a sua integridade física ou o ameaçou?

Antes pelo contrário, o que seria natural, ainda para mais num contexto de desespero que o arguido reclama, seria a imediata entrega da arma ao militar presente, garantindo que não representava qualquer ameaça para o mesmo e, se de facto não pretendia atingir o BB, colaborar na medida do possível pelo auxílio ao mesmo.

Ainda que assim não fosse, e se a situação apenas o levasse, como reclama, a fugir daquele local, porque motivo levaria o veículo da GNR e o outro militar consigo? Não seria mais natural, se apenas pretendesse fugir, algemar o militar algures naquele local (como depois o veio a encetar na serra) e ausentar-se com a sua carrinha?

Ora, não só nada disto foi feito como o que se seguiu (mesmo segundo a sua versão) torna claro que, desde o primeiro disparo, a intenção do arguido foi essencialmente uma, conseguir sair incólume do sucedido, a qualquer custo e, nessa medida, ocultar todos os vestígios da sua intervenção (embora nem sempre com sucesso, como vimos acima).

Vejamos então a descrição que o arguido faz do sucedido daqui em diante.

Assim, tendo obrigado o militar EE a ocupar o lugar do condutor no veículo da GNR, disse-lhe “anda para a frente”, no único sentido possível para sair daquele local, o que aquele fez tendo começado a circular sem destino.

Explicou que neste percurso, de que nunca soube as horas e os concretos locais por onde passou, o EE lhe disse que já tinha dito ao BB que aquilo iria acabar mal e que até tinha sido amigo do arguido, reiterando que aquele levasse o que quisesse, para ir à sua vida e o deixar em paz, que ele iria resolver a situação, que arranjava ali uma maneira de dar mais uns nomes de outras pessoas para ele não ficar referenciado.

Entretanto, parou atrás de um carro e disse-lhe que ia dar já aquela matrícula, tendo então falado para o posto e indicado a mesma, após o que viraram à direita, referindo ter passado pela … até à aldeia seguinte (…, onde o EE deu a matrícula), não sabendo quanto tempo ali andaram, nem as horas que seriam.

Mais uma vez, mesma atendendo a esta versão, não se percebe porque é que o arguido não se limitou logo a aceitar o que o militar EE lhe propunha, eventualmente deixando-o sem comunicações em algum ermo, e assim ganhando tempo para a fuga que pretendia e veio a concretizar.

Antes pelo contrário, o arguido confirmou que esteve sempre a apontar a arma dentro da viatura a EE, o qual depois lhe pediu licença para dar uma segunda matrícula, o que aquele assentiu, pensando que ainda terá indicado uma terceira matrícula, isto enquanto aquele lhe repetia que estava a correr bem, para ele ir à sua vida e não o matar, para levar o que quisesse e ninguém ia saber dele.

Depois de circularem algum tempo refere que disse ao EE para fazer inversão de marcha e regressar junto do hotel, pois provavelmente o colega dele ainda não estava morto e podiam chamar socorro (o que muito espanta considerando o que já antes tinha referido).

Voltaram, então, ao local inicial, onde disse ter ficado o cinturão e a arma do EE no chão, e mandou-o sair do carro, após o que, guardando daquele uma distância de segurança, referiu ter tentado apanhar o pulso do BB, mas não conseguiu, constatando que estava morto (o que todavia já antes parecia claro do início das suas declarações).

Ainda assim, disse ao EE para ver o colega, o qual se debruçou sobre ele, momento em que se lembra que o BB estava com o coldre, mandando o EE levantar a mão e atirar o coldre para o chão, o que aquele fez (em mais um momento de inusitada presença de espírito do arguido).

Dizendo não saber o que pensar ou fazer, continuou ordenando ao EE para agarrar no colega e metê-lo no carro, na bagageira, o que aquele no início não aceitou, dizendo que podia perder o emprego[20], mas acabou por pegar no colega debaixo dos braços e pô-lo na bagageira .

Reiterando que continuava sem saber o que fazer (o que todavia é contrariado pela ordem que disse ter dado ao militar para colocar o colega na bagageira, claramente no sentido de levar aquela ocorrência para um outro contexto ao qual não fosse associado) e novamente num assomo de presença de espírito (por demais incompatível com o invocado desespero e desnorte do próprio) diz ter-se apercebido que o EE tinha o casaco vestido, que lhe mandou retirar pois podia ter uma arma ou um botão de pânico, ao que aquele acedeu e o atirou para o chão.

Ato contínuo apanhou os coldres que estavam ali ao lado, bem como o casaco do EE, vai à sua carrinha, onde vê um gorro (que reconheceu ser o passa montanhas apreendido nos autos e que disse usar para andar de mota e combater incêndios…) e leva-o consigo, pousando o saco, o casaco e os coldres com as algemas na parte do banco traseiro do carro da GNR, após o que trancou a carrinha e obrigou o EE a entrar novamente para o carro patrulha (dizendo não saber porquê), sempre com a pistola apontada.

Note-se que este pormenor do casaco e dos coldres no banco traseiro dos passageiros que o arguido tem o cuidado de referir (e que em outras circunstâncias seria marginal na descrição do sucedido) não aparece aqui por acaso ou lembrança súbita, como iremos ver mais abaixo.

Sempre reiterando que continuava confuso (o que pouco respaldo mostra no próprio relato) e que a ideia era sempre sair dali para fora (o que se estranha considerando que ali persiste em tornar, mesmo de acordo com a sua versão) e ainda que o que mais queria desde o primeiro disparo era que as pessoas soubessem o que realmente aconteceu (o que, de todo, mostra alguma correspondência com a sua versão), quando confrontado com o rumo que as coisas acabaram por levar o arguido limitou-se a referir que o militar EE era um agente de autoridade e sabia que não iam acreditar nele…

Explicando que não queria ser ele a conduzir, nem queria levar a carrinha (sem explicar porquê, embora se perceba depois a razão, claramente antevista pelo arguido), pois não estava a pensar bem (mas leva o militar BB na bagageira e os vestígios junto ao hotel apontam para uma tentativa de tapar a mancha de sangue com terra), diz que volta a ordenar ao EE que conduza dali para fora, queixando-se de que “vocês estragaram-me a vida” (estando por perceber em que medida, na sua própria versão e até esta altura, EE teria contribuído para o sucedido).

Refere que, quando chegaram ao cruzamento, diz ao EE para ir na direção contrária à anteriormente seguida, ou seja, de … (sendo para nós evidente que a ideia era dar um percurso distinto ao veículo, que o arguido sabia poder ser localizado, até pelas suas experiências passadas em atividades de socorro que disse ter acompanhado), salientando que não se via ninguém e apenas lhe dizia para ir em frente, pensando que esta foi a maior deslocação que fizeram nessa noite.

Tendo referido, após instância, que durante esse percurso ainda não tinha havido contactos com o posto da GNR, diz que, a dada altura, lembrou-se que na quinta anterior tinha deixado ali próximo uma mota de cross, de 125 cc, que por ter “encharcado” o deixou apeado e obrigou a pedir boleia, ocorrendo-lhe então apanhar a mesma, deixar ali o EE e dar a carrinha como desaparecida.

Andaram então algum tempo até chegar a esse local, que disse distar do hotel 15 a 20 minutos (não sendo, pois, tão próximo como referia e se pode ver dos registos aéreos juntos aos autos), ainda de noite, com nevoeiro e chuva, sendo que nesse percurso pensa que usava o gorro, o qual colocou quando sai de junto do hotel (o que é pouco consentâneo com a reclamada falta de noção do fazia…).

Chegados ao local onde pensa que estaria a mota, o arguido diz aperceber-se que existe antes um campo de futebol e um núcleo de casas, pensando que a mota estaria por ali, mas teve a perceção que não seria fácil encontrá-la e, por isso, nem saiu do carro, dizendo ao EE para dar a volta para baixo e entrar novamente no alcatrão.

Ora, sem prejuízo de voltarmos sumariamente à questão da mota, pois como veremos e apesar da conclusão a que o arguido disse ter chegado nesta ocasião ali voltará com o mesmo desígnio (difícil, pois, de compreender nesta versão), importa salientar desde já alguns aspetos que comprometem esta referência.

Desde logo o arguido não identifica o motociclo por qualquer marca, modelo ou mesmo matrícula, parecendo inclusive que se poderá tratar de motociclo não matriculado[21], reportando-se apenas a uma mota 125cc, com motor a dois tempos, que ali ficou “encharcada” e o obrigou a ficar apeado e regressar a casa por boleia.

Para além de não ser particularmente comum o “encharcamento” nas motos com motores a dois tempos quando em funcionamento prolongado (é que para a moto ter parado naquele monte é porque o arguido ali se deslocou nela), ocorrendo normalmente no arranque, o que é realmente de estranhar é que o arguido ali tenha deixado ficar a mesma (aparentemente com chave, pois não referiu levar uma consigo na ocasião dos factos) durante dias, o que leva a pensar que não seria avaria solucionável com a mera secagem das velas mas antes poderia implicar, eventualmente, a sua substituição ou outra reparação (sendo que o arguido não fez referência a ser naquele momento portador de material para o fazer, de noite e naquelas circunstâncias).

Por outro lado, como sublinhado pelos assistentes, tão pouco será muito verosímil que alguém que, como o arguido sublinhou e reiterou a propósito das agressões do militar BB, sofra de problemas de coluna, em particular hérnias (que inclusive o levaram uma vez a ficar imobilizado), se preste a passeios de moto em caminhos de floresta ou mato (cross como refere o arguido), pisos particularmente irregulares e com uma exigência corporal (e lombar) na condução significativa (não estamos a falar de condução de moto em asfalto) .

Mas mesmo admitindo tudo isto, não se vê com naturalidade ou verosimilhança que naquelas circunstâncias, numa noite com algum nevoeiro e frio (que o arguido disse tê-lo inclusive acordado na carrinha) e sem ser portador de capacete (que o arguido não disse existir junto à moto ou levar consigo) ou vestuário minimamente compatível com a condução naquele piso e circunstâncias (ainda que levando o gorro apreendido nos autos, qualquer condutor de motociclos sabe a dificuldade extrema que representa conduzir numa noite fria com nevoeiro, sem a proteção de uma viseira e luvas, situação ainda mais difícil se em causa estiverem caminhos florestais sem iluminação, pois que se presume que o arguido não quisesse chamar a atenção ao circular nas estradas mais movimentadas sem capacete) o arguido se prestasse a utilizar como meio de fuga uma moto (de apenas 125 cc de cilindrada), que inclusive o havia deixado apeado dias antes…

Note-se que o aspeto mais curioso desta reiterada alusão à moto por parte do arguido (que como veremos o próprio assistente EE refere lhe ter sido comentado pelo arguido, embora como justificação para o levar para o sítio ermo onde viria a ser baleado) é que esta nunca apareceu[22].

Prosseguindo com a descrição do sucedido o arguido volta a referir que o EE lhe dizia insistentemente para não o matar, para ir embora à sua vida, que ele até daria um nome de um cigano como autor do sucedido e repetia que indicava umas matrículas de viaturas, desta feita em andamento, sendo que já na estrada que faz ligação entre …. e …, tirou a matrícula de um carro que circulava e voltou a entrar em contacto com o posto para identificar esse veículo (pensando o arguido que ainda lhe pediu licença para dar a matrícula de outro carro em circulação).

Continuaram a circular por ali, numas aldeias que desconhece, entre … e … e, por vezes, mandou EE fazer inversão de marcha, mas sem ideia dos locais concretos, porque não conhecia aquela zona (!), apenas sabendo precisar que voltaram a passar pela periferia de … e entraram na estrada na direção do …, fizeram uns quilómetros depois mandou-o voltar para trás.

Novamente sobre as suas intenções naquele momento o arguido refere pensar que queria voltar para a carrinha, para depois encontrar alguém para o defender (não se alcançando em que medida trazer sob ameaça de arma um militar da GNR e um outro que havia baleado na bagageira do carro possa integrar-se naquele desiderato), mas ao mesmo tempo se queria afastar do local.

Descreveu depois o arguido o sucedido envolvendo o casal … .

Diz então o arguido recordar que, numa zona da estrada com uma berma mais larga, mandou A. EE fazer nova inversão de marcha, tendo ele entrado para a berma, após o que passou um camião, um ou dois automóveis e depois um terceiro, que parou mesmo atrás do carro da GNR, não sabendo porquê.

Não o sabe o arguido e não o ficou a saber o Tribunal.

Essencialmente porque tal paragem voluntária, àquela hora, numa berma de estrada, junto à traseira de um veículo da GNR, que se presume estivesse a fazer sinal para inverter a marcha conforme ordenado pelo arguido (e que apenas ainda não teria ocorrido por terem passado veículos antes que o não permitiram) dificilmente poderia ter ocorrido naquelas circunstâncias (como veremos melhor infra, foram vários os relatos sobre a razão de ser da deslocação que encetavam CC e DD e a consulta a que se dirigiam, a hora madrugadora a que saíram e aquela em que teriam de estar nos H. U. …, o que afasta qualquer paragem para descanso ou alimentação num momento ainda precoce da viagem).

Sucede que na versão do arguido a paragem teve lugar nessas circunstâncias e estando o mesmo no interior do veículo, mantendo a arma apontada ao condutor EE, vê sair um homem (que entendemos apenas poder ser CC) do lado do condutor do veículo que parou atrás de si e só tem tempo de dizer ao EE “vê lá o que vais dizer”.

Nessa altura, lembrando-se que tinha um gorro na cabeça, tirou o mesmo e o homem que sai do carro, contrariamente ao que pensava, não se dirige (como seria normal e expectável, sendo o próprio arguido que o reconhece na dinâmica desta versão) ao condutor EE, mas antes desloca-se para o seu lado direito do carro, sendo que, nesse instante, o EE já tinha saído da viatura (!).

Acrescenta que o referido ocupante da viatura diz alguma coisa que não percebe, muito agitado, e nesse instante sai para fora do veículo, inclusive empurrando a porta e com isso o referido homem e quando vê o EE, este já está com a pistola na mão (Glock) desferindo um disparo por cima do tejadilho do carro da GNR, na sua direção.

Diz então que se abaixa e coloca o homem à sua frente (sem largar a arma), agarrando-o pelos quadris, para se proteger, sendo que como o EE vem na sua direção com a arma o arguido mete o homem que agarrava à frente e ao contornar a viatura empurra-o na sua direção e o EE dispara.

Acrescenta que nesta sequência se apercebeu da presença de outra pessoa, uma senhora (que entendemos ser DD), embora sem referir como ou onde esta estaria, mas disse-lhe “fuja”, e nisto o arguido começa a correr na direção do mato, vendo a senhora também a correr, quase em paralelo consigo, quando ouve o EE dar mais um ou três disparos.

