I - Nos termos do art. 43.º, n.º 3, do CPP, o Ministério Público pode pedir ao tribunal imediatamente superior (cf. art. 45.º, n.º 1, al. a), do CPP) que não admita determinado juiz a intervir num certo processo “quando ocorrer o risco de [a sua intervenção] ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (art. 43.º, n.º 1).
II - A recusa de um juiz deverá ter por fundamento a existência de um motivo sério e grave que gere desconfiança sobre a sua imparcialidade para a decisão daquele concreto caso.
III - No caso, verifica-se que no pedido formulado não é indicada qualquer razão concreta que permita analisar da imparcialidade ou parcialidade para o juiz decidir aquele caso concreto. São apresentadas razões de caráter geral e abstrato pretendendo demonstrar que, existem motivos sérios e graves que impedem que o Senhor Juiz Desembargador possa decidir qualquer processo.
IV - Não cabe no âmbito de um pedido de recusa analisar se o juiz tem (ou não) condições objetivas e/ou subjetivas para desempenhar as suas funções. O pedido de recusa tem que ser fundado em razões relacionadas com o caso que está em discussão, sem que se possa generalizadamente concluir que o juiz está (ou não) em condições de exercer a sua função. Isso seria objeto de um processo disciplinar ou poderia constituir pena acessória a aplicar após uma condenação.
V - Do requerimento apresentado não foi alegado qualquer fundamento que permita estabelecer esta ligação entre o juiz e o caso concreto de modo a que se possa (ou não) concluir pela sua parcialidade (dada uma especial ligação com o caso a decidir), nem se identifica o objeto do processo, ou se refere os sujeitos processuais envolvidos.
Relatório
1. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação …, veio, nos termos dos arts. 43.º, n.ºs 1, 2 e 3, 44.º, e 45.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Penal (CPP), apresentar o pedido de recusa do Senhor Juiz … do Tribunal da relação …, Dr. AA, nos seguintes termos:
«1.°
É do domínio público que está em curso no Conselho Superior de Magistratura um processo disciplinar contra o Sr. Juiz … e de investigação criminal desencadeada por certidões extraídas de processos pendentes no DCIAP (Comunicado do CSM de 00.00.2019 e comunicados de imprensa da PGR de 00.00.2018 e 00.00.2018 - Docs n°l,2e3).
2.°
Como decorre do recente comunicado do CSM, no processo disciplinar foi aplicada medida de suspensão preventiva de funções, que se manteve até ao limite de tempo legalmente previsto (a qual já cessou entretanto).
O processo em investigação criminal, com o NUIPC 1.../16.0Y…, corre termos no STJ, tendo no âmbito do mesmo o Sr. Juiz … sido constituído arguido e alvo de buscas, por haver indícios da prática de crimes de tráfico de influência, corrupção/recebimento indevido de vantagem, de branqueamento e de fraude fiscal (cf. comunicado da PGR acima citado).
4.°
Neste processo foi aplicada ao Sr. Juiz …, enquanto arguido, a medida de coação de proibição de contactos e as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência.
5.°
A medida de coação de proibição de contactos mostra-se extinta, não em razão da diminuição da indiciação que a determinou, mas em razão do mero decurso do prazo, já que não foi possível encerrar a investigação e proferir despacho final no período da duração da mesma.
6.°
Quer a existência do processo disciplinar, quer a existência do processo-crime, bem como as medidas ali aplicadas ao Sr. Juiz …, foram amplamente divulgadas pela comunicação social, sendo a sua existência e contornos do domínio público.
7.°
Tal tem expressão flagrante em artigos recentemente veiculados na comunicação social, entre outros:
o BB 00.00.2019: "Caso AA mina a reputação do sistema judicial, alerta líder da Ordem dos … …. CC defende que o afastamento caso a caso do … suspeito de envolvimento num processo
de corrupção não resolve a imagem. Transferência da área criminal a cível, à semelhança de DD, …, "seria mal menor". o EE /00.00.2019: FF. A "vergonha" do caso AA.
"FF diz que o juiz que é investigado devia pedir escusa de todos os processos criminais".- (Doc. n°.4) o GG de 13.09.2019: "A Justiça de AA".(Doc.n°.5) o HH 00.00.2019: "Escândalos Judiciais legais?!" (Doe. n°6)
8.°
A existência do processo disciplinar e crime, com os contornos acima descritos, ainda que sem eventual conexão com os presentes autos, não deixa de ser passível, como é, de gerar na comunidade sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz … AA, fundado em motivo sério e grave.
