DELIBERAÇÃO SOCIAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
VOTAÇÃO
REMISSÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I- O Código das Sociedades Comerciais apenas contempla, no seu artº 248º, normas relativas aos direitos de convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas.
II- Esse preceito, remete, subsidiariamente, e em tudo o que especificamente não contemple, para o “disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas” (cf. artº 248º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).
III- No artº 386º do Código das Sociedades Comerciais (directamente aplicável às sociedades anónimas, portanto supletivamente também às sociedades por quotas por força da supra referida remissão) estatui-se, de forma muito clara, no respectivo nº 1, que “a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato”, sendo que “as abstenções não são contadas”.
IV- A Doutrina e Jurisprudência não se têm manifestado de forma unânime em relação à norma do artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais.
V- Segundo uma posição, há quem defenda que o instituto do abuso do direito, consagrado no artº 334º do Código Civil, está afastado do campo de actuação do citado normativo.
VI- Segundo outra posição, o instituto do abuso do direito aplica-se no âmbito das deliberações sociais, articulando-se o artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais com o artº 334º do Código Civil, uma vez que o primeiro não prevê taxativamente todas as situações de abuso do direito que possam decorrer, sendo necessário recorrer à cláusula geral do referido normativo do Código Civil para sancionar os restantes casos que não se enquadram no aludido preceito do Código das Sociedades Comerciais.

Texto Parcial

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :

I – Relatório
1- J…. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “P….., Ldª”, para anulação de deliberações sociais pedindo que :
a) Seja declarada a nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da R. em 23/3/2016 ;
b) A título subsidiário que sejam anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da R. em 23/3/2016.
c) E, nessa conformidade que seja ordenado à R. o não pagamento dos prémios de gestão deliberados ou, se já pagos, exigida a sua devolução ;
d) Sejam, nos termos do artº 217º do Código das Sociedades Comerciais, distribuídos em metade os lucros do exercício de 2015, no montante de 1.582.947,36 €, ou seja, 791.473,68 €, pelos respectivos sócios.
Para fundamentar tal pretensão alega, em resumo, que as deliberações em causa são inválidas por nulas ou anuláveis, atenta a maioria exigida para a não distribuição de lucros e considerando a votação que ocorreu na respectiva assembleia geral, com a abstenção da sócia M… qualidade de representante de uma quota representativa de 51 % dos votos correspondentes ao capital social.
Bem assim requer a nulidade da deliberação de atribuição dos prémios de gerência por ter granjeado igual sentido de voto.
Subsidiariamente, apela ao vício da anulabilidade, por abuso de direito, nos termos do artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais.
2- Regularmente citada, veio a R. contestar, referindo que os gerentes justificam os seus prémios de gestão validamente deliberados, porquanto foi respeitada a maioria qualificada de votos. 
Quanto à formação da vontade da quota indivisa, defende o entendimento do presidente da Mesa da assembleia geral quanto à maioria dos consortes que representem, pelo menos, metade do valor total das quotas nos termos do artº 224º do Código das Sociedades Comerciais e artºs. 985º e 1407º do Código Civil, encontrando-se reunida a maioria de pessoas e capital no seio da quota indivisa, com afastamento da previsão do artº 217º do Código das Sociedades Comerciais.  Acrescenta, ainda, o carácter estranho à sociedade da formação da vontade da quota indivisa.
Afasta a nulidade da deliberação sobre atribuição de prémios de desempenho da empresa aos gerentes por não estar, no seu entender, em causa qualquer impedimento de voto, nomeadamente por situação de conflito de interesses.
Impugna os factos alegados como suporte do vício de anulabilidade que o A. assaca às referidas deliberações.
3- Teve lugar uma audiência prévia onde foi elaborado o despacho saneador, enunciado o objecto do litígio e indicados os temas de prova.
4- Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.
5- Foi, posteriormente, proferida Sentença a julgar a acção improcedente, constando da parte decisória da mesma :
“Face a todo o exposto, o Tribunal julga a presente acção improcedente e, consequentemente, não declara nulas nem anuláveis qualquer das deliberações aprovadas na Assembleia Geral da R. de 23-3-2016.
Custas pelo A. (art. 527 do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique”.
6- Desta decisão interpôs o A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as extensas conclusões que se seguem (a propósito da extensão das alegações, há que salientar que, por exemplo, nas mais altas instâncias europeias, as peças processuais não devem exceder as 30 páginas – cf. §§ 12 e 15 das “Instruções Práticas às Partes Relativas aos Processos Apresentados no Tribunal de Justiça” (JO L31, 31JAN2014, pg. 5) e § 12 da “Written Pleadings Practice Direction” anexa às “Rules of Court” do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (www.echr.coe.int/Documents/Rules_Court_ENG.pdf), o que evita uma, por vezes, desnecessária extensão das peças processuais) :
“1. …….(…….)
13. O ora recorrente propôs a presente acção de invalidação das mencionadas deliberações sociais, pedindo:
-Seja declara a nulidade das mencionadas deliberações sociais tomadas na assembleia geral da “Pecoris” em 23/03/2016; subsidiariamente
Sejam anuladas as mesmas deliberações.
14. A douta Sentença recorrida considerou a acção improcedente, com o que o ora Recorrente não se conforma.
15. Determina o artigo 217º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) o seguinte:
“Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível”.
16. Os estatutos da sociedade Ré não contêm qualquer disposição sobre a distribuição de lucros.
17. O lucro do exercício de 2015 é de €1.582.947,36 e é todo ele é distribuível, pois que há muito que a sociedade tem a reserva legal completamente realizada e nenhuma outra reserva é exigível pela lei ou pelos estatutos.
18. Pelo que que só uma maioria de pelo menos ¾ dos votos correspondentes ao capital social é que poderia impor a não distribuição de lucros.
19. Ora, in casu, votaram a favor da não distribuição 3 sócios, que representam 43% dos votos correspondentes ao capital social.
20. E votou a favor da distribuição de ½ dos lucros do exercício, 1 sócio (o ora Recorrente), titular de 6% dos votos correspondentes ao capital social.
21. E absteve-se a Sra. D. M…, na qualidade de legal representante de uma quota representativa de 51% dos votos correspondentes ao capital social.