Referiu que nesse momento se imiscui na vegetação, atirando-se, e daí começa a rastejar, conseguindo tornear e chegar perto do EE, que está ali de pé, apanhando-o de surpresa por trás, e apontando-lhe a arma à cabeça diz-lhe para deixar cair a pistola, o que aquele acata, dando-lhe depois um empurrão e ficando com a arma, pelo que, continuando a apontar a pistola ao EE, recupera o controlo da situação (tudo isto após ter sido violentamente agredido junto ao hotel em construção...)

Mais referiu, neste particular, que depois se aproximou da senhora que lá estava, e ela não se mexia, esclarecendo que isto se passou ali ao pé do mato (o que implicaria que EE o tivesse perseguido para ali e se deixado surpreender), sendo que ao regressar junto das viaturas vê também o senhor caído ao lado do carro, mesmo encostado entre as duas rodas, do lado direito do carro, na parte da terra, desconhecendo se, nesse momento, havia mais pessoas dentro do carro.

Após, trouxe o EE, sob a ameaça da pistola, até junto do carro patrulha, só pensando em manietá-lo, de modo a que não lhe pudesse fazer mal.

Note-se que mais adiante nas suas declarações e instado para o efeito o arguido reitera e concretiza que, quando EE dispara por cima do tejadilho do carro, se baixa e usa CC como escudo, continuando a correr abaixado, com aquele agarrado pela cintura, sendo que quando o EE se aproxima lhe atira o dito sujeito, pensando que o disparo que se segue terá sido um disparo acidental, após o que existiram mais dois ou três disparos, quando está já a fugir, os quais ouve quando corre quase em paralelo com a senhora, para o mesmo sítio.

Detenhamo-nos um instante sobre esta sucessão de eventos relatada pelo arguido.

Adiantamos que, não obstante as suas descrições quanto ao sucedido neste primeiro momento dos eventos do km 45, não logramos ter sequer como plausível que num hiato de segundos (entre o arguido tirar o gorro e o condutor do veículo que parou o abordar junto à porta, levando-o a sair da viatura da GNR) e sem que o arguido a tanto tenha obstado ou mesmo logo se apercebido, EE tenha conseguido tirar o cinto (caso o tivesse posto), abrir a porta da viatura, sair da viatura, abrir a porta traseira mesma, inclinar-se a procurar a arma que estava num coldre num cinturão (num local onde estava também um outro coldre e um casaco que o arguido ali havia colocado) retirar a arma do coldre[23], desativar a segurança e carregar a Glock (puxando a corrediça), finalmente apontar para o arguido (não obstante a presença de um civil) e fazer um disparo a curta distância (por cima do veículo) que não atinge o alvo.

A própria dinâmica desta descrição desafia a lógica pois se começa com um terceiro que é empurrado com a abertura, pelo arguido, da porta do carro patrulha (que em condições normais o faria afastar-se do veículo e não ficar ainda junto à porta acabada de abrir, por forma a que o arguido o agarrasse por trás), não se torna mais credível com a referência de que o arguido, sem nunca largar a arma, consegue agarrar o sujeito pela cintura e empurrando-o, num contexto em que se acaba de desferir um disparo que passa por cima do carro na sua direção mas sem o atingir, vai contornar o veículo da GNR, precisamente na direção onde está EE a disparar sobre si…

Mas para além disso, o arguido ainda consegue arremessar o dito homem (que não seria exatamente leve) na direção de EE que, sem mais, o atinge, com um disparo apenas, precisamente na cabeça (lembrando-se que o trajeto seguido pelo projétil foi da esquerda para a direita, da frente para trás e de cima para baixo).

Sucede que nesta sequência o arguido não aproveita a ocasião para disparar sobre quem o havia tentado atingir mas antes foge, dando as costas àquele, e tão rapidamente o faz que não é atingido, não obstante ouvir ainda disparos (presume-se, na sua direção).

Quem vem todavia a ser atingido é uma senhora (esposa do homem supostamente baleado por EE) que alegadamente sai da viatura, por motivos insondáveis que o arguido não explica, e que, ao invés de se dirigir ao marido que acaba de ser baleado para o socorrer, opta por fugir paralelamente ao homem (não fardado e também armado) que acaba de empurrar o marido na direção do disparo do militar da GNR.

Isto é a nosso ver inverosímil, mesmo considerando que o arguido refere (com uma preocupação não demonstrada com o marido da mesma) ter dito à senhora “fuja”…

Esta versão não ganha maior consistência, antes pelo contrário, com a tremenda e infeliz coincidência da senhora ser também atingida nesta fuga pelo militar da GNR (que não obstante o seu treino acaba apenas por acertar nos civis, deixando o arguido incólume).

Sucede que o disparo que (inadvertidamente e quase a 18 metros do veículo) vem a atingir a senhora não é apenas um, como vimos do relatório de autópsia e depois será indicado pela Sr.ª Perita em julgamento, pois terão sido dois os disparos a atingir DD, o que seria levar uma já incrível coincidência a um expoente inimaginável (pensar que o militar EE visando o arguido atinge, por duas vezes, DD…).

Se esta descrição já está no campo do incrível cremos que consegue subir a fasquia quando o arguido sustenta que consegue (numa berma bastante ampla onde param vários veículos) na sequência dos disparos, atirar-se ao mato e depois rastejando, contornar o EE (que nem referiu ter saído da área da berma para ir perseguir o arguido, que sabia estar armado) e aproximar-se do mesmo a ponto de, como exemplificou em audiência, lhe apontar a arma à cabeça, por trás, levando aquele a deixar cair a Glock.

Esta sequência, mais própria da ficção cinematográfica, teria, caso se entendesse como plausível, como protagonista um militar da GNR que tendo visto um camarada ser morto à sua frente horas antes, foi obrigado a fazer o que o arguido lhe disse circulando, durante horas, com o cadáver do camarada na bagageira, sempre receando pela sua vida, e após ter miraculosamente saído da viatura, sem que o arguido que lhe apontava a arma pudesse reagir, depois de todo este (inimaginável) stress e de ainda balear na cabeça um terceiro que é empurrado na sua direção pelo arguido e ainda atingir (por duas vezes) uma senhora que também fugia, enquanto visava o arguido, este militar, dizíamos, ao invés de de imediato solicitar auxílio (via rádio da viatura ou por telefone) ou tentar prestar assistência às pessoas que acidentalmente havia baleado, parece ir[24] no encalço do arguido armado e acaba por ser por este surpreendido (por trás e com contato físico) e desarmado sem violência!

Sucede que este incrível twist de acontecimentos, em que o arguido tem o controlo da situação e deixando de o ter volta a recuperá-lo (sem ferimentos e deixando para trás duas vítimas que surgem inopinadamente no seu caminho), sem surpresa, não mostra sustentação na prova documental e pericial acima analisada, antes pelo contrário.

Desde logo a time line vertida do relatório do GACDC, por reporte ao que de concreto se constatou e mostra respaldo probatório, permite concluir, com segurança, que à hora em que EE é baleado, o casal … ainda estaria em casa ou a sair (o que se mostra corroborado não só por depoimentos a que infra aludiremos, como também pelo tempo de percurso que levariam de casa ao local onde foram baleados, para além de que EE leva muito tempo perdido e ferido a chegar a casa do cabo GGG, o que sucede às pelas 7:15 horas).

Não obstante o esforço do arguido em vários detalhes para tornar o relato mais credível (como seja a abordagem de CC ao carro da GNR pelo seu lado; o deixar a arma no banco dos passageiros ou o não ter percebido o que o sujeito “agitado” lhe dizia…) há toda uma série de circunstâncias apuradas, objetivas, que contrariam tal incrível relato.

Desde logo a existência incontornável de um padrão nas vítimas atingidas, três na área da cabeça e a outra nas proximidades (naquilo que seria um tiro a alguma distância no dizer do arguido), o que objetivamente contraria qualquer alegada coincidência.    

Por outro lado, a inexistência de quaisquer invólucros na zona em que os disparos teriam sido realizados (pelo menos quatro na zona da berma) e ao invés a existência de invólucros na zona onde foram encontrados os corpos dos civis (sem que o arguido, como veremos, tenha referido ter removido quaisquer cápsulas ou ali as colocado), sendo que isto não se explica pela circunstância do local não ter sido de imediato preservado.

Ainda a mancha hemática encontrada no solo e os vestígios identificados na porta do Volkswagen Passat, conjugados com a versão do arguido de que CC foi alegadamente atingido na cabeça junto à traseira do carro da GNR, sem todavia deixar vestígios significativos naquela área do veículo, tornam altamente inverosímil que CC tenha sido baleado no local referido pelo arguido.

Igualmente estranho é, ainda segundo a sua versão, que o arguido refira tê-lo depois encontrado, junto ao referido Volkswagen Passat (como poderia, ferido com um disparo na face e naquelas circunstâncias, ter-se CC ainda deslocado para junto aquele veículo?).

Tudo isto se passando, no dizer do arguido, ainda de noite e quando existia muito nevoeiro, apesar de parecer já clarear.

Sem nos determos mais neste segmento da versão do arguido, aquele prossegue referindo que traz de volta EE, só o querendo manietar, obrigando-o a ir à sua frente até à parte do alcatrão, altura em que vai dentro do carro, retira umas algemas e manda aquele algemar-se ao puxador do veículo, no braço esquerdo, e fechar a algema com a outra mão, passando o EE assim para o lugar do passageiro e o arguido a conduzir.

Reiterando que estava com muita confusão na cabeça, fez inversão de marcha, volta para trás e, nessa altura, diz que só se queria afastar o mais possível dali, tendo medo de voltar à carrinha (sendo certo que mais adiante ali vai voltar…).

Retenha-se que, de acordo com esta versão, o arguido quando dali sai não refere mexer no corpo de CC que dessa forma fica junto ao veículo, na berma da estrada, ensanguentado, sem que nenhum veículo ali venha a passar ou alguém dê o alarme até que AA ali regressa mais tarde…

Diz que então pensou que talvez conseguisse levar a mota e desaparecer “dali para fora” (não obstante antes a não ter encontrado, para além do que já referimos a este respeito) e então volta ao local onde já tinham estado parados, no sentido de a procurar.

Neste hiato diz que EE lhe pergunta se o vai matar o que aquele nega.

Ali chegados pediu ao militar para lhe dar as chaves das algemas, mas como lhe responde que não as tinha pois as algemas eram do BB, o arguido refere lembrar-se de ter visto umas algemas no banco do carro, e vai buscá-las, mandando o militar sair do carro e algemar-se, também com aquela algema, num pinheiro que ali estava, a cerca de 2 metros, para poder ir buscar a mota mais à vontade e assim conseguir sair dali e demonstrar o que tinha acontecido…

Refere que EE lhe pergunta se o vai deixar ali ao que responde afirmativamente, acrescentando que facilmente iriam dar com ele pois ia ali deixar o carro (diálogo que, evidenciando o conhecimento do sistema de GPS da viatura, torna todavia ainda mais incrível o que depois descreve).

Prossegue dizendo que então EE baixa-se para se algemar no fundo do pinheiro e estão ali de frente um para o outro, sendo que ao ouvir o click das algemas e pensando que aquele já estaria algemado (numa imprudência pouco consentânea com os cuidados que até então tinha tido e pouco expectável no trato com alguém que conseguira momentos antes a proeza de sair de rompante de uma viatura e disparar sobre si) tendo-se virado para trás para ver onde estava a mota é surpreendido pelo militar que se atira para cima dele, altura em que dispara sobre ele, atingindo-o na face (sem surpresa atento o padrão dos disparos).

Referindo precisamente ter-se apercebido que lhe tinha acertado na face, com a 7,65mm, ficou sem saber o que fazer (novamente…), convencido de que o tinha morto e querendo sair dali.

Esta inusitada sequência, na sequência do relato que a antecede, torna qualquer apreciação adicional sobre a sua inverosimilhança despicienda.

Aparentemente esquecendo, mais uma vez, a mota, o arguido diz então que após ter estado alguns momentos pensando e tendo mesmo chegado a ponderar o suicídio (que apenas não concretizou por, mais uma vez, pretender contar a sua versão do sucedido, que todavia apenas ocorre no final da audiência) vai junto do EE, que estava perto do caminho, e carregou-o cerca de 5/6 metros para dentro de pinhal e ali o deixou com o casaco por cima, pondo-lhe umas ramagens para tapar a cabeça.

Ato contínuo volta a utilizar o veículo da GNR para sair dali, fazendo inversão de marcha e quando chega à estrada pensa que a única hipótese que tinha era que os civis estivessem vivos para contar o que aconteceu (quando antes não fez qualquer esforço para o verificar ou sequer para os auxiliar).

Voltou assim ao local onde eles ficaram, deixando ali o carro da GNR (embora escondido), tendo encontrado primeiro a senhora, não lhe conseguindo encontrar a respiração, pensando assim que estava morta, o que também sucedeu com o homem.

Dizendo não querer “dar nas vistas” decidiu levar a viatura do casal, para o que pegou no homem, arrastou-o e levou-o para o pé da senhora, tendo cortado umas giestas com as mãos e tapou-os, cuidando de cobrir a parte virada para a estrada.

Como viu a carteira do homem no chão (?), levou-a com ele, sendo que apenas tinha €60 (uma nota de €50 e outra de €10), explicando depois que pretendia levar os documentos de identificação alheios para poder sair do país e assim se identificar se necessário (o que mais uma vez revela assinalável clarividência naquelas circunstâncias), levando igualmente um telemóvel (que dizemos nós poderia perfeitamente ter utilizado para contatar alguém, senão mesmo as autoridades, para, como reclama, dar a sua versão do sucedido).

Esquecendo o medo que antes disse ter em voltar ao local onde tudo começou, o arguido diz que estando agora na posse de uma viatura não conhecida das autoridades, regressa onde tinha deixado a sua carrinha, junto ao hotel … .

Ali chegado e utilizando um caminho de terra que existe do lado direito, deixou lá o Volkswagen Passat, numa zona de pinhal (pensando que terá sido onde aquele foi encontrado), após o que regressou à sua carrinha, a qual sabia que tinha sido identificada, pelo que tinha de trocar de veículo, sendo que o que tinha ali mais perto, na casa onde costumava ficar, em …, era uma outra carrinha Toyota.

Diz então que se cruzou no caminho com RR, pedindo-lhe que fosse consigo buscar a carrinha azul a …, embora não explicando o porquê, apenas lhe pedindo ainda para dizer, se lhe perguntassem, que tinha estado a jantar com ele (ou que tinha passado a noite, já não sabendo bem).

Depois ela foi consigo buscar a carrinha azul e já nem a voltou a ver porque se foi logo embora, pois estava com muita pressa, tendo pegado nas coisas todas que tinha na carrinha preta e seguiu com a azul, deixando a preta perto de …, pensa que na freguesia de …, perto do campo de futebol.