9.°
A independência dos juízes é um corolário do princípio constitucional da independência dos tribunais, previsto no art.° 203.° da CRP, de onde decorre a obrigação, de "decidir serenamente, resguardado de qualquer pressão de cariz social, mediático, económico ou resultante de alguma ação individual".
10.°
Decisões proferidas por juízes suspeitos ou impedidos podem ser consideradas nulas/anuláveis, já que não podem ser caracterizadas como "jurisdicionais", se não foram proferidas por um órgão desinteressado e equidistante. 11.°
A atuação do juiz somente pode ser concebida como verdadeiro exercício da função jurisdicional se for isenta e imparcial, não influenciada por qualquer pressão, vista a partir do senso e na perspetiva da experiência do homem médio.
12.°
Os pressupostos da recusa bastam-se com a mera imagem ou risco de gerar a perceção pública de falta de isenção, como decorre das expressões legais "correr o risco de ser considerado suspeita" e "adequado a gerar desconfiança", previstos no art.43.°, n.° 1 do CPP.
13.°
Na jurisdição penal em especial, a imparcialidade adquire ainda maior relevância em função do seu papel fundamental em termos sociais e da preservação dos valores em causa.
14.°
A Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950, no artigo 6o "Direito a um processo equitativo" determina que: "1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (...)"
15.°
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 10.° dispõe que "Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida".
16.° Na jurisprudência o entendimento tem sido de que:
a) "I. É a existência do risco de, aos olhos da comunidade que é servida pelo labor do magistrado, a intervenção deste poder ser vista como admissivelmente parcial que importa averiguar para efeitos concessão de escusa de intervenção" [Ac. TR… de 00-00-2006, Proc. 2…8/06 … Secção, Desembargadores: II, JJ e KK];
b) "Numa perspetiva objetiva da imparcialidade exige que seja assegurado que o tribunal ofereça garantias suficientes para excluir, a este respeito, qualquer dúvida legítima"_[Ac. TRE de 27-01-2007];
c) "III) O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar da valoração objetiva das concretas circunstâncias invocadas, a partir do senso e da experiência do homem médio pressuposto pelo direito" [Ac. TRE de 16-09-2008, CJ, 2008, T4, pág.271];
d) "1. No âmbito do art.° 43.° do CPP relativo à recusa de juiz o legislador estabeleceu um conceito aberto abraçando todos os motivos sérios e graves adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz." (...) 5. Nos termos do art. 43.° do CPP, para que se verifique recusa de intervenção do juiz, não basta um motivo qualquer, uma vez que a lei exige que ele seja sério e grave. Esta dupla qualificação do motivo terá de ser efetuada, à míngua de outro critério, com recurso ao senso e experiências comuns. Por outro lado, a qualificação do motivo deve ser objetivamente considerada. O simples convencimento do requerente sobre aquela qualificação não é suficiente para que se verifique a suspeição. Ela terá de ser aferida em função do juízo do cidadão médio representativo da Comunidade." [Ac. TRC de 28-02-2009, CJ, 2009, Tl, pág.64];
e) "I - A CRP consagra, no seu art.0 32.°, n.° 9, como uma das garantias do processo penal, o princípio do juiz natural, cujo alcance é o de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e isenta. II - O juiz que irá intervir em determinado processo penal é aquele que resultar da aplicação de normas gerais e abstraías contidas nas leis processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os diversos tribunais e a respetiva composição. III - O juiz só pode ser afastado se a sua intervenção no processo for suscetível de pôr seriamente em causa esses mesmos valores de imparcialidade e isenção. Os casos em que esses valores podem perigar estão bem definidos na lei e em moldes que não desvirtuem aquela garantia de defesa (cf. arts. 39.° a 47.° do CPP). IV - Para afastar o juiz natural não é suficiente um qualquer motivo que alguém possa considerar como gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz. É preciso que o motivo seja sério e grave, pois o juiz natural só pode ser arredado se isso for exigido pela salvaguarda dos valores que a sua consagração visou garantir: imparcialidade e isenção. Por isso é excecional o deferimento de um pedido de escusa [Ac. do STJ, de 11-11-2010, Processo 49/00.3JABRG.G1. No mesmo sentido Ac. do STJ de 05-04-2000, in CJ, 2000, pág. 244].