22. Sendo certo que competia à cabeça de casal exercer o sentido do voto da quota indivisa, representativa de 51 % do capital social.
23. Porque, como dispõe o artigo 222º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), “os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum”.
24. Nos termos do artigo 2087º, nº l, do Código Civil, “o cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido caso em regime de comunhão, os bens comuns do casal”.
25. Portanto, a questão fica resolvida:
-51% do capital social (a quota indivisa) absteve-se;
-43% do capital social (as quotas dos sócios…..) votaram a favor;
-E 6% do capital social (a quota do sócio J…, ora recorrente) votou contra;
-O artigo 217º/1 do CSC determina que a deliberação de não distribuição de mais de 50% dos lucros tem que ser aprovada por uma maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social;
-Logo, não se formou a maioria necessária para aprovar a deliberação de não distribuição da totalidade dos lucros de 2015 – a deliberação de não distribuição de lucros teve 43% de votos correspondentes ao capital social, quando, para ser aprovada, teria que ter pelo menos 75%.
26. Logo, a deliberação em causa (de não distribuição dos lucros do exercício de 2015) é nula, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 56º do CSC: viola um preceito legal imperativo (o artigo 217º do CSC, que não pode ser derrogado nem sequer por vontade unânime dos sócios.
27. No entanto, considerou a douta Sentença recorrida que:
“No entendimento adoptado em sede de assembleia pelo órgão competente, e ao abrigo do disposto no art. 224 do CSC a deliberação dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria, conforme preceitua o art. 1407/1, do Código Civil...”
28. Ora, é certo que, “ao abrigo do disposto no art. 224 do CSC a deliberação dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria, conforme preceitua o art. 1407/1, do Código Civil”.
29. Mas isto (a formação interna do sentido do voto expresso pelo cabeça de casal) é matéria absolutamente estranha à assembleia geral sub judice.
30. Na verdade, como dispõe o artigo 224º/2 do CSC, a deliberação dos contitulares “não produz efeitos em relação à sociedade, apenas vinculando os contitulares entre si e, para com estes, o representante comum”.
31. Para efeitos de determinação do voto em assembleia geral, vale o que o representante comum declara na assembleia geral (que vota a favor, que vota contra, que se abstém, ou que não declara nada).
32. Na assembleia geral sub judice, o presidente da mesa, decidiu, porém, não se contentar com o claro sentido abstencionista declarado pela cabeça de casal, e resolve indagar qual o sentido do voto de cada um dos contitulares da quota indivisa.
33. Fê-lo, como vimos, em manifesta violação do art. 222º/1, do CSC (que determina que comete à cabeça de casal exercer o direito de voto) e do artigo 224º/2 do mesmo CSC (que determina que as deliberações dos contitulares “não produzem efeitos em relação à sociedade...”).
34. Com efeito, o presidente da mesa, não só desconsiderou o sentido de voto que claramente lhe foi expresso (abstenção) pela cabeça de casal e legítima representante comum da quota indivisa, como resolveu promover, no decurso da própria assembleia geral, uma outra assembleia de contitulares da quota, para assim inutilizar o sentido do voto da legal representante comum, quando o artigo 224º/2 do CSC manda que fizesse precisamente o contrário – que apurasse o sentido do voto da representante comum, independentemente de qualquer deliberação dos contitulares!
35. Mas mesmo que fosse legítimo (que não é) promover, dentro da assembleia geral, uma assembleia de contitulares da quota, para dela apurar um sentido de voto contrário ao expresso pela representante comum, ainda assim, o resultado obtido não seria o proclamado pela presidente da mesma e acolhido pela douta Sentença recorrida.
36. De facto, determina o artigo 1407º do Código Civil, conjugado com o artigo 985º do mesmo Código, para o qual aquele remete, que a deliberação dos contitulares de uma quota sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria.
37. Porém, conforme preceitua o mesmo art. 1407/1, do Código Civil, “para que haja a maioria de consortes exigida por lei é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas”.
38. Ou seja, in casu, para que se tivesse formado uma deliberação válida em sede de contitulares da quota, era necessário que:
-A maioria de contitulares tivesse votado a favor da não distribuição dos lucros; e que
-Essa maioria representante pelo menos metade da herança indivisa.
39. Ora, nem um nem outro destes requisitos se verificou.
40. De facto, não se formou uma maioria de consortes porque os consortes são 4 e só 2 é que votaram a favor (1 votou contra e o outro absteve-se) (E considerando o ora recorrente, ressalvando melhor opinião, que 2 em 4 não formam uma maioria).
41. Segundo, porque os 2 que votaram a favor, têm quotas de 12,5% cada um na herança indivisa, portanto 25% – ou seja, menos que a “metade” que o mencionado art. 1407º do Código Civil impõe.
42. A douta Sentença recorrida decidiu eliminar para todos os efeitos o sentido do voto, senão mesmo a própria existência, da consorte que detém 62,5% da quota (vd. Conclusão 3 supra), com a seguinte fundamentação:
“Tratando-se de abstenção, o sentido é neutro e a consequência a extrair na deliberação de formação da vontade da quota indivisa, a sua quota ideal e a própria herdeira não podem contar no seio da quota indivisa”.
43. Ora, com o devido respeito, não se descortina em que regra, princípio, ou qualquer outro fundamento jurídico, pode a douta Sentença recorrida apoiar-se para decidir deste modo.
44. Salvo o devido respeito, onde a lei exige uma “maioria de consortes”, a douta Sentença recorrida determinou que basta uma “maioria dos consortes que votaram a favor ou contra, não contando as abstenções”.
45. E onde a lei exige que essa maioria represente pelo menos “metade do valor total da quota”, a douta Sentença recorrida determina que essa maioria pode apenas representar “metade do valor das percentagens detidas pelos contitulares que votaram contra e a favor”.
46. Tanto quanto se julga saber, nunca antes, nem na doutrina nem na jurisprudência, o art. 1407º do CC, foi interpretado desta maneira que, salvo o devido respeito, choca frontalmente com a sua letra e com o seu espírito.
47. Aliás, quando a lei desconsidera o voto abstensivo, para efeitos de apuramento de uma maioria, di-lo expressamente (assim, por exemplo, os artigos 250º/3 e 386º/1 do CSC).