Explicou que depois andou perdido, desorientado, pensando ir para …, ter com amigos e nessa altura, já em estradas secundárias, recebeu um telefonema, quando ia na direção de …, do cabo PP, que conhecia, a perguntar se tinha sido identificado pela GNR naquela noite, se tinha os documentos consigo e para onde estava a ir, ao que respondeu estar a caminho de … onde ia fazer um voo.

Nesse momento a chamada caiu, devolveu a chamada, confirmou-lhe que tinha sido identificado na véspera, pelos colegas, e que ia ver se tinha os documentos, tendo a chamada voltado a cair, porque ficou sem carga no seu telemóvel.

Especificando que nesse momento, estando numa parte do IP5, perto do …, apercebeu-se que acabava de dizer a um agente da GNR para onde estava a ir e pensou que já não chegaria à fronteira (como se fosse credível que o arguido, após tudo o sucedido, tivesse cometido tal lapso, que naturalmente o não foi até porque mencionar um voo inexistente em … estava longe de o denunciar…).

Não deixa, todavia, de ser interessante e motivo de reflexão reter que nesta altura, inclusive de acordo com a sua versão, o arguido ainda desconhece que houve sobreviventes ao sucedido (e assim ainda lhe era legítimo pensar que poderia escapar incólume ao sucedido).

Prosseguiu o seu relato dizendo que depois recebeu uma chamada de uma senhora que se identificou como a 1ª sargento FFFF, e a chamada foi novamente abaixo, voltou a ligar para o número (com o outro telemóvel que tinha, mais pequeno) e aquela perguntou-lhe onde estava, respondendo-lhe que ia para o aeroporto e ela disse-lhe que era importante falarem, pois havia assuntos do seu interesse, tendo-lhe respondido que estava para voar em 45 minutos e ela disse-lhe que então ia ser abatido a qualquer momento…

Afirmando que ficou com medo, inverteu o sentido de marcha e resolveu ir para …, onde tinha mais confiança nas pessoas e se sentia mais seguro, também para se entregar (...), tendo visto muitos carros da polícia, pensa que ao passar por … .

Sabendo que vai ter de estar escondido alguns dias, decide ir ao supermercado … comprar comida, após o que segue na direção de .., sendo que ao chegar à serra …, muito lentamente e na zona do parque de campismo, quando se vira para a …, vê uma pessoa fardada, que lhe diz para parar e faz um disparo, o que o leva a acelerar e a descer a serra o mais rápido possível, o que consegue pois conhece a estrada.

Referindo que teve medo de atravessar as povoações, entrou um caminho, para ganhar algum tempo, voltando depois à estrada principal após o que segue para um caminho sem saída e vai até onde foi possível com a carrinha, deixando-a aí.

Acrescenta que leva dali o que pode, nomeadamente o dinheiro do homem baleado ao km45 e o seu bilhete de identidade, tendo atirado a carteira e o telemóvel para o rio[25], sendo que quando está a tentar atravessar o rio para a outra margem a GNR ali chega.

Neste contexto, deixa próximo do rio o saco preto que tinha tirado da carrinha, onde tinha uma arma e demais objetos, prosseguindo com a sua 7.65mm e a outra Glock, escondendo-se e começando lentamente a subir a serra.

Precisando que desde que lhe apanharam o saco com aquelas coisas e até que chega ao cimo do declive é já de noite, sempre a ouvir tiros por todo o lado, descrevendo os dias que se seguiram como de medo[26], estando naquela altura a uma altitude de 900m e a cerca de 36 km da casa … .

Explicou que após subir ao alto da serra começou a caminhar na direção de …, parando num restaurante onde tinha feito o batizado do filho, pelas 2:00 ou 3:00 da manhã, onde trocou de roupa e depois acaba por ir dormir à casa de um senhor que apenas conhece por TTTTT, que sabia estar fechada e onde trata de obter coisas que lhe faziam falta.

Salientando que nesse período apenas se podia deslocar de noite, pois a zona foi muito policiada, chega à casa … na quinta-feira de noite ou na madrugada, calculando que não vivia lá ninguém, pois já não via a Dª. OOOO há muito tempo.

Sobre a entrada naquela habitação disse que apenas se encostou à porta e esta abriu, não tendo propriamente de a arrombar (o que é estranho pois se tratava de uma casa que não estando a ser habitada, era frequentada por pessoas, como veremos infra), sendo que esteve nesta casa todo o dia de sexta-feira a secar roupa, tendo ainda tentado ligar o quadro elétrico para ligar um aquecedor.

Tinha levado para ali algumas coisas para cozinhar, a sua ideia era aproximar-se de um amigo para pedir mantimentos que lhe faziam falta e depois contactar os advogados (não se percebendo porque não os contatou, no limite, após chegar à referida casa, ainda para mais quando confirmou que teve sempre o telemóvel pequeno consigo, embora não o ligando por receio de que o poderem localizar).

Esta tentativa de contato com o amigo (que disse chamar-se apenas UUUUU), a quem disse ter escrito vários bilhetes, contudo não foi bem sucedida na sexta à noite (regressando à casa … no sábado), e entra em contradição com a afirmação do arguido de que não iria procurar mais ninguém para ajudar porque poria essa pessoa em perigo e não queria…

Disse ainda que durante todo o tempo pensou fugir para o estrangeiro, mas também entregar-se, mas tinha medo em se entregar.

Volvendo à casa … disse ali ter dormido umas horas, e depois aqueceu água para se lavar e colocou o meio frango que tinha trazido também a cozer, após o que se lavou e quando estava a acabar de se lavar, ouve um carro parar, espreita e apercebe-se que alguém vai subir.

Referiu que depois essa pessoa meteu a chave à porta e ele, nesse momento, agarra-a e puxa-a para dentro da casa, começando a senhora a gritar e a pedir para a deixar ir embora, ao que disse ter respondido que ele é que tinha de ir embora…

Acrescenta que entretanto ouve um senhor a chamar à porta pela Dª. FF e ali se dirige (sem precisar onde teria deixado a referida FF) e quando aquele pergunta se se passava alguma coisa, para o interior da casa, o arguido diz puxá-lo também para dentro.

Neste particular acrescentou depois que antes do senhor chegar (que sabia chamar-se GG, porque já o conhecia), com os nervos da senhora, já tinham caído os dois ao chão e ela já se tinha magoado, referindo que “ela mete-se pelas minhas pernas e caímos os dois, mas nunca a agredi”…

Instado precisou ainda que ao chegar à porta, apontou a pistola ao homem e meteu-o dentro da casa mas relativamente à senhora, à porta, não lhe apontou a pistola 7,65mm (que teve sempre consigo naquela ocasião), apenas a puxou para dentro de casa.

Já com ambos no interior da casa, referiu que o GG dizia à senhora para se calar, enquanto ele foi acabar de se vestir, dizendo que nem falou mais para ela, tendo aqueles ficado ali, num dos quartos, porque os tinha mandado ali entrar e sentar na cama.

Dizendo que se continuou a vestir (?) e a meter coisas na mochila, dirigindo-se ao referido GG no sentido de lhe emprestar (?) o relógio, o que lhe disse sem a arma apontada (o que tão pouco necessitaria considerando o contexto por si criado), e perguntou-lhe se tinha o carro ali, comunicando-lhe que o ia levar. Precisando que desde que o Sr. GG começou a acalmar a senhora, não mais lhes apontou a arma.

Disse-lhes que apenas queria 3 ou 4 horas para fugir e que os ia amarrar, tendo mandado o Sr. GG amarrar a senhora (com uns tecidos que tinha cortado) e depois amarrou-o a ele, tendo confirmado os apertos em ambos, sendo que, porque ela não se calava, a amordaçou, metendo-lhe uma batata na boca, depois de a lavar.

Mais referiu que só nesse momento repara que ela tem uns ferimentos, mas superficiais, o que de todo corresponde às lesões objeto de perícia e ao que pode observar nas fotografias realizadas à mesma após o sucedido.

Neste particular, e novamente instado sobre o sucedido com a senhora, disse que apenas caíram os dois, porque ela se emaranhou no meio das pernas dele, podendo ter batido no chão ou numa máquina de costura, o que ainda assim anda bem longe de poder justificar as lesões que lhe foram observadas.

Tendo-lhe sido perguntado, refere admitir que pudesse ter havido uma conversa qualquer em que teria dito que os conhecia e deve ter desabafado alguma coisa do género “dizem que eu matei tanta gente…”, acrescentando depois pensar ter dito à FF que se iria arrepender de a deixar ali assim…

Afirmando que depois saiu e fez-se transportar no veículo do GG, que identificou, foi instado sobre o que mais tinha levado consigo referindo que perguntou ao Sr. GG se ele tinha dinheiro, mas este disse não ter, sendo que quanto ao telemóvel ou lhe disse para o entregar, ou pegou nele, dizendo que para o GG “foi um ato normal para ele não ficar com telemóvel”…

Instado disse que levou o telemóvel, mas não o dinheiro ou a carteira do GG, mais tendo levado uma camisa muito grande que estava na casa, pois era a única coisa que lhe servia; talvez um boné azul; nenhum dinheiro da FF mas apenas um saco com alimentos e o tupperware com rissóis, salientando que a escova não era dela mas da casa do Sr. TTTTT, assim como o saco com arroz e os produtos alimentares, não tendo sequer visto um carregador de telemóvel.

Reiterou por várias vezes que a sua intenção nunca foi matar estas pessoas, nem magoá-las, mas apenas ganhar tempo para poder fugir.

Especificando que tentou sempre falar com a FF para se calar, mas foi o Sr. GG quem a acalmou, disse-lhes que voltaria daí a 2 ou 3 horas, mas nunca foi sua intenção ali regressar, embora antes de sair de vez, ainda tenha voltado à casa, duas ou três vezes, recolhendo coisas, sendo que eles podem ter ficado com medo que voltasse.

Dizendo ter abandonado a casa mais cedo do que as 14:30, pois depois saiu da autoestrada, antes do túnel do Marão, antes das 15:00, tendo deixado o Opel a seguir à aldeia … .

No que a este segmento da sua versão do sucedido dir-se-á, no essencial, que exceção feita à ausência de intenção de matar (pelo menos concretizada em atos de execução) os sujeitos que o surpreenderam naquela casa, não se vislumbra do cotejo da demais prova produzida (que infra daremos conta), indícios que o atestem, sendo que a intenção inicial e principal do arguido era, como o próprio confessa, manietar e silenciar aquelas pessoas, acabando por também referir ter levado bens de ambos, e em particular ter levado o referido GG a entregar-lhe o telemóvel e as chaves da sua viatura (embora o tenha descrito em termos hábeis falando em pedir e emprestar…).

Já não colhe, como vimos e decorre de uma análise dos registos e perícias juntas de que acima demos conta, a alegação de que o arguido nunca agrediu FF pois as lesões que apresentava, de forma alguma, aparentam ou podem ter sido produzidas, seja pelos locais visados, seja pela sua gravidade, na sequência de uma mera queda…

Também neste particular releva o estado em que a casa … foi deixada e se mostra registado nos autos, perfeitamente compatível com uma contenda física, ainda que breve.

Respondendo a algumas instâncias do Ministério Público o arguido precisou que na casa em … utilizou a arma 7.65mm; as lesões da FF apenas terão sido produzidas na altura da queda, pois nunca a agrediu (referindo, mais que uma vez, que a mesma não pesaria mais que um ovelha…); a arma do EE está enterrada e sabe ir lá, mas prefere não especificar o local pois terceiros podem tentar ir desenterra-la antes; quanto aos disparos alegadamente efetuados por EE ao km45, refere que, antes disso, quando chegou o Sr. CC, fez um compasso de espera a dizer vê lá o que vais fazer e apercebe-se do senhor correr para o lado dele, sendo nesse hiato que o EE consegue apanhar a arma que estava atrás dele no banco, dentro do coldre.

Já a instâncias da sua Ilustre Defensora, o arguido referiu, entre o mais que não reveste particular relevância, que não esteve no bar VIP antes do sucedido; os seus problemas de sono estão também relacionados com a ex-companheira, sendo que o ano de 2016 foi complicado, teve de resolver muitas coisas e acabou por não fazer um estudo mais aprofundado acerca da sua doença.

Acrescentou depois neste particular que também problemas de sono por causa da pilotagem, por não poder tomar certos comprimidos, a que acrescem problemas com o filho LLLLL, que inclusive foi operado ao coração e ficava muitas noites com ele, o que não o deixava dormir bem.

Instado sobre pormenores do longo relato do sucedido referiu, entre o mais, que tendo experiência com outras armas que teve anteriormente (e que explicam o à vontade, rapidez e acerto com o manuseamento de pistolas evidenciado no sucedido), adquiriu a arma 7,65mm a um “V…”, na sequência de insistência deste, em 2016, em …, junto à Câmara Municipal quando esperava pela companheira (numa transação que se prolongou por dois dias).

Quanto às fiscalizações da GNR acrescentou que desde que ficou com a guarda definitiva da OO, em 28 de setembro, até ao dia dos factos, foi fiscalizado 7 ou 8 vezes, tudo correndo normalmente, nem tendo sido autuado (pensando que algumas dessas vezes tinha consigo a sobredita arma).

Voltando ao ocorrido junto ao hotel … reiterou que não conseguiu ouvir os telefonemas que o BB e o EE fizeram; apenas notou uma insistência invulgar quanto ao que fazia ali; o militar BB, depois de segredar ao EE, vinha com as algemas e acertou-lhe na mão, terá sido o sítio onde sangrou; nunca foi tão agredido em toda a vida, apensar de o ter sido …, onde foi assaltado duas vezes; quando efetuou o disparo sobre o BB já estava quase aos pés do condutor, mas não totalmente ajoelhado, embora claramente numa posição mais baixa, sendo que quando se vê a ser agredido e com medo de ficar aleijado, levanta-se com toda a força, vira-se para trás e fica quase cara a cara com o BB (numa ligeira alteração à descrição que inicialmente protagonizou); apesar de estar cheio de fúria, não teve intenção de o balear, foi tudo muito rápido, apenas pretendia que aquilo acabasse ali, para o BB ter medo dele…

Reiterando que “ainda hoje não consigo compreender o porquê daquilo”, querendo ter desligado o botão e que aquilo não estivesse a acontecer, precisou ainda que, relativamente à mota, pensou que podia ser útil, porque depois de secar a gasolina em excesso podia andar, e nunca mais soube dessa mota; as algemas eram dos guardas, sendo que umas estavam num coldre e depois acrescentou-lhe as outras, com que lhe tinha batido o BB e estavam no chão, precisando que as algemas com que prendeu o EE ao veículo estavam no coldre, as outras eram as que caíram ao chão, quando o BB foi baleado; a chave com que rebentou as algemas, não era um pé de cabra, mas uma chave que fazia uma espécie de L, que estava no chão do veículo da GNR, onde ele pousou o casaco e os coldres, e atirou-a depois para o mato (que a existir aparentemente nunca foi encontrada).