f) "Os motivos sérios e graves, adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, hão-de pois resultar de objetiva justificação, avaliando-se as circunstâncias invocadas pelo Requerente não pelo convencimento subjetivo deste, mas pela valoração objetiva das mesmas circunstâncias a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador. Vale o brocardo da mulher de César: - Não basta sê-lo, é preciso parecê-lo" [Ac. do STJ de 07-04-2010, processo 1257/09.TDLSB.L1-A.S1 inDGSI];
g) "O incidente de recusa de juiz (no qual não cabem discordâncias jurídicas quanto a decisões de juízes, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios) visa assegurar as regras de independência e imparcialidade, que são inerentes ao direito de acesso aos Tribunais, constituindo uma dimensão importante do princípio das garantias de defesa e mesmo do princípio do juiz natural. Pretende-se assegurar a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados, pois que os Tribunais administram a Justiça em "nome do povo". A imparcialidade deve ser apreciada de acordo com um teste subjetivo e um teste objetivo, visando o primeiro apurar se o juiz deu mostra de interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa, e o segundo determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade. Ao aplicar o teste subjetivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objetivos evidentes devem afastar essa presunção [AC. RL de 20-02-2018, Proc. 166/18.3YRLSB, 5.a Secção, Desembargadores: Anabela Simões - Cid Geraldo].
17.°
Assim, sem querer colocar em causa o princípio constitucional da presunção de inocência (art.° 32.°, n.° 2, l.a parte, da CRP) e ainda que nos factos concretos em apreciação possa não existir correlação direta ou indireta com o Juiz … AA, a verdade é que a desconfiança sobre a sua imparcialidade, aos olhos da comunidade, vista a partir do senso e experiência comuns e do circunstancialismo envolvido, põe em causa, em concreto, a confiança desta na administração da justiça (por parte daquele).
18.°
É o comportamento isento do julgador que assegura tal confiança, circunstância que, neste caso, aos olhos da comunidade se mostra comprometida.
19.°
Como se refere no Ac. do STJ de 19.05.2010: " III. Com efeito, circunstâncias específicas há que podem colidir com o comportamento isento e independente do julgador, pondo em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança das «partes» e do público em geral (comunidade), entendendo-se que nos casos em que tais circunstâncias ocorrem há que afastar o julgador, substituindo-o por outro. Tais circunstâncias tanto podem dar lugar à existência de impedimento como de suspeição. Vem-se entendendo que enquanto o impedimento afeta sempre a imparcialidade e independência do juiz, a suspeição pode ou não afetar a sua imparcialidade e independência".
20.°
No caso é impossível dissociar o Sr. … dos processos relativamente aos quais vem sendo associado e, bem assim, da opinião publicamente manifestada pela comunidade relativamente ao mesmo.
21.°
Assim, a globalidade dos factos, objetivamente considerados, não podem deixar de constituir motivo sério e grave de desconfiança quanto à imparcialidade do Senhor … .
22.°
Refira-se ainda que o STJ em anterior pedido de recusa de Juiz no âmbito do NUIPC 1…2/13.8T… decidiu deferir o pedido de recusa formulado pelo Ministério Público, ficando o Senhor Juiz … impedido de intervir no processo.
23.°
Foi aí reconhecida pelo STJ a existência de várias circunstâncias que, no seu conjunto, colocam em causa a confiança pública na administração da justiça perante a intervenção do Sr. … AA, implicando mesmo o risco de este não reunir as condições de imparcialidade e isenção.
24.°
Refere tal acórdão do STJ (de 09-03-2017, processo 1…2/13.8T…-....L1-A.S1) que: "I - A recusa constitui uma das vias para atacar a suspeição. Há suspeição quando, face às circunstâncias do caso concreto, for de supor que existe um motivo sério e grave suscetível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz se este vier a intervir no processo. O fundamento da suspeição deverá ser avaliado segundo dois parâmetros: um de natureza subjetiva, outro de ordem objetiva. O primeiro indagará se o juiz manifestou, ou tem motivo para ter, algum interesse pessoal no processo, ficando assim inevitavelmente afetada a sua imparcialidade enquanto julgador. O segundo averiguará se, do ponto de vista de um cidadão comum, de um homem médio conhecedor das circunstâncias do caso, a confiança na imparcialidade e isenção do juiz estaria seriamente lesada".