48. Aliás, é curioso notar também que, conforme os factos provados, antes desta assembleia, tinha-se realizado uma outra, na qual o presidente da mesa, perante a exigência legal de igual maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social, e perante o mesmo voto abstensivo da cabeça de casal, considerou que não foi apurada a maioria necessária.
49. Na verdade, e conforme a matéria provada, no dia 28-12-2015, realizou-se uma assembleia geral da Ré que tinha na ordem de trabalhos a sua transformação em sociedade anónima.
50. Depois de os sócios terem votado (e tendo-se abstido a cabeça de casal, representante legal da quota de 51 %):
“o Presidente da mesa reiniciou os trabalhos e declarou que estando em causa a transformação da sociedade, tal equivalia a uma alteração de estatutos, pelo que era requerida uma maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, existindo neste momento cerca de 43% os votos a favor. Mais declarou que, quanto à mencionada quota indivisa, representativa de 51 % do capital social da sociedade, era necessário, nos termos do artigo 985º do Código Civil, uma dupla maioria, de consortes e de capital, estando formada a maioria de consortes mas não a maioria de capital, pelo que considerou a deliberação aprovada mas não com a maioria necessária para o efeito, não estando cumpridos os requisitos legais para a transformação, pelo que declarou como não aprovado o Ponto Um da Ordem de Trabalhos. Mais referiu que, não sendo aprovado o Ponto Um, ficaram prejudicados os demais pontos da ordem de trabalhos”.
51. Mais tarde, o presidente da mesa resolveu evoluir no seu singular método de apuramento de votos, transformando o voto da quota de 51%, de abstenção em voto favorável.
52. Clamando o ora Recorrente para que tão chocante singularidade não seja judicialmente sufragada.
53. Relativamente à deliberação de atribuição de prémios à gerência, entende o ora Recorrente que os sócios L… e J… não podiam votar uma deliberação de atribuição de prémios a eles próprios, nos termos do artigo 251º, nº 1, do CSC, segundo o qual “o sócio não pode votar (... ) quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade”.
54. Portanto, os votos emitidos por estes dois sócios são nulos, pelo que também nula é a deliberação de atribuição de “prémios de gerência” aos gerentes J… e L… (€85.000,00 a cada um), na qual se verificaram os mesmos sentidos de voto supra apontados.
55. Tendo votado a favor o sócio C… (4%) e conta o sócio ora Autor (6%) e tendo-se abstido a Sra. D. M…, legal representante da quota de 51 %, a deliberação não foi aprovada.
56. Considera, porém, a douta Sentença recorrida que:
“No entendimento conceptual de doutrina avisada para haver impedimento de voto não basta que o sócio tenha interesse na deliberação. Se fosse o caso, o sócio não poderia votar na sua eleição como administrador, nem na distribuição de dividendos. Só existe conflito de interesses e impedimento de voto quando o sócio tiver um interesse contraposto ao da sociedade”.
57. Ora, os dividendos devem ser distribuídos a todos os sócios e a sociedade carece de administradores, não sendo à partida conflitual o interesse do sócio em ser eleito administrador e o da sociedade em ser por ela administrada.
58. Mas, a questão das remunerações, em especial a questão de “prémios de gestão” a quem já ganha €12.500/mês, é diferente.
59. Aqui, e salvo o devido respeito, parece haver um manifesto conflito de interesses entre a sociedade e os seus gerentes no que toca às remunerações destes – que têm o interesse natural em receber o mais possível, o qual é directamente contraposto ao da sociedade.
60. Pelo que se discorda da douta Sentença recorrida, quando esta diz que:
“Não se surpreende na atribuição de prémios de desempenho da empresa à gerência em funções, qualquer conflito de interesses entre os sócios/gerentes e a sociedade. Pelo que também neste conspecto se afasta a invalidade atribuída à deliberação”.
61. Sobretudo, impressiona a falta de fundamentação da douta Sentença recorrida – diz que não existe conflito de interesses, mas não explica minimamente porquê, quando à partida parece evidente que o conflito existe.
62. O dizer “!sim porque sim” significa falta de fundamentação, nos termos do artigo 615º/b, do CPC, segundo o qual “É nula a Sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
63. Parece manifesto que os administradores não devam poder decidir as suas próprias remunerações, a não ser, claro está, quando a sociedade seja só deles.
64. Se acharem que as remunerações, fixadas pelos demais sócios, são baixas, têm bom remédio – é renunciarem ao cargo, ou então informarem os demais sócios que não estão dispostos a continuar a dar o seu genial e imprescindível contributo à sociedade por menos de X... e os demais sócios ponderarão então, livres de qualquer conflito de interesses, se é realmente do interesse da sociedade pagar-lhes as fortunas que eles reclamam para que a empresa possa continuar a usufruir da genialidade dessas pessoas.
65. Agora que sejam elas, enquanto sócios, a proporem e a votar para si próprios as suas remunerações é que parece, não só imoral, como contrário ao ordenamento jurídico.
66. Ainda que as deliberações em causa não fossem nulas (que o são seguramente) sempre seriam anuláveis por clamoroso e chocante abuso de direito, nos termos do artigo 58º/1/b) do esc, segundo o qual:
“São anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivas”.
67. Na verdade, o que os 2 sócios-gerentes lograram com estas deliberações foi a exclusão do sócio ora Autor da comunhão dos lucros.
68. Estes dois sócios, além dos seus generosos ordenados (€12.500,00/ mês, mais viaturas e todo o género de benefícios que retiram da empresa), propõem para si próprios mais uns prémios de gestão.
69. E o ora Autor, sócio e tão herdeiro quanto os seus irmãos, não recebe nada.
70. Neste enquadramento, não pretendem aqueles outros sócios distribuir lucros, tendo sociedade acumuladas reservas de €10.000.000, o que já por si configura uma situação abusiva.
71. É claro que estes prémios de gestão, ao contrário do que diz a douta Sentença recorrida, representam uma vantagem especial para os sócios que os recebem - uma bela vantagem (€85.000,00 para cada um), que não é dada aos demais sócios e que por isso é especial.
72. A questão é a de saber se esta “vantagem especial”, para efeitos do artigo 58º/1/b) do CSC, é ou não concedida em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes.