Sempre referindo que durante todo esse tempo estava em pânico, não conseguia pensar ou premeditar o que fosse, respondeu que na abordagem dos civis, o CC não saiu normalmente, mas apressado e “levou-o ao engano”, porque lhe pareceu que ele se dirigia à janela do EE, mas logo apareceu do lado dele, estava muito aflito, a falar, sem saber de quê (…); aí empurrou a porta para a abrir, e o senhor sai para o lado dele, projetando-se para o fim da porta, nesse momento o EE tira a arma pela porta de trás, porque a arma estava no banco traseiro, por cima do casaco, tendo ficado surpreendido pois estava a pensar que o CC se ia dirigir do lado do condutor e por isso diz ao EE “vê lá o que vais dizer”; isto sucedeu mais de duas horas depois do ocorrido com o BB.

Por reporte à casa … disse ter estado pouco tempo com a D.ª FF, antes de “entrar” o sr. GG, sendo que pôs a almofada debaixo da cabeça para ela ficar mais confortável.

Já quanto ao sucedido após esses factos o arguido ainda precisou que a sargento FFFF não falou da morte dos GNR, só que se queria encontrar com ele, e depois (inopinadamente seguindo a sua versão) que corria o risco de ser abatido e então desligou…

Mais referiu não saber como funcionavam os carros e comunicações da GNR, reiterando que a ideia de dar outras matrículas foi do EE; aludiu a um telefonema para o militar EE, do posto, tendo-o avisado “vê lá o que vais dizer”, onde apenas se falou de ir tomar café, mas normal.

Este alegado desconhecimento do funcionamento das comunicações e localizações da GNR mostra-se comprometido pelas declarações subsequentes do arguido que afirmou ter prestado serviço militar na Força Aérea, na recruta, na base de …, precisando que em 1992 entrou no serviço militar obrigatório, onde esteve no …, na serra do … e na serra …, após o que se ofereceu como voluntário, na Força Aérea, na base da OTA e nessa altura era ajudante (o que naturalmente lhe conferiu um conhecimento direto das comunicações militares).

Especificamente no que respeita à sua inserção sócio profissional e história de vida, o arguido disse ter-se casado, após o que se divorciou, depois tendo uma companheira (a mãe da OO com quem teve um longo litígio por causa desta) e depois a AAA, com quem teve dois filhos.

Confrontado com o depoimento de RR, explicou que esteve afastado da AAA um determinado tempo e aquela RR foi apenas um envolvimento emocional, embora reconheça que chegou a ir ter consigo à …, onde esteve cerca de três semanas.

No que respeita à sua atividade, na altura era agricultor, criava animais, em especial cavalos lusitanos e vacas arouquesas, tanto em …, como na quinta …, em …, mas era também estudante de aeronáutica, no aeródromo de … .

Confrontado com os documentos que juntou aos autos e de que acima demos conta (maxime 5574 e ss.), disse ter uma licença de aprendizagem de 36 meses, a partir de junho de 2014, e tinha de fazer o exame durante esse período; acrescentou que fez a parte teórica na …, em 2012, de onde regressou definitivamente em 2013.

Nesta altura, estavam a mudar o modo de vida todo por ter ficado com a guarda da filha, para a acompanhar (a qual está agora em …, à guarda dos avós), precisando que os seus rendimentos provinham, essencialmente, da venda de cavalos lusitanos, auferindo cerca de €800 a €900 mensais.

Tendo nas suas últimas declarações confirmado a autoria das cartas dirigidas à família apreendidas nos autos (o que como acima referido já claramente se intuía do seu teor e das perícias levadas a cabo neste particular, embora sem que o arguido tenha autorizado a recolha de autógrafos), o arguido acrescentou, entre o mais, pensar o porquê de tudo ter acontecido, não tendo ido à procura de fazer mal a alguém, sendo que pela sua família e pelas que sofrem decidiu dar a explicação que deu, salientando ter a imagem mental dos militares a revistarem tudo, mesmo debaixo da manta onde estava a pistola (o que apenas torna ainda mais inverosímil a sua versão do sucedido, pois na mesma a arma que ali diz ter não foi encontrada).

Como última nota destas declarações não deixa de ser curioso que o arguido refira não se ter suicidado “porque as pessoas tinham de saber o que aconteceu naquele dia”, dizendo depois que quando soube que alguém podia contar o que tinha acontecido (referindo-se à DD) só pensava em entregar-se…

Como vimos, este relato, exceção feita aos pontos que a prévia mobilização de prova documental e pericial havia já tornado evidentes e incontornáveis, não se mostrou sustentado, lógico e, por qualquer forma, credível (sendo manifestamente insuficiente, sequer, para suscitar qualquer dúvida quanto à hipótese dos factos assim terem ocorrido, nos momentos penalmente mais relevantes).

Tal é particularmente notório no que respeita aos acontecimentos que precipitaram o disparo sobre BB; o momento e circunstâncias em que igualmente assumiu ter disparado sobre EE e o sucedido ao km 45, que acabou por vitimar CC e DD, seja em função das inconsistências já apontadas com a demais prova acima assinalada, mas também por contraponto com as declarações, esclarecimentos e depoimentos que se seguiram e que infirmam muita da factualidade que a respeito o mesmo quis sustentar.

Essenciais para a formação da convicção do Tribunal foram, desde logo, as declarações prestadas pelo assistente EE, nascido em … .08.1975, …, militar da GNR, ao serviço no Posto de … (embora de baixa desde o sucedido), residente em …, e único sobrevivente do sucedido naquela noite e madrugada. (….)»


E apreciando, nesta parte, o decidido pela 1.ª instância escreve a Relação de Coimbra, no aresto recorrido (a págs. 264-267 do mesmo), o seguinte:


«No caso, a circunstância de o Tribunal não ter dado como provada a invocada motivação do arguido – apesar de ter esgotado as diligências de prova possíveis e úteis para a sua descoberta - não importa qualquer vício nomeadamente para a matéria dada como provada. Nem servir de justificação para o Tribunal conferir credibilidade à versão do arguido – designadamente se não tiver apoio em outros elementos objectivos de prova.

A versão do arguido foi devidamente apreciada pela decisão recorrida – cfr. fls. 5887 dos autos. Concluindo, em função da análise probatória efectuada, estar “afastada por todo o exposto a versão do arguido, no sentido de ter reagido a uma agressão de BB”.

Ora, a invocada agressão que o recorrente refere ter-lhe sido infligida previamente pelo militar BB assenta única e exclusivamente nas declarações prestadas pelo próprio, ao fechar do pano da produção de prova, na última sessão.

Pelo contrário tal versão é afastada especificamente pelo depoimento prestado pelo assistente EE, que mereceu a credibilidade do tribunal coletivo, com base na oralidade e imediação, como evidenciado pela fundamentação da decisão recorrida. Depoimento que afasta completamente a versão trazida aos autos pelo arguido.

Sendo que o depoimento prestado em audiência de julgamento pelo assistente EE mostra-se corroborado por outros elementos de prova documental, pericial e testemunhal produzidos em audiência e valorados pela decisão, conferindo-lhe veracidade e credibilidade. Revelando que os militares BB e EE iniciaram uma rotineira operação de fiscalização ao arguido (encontrado durante a noite, em local ermo e referência pela prática de ilícitos) que decorreu com toda a normalidade até ao momento em que o serviço daqueles militares foi subitamente interrompido pelo disparo efetuado pelo arguido contra o militar BB, que determinou a morte imediata deste.

A circunstância de ter sido identificado sangue do arguido numa manga do casaco que RR trajava no momento do encontro com o arguido, pelas 08h30m do dia 11.10.2016, em …, quando o auxiliou a trocar de carrinha, e também na carrinha Toyota, de cor azul, que o arguido passou a conduzir depois do mesmo encontro com RR, que mais tarde abandonada na Serra …, bem como no guarda mato da Glock abandonada pelo arguido, dentro de um saco preto, na Serra …, não permite indiciar, sequer, que o arguido foi ferido por alguma das vítimas.

Pelo contrário, além de não confirmada qualquer lesão por qualquer exame, é compatível com qualquer ferimento ligeiro que o recorrente possa facilmente ter sofrido na sua aventurosa fuga, nas tarefas de corte de mato para esconder carro e pessoas.

Também em sentido oposto ao pretendido pelo recorrente a testemunha RR afirmou, com toda a clareza, que, quando se encontrou com o arguido não lhe viu qualquer ferimento ou vestígio de sangue, designadamente nas mãos ou no rosto. Mais disse que o arguido aparentava estar calmo e, mesmo quando confrontado com a passagem de veículos da Guarda Nacional Republicana, em marcha urgente, não revelou qualquer alteração nem lhe referiu qualquer incidente com os militares da Guarda Nacional Republicana. Pediu-lhe, no caso de alguém lhe perguntar, para dizer que tinha passado a noite com ele, AA.

Importa reter ainda que, em nenhuma superfície, nos lugares onde o arguido esteve em momento anterior àquele encontro foi recolhido qualquer vestígio de sangue do arguido. O primeiro vestígio de sangue do arguido foi recolhido na manga do casaco que RR trajava quando, pela manhã, se encontrou com o arguido.

Ora, este encontro ocorreu depois de o arguido desenvolver uma série de atividades, como seja disparar as armas de fogo, arrastar o corpo do assistente EE pelo mato, cortar giestas para cobrir o corpo deste, na Serra …, cortar fetos para tapar parcialmente os corpos de DD e CC, junto do Km. 45, das quais poderia ter resultado um corte no corpo do arguido, por exemplo numa mão.

Salienta-se que não foi identificado qualquer vestígio de sangue do arguido quer no carro patrulha, onde o arguido circulou depois do disparo fatal para o BB, quer carrinha Toyota de cor preta, que o arguido conduziu em seguida até realizar a troca pela carrinha azul.

Durante a manhã, do dia 11.10.2016, o arguido foi contactado e contactou telefonicamente um seu amigo, a testemunha Cabo … PP, a exercer funções no Posto de …. Resultou do depoimento desta testemunha que nesses contactos o arguido disse-lhe, com uma normal tranquilidade, que estava a deslocar-se para um aeroporto, em …; quando foi questionado se tinha com ele a carta de condução, depois de um compasso de espera, em nova chamada, o arguido disse que provavelmente a sua carta tinha ficado com os militares de … que o tinham fiscalizado nessa noite, e que estes até tinham sido uns “tipos porreiros”.

Ora, no momento em que o arguido foi contactado pelo Cabo … PP, não saberia ainda que ele era já o único suspeito dos homicídios de … . Pensaria o arguido, naquele momento, que as quatro vítimas de … estavam mortas; não contava seguramente que EE tivesse ainda vivo e muito menos capaz de relatar o que havia sucedido nessa noite. Por isso, o arguido perante o seu amigo PP tentou apresentar, digamos assim, a versão alternativa que tentou recriar durante a madrugada. Admitiu que tinha sido fiscalizado pela patrulha de … – a fiscalização eram um facto indesmentível, atentos os contactos dos elementos da patrulha para obterem informações quer sobre o veículo quer sobre o próprio arguido – mas que a fiscalização tinha decorrido sem incidentes e que uma vez terminada cada qual [arguido e militares] tinha seguido à sua vida. Ora, se o arguido tivesse logrado convencer quem quer fosse que, depois da fiscalização ao arguido, a patrulha tinha prosseguido a sua atividade de controlo a outros condutores, o arguido teria conseguido afastar dele a responsabilidade pelos gravíssimos crimes investigados nos autos.

Neste telefonema, o arguido transmitiu a ideia que a fiscalização de que tinha sido alvo tinha decorrido sem incidentes, prosseguindo com a sua tentativa de encobrir os homicídios que havia cometido.

Ora, se o arguido tivesse alguma razão de queixa da ação dos militares da Guarda Nacional Republicana, naturalmente que a teria de imediato transmitido ao seu amigo Cabo … PP e pedido ajuda! Mas, o arguido não se queixou dos militares da Guarda Nacional Republicana, o arguido disse que eles tinham sido uns “tipos porreiros”.

Não resulta da apreciação da prova nenhum erro de apreciação, muito menos notório, ostensivo, que ressalte do texto da própria decisão em si ou do mero confronto com regras elementares do senso e experiência comum - que possa implicar a alteração da factualidade dada como provada.

Como emerge da respectiva motivação em fundamentação não rebatida, o Coletivo de Juízes objetivou a apreciação crítica a que procedeu na motivação da decisão, numa valoração racional, unívoca e razoável, para lá de qualquer dúvida razoável, em conformidade com a melhor interpretação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, do Código de Processo Penal.

Pelo contrário, o que o arguido pretende, nos termos em que formula a sua pretensão é ver a convicção formada pelo coletivo de juízes, com base na análise crítica objectivada na motivação, nos princípios da oralidade e imediação, substituída pela sua versão pessoal e interessada, que só ele vê. Como que reconvertendo a presunção de inocência em presunção de verdade absoluta da sua versão, afastada pelos restantes meios de prova, todos concordantes entre si

Assim a decisão recorrida não evidencia qualquer erro na apreciação da prova que importe qualquer alteração dos factos julgados provados pela decisão recorrida e objeto de impugnação.».


Diga-se por último, neste campo, que a circunstância de não se ter conseguido apurar a motivação do crime (sobre os motivos do crime e seu desconhecimento cfr. Acs. STJ de 9 de Novembro de 1994, CJACSTJ II, T. 3, pág. 239, de 26 de Fevereiro de 1997, BMJ 464, pág. 423, de 14 de Abril de 1999, CJACSTJ VII, T. 2, pág. 174), não impede que o mesmo se considere como verificado e o(s) seu(s) autor(es) punido(s).

E não se confunde, de modo nenhum, a motivação para a prática de um crime com a questão da autoria do mesmo crime, como bem se realça na Resposta do Ex.mo PGA junto da RC.

Como também a circunstância de, por exemplo, não aparecer o cadáver não obsta à condenação pelo crime de homicídio [aconteceu em mediáticos processos conhecidos como casos «Joana», sobre o qual incidiu Ac. STJ de 20 de Abril de 2006, Proc. 06P363, Rel. Rodrigues da Costa e «Máfia de Braga» (v. jornal Público de 27/7/2019) sobre o qual incidiu o Ac. STJ de 19 de Junho de 2019, Proc. 881/16.6JAPRT-X.S1, Rel. Pires da Graça, que se encontra no Tribunal Constitucional].



● Da questão dos homicídios qualificados em que foram vítimas CC e DD - Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e consequente violação do princípio in dubio pro reo.


O recorrente invoca os mesmos vícios da questão anterior, bem como a violação, também, do princípio in dubio pro reo.

Dão-se aqui por reproduzidas as considerações teóricas que, a propósito, foram desenvolvidas no âmbito da anterior questão recursória.


Em síntese, o recorrente defende que a prova indirecta não permite concluir que foi8 o arguido quem matou o casal.   