25.°
Refira-se finalmente que o senhor … AA se declarou, no corrente mês, impossibilitado de julgar um recurso que lhe tinha sido sorteado no âmbito do processo Operação … .
26.°
Ainda que a recusa tenha sido aparentemente pensada para situações concretas e pontuais, a verdade é que o julgamento de uma causa, particularmente de natureza criminal, por parte de um julgador, ele próprio alvo de processo de natureza criminal, particularmente por crimes graves, atentas a sua natureza emolduras penais, bem como a sua mediatização, pelos meios de comunicação social, não deixa de abalar e gerar, séria e grave, desconfiança na administração da justiça penal por parte de tal magistrado. Como se refere no Ac. do STJ de 07-04-2010, citado "Vale o brocardo da mulher de César: - Não basta sê-lo, é preciso parecê-lo".
27.°
Considera por isso o MP que a intervenção do Senhor Juiz … AA na apreciação da decisão ora em recurso, nas circunstâncias supra mencionadas, e independentemente de qualquer que seja a decisão, fazem recear que a mesma seja vista pela comunidade, aos olhos do senso e experiência comuns, como sendo determinada por factores distintos dos da simples interpretação das normas legais, critério necessário a garantir a confiança pública na administração da justiça.
28.°
Havendo receio, independentemente da decisão, que a mesma seja vista pela comunidade, aos olhos do senso e experiência comuns, como suscetível de abalar e gerar séria e grave desconfiança na administração da justiça penal e, ao mesmo tempo, contaminar a confiança pública na administração da justiça, considera o Ministério Público que estão verificados os pressupostos legais de afastamento do juiz no presente inquérito.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 43.° n.° 1, 2 e 3, 44.°, n.° 1, ai. a) todos do CPP, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e a decisão a proferir - independentemente do seu conteúdo - poder contaminar a confiança pública na administração da justiça, deverá ser recusada, por risco de ser suspeita, a intervenção do Senhor Juiz … AA nos presentes autos.»
2. O Senhor Juiz …, ao abrigo do disposto no art. 45.º, n.º 3, do CPP, pronunciou-se do seguinte modo:
« Dispõe o art° 43°, n° 1 do CPP, que "a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade".
Como explica Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do CPP," A imparcialidade pode ser apreciada de acordo com um teste subjectivo ou um teste objectivo.
O teste subjectivo da imparcialidade visa apurar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa. Ao aplicar o teste subjectivo a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só os factos objectivos evidentes devem afastar essa presunção, (acórdão do TEDH Piersack v. Bélgica, de 1/10/1982, acórdão do TEDH Hauschildt v. Dinamarca, de 24/05/1989, e acórdão do TEDH Le Compte, Van Leuven e De Meyre v. Bélgica, de 23/06/1981, (Plenário)".
E, continua: " A pressão dos meios de comunicação social sobre o tribunal numa campanha mediática muito intensa contra o arguido não constitui motivo suficiente para ilidir a presunção de imparcialidade do tribunal ( acórdão do TEDH Craxi v. Itália, de 5/02/2002).
O teste objectivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade (acórdão do TEDH Piersack v.Bélgica, de 1/10/1982)".
Ora, Venerandos Conselheiros, o pedido de recusa do M°P°T carece de manifesto fundamento legal, constitucional, doutrinal e jurisprudencial.
Trata-se de um pedido, salvo sempre o devido respeito, que parece baseado, eventualmente, numa "embirração" pessoal ao visado, sem qualquer enquadramento legal, designadamente, aquele que está bem expresso no n° 1 do art° 43° do CPP, O M°P°, resolveu transformar esta norma, que é muito rigorosa, precisa e objectiva, que se destina ao processo, em concreto, numa regra genérica e sem limites, fazendo uma interpretação ilegal e abusiva, que ofende gravemente, a letra da lei, o seu espírito e elemento histórico, bem como o pensamento do legislador.
E, com isto, resolveu, atravessar em todos os processos que me foram distribuídos, de forma isenta e aleatória, um pedido de recusa, não com base na lei, mas servindo-se de três artigos de opinião e o que disse alguma comunicação social.
Vivemos num Estado Democrático de Direito, com lei e regras, não podendo a justiça andar a reboque da comunicação social e de alguns comentadores, que comentam sobre tudo e a propósito de tudo.