73. Entende o ora Recorrente que esta vantagem especial é concedida em prejuízo da sociedade e dos outros sócios, por nada justificar a atribuição de um prémio de €85.000,00 a cada um dos gerentes, numa pequena sociedade em que estes gerentes já ganham €12.500,00 / mês x 14 meses / ano.
74. Ainda para mais, numa sociedade em que os próprios gerentes propõem a não distribuição de lucros, para fazer face às necessidades futuras da empresa.
75. Surge perfeitamente conclusiva a fundamentação dada pela douta Sentença recorrida, segundo a qual “Os rendimentos da Ré dependem dos gerentes, pelo que o prémio ao respectivo desempenho justifica-se”.
76. Os rendimentos da Ré dependem dos gerentes, como dependem dos seus demais trabalhadores, como dependem, sobretudo, da estrutura criada pelo pai dos gerentes e do seu irmão ora Recorrente.
77. Esta asserção da douta Sentença recorrida “prova demais” – provaria que os administradores de uma qualquer empresa poderiam deliberar, enquanto sócios, a atribuição a si mesmos da totalidade dos lucros, sob a forma de “prémios de gestão”, como se apenas a eles se devessem os lucros, e como se não existissem outras pessoas dispostas a gerir a empresa, tão bem ou melhor que estes.
78. Impressiona sobretudo que a douta Sentença recorrida não tenha captado o clamoroso abuso de direito ínsito na conjugação das duas deliberações sub judice – uma, sob a veste de não distribuição geral de dividendos, que impede o sócio ora recorrente de comungar nos lucros, e a outra, sob a forma de “prémios de gestão”, destinada a que os outros dois sócios comunguem, só eles, desses mesmos lucros.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, revogada a douta Sentença recorrida e declarada a nulidade (ou subsidiariamente, anuladas) das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Ré em 23/03/2016, de não distribuição dos lucros do exercício de 2015, e de atribuição de prémios de desempenho à gerência, conforme peticionado pelo Autor, como é de Direito e de Justiça”.
7-  A R. apresentou contra-alegações, apontando as seguintes conclusões :
“i) Da Nulidade da deliberação de não distribuição de lucros por violação do artigo 217º do CSC e do artigo 1407º do CC
1 – A não distribuição de lucros tem de ser aprovada por uma maioria qualificada de 3/4  dos votos correspondentes ao capital social, sendo que, e ao contrário do defendido pelo Recorrente, no caso em apreço, houve uma maioria qualificada de ¾ dos votos correspondentes ao capital social a votar a não distribuição dos lucros.
2 – No caso da deliberação de não distribuição de resultados, conforme consta dos factos provados, votaram a favor da não distribuição os sócios J…., L… e C…., o que na totalidade perfaz 43% dos votos representativos do capital social. Votou a favor da distribuição de resultados o Recorrente, titular de votos correspondente a 6% do capital social.
3 – Relativamente à quota representativa de 51% do capital social, a mesma é uma quota indivisa que integra a herança, igualmente indivisa do sócio V…, sendo a sócia M… a cabeça de casal, na qualidade de cônjuge e herdeiros, para além desta, os três filhos e também sócios J…, L… e J….
4 – Conforme se retira da acta da assembleia geral da Ré, de 23.03.2016, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, no que respeita à formação da vontade da quota indivisa, aplicou o disposto no artigo 224º do CSC e artigo 1407º do CC.
5 – No que respeita à formação da vontade da quota indivisa, dispõe o artigo 224º do CSC que, a deliberação dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria, nos termos do artigo 1407º, nº l, do CC, salvo se tiver por objecto a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios, sendo, nestes casos excepcionais exigido o consentimento de todos os contitulares.
6 – A deliberação sobre a aplicação de resultados de um determinado exercício não implica a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios, pelo que, de acordo com o artigo 224º CSC, a deliberação dos contitulares, sobre o exercício dos seus direitos, pode ser tomada por maioria, nos termos do artigo 1407º CC, sendo que de acordo com os artigos 985º e artigo 1407º, ambos do CC, aquele por aplicação deste último, a formação da vontade e do sentido de voto da quota indivisa é tomada pela maioria dos consortes, sendo exigido que tais consortes representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
7 – No caso em apreço a contitular, Sra. D. M…, que representa 62,5% da quota indivisa, manifestou a vontade de se manter neutra em todos estes assuntos, tendo-se abstido, conforme se constata pelo conteúdo da acta junta à contestação como doc. 5, sendo que a abstenção não pode ser, por natureza, interpretada como um sentido de voto favorável ou desfavorável, como o Recorrente defende. A abstenção é neutra, não podendo valer para a consideração do sentido vencedor de uma deliberação.
8 – Ora, tendo-se abstido de votar a contitular M.., na deliberação de formação da vontade da quota indivisa, a sua quota ideal e a própria herdeira deixam de contar, como se não existissem, para a contagem dos votos no seio da quota indivisa. Pelo que a formação da vontade da quota indivisa, para efeitos de sentido de voto, deve ser apurada assim em relação ao remanescente dos contitulares e do capital, pelo que contam apenas os votos e a percentagem de capital que os herdeiros J…, L… e o Recorrente têm na quota indivisa. Os três representam 37,5% da quota indivisa, sendo dentro destes 37,5% que se deve apurar a formação da vontade da quota indivisa.
9 – Tendo votado a favor J…e L…, representativos de 25% da quota indivisa, contra o voto contra do Recorrente, representativo de 12,5% da quota indivisa, tem de se considerar quer existe maioria de pessoas e maioria de capital, no seio da quota indivisa, Pelo que a quota indivisa, representativa de 51% do capital social da Recorrida, viu o seu sentido de voto, no que respeita à deliberação de apreciação das contas de 2015 e aplicação de resultados, como sendo a favor da não distribuição de lucros.
10 – Somando 51% aos 43% do capital social que votaram a favor (sócios J.., L..e C…), é indiscutível que existe uma maioria qualificada que aprove a não distribuição dos lucros, afastando assim a disposição legal do artigo 217º CSC.