A prova para uma condenação pode ser apenas, e só, indirecta ou indiciária

O tribunal pode, na verdade, lançar mão da prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou, dado que este tipo de prova, distinta da prova directa, é admissível pelo nosso ordenamento jurídico – cfr. nesse sentido, Acs. do STJ de 11/12/2003, Proc. n.º 03P3375, Rel. Rodrigues da Costa; de 09/02/2005, Proc. n.º 04P4721, Rel. Henriques Gaspar; de 23 de Novembro de 2006, Proc. 06P4096, Rel. Santos Carvalho; de 12 de Setembro de 2007, Proc. 07P4588, Rel. Santos Monteiro; de 04/12/2008, Proc. n.º 08P3456, Rel. Maia Costa; de 12/03/2009, Proc. n.º 09P0395, Rel. Santos Cabral, de 18/06/2009, Proc. n.º 81/04PBBGC.S1, Rel. Armindo Monteiro.

V. jurisprudência ulterior na conferência sobre Prova Directa e indirecta a seguir referenciada

Elementos de relevo se colhem na jurisprudência e na doutrina mais recente, de que são exemplo O Ac. TC 521/2018 (reafirmou o entendimento do Ac. TC 391/2015, e decidiu não julgar inconstitucional, por violação dos princípios da presunção de inocência e da estrutura acusatória do processo penal, consagrados nos n.os 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição, o artigo 125.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal) e a conferência Prova Directa e indirecta, proferida pelo Cons.º Santos Cabral, em 22/2/2019, no CEJ, no âmbito da acção de formação sobre Direito Probatório, Substantivo e Processual (disponível no ebook do CEJ no sector das Publicações, domínio do Direito Penal e Processual Penal).


Como escreveu o Ex.mo PGA da RC na sua Resposta:


«Não tem o mínimo fundamento a motivação do recorrente quanto aos alegados vícios na motivação do douto acórdão recorrido relativos à apreciação crítica das provas indirectas e não só.

Na verdade são inúmeras e abundantes as provas carreadas para a audiência e que foram analisadas na sua apreciação global e devida conjugação correctamente com as também diversas provas periciais que colocam o arguido no local destes homicídios.

Também está fora de dúvida, porque o arguido o refere, que esteve no local com o casal Pinto e que precisou de se apropriar do veículo deles, o que conseguiu.»


O aresto recorrido da RC referindo-se aos «Crimes de homicídio qualificado em que figuram como ofendidos CC e DD» desmonta toda a argumentação do recorrente escrevendo (págs. 268-279) o seguinte:


 

«Nesta parte, o arguido coloca em causa a factualidade dada como provada sob os pontos 50 a 56, 58, 59, 60, 99, 100 a 111, 112 a 114.

Além do erro na apreciação da prova, invoca os vícios de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de facto. Alegando ainda que o Tribunal considerou os factos provados sem que exista qualquer prova direta, nem indireta com força bastante, para condenar o arguido para lá de qualquer dúvida razoável.

Renova-se aqui quanto foi dito supra sobre os vícios do art. 410º e critérios de apreciação de prova, superação da dúvida razoável.

Invocando o recorrente a errada valoração de prova indirecta, impõe-se tecer algumas considerações a este respeito, no sentido de demonstrar que, ao contrário do que frequentemente se vê sustentar e parece emergir da motivação do recurso, não é incompatível com a presunção de inocência do arguido, situando-se em planos distintos. Tal como sucede com todos os outros meios de prova, todos eles produzidos antes do trânsito em julgado da sentença e, como tal contra a aludida presunção, numa leitura linear.

A admissibilidade da prova indiciária, indirecta, ou por presunções judiciais é reconhecida, como meio de prova legalmente previsto no art. 349º do C. Civil.

Sendo admissível em processo penal por não afastada por qualquer disposição do ordenamento processual penal, dentro do princípio geral do art. 125º do CPP.

Nos termos do artigo 349º do C. Civil “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”. Esclarecendo o artigo 351º do mesmo Diploma que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.

A prova indiciária ou indirecta, segundo o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo, pág. 96) refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.

Citando Tolda Pinto (in A tramitação do Processo penal, Coimbra Editora, pág. 644 e seguintes, nota (782)), conforme refere ANDRÉ MARIETA (La Prueba em Processo Penal, p. 59), são dois os elementos da prova indiciária: Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado (DELAPLANE define-o como todo o resto, vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido). O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v. g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros). b) Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício – premissa menor – permite a conclusão sobre o facto a demonstrar. A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados e dúvida e probabilidade. A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

Aliás a associação que a prova indiciária entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermayer, Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.

Certo é que, como refere Climent Durán (La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 575), “Os tribunais são avessos a reconhecer expressamente que nas suas valorações e nas suas motivações probatórias utilizam constantemente presunções, como se estivessem impedidos de o fazer, por crer erroneamente que tal maneira de proceder não é propriamente jurídica e que supõe a introdução de alguma dose de arbitrariedade no conteúdo das suas decisões.

No entanto, continua o mesmo autor (ob. Cit., p 575-578) “As razões que podem ter contribuído para tal crença encontram-se antes de tudo, na lamentável confusão – muito generalizada – entre o conceito vulgar e o conceito jurídico de presunção, e também que vulgarmente se considera que o uso das presunções incrementa desproporcionadamente o risco de erro judicial (…) A razão da divergência entre os conceitos vulgar e jurídico de presunção há que encontrá-la em que o conceito vulgar de presunção está referido à presunção em abstracto, ou seja, à norma ou à regra de presunção in genere, que, ao admitir a prova em contrário, se pode considerar ainda como algo inseguro ou incerto; em contrapartida, o conceito jurídico de presunção refere-se à presunção em concreto, uma vez que deixou de ser uma norma ou regra abstracta, por ter-se praticado, ou podido praticar-se, a prova do contrário, com o que então a presunção deixa de ser uma conjectura e se converte em certeza plena. Portanto convém assentar na afirmação de que a presunção jurídica produz uma certeza completa ou prova plena, e não é equiparável à simples conjectura, suspeita ou possibilidade probatória que é própria da presunção vulgar (…)

 A presunção abstracta é constituída por uma norma ou regra de presunção, susceptível da prova em contrário, que pode ter sido estabelecida pela lei ou por decisão judicial, apoiando-se, em ambos os casos, em alguma máxima da experiência. Apresenta uma estrutura em que os factos básicos estão conexionados através de um juízo de probabilidade, que por sua vez se apoia na experiência, de maneira tal que a prova de um envolve a prova de outro.

A presunção concreta supõe a projecção da presunção abstracta sobre o caso ajuizado ou, se se preferir, a subsunção do caso concreto dentro da presunção abstracta, uma vez que se tenha praticado ou podido praticar a correspondente contraprova e se tenha comprovado judicialmente a existência de uma ligação racional entre os indícios e o facto presumido, com descarte de qualquer outro possível facto presumido. Em rigor já não cabe falar de facto presumido, mas antes de facto provado. O seu fundamento já não assenta no juízo de probabilidade, mas antes no juízo de certeza (certeza moral), como qualquer outro meio probatório ao qual a presunção se parifica”.

Como prova indirecta ou indiciária, para a condenação com base nela exigem-se, porém, determinados pressupostos.

Para a valoração da prova indirecta, circunstancial ou indiciária, costumam exigir-se os seguintes requisitos: pluralidade de factos-base ou indícios; precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência – cfr. FRANCISCO ALCOY, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 39; Carlos Climent Durán, ob. cit. p. 626 e segs., em especial p. 633.

No caso sob apreciação, no que se refere à invocada contradição entre a fundamentação da matéria de facto, o recorrente limita-se a invocar os factos que a decisão recorrida, não obstante a prova mobilizada, não logrou dar como provados com a necessária segurança e os factos que julgou provados sem marquem para qualquer dúvida razoável.

Ora da não prova de um facto não resulta necessariamente a prova do seu contrário como supõe a motivação do recorrente. Pelo contrário, entre factos provados e não provados não existe qualquer contradição, a não ser que identificados, em simultâneo, como provados e não provados. Contradição que, de resto, o recorrente verdadeiramente não identifica. Limita-se a manifestar a sua discordância, com base no seu critério, subjectivo, da matéria de facto que o Tribunal julgou provada com base na apreciação objectivada na motivação. O que, manifestamente, não importa qualquer vício.

Pelo contrário a motivação da decisão recorrida em confronto com a matéria dada como provada e não provada, além de os factos apontados não se excluírem logicamente entre si, permite conhecer todo o processo lógico de formação da convicção do Tribunal, quanto aos factos que julgou provados e não provados, em termos que não pode deixar margem para dúvidas, pela sua clareza, objectividade e exaustividade.

O recorrente questiona, designadamente, como se permitiu o Tribunal a quo dar como provado que o arguido se colocou na Estrada Nacional e fez sinal de paragem ao veículo onde seguia o casal DD e CC.

Ora a decisão recorrida esclarece a fls. 5888: “atenta a prova produzida apenas podemos concluir que ambos [DD e CC] saíram do veículo”.

E, na verdade, se as vítimas DD e CC saíram pela madrugada, da sua residência com destino a …, como resulta das declarações de KK e MM (cfr. fls. 5794 a 5797), e os corpos foram encontrados no meio da vegetação, parcialmente cobertos com fetos, ao km. 45 da E. N n.º 229, pelo militar GGGG (cfr. fls. 5820 a 5822), conforme está também documentado do relatório do exame n.º 419/2016, junto a fls. 1315 e ss, e ainda nas fotos juntas a 416, 417 e 615 a 618, não pode merecer censura alguma que o Tribunal tenha dado como provado que, ao Km 45, as vítimas saíram efectivamente, como tiveram que sair, do carro onde seguiam.

Por sua vez, resulta demonstrado que o arguido deslocou-se até ao referido km 45 no carro patrulha da Guarda Nacional Republicana, de matrícula GNRL-2…1 - que abandonou num caminho da terra batida a cerca de 100 metros em linha reta do Km. 45, da Estrada 229 - com o intuito de encontrar outro carro e de fugir para não ser localizado pela polícia.

De igual modo, resulta demostrado - foi mesmo admitido pelo recorrente - que foi o arguido quem utilizou o automóvel de DD, o já referenciado volkswagen passat, para regressar ao hotel … - local onde os militares EE e BB haviam iniciado a fiscalização ao arguido e onde este havia morto o militar BB - tendo abandonado este veículo escondido no meio da vegetação, a cerca de 300 metros em linha reta do hotel …, [cfr. relatório do exame n.º 422/2016-NPC, junto a fls. 1442 e ss.].

Depois de realizadas as manobras que julgou pertinentes para afastar suspeitas, o agente tinha interesse em ir recuperar a carrinha Toyota, de cor preta. Mas, para isso, não podia, obviamente, utilizar o veículo da GNR pela constatação de que não era de boa estratégia utilizar o carro patrulha com um militar morto na bagageira, no local onde havia sido fiscalizado. Daí que para prosseguir com o seu plano de ocultação, precisasse de uma outra viatura - que, por infeliz acaso do destino, foi aquela que ali apareceu, ao km 45, na E. N.º 229. Mais, da conjugação dos diversos elementos de prova apreciados em julgamento, resulta demonstrado que DD e CC foram atingidos mortalmente com disparos de arma de fogo, junto ao Km 45 da E. N. n.º 299. Ora, se os mesmos se deslocavam para … e foram atingidos com tiros de arma de fogo nesse mesmo local, junto do Km. 45, elementar senso comum diz que as vítimas tiveram que ser abordadas pelo autor dos disparos, no local onde foram atingidas mortalmente.

Por outro lado, na berma da estrada n.º …, ao km 45, ficou depositada uma quantidade significativa de sangue de CC e no veículo Volkswagen Passat em que seguia o casal, concretamente na porta traseira do lado direito, ficou também depositada uma quantidade de sangue que veio a apurar-se ser de CC - como resulta do relatório do exame n.º 422/2016, junto a fls. 1441 e ss (4º Vol.), designadamente das fotos n.ºs 6 e 7 e 12. Ora estes vestígios de sangue recolhidos na porta traseira do lado direito do Volkswagen Passat foram submetidos ao competente exame pericial, o qual permitiu concluir trata-se de sangue e que existe identidade de polimorfismos entre os referidos vestígios e a amostra referência recolhida a CC – cfr. relatório do exame pericial n.º 201702919-BBG, junto a fls. 3305.

Resulta ainda do relatório do exame n.º 419/2016-NPC, junto a fls. 1315 e ss., realizado ao local do km. 45, que na berma da estrada foi localizada uma mancha de uma substancia de tom vermelho acastanhado, referenciada como “vestígio 1”. Vestígio esse que está descrito no item n.º 3, do relatório do exame pericial n.º 2001620622-BBG (área de Biologia), através do qual foram identificados vestígios de sangue e se concluiu pela identidade de polimorfismos com o vestígio hemático detetado no item 3, bem como com a mancha de sangue recolhida ao cadáver de CC - cfr. fls. 3284 e 3285.

A presença de uma quantidade considerável de sangue de CC quer na porta traseira direita do veículo em que seguia o casal, quer no chão da berma da estrada, nas imediações do local onde os corpos de CC e DD foram abandonados, escondidos na vegetação, associado à circunstância de a morte de CC ter sido produzida por um disparo de arma de fogo, a curta distância, sendo que o único ferimento verificado no cadáver de CC que poderia extravasar aquela quantidade de sangue apenas podia ser, precisamente, o produzida pelo disparo com a arma de fogo, impõe a conclusão lógica inderrogável de que DD e CC tiveram que ser abordados e atingidos com tiros de arma de fogo naquele local.

Acresce que, no meio do mato, a cerca de 16 metros da estrada, local onde a testemunha, 1º Sargento GGGG, encontrou os corpos de DD e CC, parcialmente cobertos com ramagens a camuflar os corpos, foram recuperados dois invólucros deflagrados, de calibre de 9 mm. e manchas hemáticas provenientes de DD e CC. E o relatório de balística – relatório do exame pericial n.º 201620682, junto a fls. 2436 a 2445 - revela que as duas cápsulas deflagradas encontradas junto dos corpos de DD e CC, referenciadas como “vestígio 2” e “vestígio 5”, no relatório do exame do local designado como km 45, [relatório 419/2016-NPC, junto a fls.1315 e ss.], foram deflagradas pela arma Glock de 9 mm, com o n.º de séria RPS 6…3, que estava distribuída ao militar BB.

Sabendo-se que o militar BB foi morto, junto do hotel …, cerca das 02H00, do dia 11.10.2016 e que o assistente EE foi baleado, quase no cimo da Serra …, em hora situada próxima das 05H07 e as 05H12, pois que, o carro patrulha permaneceu imobilizado nas imediações do local onde o assistente foi baleado, pelo menos entre aquele período de tempo, a conjugação dos meios de prova analisados permite concluir, sem qualquer margem de dúvida, muito menos razoável, que foi o arguido quem, logo depois de ter executado o BB, ficou com as duas armas de fogo distribuídas aos militares EE e BB, sendo que, quando passou a conduzir o carro patrulha, levou com ele pelo menos uma dessas armas – como decorre do depoimento do assistente EE.