E, muito menos, o pedido de recusa pode ficar prisioneiro destes julgamentos na praça pública e serem feitos a reboque da onda mediática e da justiça de tabacaria, como disse e bem LL.
A ser assim ficaria escancarada a porta para afastar sempre qualquer juiz que fosse incómodo ou que não fosse simpático ou que as partes não gostassem do mesmo.
A " bomba atómica", pedido de recusa, nos termos e limites da lei, deixaria de fazer qualquer sentido, sendo desnecessária, a sua previsão e estatuição, pois bastaria a pressão da comunicação social para que o M°P°, ou qualquer outra parte processual, caminhando sobre esta onda afastasse qualquer juiz.
Precedente grave para a justiça e para imparcialidade do juiz.
De nada, serviria o motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
Bastaria o motivo genérico e ao sabor dos ventos ou seja ao sabor da comunicação social para se colocar em crise a imparcialidade do juiz.
O motivo sério e grave passaria a ser ditado pela comunicação social e pelas partes processuais para afastar qualquer juiz.
Nem o princípio do juiz natural resistiria a esta interpretação de utilizar a pressão da comunicação social quando dá jeito.
Sobre os processos que impende o pedido de recusa generalizado do M°P°, o visado, nenhum interesse tem nem conhece as partes em causa nem o conflito, apenas não se pode demitir das suas obrigações, enquanto juiz, até porque têm intervindo, como vogal em todos os processos, em que é Relator o meu destinto colega Desembargador Dr. Almeida Cabral, sem que ninguém nem o M°P° tivesse suscitado qualquer questão É do conhecimento do visado que esta posição ilegal e incompreensível da hierarquia do M°P°, junto da Relação, mereceu desagrado por alguns dos seus pares.
Tudo isto decorre de ter sido distribuído ao visado um processo, intitulado MM que corre por apenso ao chamado Processo …, Proc. N° 1…2/13T… .
Perante esta situação porque entendeu que o acórdão do Supremo, que o afastou de conhecer um outro recurso no Proc. …, abrangia também este, posição muito discutível, face à sua excessiva e genérica abrangência, de forma tranquila e serena, e sem os holofotes da comunicação social, ordenou a remessa dos autos a nova distribuição por outro Senhor Juiz …, o que foi feito.
No processo … ainda nem sequer foi deduzida acusação.
Neste irei a seu tempo provar o que levou ao seu nascimento e a minha total inocência, apesar de já ter passado quase dois anos, sem qualquer desfecho sobre o mesmo, tendo já caído os indícios do crime de corrupção e de recebimento indevido de vantagem, sem que o visado até hoje tivesse prestado declarações no âmbito desse processo.
A interpretação do M°P° para além de ser ilegal, como acima demonstramos, fere gravemente os direitos de defesa do visado, o princípio de presunção de inocência e do Estado de Direito, sendo por isso inconstitucional, imputando-lhe indícios que nem sequer foram alvos de uma acusação, encontrando-se o visado a ser queimado em lume brando, numa técnica muito conhecida, com esmagamento completo dos seus direitos, liberdades e garantias.
Faz tábua rasa desses direitos, porque o que interessa é o seu julgamento na justiça de tabacaria.
A hipótese de recusa formulada pelo M°P° seria um caminho enviesado para conseguirem por esta via a suspensão de funções que não foi conseguida no processo.
Além de que a jurisprudência que cita não tem qualquer enquadramento nem pode ser aplicada a este caso concreto de recusa generalizada e sem regras, condenando perpetuamente, o visado, sem ainda ter sido sequer acusado.
O visado não tem qualquer interesse em ficar com esses processos e acolherá com serenidade o Vosso Douto entendimento.
Venerandos Conselheiros, é por todas estas razões que este pedido de recusa generalizado e sem regras, com condenação perpétua do visado, que poderá abrir uma
Caixa de Pandora perigosa para a justiça e para a independência e imparcialidade do juiz, não faz qualquer sentido, não podendo merecer o seu acolhimento.
Deve, por isso, ser indeferido, nos termos do disposto no art° 45° n°s 4 e 5 do CPP, por manifestamente infundado.»
3. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.