11 – Não obstante a deliberação em apreciação não estar ferida de qualquer ilegalidade, sempre cumpre referir, por mero dever de patrocínio, que a norma constante do artigo 217º CSC pode ser derrogada pela unanimidade dos votos dos sócios, pois pode ser afastado por uma mera deliberação tomada por maioria qualificada, pelo que não tem aplicação a alínea d) do artigo 56º do CSC.
12 – Importa referir ainda que nos termos o artigo 224º, nº 2, CSC, a deliberação dos contitulares apenas vincula os contitulares entre si e, para com estes, o representante comum, não produzindo efeitos em relação à sociedade e a haver algum vício no cálculo dos votos dos contitulares, no seio da quota indivisa, o mesmo é meramente procedimental, estranho à Recorrida, e em nada afecta a tomada de deliberações no seio da própria sociedade.
13 – Pelo que, a deliberação de não distribuição de lucros não está assim ferida de qualquer ilegalidade, devendo, manter-se a sentença recorrida, improcedendo o recurso nesta parte.
ii) Nulidade da deliberação de atribuição de prémios à gerência, por impedimento de voto dos sócios gerentes, nos termos do artigo 251º do CSC
14 – O Recorrente vem alegar que a deliberação que aprovou a atribuição de prémios à gerência é nula porque os sócios gerentes ….. se encontravam impedidos de votar a atribuição de prémios a eles próprios, nos termos do artigo 251º do CSC e sendo nulos os votos é igualmente nula a deliberação.
15 – Dispõe o artigo o artigo 251º do CSC, que versa sobre o impedimento de voto dos sócios, que o sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com sociedade.
16 – Ora, em nada a atribuição de prémios de desempenho da empresa à gerência em funções, consiste numa situação de conflitos de interesses entre os sócios/gerentes e a sociedade. Não se verificando uma situação de conflito de interesses, nem qualquer outra que implique o impedimento dos votos de qualquer um dos sócios votantes na referida deliberação, a aprovação da atribuição de prémios à gerência não está ferida de qualquer invalidade.
17 – Pelo que deve o recurso igualmente improceder nesta parte, mantendo-se a sentença recorrida.
iii) Anulabilidade da deliberação de atribuição de prémios à gerência, por abuso de direito, nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 58º do CSC
18 – O Recorrente vem igualmente invocar que a deliberação de atribuição de prémios à gerência é anulável por ser abusiva, nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 58º do CSC.
19 – Não existe qualquer facto provado que seja revelador de algum tipo de abuso exercido pela Recorrida ou pela sua gerência. A actuação dos gerentes J… e L… em nada implica uma diminuição dos lucros distribuíveis da sociedade, sendo a distribuição de lucros distinta da atribuição de prémios à gerência.
20 – Como parece evidente só existem lucros numa sociedade, se a sua gestão for promovida por pessoas com capacidade e talento para tal, só existem lucros se os rendimentos forem superiores aos gastos, em moldes gerais. Os rendimentos da Recorrida dependem pessoalmente dos gerentes …. Porque não devem ser premiados por esse desempenho, quando a própria sociedade, e os sócios em última instância, beneficiam com esse desempenho?
21 – A remuneração dos gerentes pode corresponder a uma remuneração fixa ou com parte variável, podendo ainda ser atribuídos prémios de desempenho quer dos próprios membros da gerência, quer da própria empresa. Não se pode considerar abusiva uma não distribuição de lucros quando, três meses antes, foram distribuídos dividendos (por via da distribuição de reservas livres) no montante de € 1.000.000,00 (um milhão).
22 – Posto isto, só se pode concluir que não existe qualquer intenção dos sócios que aprovaram as deliberações sociais ora em causa em prejudicar a Sociedade, os sócios que aprovaram as deliberações sociais ora em causa preocupam-se com o seu futuro e manutenção, a curto, médio e longo prazo. Pretendendo que, após uma distribuição de dividendos de um milhão, em Novembro de 2015, se mantenham agora os lucros do exercício de 2015 em reservas livres para fazer face a investimentos e necessidades financeiras da Sociedade. Dir-se-ia, portanto, uma gestão exercida com zelo, cuidado e lealdade para com os interesses da sociedade e, em última instância, de todos os sócios.
23 – Mais, quanto à aprovação da atribuição de prémios, neste exercício em concreto, de 2015, em nada tal deliberação é contrária ao interesse da sociedade ou dos restantes sócios, nem são criadas vantagens especiais para os sócios que aprovaram a deliberação. A atribuição de prémios pelo bom desempenho de uma sociedade não é sinónimo de vantagens especiais.
24 – Pelo exposto, as deliberações ora impugnadas não padecem de qualquer nulidade, não se verificando o disposto na alínea d), do nº 1 do artigo 56º do CSC, nem de qualquer anulabilidade, não existindo qualquer abuso de direito, nem o propósito, por parte dos sócios que aprovaram as duas deliberações, em conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente prejudicar aquela ou estes, como é referido na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CSC.
25 – Pelo que deve ser mantida na íntegra a sentença recorrida, julgando-se o recurso totalmente improcedente.  (…..)
*  *  *
II – Fundamentação
a)  A matéria de facto considerada na 1ª instância foi a seguinte :
1-  A R. tem o capital social de 500.000 €, representado por seis quotas.
2-  São os seguintes os sócios e as quotas da R. :
a)  Uma quota no valor nominal de 255.000 € (51%), registada em nome de V.. ;
b)  Uma no valor nominal de 117.500 € (23,5%), pertencente ao sócio J…. ;
c)  Uma quota no valor nominal de 77.500 € (15,5%), pertencente ao sócio L..;
d)  Uma no valor nominal de 30.000 € (6%), pertencente ao sócio Jo….(o A.) ;
e) Uma no valor nominal de 20.000 € (4%), pertencente ao sócio C…. ;
f)  Uma quota no valor nominal de 1 € (0,000002%), pertencente à sócia M….
3-  V.. faleceu em 27/12/2008, sem testamento, e sendo seus legais herdeiros :
-A sua mulher, que com ele foi casada no regime da comunhão de bens adquiridos, M….
-Os 3 filhos do casal :  O A. e os seus irmãos J… e  L….
4- A herança de V.. permanece indivisa, sendo sua cabeça de casal M…. e, nessa qualidade, compete-lhe gerir a mencionada quota, representativa de 51 % do capital social da R..