Não obstante não terem sido presenciados os homicídio de que foram vítimas DD e CC, para o conhecimento e compreensão do que ocorreu ao Km 45 mostra-se ainda muito relevante o depoimento absolutamente objectivo e pormenorizado do militar EE quando refere que, em momento anterior a estes factos, o arguido, junto do hotel …, disparou um tiro contra a cara do Guarda BB e que depois, na …, desferiu um tiro no rosto do próprio EE e, julgando-o morto, ali o deixou abandonado, no monte, parcialmente tapado com terra e giestas.

Decorre do exposto que o arguido foi a única pessoa que ficou com a disponibilidade do carro patrulha - que já tinha conduzido anteriormente, simulando o giro normal da patrulha. O que permite concluir que foi o arguido quem conduziu o mesmo veículo até ao km. 45 e o escondeu num caminho de terra batida, a 100 metros de distância do local onde DD e CC foram baleados, ao km. 45, da estrada nacional n.º 229.

Aliás o recorrente não coloca em crise a factualidade atinente ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, que visou o militar EE, sendo que, os factos reportados ao Km 45 ocorreram necessariamente em momento subsequente ao disparo que atingiu o militar EE.

Relevam ainda, sempre na mesma perpetiva concordante sobre os factos ocorridos ao km 45, as imagens de videovigilância recolhidas no Posto de Abastecimento de Combustível da …, sitas na E. N. n.º …, na Quinta …, localizado a cerca de 500 metros do local onde DD e CC foram baleados (cfr. fls. 928), descritas no auto de visionamento, junto a fls. 1718/1719. As quais permitem verificar que, no dia dos factos, pelas 04:01:45, existiu a passagem de um veículo com luzes acesas no tejadilho, no sentido de … para a Quinta …, compatível com o carro patrulha da Guarda Nacional Republicana; pelas 04:05:40, a mesma viatura passou com as luzes do tejadilho já apagadas vinda da Quinta … em direção e …, sendo que durante esse período de tempo não circulou qualquer outro veículo; pelas 06:14:53, a mesma viatura passou com as luzes do tejadilho acesas, no sentido de … para a Quinta …; pelas 06:23:42, circulou uma outra viatura de cor escura, no sentido de … a Quinta … . Pelas 06:40:36 passou no PAC uma viatura de cor escura, vindo do sentido Quinta … para … – viatura que pelas hora e pelas características corresponde ao automóvel de DD, que nesse momento seria já conduzido pelo recorrente.

Elementos que, concatenados entre si, permitem concluir, de forma insofismável, que o veículo Volkswagen Passat, com o casal DD e CC a bordo, chegou ao km 45, por volta das 06H25.

Sabe-se ainda que, pelas 11h30m, o recorrente entrou no … de …, de onde saiu pelas 11h44m com dois sacos das compras – cfr. fls. 642/643. Que pelas 12h09m (cfr. fls. 3372), o recorrente conduziu a carrinha Toyota, de cor azul, no cruzamento da …, junto da localidade de …, e desobedeceu a uma ordem de paragem efetuada pela testemunha LLL, Comandante do Posto Territorial de …, acelerando e colocando-se em fuga - como descrito na parte da fundamentação a fls. 5833 a 5836. Após, num caminho florestal, em terra batida sem saída, na Serra …, o recorrente abandonou o veículo em que se deslocava e também um saco preto, onde foi recuperada a arma de fogo marca Glock, com o n.º de série RPS 6…3, utilizada para executar o casal DD e CC – como está documentado na reportagem fotográfica junta a fls. 583 a 594, e na informação de serviço e reportagem fotográfica junta a fls. 808 e ss. O saco onde estava a Glock foi localizado pela testemunha PPP, como emerge da fundamentação da douta decisão a fls. 5836/5837. Sendo de referir ainda que esta factualidade, constante do ponto 68 da matéria provada, foi confirmada pelo arguido em julgamento.

No Laboratório de Polícia Científica foram recolhidos vestígios biológicos no guarda-mato da arma Glock apreendida na Serra …, como advém do relatório do exame pericial n.º 201622458-CLC, junto a fls. 2940 a 2943. Vestígios esses que foram objeto de exame pericial, na área de biologia, o qual permitiu concluir que existe identidade dos vestígios biológicos detetados e a zaragatoa bucal recolhida ao arguido AA – como consta no relatório do exame pericial n.º 201620622-BBG, junto a fls. 3297 a 3301, estando o referido vestígio aí descrito no item n.º 43.

Por último, a circunstância de não existirem registos da localização do carro da Guarda Nacional Republicana entre as 2h56m14s e as 5h07m57s, não tem qualquer implicação na factualidade que o Tribunal recorrido deu como provada atinente aos crimes de homicídio qualificado de que foram vítimas DD e CC, nem é suscetível de colocar aqueles factos em dúvida. Pois que, como o assistente EE explicou o percurso desde que saíram do hotel … até que ele próprio foi baleado na Serra … - precisamente no local em que os dados de georreferenciação do veículo revelam que o mesmo esteve imobilizado, entre as 05h07 e as 05h12.

Os dados de localização do veículo permitem saber que entre as 02h36m14s e, pelo menos as 02h56m14s, o veículo esteve imobilizado junto do hotel … . Sendo que depois daquela hora cessaram as localizações GPS do carro patrulha, pelas razões que estão indicadas a fls. 3097.

Os dados do GPS associado ao veículo da patrulha da Guarda Nacional Republicana, voltaram a registar a localização do veículo pelas 05h07m57s, imobilizado quase no cimo da Serra …, nas imediações do local onde o assistente EE foi baleado - sítio que foi identificado no relatório do exame n.º 420/2016-NPC, junto a fls. 1228 e ss. Pelas 05h12m o veículo permanecia imobilizado no mesmo local, não se sabendo a que hora a que deixou aquela localização, uma vez que se seguiu um novo intervalo sem registo da localização da viatura. Sendo que a distância entre a Serra … e a Quinta …, onde ocorreram os homicídios de DD e CC, é de cerca de 17,4 km, perfeitamente percorríveis, de automóvel, em 18 minutos.

Assinala-se ainda, pela hora em que o carro patrulha permaneceu imobilizado no cimo da Serra …, DD e CC ainda não tinham saído de casa (como resulta do depoimento da mãe de CC). De onde que, como já salientado, o homicídio destes ocorreu necessariamente em momento temporal posterior aquele em que o carro patrulha abandonou a Serra …. Ou seja, em momento posterior à tentativa de homicídio de EE.

O sistema GPS veio identificar os dados de georreferenciação do carro patrulha apenas pelas 06h36m54s, fornecendo a informação que o veículo se encontra imobilizado já no local onde foi localizado, pela manhã do dia 11.10.2016, pelos militares do Posto de …, com o corpo de BB dentro da bagageira, com a carta de condução do arguido AA num bolso da sua roupa (desta vítima).

Como está mais uma vez bem expresso na fundamentação probatória da decisão recorrida, apenas foi considerado o relatório realizado pelo Gabinete de Coordenação e Análise, junto aos autos, na vertente de enunciação e relacionamento dos dados documentais e periciais que se encontram juntos aos autos e foram apreciados em audiência de julgamento. Este relatório constitui apenas uma análise e relacionação dos diversos meios de prova apreciados em audiência de julgamento. Não constitui nenhum meio de prova, nem o Tribunal o valorou quanto tal, inexistindo qualquer invalidade na ponderação do relatório, nos termos em que o Tribunal o considerou. Não se vislumbrando assim qualquer violação do disposto no art.º 355º, do Código de Processo Penal.

Da conjugação dos elementos de elementos de prova convocados e analisados resulta demonstrado à evidência que os ocupantes do volkswagen passat, o casal DD e CC, foram baleados, junto do km 45, da E. N. 229, e abandonados, no meio da vegetação, e que o carro onde seguiam foi utilizado para fazer o percurso de regresso ao hotel … . Com efeito, o carro em que se deslocavam DD e o CC teve que ser conduzido pelo arguido até junto dos hotel … onde foi deixado escondido no meio da vegetação, a cerca de 300 metros do hotel …, em local que permitiu rapidamente fazer a deslocação, a pé, até ao hotel …, precisamente, ao local onde tinha deixado a carrinha de cor preta, com a qual encetou a fuga, até que, pelas 8H30, em …, com a ajuda de RR, trocou de carrinha e passou a circular na carrinha de cor azul, com a qual, no Cruzamento da …, conseguiu fugir da Guarda Nacional Republicana, e acabou por abandonar na Serra …, num caminho florestal, prosseguindo a fuga a pé.

Os múltiplos meios de prova produzidos discutidos em audiência, valorados ainda com base na oralidade e imediação a que o tribunal de recurso não tem acesso, avaliados à luz das regras da experiência, permitem assim concluir, sem margem para qualquer dúvida razoável, como fez o tribunal recorrido, que o autor dos disparos mortais que atingiram o casal DD e CC, bem como os militares BB e EE, foi o recorrente.

E, obedecendo o acórdão recorrido, como demonstrado ao longo da reapreciação efectuada, com elevado rigor, ao dever de fundamentação específico previsto no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não padece, manifestamente, da nulidade arguida pelo recorrente, prevista no art. 379º, al. a) do mesmo diploma.

Impondo-se assim a improcedência do recurso também nesta parte.»


Não há qualquer reparo a fazer à decisão da Relação de Coimbra na apreciação desta questão.



Da questão do cúmulo jurídico de penas - da pena única e sua dosimetria.


Neste campo, o arguido entende que:

 

«88.º Acaso o presente recurso obtenha provimento no todo ou em parte, absolvendo-se o arguido por algum ou alguns dos crimes por que foi condenado, impor-se-á a revogação e reformulação do cúmulo jurídico efetuado com o consequente doseamento da pena única em medida inferior.


89.º - A não ser assim violar-se-á o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP.

(………..)


98.º - A não se entender assim, o arguido suscita a inconstitucionalidade do art. 409.º, do CPP, por violação expressa do disposto nos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 da CRP, quando interpretado no sentido de não se proceder a um novo cúmulo jurídico e determinação de pena única desagravada e necessariamente inferior ao máximo legal cominado pela lei penal quando, em recurso, o tribunal ad quem decide pela absolvição de algum ou alguns dos crimes que integraram o cúmulo jurídico efectuado a quo, postergando, nesta enviesada interpretação, a proibição da reformatio in pejus enquanto elemento garantístico do direito ao recurso e enquanto princípio integrante de um processo justo e equitativo



Mas também aqui a razão está longe da pretensão do recorrente.

Embora o art. 409.º do CPP refira, expressamente, a proibição ao tribunal superior (tribunal ad quem), a jurisprudência e a doutrina vem entendendo que tal proibição se aplica também ao tribunal a quo (v. g., em caso de reenvio para repetição de julgamento).

Este princípio, que visa proteger o arguido nos casos em que da decisão apenas este interpõe recurso, ou o MP no exclusivo interesse do mesmo (arguido),

De acordo com a síntese efectuda por Jorge Dias Duarte, Proibição de Reformatio in pejus. Consequências processuais, na Revista Maia Jurídica, ano I, n.º 2, Julho‑Dez. de 2003, págs. 205 e ss., que fez a análise de diversos acórdãos do STJ, pode concluir-se o seguinte:

«I‑a actual compreensão do processo penal como um processo equitativo, em que está constitucionalmente consagrada a estrutura acusatória do processo, com pleno relevo do princípio da acusação, implica o entendimento da proibição de reformatio não, apenas, como um princípio dos recursos, mas como um princípio de todo o processo;

— de tal compreensão resulta nítida a conclusão de que, interposto recurso apenas pelo arguido, (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido), tal recurso estabelece um limite à actividade jurisdicional do tribunal ad quem, que, assim, não poderá alterar a decisão em desfavor do arguido (repete‑se, único) recorrente;

— tal limite será plenamente operante mesmo para os casos em que o arguido tenho suscitado uma questão que implique a anulação do julgamento ou o reenvio paro outro tribunal, que não poderá(ão) condenar em pena mais grave do que aquela que é posta em causa no recurso, pois esta é, aliás, a única forma a obviar à possibilidade da reformatio indirecta, isto é, consiste na única forma de impedir que o tribunal do novo julgamento ou de reenvio tenha mais poderes que o tribunal de recurso não tinha;

II — em caso de condenação por um crime qualificado e de, subsequente, convolação pelo tribunal de recurso para um (mesmo) crime não qualificado, sendo ordenado o reenvio dos autos para determinação da pena face ao (novo) enquadramento jurídico‑penal da conduta do arguido recorrente, o tribunal de reenvio pode manter a pena anteriormente fixada, (ainda que à luz de molduras penais distintas), sem que tal implique, necessariamente uma violação do princípio da proibição de reformatio in pejus;

— para que tal possa suceder torna‑se essencial que, nesses casos, o tribunal de reenvio fundamente de forma particularmente cuidada aquela manutenção de pena;

III — quando, em resultado de convolação por ele efectuada para um crime menos grave (maxime, o “mesmo” crime mas desqualificado), o tribunal de recurso fixe novas penas aos arguidos recorrentes, deve encontrar as novos penas única e exclusivamente à luz dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal;

— não é, assim, de todo legítimo que, para efeito de “desagravação” de tais penas, o tribunal de recurso aplique, acriticamente, o critério anteriormente utilizado (nomeadamente em 1.ª instância) para proceder à agravação das penas em que o(s) arguido(s) recorrente(s) vinha(m) condenado(s).».


Sobre o princípio da proibição da reformatio in pejus, na jurisprudência mais antiga, cfr. Ac. TC 236/2007, DR II S., de 24 de Maio de 2007; Ac. STJ de 8 de Julho de 2003, Proc. 03P2616, Rel. Simas Santos; Ac. STJ de 17 de Fevereiro de 2005, Proc. 04P4324, Rel. Simas Santos, e mais recentemente, Ac. STJ de 14 de Setembro de 2011, Proc. 04P4324, Rel. Armindo Monteiro, Ac. STJ de 24 de Outubro de 2012, Proc. 1584/09.3PBSNT.L2.S1, Rel. Maia Costa, Ac. STJ de 6 de Fevereiro de 2014, Proc. 411/12.9JAFUN.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes, Ac. STJ de 13 de Julho de 2017, Proc. 240/12.0PCSTB.S1, Rel. Maia Costa, Ac. STJ de 16/5/2018, Proc. 886/13.9TAVCD.S1, Rel. Isabel São Marcos:


O recorrente adianta como suporte do seu entendimento o decidido pelo Ac. STJ de 5/7/2011, Proc. 157/05.4JELSB.L1.S1, que, segundo informa, retirou do Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1350, da autoria dos Conselheiros António da Silva Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça. Transcreveu as conclusões VII a X do mesmo aresto, que são as que constam do cit. Código.