Fundamentação
Nos termos do art. 43.º, n.º 3, do CPP, o Ministério Público pode pedir ao tribunal imediatamente superior (cf. art. 45.º, n.º 1, al. a), do CPP) que não admita determinado juiz a intervir num certo processo “quando ocorrer o risco de [a sua intervenção] ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (art. 43.º, n.º 1). Constitui também motivo de recusa a intervenção em fases anteriores do mesmo processo, ou a participação em outro processo.
A independência dos juízes constitui “a mais irrenunciável característica do «julgar» e, portanto, da função judicial”[1] só assim se realizando o princípio da separação dos poderes.
“Sendo, por conseguinte, os tribunais no seu conjunto — e cada um dos juízes de per si — órgãos de soberania (...) e pertencendo só a eles a função judicial (...), tem por força de concluir-se que a independência material (objectiva) dos tribunais — reforçada pela independência pessoal (subjectiva) dos juízes que os formam — é condição irrenunciável de toda verdadeira jurisprudência”[2].
Se, por um lado, a característica da independência dos juízes assegura que estejam livres de pressões exteriores, por outro lado, “isto não basta para que fique do mesmo passo preservada a objectividade de um julgamento: é ainda necessário, ao lado e para além daquela segurança geral, não permitir que se ponha em dúvida a «imparcialidade» dos juízes, já não em face de pressões exteriores, mas em virtude de especiais relações que os liguem a um caso concreto que devam julgar. (...) [E] o que aqui interessa — convém acentuar — não é tanto o facto de a final, o juiz ter conseguido ou não manter a imparcialidade, mas sim defendê-lo da suspeita de a não ter conservado, não dar azo a qualquer dúvida, por esta via reforçando a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados”[3].
A recusa de um juiz deverá ter por fundamento a existência de um motivo sério e grave que gere desconfiança sobre a sua imparcialidade para a decisão daquele concreto caso.
Porém, um pilar do sistema judicial é o cumprimento do princípio do juiz natural (inscrito no art. 32.º n.º 9, da CRP), pelo que só por motivos excecionais é admissível alterar o tribunal que legal e previamente foi considerado competente para julgar um certo feito.
Mas, este princípio apenas pode ser afastado quando situações sérias e evidentes gerem desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, o que tem que se traduzir em dados concretos que nos permitam concluir pela parcialidade de juiz no âmbito de um certo processo, isto é, tem que resultar de comportamentos intraprocessuais ou extraprocessuais que objetivamente considerados determinem alguma desconfiança quanto à imparcialidade do juiz para a resolução daquele caso. Não nos podemos bastar com simples impressões subjetivas, sem fundamento em factos; só uma exigência acrescida nos fundamentos que justifiquem um afastamento do juiz nos permite obviar a que o instituto de recusa seja utilizado como expediente para fraudulentamente afastar um certo julgador.
Ora, no caso dos presentes autos, verifica-se que no pedido formulado não é indicada qualquer razão concreta que permita analisar da imparcialidade ou parcialidade para o juiz decidir aquele caso concreto. São apresentadas razões de caráter geral e abstrato pretendendo demonstrar que, existem motivos sérios e graves que impedem que o Senhor Juiz … possa decidir qualquer processo.
Pelo que, não cabe no âmbito de um pedido de recusa analisar se o juiz tem (ou não) condições objetivas e/ou subjetivas para desempenhar as suas funções. O pedido de recusa tem que ser fundado em razões relacionadas com o caso que está em discussão, sem que se possa generalizadamente concluir que o juiz está (ou não) em condições de exercer a sua função. Isso seria objeto de um processo disciplinar ou poderia constituir pena acessória a aplicar após uma condenação.
O pedido de recusa deve ser fundamentado numa eventual dúvida quanto à imparcialidade do juiz para resolver um concreto caso. Porém, do requerimento apresentado não foi alegado qualquer fundamento que permita estabelecer esta ligação entre o juiz e o caso concreto de modo a que se possa (ou não) concluir pela sua parcialidade (dada uma especial ligação com o caso a decidir), nem se identifica o objeto do processo, ou se refere os sujeitos processuais envolvidos.
Assim sendo, conclui-se pelo indeferimento do pedido formulado.
Conclusão
Sem custas.
Supremo Tribunal de Justiça, 28 de novembro de 2019
Os juízes conselheiros,
Helena Moniz (Relatora)
Nuno Gomes da Silva
Francisco Caetano
_________
[1] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1974, p. 303.
[2] Idem, p. 303-4.
[3] Idem, p. 315.