5- A R. é uma sociedade lucrativa, tendo reservas acumuladas superiores a 10.000.000 €.
6- Em 2011 a R. teve lucros de 688.096,23 €, em 2012 de 580.533,46 €, em 2013 de 648.080,20 €, em 2014 de 1.842.039,41 € e em 2015 de 1.582.947,36 €.
7- A administração da R. é assegurada pelos seus sócios-gerentes J.. e L…, irmãos do A., que ganham o ordenado de 12.500 € por mês (14 vezes por ano).
8-  No dia 28/12/2015 teve lugar uma assembleia geral da R., para deliberar sobre a sua transformação em sociedade anónima, tendo sido tomada a seguinte deliberação :
“O Presidente da mesa, C…, considerou que o apuramento do voto da quota de 51 % (da herança indivisa), se devia fazer nos termos do artigo 985º do Código Civil, exigindo uma “dupla maioria, de consortes e de capital”, conforme documenta a acta no texto que se transcreve :
“……).”
Mais referiu que, não sendo aprovado o Ponto Um, ficaram prejudicados os demais pontos da ordem de trabalhos”.
 9-  No dia 23/3/2016, ocorreu a assembleia geral anual da sociedade R., com a seguinte ordem de trabalhos :
Ponto Um – Discutir e deliberar aprovar o Relatório de Gestão, Balanço e Contas relativos ao exercício de 2015 ;
Ponto Dois – Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados ;
Ponto Três – Discutir e deliberar sobre prémios de desempenho à gerência.
10-  Assumiu a presidência da mesa o Dr. C…, com o voto contra do A..
11-  …….(….)
14-  Na referida assembleia geral, os gerentes J… L…propuseram :
-Que o resultado do exercício, no valor de 1.582.947,36 €, não fosse distribuído, sendo 79.147,37 € para reserva legal e o restante para reservas livres.
-Que cada um deles recebesse um prémio de gestão de 85.000 €.
15-  Votaram a favor destas propostas os sócios J.., titular de uma quota representativa de 23,5%, o sócio L.. , titular de uma quota de 15,5% e o sócio C…, titular de uma quota de 4% (43% no total).
16-  Votou contra estas propostas o A., titular de uma quota de 6%.
17-  Absteve-se, em relação a ambas estas propostas, M…, legal representante da quota de 255.000 €, representativa de 51%, dada a sua qualidade de cabeça-de-casal.
18-  Consta da aludida acta da assembleia geral:
19-  A R. fez circular a minuta da acta da assembleia geral de 23/3/2016 e o texto final passou para o livro de actas como nº 59, não tendo sido assinada pelo A., à data da Petição Inicial. (……)
b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação do recorrente as questões em recurso consistem em :
-Saber se é de declarar a nulidade da deliberação de não distribuição de lucros.
-Saber se é de declarar a nulidade da deliberação de atribuição de prémios à gerência, por impedimento de voto dos sócios gerentes.
-Saber se são de anular a deliberação de não distribuição de lucros e a deliberação de atribuição de prémios à gerência, por abuso de direito.
c)  Antes de mais, há que salientar que, uma vez que o recurso não incide sobre a decisão relativa à matéria de facto, é com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo”, que importa trabalhar no âmbito da análise das questões trazidas em sede de recurso.
d)  Vejamos, em primeiro lugar, se é de declarar a nulidade da deliberação de não distribuição de lucros.
Dispõe o artº 217º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que, “salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível”.
Ou seja, haverá sempre distribuição de lucros da sociedade, a menos que exista uma cláusula contratual em contrário, ou haja uma deliberação em contrário na assembleia geral da sociedade, sendo que esta terá de ser aprovada por uma maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social.
No caso em apreço, inexiste qualquer cláusula contratual que obvie à distribuição de lucros.
Temos, assim, de ver, se a deliberação da assembleia geral da recorrida que deliberação a não distribuição de lucros foi aprovada por ¾ dos votos correspondentes ao capital social.
Ora, verifica-se que, no caso da deliberação em apreço, votaram a favor da não distribuição os sócios J…, L… e C…., o que na totalidade perfaz 43% dos votos representativos do capital social.
Votou a favor da distribuição de resultados o apelante, titular de voto correspondente a 6% do capital social.
No que diz respeito à quota representativa de 51% do capital social, a mesma é uma quota indivisa que integra a herança indivisa do falecido sócio V.., sendo a viúva, a sócia M…. Esta optou pela abstenção.
Vejamos.
O Código das Sociedades Comerciais apenas contempla, no seu artº 248º, normas relativas aos direitos de convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas.
Por isso, esse preceito, remete, subsidiariamente, e em tudo o que especificamente não contemple, para o “disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas” (cf. artº 248º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).
Ora, no artº 386º do Código das Sociedades Comerciais (directamente aplicável às sociedades anónimas, portanto supletivamente também às sociedades por quotas por força da supra referida remissão) estatui, de forma muito clara, no respectivo nº 1, que “a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato”, sendo que “as abstenções não são contadas”.
Deste modo, não se torna possível reportar ou referir esses votos de abstenção expressos na assembleia a qualquer percentagem ou proporção do capital social circunstancialmente representado na assembleia concretamente realizada.
As maiorias deliberativas formar-se-ão pois e, em princípio, tão-somente pelos votos emitidos e validamente expressos.
Maioria de ¾ sim, mas de votos expressamente emitidos na assembleia (neste sentido, cf. Acórdão do S.T.J. de 4/3/2004 e Acórdãos da Relação de Coimbra de 13/7/2016 e 17/5/2016, todos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).
E, atentos os votos emitidos na assembleia geral de 23/3/2016, entendemos estar apurada a maioria qualificada de ¾ para determinar a não distribuição de lucros.
Com efeito, votaram a favor da não distribuição os sócios J… (23,5%), L… (15,5%) e C… (4%).
Votou contra o recorrente (6%).
Aplicando uma “regra de três simples”, verifica-se que os votos favoráveis emitidos correspondem a 87,75% (49 : 100 = 43 : X ;  43.000 : 49 = 87,75%).
Já os votos contra correspondem a 12,24% (49 : 100 = 6 : X ; 600 : 49 = 12,24%).