Tal acórdão, relatado por Santos Carvalho, encontra-se disponível, apenas no que toca ao seu sumário, no site da dgsi, sendo o mesmo do seguinte teor (integral):

  

«I- O STJ já teve ocasião de dizer, pelo acórdão de 10-03-2010, proc. n.º 36/09.6GAGMR.GI-A.SI - 3.a Secção, que "No caso de um juiz da Relação ter participado em decisão de recurso proferido em conferência, que deveria ter sido processado com realização de audiência, não existe impedimento para intervir nesta e, consequentemente, no julgamento do respectivo recurso, na sequência de decisão anulatória pelo mesmo proferida, pois não estamos perante situação em que o julgador haja tido intervenção em fase anterior do processo, sendo certo que também não ocorre motivo susceptível de colocar em causa a sua imparcialidade. Com efeito, a fase processual é a mesma. Por outro lado, inexiste razão geradora de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, posto que se trata da repetição de acto processual anulado pelo próprio julgador que irá proceder à sua realização, sendo certo que ao acto de anulação está subjacente motivação de índole meramente formal».

II - Diga-se ainda que a composição dos juízes na audiência dos recursos não é, por força da lei, a mesma da conferência, pois, embora participem o relator e o adjunto, acresce a intervenção obrigatória do Presidente da secção, o qual, na conferência, só tem intervenção no caso de haver divergência entre aqueles dois (cfr. art.ºs 419.º e 423.º, n.º 5, do CPP).

III - Também nos casos de recursos em que surgem questões prévias, procede-se frequentemente a uma conferência antes da audiência – e o contrário também sucede quando há incidentes posteriores à audiência – e é a própria lei que indica que alguns dos juízes que intervêm numa têm de intervir obrigatoriamente na outra, pelo que está excluído que haja aí qualquer situação de impedimento legal.

IV - A 1ª instância partiu do princípio de que a quantidade de cocaína pura que os arguidos fizeram transportar para desembarque em Portugal e posterior comercialização em Espanha era de 1 398 026,65 gramas. E foi isso que deu como provado.

V- Porém, do relatório de exame em que se fundou a prova de tal facto resulta que foram apreendidos e enviados para exame uma caixa com 6 770,00 gramas com um grau de pureza de 17% e 156 205,00 gramas, em saco de plástico, com um grau de pureza de 15%. O Tribunal da Relação fez as contas e concluiu que a cocaína em estado puro tinha, afinal, o peso total de 24 580,90 gramas e, consequentemente, quanto a esse aspecto, modificou a matéria de facto provada. Em rigor deveria ter concluído que o peso total era de 24 581,65 g de cocaína em estado puro (6770 g*17% + 156 205 g*15% = 24 581,65 g.). Mas esse pequeno erro de contas não tem qualquer interferência nem na fundamentação nem na decisão.

VI - Mas, apesar dessa enorme diminuição relativamente à quantidade do produto estupefaciente traficado, a Relação não atenuou a pena da recorrente, nem as penas dos co-arguidos.

VII- Como se sabe, o tribunal de recurso não pode agravar a pena quando o recurso é somente interposto pela defesa (cfr. art.º 409.º do CPP). É o chamado princípio da proibição da reformatio in pejus.

VIII- Tem-se entendido que a proibição da reformatio in pejus não se limita à situação que é descrita no mero texto da lei, pois tem outras implicações, nomeadamente quando a pena se mantém apesar do crime ou da ilicitude terem sido desagravados ou atenuados no tribunal de recurso.

IX- Ora, se a pena fixada na 1ª instância teve em grande conta, para a sua graduação, a quantidade de droga traficada, a manutenção da pena pelo tribunal superior representa, na prática, um agravamento do tratamento penal que lhe tinha sido aplicado na instância inferior, pois agora os pressupostos para a fixação daquela são diferentes e mais favoráveis à arguida.

X- Houve, pois, uma violação do dito princípio, quer quanto à recorrente, quer quando aos outros condenados, pois a pena dos mesmos também foi fixada tendo em conta a quantidade de produto estupefaciente transportado e há que, de algum modo, baixar a pena aplicada àquela e a estes.»


     Não divisámos o conteúdo da conclusão de recurso n.º 95 «95.º - Também no acórdão deste STJ de 5/5/2011, Processo n.º 157/05.4JELSB.L1.S1 – 5.ª Secção, se decidiu que a alteração da qualificação jurídica para crime menos grave implicará sempre a diminuição das penas aplicadas anteriormente sob pena de se proceder a uma efetiva reformatio in pejus.» no mencionado aresto.  

 

A feitura e refeitura dos cúmulos jurídicos é questão tratada em múltiplos arestos deste SupremoTribunal de Justiça.

 Além do Ac. STJ 17/2/2011, Proc. 518/03.3TAPRD-A.S1, Rel. Isabel Pais Martins, cit. na Resposta do Ex.mo PGA, cfr. também Ac. STJ 2/5/2012, Proc. 218/03.4JASTB.S1, Rel. Santos Cabral, replicado noutra jurisprudência posterior (v.g. no Ac. STJ 11/1/2017, Proc. 732/11.8GBSSB.S1, Rel. Manuel A.Matos).


A questão tratada no aresto deste STJ de 5/7/2011, Proc. 157/05.4JELSB.L1.S1, invocado pelo recorrente, não é similar à dos presentes autos. Nestes, contrariamente ao que sucedia naquele acórdão, está em causa um caso de cúmulo jurídico e sua eventual refeitura.


A pretensão do arguido recorrente, para a hipótese— que no caso em concreto se não verifica— da sua absolvição por algum ou alguns dos crimes, não tem cabimento.

Não se verificaria qualquer inconstitucionalidade como resulta, com clareza do disposto no Ac. TC 490/2016 (também mencionado na douta Resposta do Ex.mo PGA), que decidiu:

«II – Resulta da jurisprudência deste Tribunal (entre outros, dos Acórdãos n.ºs 499/97, 522/99, 236/2007 e 502/2007) que a proibição de modificação da decisão recorrida in pejus, se refere às situações em que a posição do arguido é objetivamente agravada quanto ao resultado que se expressa na sanção (escolha e quantificação desta), isto como consequência direta ou indireta do recurso;

III – Esta ideia de agravamento da sanção, como resultado vedado, faz parte da essência identitária da proibição de reformatio in pejus, enquanto garantia de defesa integrada no artigo 32.º, n.º 1 da CRP;

IV – O agravamento da sanção ocorre, diretamente, sempre que a decisão do recurso modifica na sua espécie ou medida, contra o interesse do arguido, a sanção que havia sido estabelecida na decisão recorrida;

V – A mesma situação (proibida) de agravamento ocorre, ainda, como consequência indireta do julgamento do recurso, quando a decisão deste cria um quadro consequencial conducente a uma situação de agravamento da sanção;

VI – A projeção teleológica da ideia de proibição da reformatio in pejus, enquanto garantia ancorada no artigo 32.º, n.º 1 da CRP, não abrange uma obrigação, referida ao tribunal de recurso, de reformatio in melius, entendida esta como vinculação do julgador a modificar, na sua espécie ou medida, num sentido favorável ao arguido, a sanção ou sanções aplicadas na decisão recorrida;

VII – Assim, a decisão de suprimir, no quadro de um recurso interposto pelo arguido, um facto que havia sido considerado na decisão recorrida, não implica necessariamente a reformulação in melius da sanção estabelecida pelo tribunal a quo.».


Improcede também esta questão do recurso.




III. - DECISÃO


   Atento o exposto, os Juízes desta 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça acordam em negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo integralmente a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC) (artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao RCP—DL 34/2008, de 26/2, na redacção do DL 52/2011, de 11 de 13 de Abril).

                 


 Processei e revi (art. 94.º, n.º 2, CPP)


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Novembro de 2019


Vinicio Ribeiro (Relator)

Conceição Gomes


__________

(Notas referentes a peças transcritas no Acórdão)

[1] Citado pelos Srs. Juízes Conselheiros António Henriques Gaspar/José Santos Cabral/Eduardo Maia Costa/António Oliveira Mendes/Pereira Madeira/Henriques da Graça, in CPP Comentado, 2014, Almedina, pag. 1350.
[2] No mesmo sentido, o Ac. da R. de Évora de 16.10.2012 (Proc. N.º 495/11.7GBTBABF.E1, in www.dgsi.pt)
[3] Sendo largamente predominante na jurisprudência o entendimento de que a reconstituição do facto, meio de prova a que se refere o artigo 150.° do CPP, é, por si, um meio autónomo de prova, em paridade com os demais legalmente admitidos, importa reter, como decidido no Ac. da R. de Lisboa de 8.02.2007 (Proc. n.º 849/2007-9, in www.dgsi.pt), que “Não é necessário, como requisito formal da “reconstituição de facto” o ser determinada por juiz, ou magistrado do M.P, pois tal não o impõe o n° 2 do referido art.° 150° do C.P.P.. No caso, tal diligência foi efetuada pela Polícia Judiciária a quem competia a investigação específica/reservada deste tipo de crimes (vd. art.º 5.º n.º 2 alínea o) do DecLei 275-A / 2000 de 9 de Novembro)”.
[4] No que respeita aos vários suportes digitais de imagens recolhidas nos autos e seu visionamento importa apenas salientar, como se decidiu no recente Ac. da R. de Coimbra de 20.09.2017 (Proc. n.º 167/15.3PBVFX.C1, in www.dgsi.pt), que “A obtenção de imagens, através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, e a posterior utilização daquelas no âmbito de um processo penal, não corresponde a qualquer método proibido de prova, porquanto, no circunstancialismo referido - que não respeita ao “núcleo duro da privada” das pessoas visionadas, os arguidos -, existe justa causa, consubstanciada na documentação da prática de uma infracção criminal”, sendo que “As precedentes considerações não são infirmadas pela falta de autorização da CNPD (Comissão Nacional da Protecção de Dados) para a instalação do sistema de recolha de imagens”.
[5] “Estes resultados permitem concluir que tanto BB como EE dispararam ou manipularam uma arma de fogo ou que estiveram próximo a um disparo de arma de fogo. Considerando que ambos (BB e EE) foram vítimas de disparo de arma de fogo a uma distância indeterminada, conforme já afirmado no Relatório do Exame Pericial n.º 201620683-FRD, os resultados obtidos não permitem ir além do conhecido”, veja-se o que já constava de fls. 3129, sendo que da conjugação com os demais elementos probatórios resulta claramente que estes foram vítimas de disparo e não autores (veja-se a acumulação de partículas na zona da gola dos blusões dos militares e a circunstância de terem sido baelados na face).
[6] Cfr. neste sentido, entre outros, o ac. do STJ de 17.09.09 (Procº nº 169.07.03 GBNVS1, in www.dgsi.pt); ac. do STJ de 23.02.2005, in CJ (STJ), XIII, I, 210 e mais recentemente o ac. da R. de Évora de 3.03.2015 (Proc. n.º 420/02.6PATVR.E1, in www.dgsi.pt.
[7] Note-se que foi precisamente propósito do arguido esconder a viatura Passat, assim como a da GNR e os corpos dos civis, por forma a não deixar vestígios (não se compreendendo que tal conduta, de forma enviesada, viesse nesta sede a prejudicar o propósito de apuramento da verdade material do sucedido).
[8] Entre as várias transferências acima evidenciadas vejam-se em particular os itens dos militares que foram sendo encontrados no interior e junto aos veículos sucessivamente abandonados pelo arguido.
[9] Considerando a não oposição dos demais sujeitos processuais e bem assim o disposto na al. a) do n.º3 e no n.º5 do art.º 356º do CPP, porquanto a testemunha reiteradamente referiu não se recordar sobre factos vertidos na pronúncia e que se reconduzem ao que alegadamente poderá ter sido proferido pelo arguido naquela ocasião, estando igualmente em causa declarações prestadas perante Procurador Adjunto, nos termos de fls. 2015, onde se ressalva e confirmam declarações anteriormente prestadas.
[10] É que não só não estamos perante qualquer violação do preceituado no art.º 356º nº7 ex vi art.º 357º nº2, do CPP, uma vez que não estão em causa quaisquer declarações do arguido, vertidas em auto, cuja leitura não seja permitida, como inexiste uma qualquer proibição dos elementos que integrem órgãos de polícia criminal em deporem relativamente a factos de que tomaram conhecimento direto no decurso das investigações (cfr. Acs. do S.T.J. de 30.10.2002, Proc. N.º 2557/02 e de 30.05.01, cujos sumários estão vertidos no C.P.P. Comentado pelos Srs. Juízes Conselheiros Henriques Gaspar, Santos Cabral; Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Henriques da Graça, Almedina, 2014, pág.122) .

Como se refere no Ac. da R. do Porto de 23.10.2013 (Proc. N.º 200/08.5GACPV.P1, in www.dgsi.pt) “Está sujeito a livre valoração, sem necessidade de observância do regime do artigo 129º, nº 1, do CPP, o depoimento de uma testemunha quanto ao que ouviu dizer ao arguido fora do âmbito de processo”, sendo que relativamente ao percepcionado pelos órgãos de polícia criminal (situação que não se verifica no caso vertente, como vimos acima), acompanhamos, na esteira do decidido no Ac. do S.T.J. de 15.02.2007 (Proc. N.º 06P4593, in www.dgsi.pt) o expendido no Ac. da R. de Évora de 4.06.2013 (Proc. N.º 40/11-4GTPTG.E1, in www.dgsi.pt), a saber: “Se os agentes policiais percepcionaram directamente os factos – mesmo que os “factos” sejam o declarado pelo ainda não arguido – não há depoimento indirecto.

O meio de prova “declarações de arguido” tem que ser veiculado através de um “interrogatório” previsto nos artigos 140º a 144º do CPP. O meio de prova “declarações de arguido” não pode ser veiculado por “conversas informais”.

O formalismo dos interrogatórios de arguido é uma questão central no próprio valor do meio de prova, uma vinculação à forma querida pelo legislador, produto ou resultado de uma evolução histórica processual que concluiu ser este formalismo do interrogatório a melhor forma de acautelar direitos.

As “conversas informais” são um expediente para tornear direitos em nome de uma suposta verdade “descoberta” pelo investigador policial que, dessa forma, pretende determinar o resultado do julgamento. São, portanto, um expediente de má polícia. Um abuso. Uma fraude à lei e ao Direito.

Se o meio de prova “declarações de arguido” não cumpre a regra da “tipicidade de interrogatório” de arguido e surge através, de “conversa informal” ocorre o vício processual da inexistência do meio de prova “declarações de arguido”.

Mas as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, o que cria situações de facto de fronteira e de difícil solução.