Sendo certo que ¾ correspondem a 75%, fácil é concluir que a aprovação da não distribuição de lucros obteve uma maioria qualificada, tornando-se desnecessários e inúteis quaisquer outros raciocínios ou contagens a incluir a votação da quota indivisa.
Deste modo, teremos de concluir que a deliberação em causa foi inteiramente válida, legal e legítima, não enfermando de qualquer vício gerador da respectiva invalidade, designadamente quanto ao respectivo processo formativo e deliberativo.
Assim sendo, o recurso nesta parte improcede.
e)  Em segundo lugar, há que verificar se é nula a deliberação de atribuição de prémios à gerência, por impedimento de voto dos sócios gerentes.
Dispõe o artº 251º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que o sócio não pode votar, nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade.
A jurisprudência tem entendido que existe situação de conflito quando se trate de deliberação que recaia sobre alguma das matérias mencionadas nas alíneas a) a g) do referido preceito, a saber, liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio, quer nessa qualidade quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização, litígio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer das qualidades do ponto anterior, perda pelo sócio de parte da sua quota, na hipótese prevista no artº 204º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, exclusão do sócio, consentimento, destituição por justa causa da gerência e qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade.
Tem-se entendido, igualmente, que a fixação de remuneração pelo gerente a si próprio não constitui uma infracção directa ao disposto no artº 251º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, na justa medida em que, nos termos do artº 255º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, salvo disposição em contrário do contrato de sociedade, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios.  Se o gerente for um dos sócios, necessariamente que ele, enquanto sócio, tem direito de voto quanto a essa questão.
O preceito do artº 39º nº 1 da antiga Lei das Sociedades por Quotas (que esteve na origem do artº 251º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais) foi interpretado pelo Assento do S.T.J. de 26/5/1961 (in B.M.J. nº 107, pg. 352), no sentido de que “o sócio está impedido de votar sobre os assuntos em que tenha um interesse imediatamente pessoal, individual, oposto ao da sociedade”.  Vaz Serra (in Rev. Leg. Jur., Ano 108º, pg. 244) faz, a este propósito, apelo aos ditames da boa fé e aos bons costumes que, no caso concreto, impeçam o sócio de votar sempre que este tenha um interesse oposto ao da sociedade.
Todavia, o artº 251º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais tem sido interpretado de forma diferente.  Raul Ventura (in “Sociedade por Quotas”, II, pg. 296) entende que há situação de conflito de interesses, quando estes “são opostos, de tal modo que um deles não possa ser satisfeito sem o sacrifício do outro” ou que “quando existe possibilidade de a deliberação satisfazer o interesse particular do sócio em detrimento comum”.
Assim, nomeadamente na votação sobre a sua remuneração, o sócio (também gerente) não está, em princípio, impedido de participar nela, uma vez que não existe conflito de interesses entre a sociedade e o sócio.
Entendemos, contudo, que pode suceder que o sócio-gerente, ao votar sobre a sua remuneração, se oriente não pelo interesse social (da sociedade), mas pelo seu próprio interesse, procurando obter vantagens em prejuízo da sociedade ou de outros sócios.  Nesse caso, estaremos perante a figura do abuso de direito de voto.
A este propósito escreve o Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira (in https://www.verbojuridico.net/doutrina/artigos/gerente.html) :
“Esta nossa concepção tem por fundamento o disposto no artº 58º, nº 1, al. b) do CSC, segundo o qual, são anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.  Convém, contudo, considerarmos a doutrina de Pinto Furtado (“Das Deliberações Sociais”, pg. 389), segundo o qual “não é, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas somente aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso de direito”.  Por isso, a deliberação, para ser abusiva, tem de incluir, no seu contexto, as proporções de um excesso manifesto (artº 334º do Código Civil), caso em que não será admissível e anulável”.
Assim, é óbvio que não deve dar-se ao artº 251º nº 1 do Código de Processo Civil uma interpretação ampla, sob pena de se paralisar a vida das sociedades, pela impossibilidade prática de se tomarem deliberações.
O que significa que nada impediria os sócios-gerentes ……..de votarem a sua própria remuneração (neste sentido vejam-se os Acórdãos do S.T.J. de 4/6/1974, in B.M.J. nº 238, pg. 240, de 1/6/1973, in B.M.J. nº 228, pg. 221, de 18/5/2006, in www.dgsi.pt, e de 27/2/2018, in www.dgsi.pt), inexistindo qualquer divergência entre o interesse da sociedade e o dos sócios-gerentes, sendo que o assunto em causa (atribuição de prémios) respeita imediata e directamente à sociedade e só mediata e indirectamente ao sócio.
Inexistem, pois, motivos, para declarar nula a deliberação de atribuição de prémios à gerência.
Assim, também nesta parte o recurso improcede.
f)  Há, por fim, que verificar se são de anular a deliberação de não distribuição e a deliberação de atribuição de prémios à gerência, por abuso de direito.
Dispõe o artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais que “são anuláveis as deliberações que : (…) b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
Para António Menezes Cordeiro (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, pg. 226), o artº 58º do Código das Sociedades Comerciais prevê dois grandes tipos de vícios : a contrariedade à lei (ampla) ou aos estatutos ;  e o abuso, previstos no nº 1, als. a) e b).
O artº 56º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais precisa a contrariedade à lei, enquanto o artº 56º nº 1, al. c) e o artº 58º nº 4, ambos do Código das Sociedades Comerciais, concretizam em especial caso desse tipo de contrariedade :  A violação do dever de informação. O artº 58º nº 3 do mesmo Código estipula consequências pessoais, para os sócios, pela prática de abuso.
A contrariedade à lei provoca anulabilidade quando, por via de alguma das alíneas do artº 56º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, não implique a nulidade aludida no artº 58º nº 2 do referido Código.
Os vícios de forma ou de procedimento, quando não caiam no artº 56º nº 1, als. a) e b) geram anulabilidade, mas apenas quando a falha possa intervir no sentido final da deliberação.  Trata-se da regra geral do processo (201º nº 1 do Código de Processo Civil), que serve também o “favor societatis”.
Com efeito, os sócios para manifestarem a sua vontade relativamente aos conteúdos mais importantes da vida da sociedade, fazem-no mediante deliberação.  As deliberações dos sócios podem revestir diferentes modalidades, no entanto, apenas é admissível deliberar tendo em conta as formas previstas pela lei, nos artºs. 53º e 54º do Código das Sociedades Comerciais.