Quando o ainda não arguido não foi constituído arguido, podendo considerar-que que há motivo para tal, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal qualquer declaração daquele não pode ser utilizada como prova.

Mas esta proibição de prova não abrange as declarações ouvidas pelos agentes policiais ao arguido, antes de este o ser ou haver obrigação de constituição, se não houver culpa das forças policiais no atrasar da formalização daquela constituição.

Face ao ordenamento português parece indubitável que o simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válida se ainda não havia obrigação de constituição como arguido.

Se as entidades policiais agem dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.

Por isso que a questão não se centra em saber se a proibição de “conversas informais” deve abranger afirmações anteriores ou posteriores à constituição de arguido, já que são sempre proibidas após a constituição como arguido. E nunca são antes da constituição como arguido, excepto se a má-fé policial tiver ilegalmente atrasado essa constituição” (sublinhado nosso).

Por outro lado, tão pouco as declarações e depoimento em causa configuram depoimento indireto (inadmissível nos termos do artigo 129.º do Código de Processo Penal), pois, conforme refere Carlos Adérito Teixeira (in Revista do CEJ, 1.º semestre 2005, n.º 2) "sendo o arguido a pessoa-fonte, a sua intervenção não reúne condições para responder aos escopos subjacentes à norma em apreço: o arguido pode, em diversos casos, ser julgado na ausência, mesmo que esteja presente ou compareça, não tem o dever de prestar declarações; mesmo que preste, não tem o dever de falar verdade nem consequências para a falsidade de declarações".

Assim, se uma testemunha conta que o arguido lhe confessou determinados factos e inclusive relata condutas daquele que corroboram essa mesma assunção, não está, neste particular, a depor indirectamente, mas antes a relatar factos concretos, por si directamente ouvidos e vistos, que caberá ao Tribunal analisar no seu livre critério, para, em conjugação com outros, chegar a uma conclusão de facto (cfr. neste sentido os Acs. da Relação de Coimbra de 9.07.2008 e da Relação de Guimarães de 25.02.2009, disponíveis em www.dgsi.pt e Paulo Dá Mesquita in op. cit. pág. 533).

Tal entendimento tem a chancela do Tribunal Constitucional, como se pode ler no seu Acórdão n.º 440/99, de 8 de Julho (JusNet 9475/1999) onde se decidiu que "o artigo 129.º, n° 1 (conjugado com o artigo 128.º, n° 1), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido", esclarecendo-se em tal Acórdão que "não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor".

[11] Entendemos que em alguns segmentos do seu depoimento, nomeadamente na análise de cenários como aqueles que encontrou, encontram cabimento nas alíneas a) e b) do n.º2 do art.º 130º do CPP, sendo que, como claramente se decidiu no Ac. da R. de Coimbra de 5.01.2011 (Proc. N.º 149/08.1GTGRD.C1, in www.dgsi.pt), embora a respeito da interpretação de vestígios de acidentes, “Quando se pretende conhecer em audiência de julgamento as circunstâncias em que terá ocorrido e se chama a depor como testemunha o órgão de polícia criminal, que se deslocou ao local, frequentemente, não é possível cindir a interpretação dos factos da narração dos factos concretos apreendidos pela testemunha.

A interpretação que a testemunha (órgão de polícia criminal) faz dos factos concretos que presenciou no local do acidente está a coberto da exceção prevista na al. a), n.º2, art. 130.º do Código de Processo Penal e, como tal, é admissível a valoração integral do seu depoimento” (sublinhado nosso).
[12] São múltiplos os cenários em que, nomeadamente atenta a diferença estatura, força, peso e a própria existência de uma arma, a vítima se vê na contingência de não conseguir realizar resistência.
[13] De que são exemplo o telemóvel e a carteira de CC.
[14] É consabido que a dor, na definição da Associação Internacional para o Estudo da Dor, se traduz numa “experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesão tecidular ou descrita em termos de lesão tecidular” (cfr. João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 98), constituindo-se, assim, como resposta a traumatismos físicos e/ou psíquicos”, ou seja, como resposta, entre outras situações, a um traumatismo de qualquer parte do corpo ou da mente (cfr. J. Coelho dos Santos, “A reparação civil do dano corporal: reflexão jurídica sobre a perícia médico-legal e o dano dor”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Maio 1994, Ano III, n.° 4, APADAC, IML-Coimbra, pág. 77).
[15] Entre as várias transferências acima evidenciadas vejam-se em particular os itens dos militares que foram sendo encontrados no interior e junto aos veículos sucessivamente abandonados pelo arguido.
[16] Note-se, todavia, que como o arguido depois esclareceu, a sua ocupação, para além da agricultura e do estudo da aeronáutica, era essencialmente a criação de cavalos lusitanos e vacas, animais que julgamos pouco dados a sofrer ataques de cães, ainda que “semi selvagens”.  
[17] Instado sobre o sítio onde tinha a arma disse que estava desconfortável por ser um local isolado, o que naturalmente nos faz questionar a razão de ali ter parado para dormir...
[18] Acresce que, fosse para Arouca, fosse para Vila Chã, é difícil compreender um desvio para aquele local naquelas circunstâncias.
[19] Pormenor interessante, considerando que EE não refere qualquer revista ao arguido, o qual visa sustentar que aquele não tinha qualquer arma consigo e esta estaria no chão da carrinha, esquecendo todavia que também referiu que o veículo foi também revistada...
[20] A referência imputada pelo arguido ao militar EE, naquele contexto, à possível perda de emprego é de tal forma inverosímil que não merece comentários adicionais.
[21] O que em si não é invulgar em motos utilizadas em off road.
[22] O que é particularmente surpreendente pois, como será descrito infra e resulta de RDE´s, aquela zona e os percursos possíveis desde o pinheiro junto ao qual EE foi baleado até à casa do cabo GGG foi vista a pé por dezenas de militares e vários inspetores.
[23] Sendo de considerar que o coldre em causa, à semelhança de outros utilizados pela GNR para as Glock, implica normalmente o uso das duas mãos para a remoção da arma, pois dispõe de uma patilha de segurança por forma a obstar que terceiros possam tirar sem dificuldade a arma a um agente de autoridade.
[24] Pois o arguido não concretiza o local em que logra surpreender EE, sendo ainda mais inverosímil que tal pudesse ter sucedido junto à estrada, num espaço em que a vista é desimpedida.
[25] Este atirar da carteira e telemóvel de CC para o rio (que tornou impossível a sua avaliação) não é fruto do acaso pois o mesmo poderia ligá-lo, se encontrado na sua posse, aos civis baleados ao Km45.
[26] O que embora seja compreensível e mesmo natural não deixa de se apresentar contrário ao referido pelo arguido numa das “cartas” apreendidas nos autos, onde refere algum gozo em estar tão perto das autoridades e não ser descoberto. 

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(Notas do Relator)


[1] As finalidades da reforma de 1998, a nível dos recursos, encontram-se bem delineadas na Exposição de Motivos do Projecto de Revisão do CPP. Proposta de Lei apresentada à Assembleia da República, Ministério da Justiça, 1998, cit., págs. 27, 28 e por José Luís Lopes da Mota, A Revisão do Código de Processo Penal, na R.P.C.C., Ano 8, Fasc. 2.º, Abril-Junho 1998, págs. 181-183; o Ac. STJ 10/2005, DR I S, de 7 de Dezembro de 2005, fornece uma boa panorâmica sobre a evolução dos recursos, identificando, nesse aspecto, as linhas de força do CPP, versão de 1987, e da Reforma de 1998, enumerando, também, a pertinente doutrina; elementos de interesse, neste aspecto, colhem-se, igualmente, nos Acs. STJ 8/2007, DR I S, de 4 de Junho de 2007 e 5/2017, DR I S, de 23 de Junho de 2017; sobre a questão dos recursos e sua evolução, cfr. o relatório do GPLP, do Ministério da Justiça, intitulado Avaliação do sistema de recursos em processo civil e em processo penal, disponível no site www.gplp.mj.pt/ e também publicado em 2006 pela Coimbra Editora; veja‑se, também, Maria João Antunes, Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, A Reforma do Sistema de Recursos em Processo Penal à Luz da Jurisprudência Constitucional, na R.P.C.C., Ano 15, n.º 4.º, Outubro-Dezembro 2005, págs. 609 e ss.; a propósito da reforma dos recursos em processo penal, tendo em vista já a sua reformulação que viria, posteriormente, a corporizar‑se com a revisão operada pela L 48/2007, e no âmbito daquele relatório do GPLP, encontram-se publicadas diversas intervenções naquele site nomeadamente: Relatório de Avaliação do Sistema de recursos em processo penal. Olhares e Reflexões, de Alberto Mário Coelho Braga Themido; Uma leitura do Relatório de Avaliação dos Recursos, de Manuel Simas Santos, também publicado na R.P.C.C., Ano 16, n.º 2.º, Abril-Junho 2006; As ambiguidades do sistema de recursos no CPP— Perspectivas de futuro, de José Manuel Damião da Cunha; igualmente Alberto Medina de Seiça, A Reforma dos Recursos em Matéria Penal: breves observações sobre a “Revista” para o Supremo Tribunal de Justiça, R.P.C.C., Ano 16, n.º 4.º, Out.-Dezembro 2006, págs. 621 e ss.
[2] É entendimento pacífico neste Supremo Tribunal como se vê, por exemplo, da recente Decisão do Vice-Presidente do STJ, de 16 de Junho de 2017, exarada no Proc. 188/11.5TELSB.L1-A (Reclamação).
[3] No mesmo sentido, e com redacção similar, cfr. Ac. STJ de 21 de Fevereiro de 2008, Proc. 4805/06-5.ª, transcrito, na parte respectiva, no Ac. STJ de 2 de Junho de 2016, Proc. 715/14.6JAPRT.C1.S1, Rel. Isabel Pais Martins; sobre a revista ampliada ou alargada, a reforma de 1998 e a impugnação da matéria de facto, cfr. Ac. STJ de 12 de Junho de 2008, Proc. 07P4375, Rel. Raul Borges.
      Do mesmo relator, Raul Borges, o extenso Ac. STJ de 25 de Março de 2010, Proc. 427/08.OTBSTB.E1.S1, faz a história da evolução do recurso sobre a matéria de facto e os poderes de cognição da Relação e do Supremo, desde o CPP de 1929 até à actualidade, com muita referência jurisprudencial dos tribunais comuns e do Tribunal Constitucional; idem, Acórdão do STJ n.º 3/2012, DR I S., de 18 de Abril de 2012 e na CJACSTJ, XX, T.I, pág. 17 e ss.; ainda sobre a “revista alargada” na versão originária do CPP e depois da reforma de 1998, cfr. Ac. STJ de 18 de Junho de 2008, Proc. 08P901, Rel. Maia Costa e Ac. STJ de 4 de Dezembro de 2008, CJACSTJ, XVI, T. III, pág. 239).
[4] Entendimento seguido, v.g., nos Acs. STJ de 9 de Novembro de 2016, Proc. 235/14.6JELSB.L1.S1, do mesmo Relator; de 11 de Dezembro de 2012, Proc. 951/07.1GBMTJ-E1.S2, Rel. Raul Borges; de 21 de Janeiro de 2016, Proc. 8/12.3JALRA.C1. S1, Rel. Armindo Monteiro; de 31 de Março de 2016, Proc. 221/14.9JAFAR.E1.S1, Rel. Isabel São Marcos; de 14 de Abril de 2016, Proc. 1415/14. 2JAPRT.G1.S1, Rel. Manuel Braz; de 29 de setembro de 2016, Proc. 459/14.9PBEVR.S1, Rel. Francisco Caetano.

Na doutrina, v. António da Silva Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª ed., 2016, anotações aos arts. 410.º e 434.º
[5] Também as Relações se têm debruçado sobre este princípio. Cfr., por exemplo:
Ac. RG de 30 de Maio de 2005, Proc. 803/05-1.ª, Rel. Miguez Garcia
I — Na frase lapidar do Prof. Castanheira Neves, ao expor o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º), o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas “no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.)”, sendo certo que outra coisa não decorre da actividade do Tribunal recorrido. II — Anote‑se ainda, para melhor compreensão, que aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar “é a violação de todo o conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o ‘”arbítrio” na sua apreciação): as regras de experiência comum, o princípio “in dubio pro reo”, o princípio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta a qualquer referência a características pessoais do arguido (Damião da Cunha). (...). IV — Como escrevia Eb. Schmidt, e depois foi inúmeras vezes repetido, só existe convicção do juiz quando ele próprio já não tem dúvidas, pois que se ao juiz se apresentam várias possibilidades sobre a conformação factual, sem poder fixar-se apenas numa delas, encontra-se ainda na incerteza, isto é, na dúvida, impondo-se-lhe então aplicar o “in dubio pro reo”. V — No caso, o Tribunal não exprimiu qualquer dúvida, o que significa que chegou à sua convicção sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, daí, pois, a sem razão das recorrentes, não havendo assim, em consequência, que introduzir alterações na matéria de facto.
Ac. RP de 11 de Janeiro de 2006, Proc. 0516343, Rel. Joaquim Gomes
I — A violação do princípio “in dubio pro reo”, enquanto erro notório na apreciação da prova, deve resultar do texto da decisão recorrida, face às regras da experiência comum, não estando em causa uma dúvida meramente subjectiva, mas sim objectivamente perceptível no contexto da decisão recorrida, de modo que seja racionalmente sindicável. II — O princípio da livre apreciação da prova não tem carácter arbitrário, estando limitado (para além das regras da experiência comum) por restrições legais (v. g. os arts 169.º, 84.º, 163.º e 344.º CPP) e outras condicionantes legais, como é o caso do princípio da legalidade da prova (arts.32.º, n.º 8 CRP, 125.º e 126.º) e o princípio in dubio pro reo.
Ac. RP de 29 de Outubro de 2014, Proc. 1830/11.3JAPRT.P1, Rel. Lígia Figueiredo

I - Existe uso indevido do princípio in dubio pro reo se a falta de credibilidade concedida às declarações do assistente estão na base da aplicação desse principio para dar como não provados os factos, por não constituir uma regra relativa à valoração da prova. II - O principio in dubio pro reo impõe a procura da verdade material da prova dos factos, e só em caso de não conseguir apurar se determinado facto ocorreu ou não se impõe fazer funcionar aquele princípio e dar o facto como não provado.
Ac. RE de 8 de Março de 2018, Proc. 1360/14.IT9STB.E1, Rel. Gomes de Sousa

1 - O princípio in dubio pro reo é habitualmente usado para nele integrar três realidades distintas, gerando alguma indeterminação de conceitos. As regras de apreciação de concretos meios de prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. e o standard probatório necessário à condenação são conceitos que se não confundem com aquele princípio. São três conceitos distintos. 2 - Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Aqui não há método dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução. 3 - Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto. 4 - Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de determinada forma, não de outra. 5 - Isto é, o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:
- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;
- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;
- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados.
(Sumário do relator)