A assembleia geral equivale, como esclarece António Menezes Cordeiro (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, pg. 216), ao modo matricial básico de tomar deliberações pelos sócios de uma sociedade, sendo que as regras relativas à assembleia geral que decorrem, quer da lei quer dos estatutos, aplicam-se, como decorre do artº 53º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, a todos os modos de deliberar, salvo diversa solução interpretativa, como flui do nº 2 do citado normativo.
As assembleias gerais de uma sociedade podem ser ordinárias ou extraordinárias.
Na primeira, a assembleia reúne obrigatoriamente uma vez por ano para discutir, aprovar ou modificar o balanço e o relatório do exercício anterior e substituir os corpos gerentes quando for caso disso.
Todas as demais assembleias são extraordinárias.
Nos termos do artº 21º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais, todos os sócios têm direito a participar nas deliberações, sem prejuízo das restrições previstas na lei e para esse efeito, as deliberações são tomadas, em regra, em assembleia geral devidamente convocada.
Como refere António Menezes Cordeiro (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, pg. 137), nas assembleias gerais o direito de participar implica o de usar da palavra, o de colocar questões, o de adiantar argumentos, o de formular propostas e o de votar.
Mas, é consabido que o voto maioritário sempre prevalecerá, conforme se infere dos artºs. 189º, 250º, 386º, 410º e 423º do Código das Sociedades Comerciais, não obstante as várias disposições do mesmo Código que traçam uma reserva de protecção das minorias.
O acima citado artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais, prevê a anulabilidade das deliberações que sejam apropriadas para satisfazer :
-O propósito de um dos sócios ;
-De conseguir através do exercício do direito de voto ;
-Vantagens especiais para si ou para terceiros ;
-Em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ;
-Ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes.
A anulabilidade da deliberação é, todavia, afastada, caso se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos (a chamada prova de resistência de uma deliberação válida).
A Doutrina e Jurisprudência não se têm manifestado de forma unânime em relação à aludida norma.
Citando o Acórdão da Relação de Lisboa de 2/11/2017 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt) :
“Segundo uma tese, o facto de no preceito não se fazer qualquer referência à manifesta contrariedade à boa-fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito, assim como a falta da cominação de ilegitimidade, afasta a possibilidade de actuação do citado artigo 58º nº1, alínea b), do CSC do campo do abuso do direito – v. neste sentido Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª Ed., Almedina, 2006, 153, ou António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, 228, ao referir que :  (…)“O exercício do voto pode, como em qualquer situação jurídica, incorrer em abuso do direito (334º do Código Civil).  Para tanto, ele deverá defrontar o núcleo axiológico fundamental do sistema, expresso pela locução boa fé e concretizado através de dois princípios mediantes :  (a) a tutela da confiança legítima ;  (b) a primazia da materialidade subjacente.  O abuso do direito toma corpo em grupos típicos de situações abusivas :  venire contra factum proprium, inalegabilidades formais, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício.  Todos estão profundamente radicados na jurisprudência dos últimos vinte anos. As deliberações sociais podem, por essa via, incorrer em abuso, violando, através de algumas destas figuras (que não são taxativas), o 334º do Código Civil.  Quando isso suceda, segue-se o regime da nulidade, por violação de um princípio injuntivo – 56º/1, d).  O 58º/1, b), não pretende, objectivamente, ocupar o lugar do 334º do Código Civil; nem faria sentido que, violado este preceito, se seguisse a mera anulabilidade””.
“(…)”
“Seguindo este entendimento, o Ac. TRC de 06.11.2012 (Pº 281/08.1 TBVNO.C1), acessível em www.dgsi.pt., defendeu que as deliberações e os votos abusivos não são identificáveis com o abuso do direito”.
“Outra tese propugna, ao invés, pela aplicabilidade do instituto do abuso do direito no âmbito das deliberações sociais, pelo que haverá que articular o artigo 58º, nº 1, alínea b), do CSC com o artigo 334º do CC, uma vez que o primeiro não prevê taxativamente todas as situações de abuso do direito que daqui possam decorrer.  É, por isso, necessário recorrer à cláusula geral do artigo 334º do CC para sancionar os restantes casos que não se enquadram no artigo 58º, nº 1, alínea b), do CSC.  Considera, portanto, esta tese que a aplicabilidade de um dos artigos não afasta a aplicabilidade do outro – v. neste sentido, Armando Manuel Triunfante, A Tutela das Minorias nas Sociedades Anónimas – Direitos de Minoria Qualificada ;  Abuso de Direito, Coimbra Editora, 2004, 376 e ss. ; Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2005, 656 e ss. que igualmente defende que a aplicabilidade do artigo 58º, nº 1, al. b), do CSC, deve ser patenteada pelo cumprimento de pressupostos previstos pelo artigo 334º do CC, ou seja, para este autor existe articulação entre ambos os artigos ;  cfr. também do mesmo autor, Curso de Direito das Sociedades, 3ª ed., Almedina, 450 e ainda, a título meramente exemplificativo, Ac. TRP de 17.02.2011 (Pº 117/07.0 TYVNG.P1)”.
“Porém, e independentemente da tese perfilhada, a verdade é que se deve defender como deliberação social abusiva, toda a deliberação, formal e objectivamente correcta, desarmónica com o fim social, que causa um prejuízo à sociedade ou aos sócios, nessa qualidade.  Caracteriza-se por visar a prossecução de um interesse particular, prejudicando o interesse dos sócios, sem que isso corresponda ao interesse da sociedade”.
Assim, para se verificar se uma deliberação é abusiva ou não, importa averiguar o voto, em si mesmo e não o conteúdo da própria deliberação, pois a norma em causa reporta-se essencialmente ao exercício do direito de voto, abrangendo assim as deliberações sociais que sejam tomadas mediante votos abusivos e que, objectiva ou subjectivamente impliquem vantagens especiais para o próprio (geralmente patrimoniais, mas também poderão ser vantagens na posição jurídico-corporativa), em prejuízo da sociedade ou de terceiros ou tenham em vista prejudicar a sociedade ou outros sócios.
O artº 58º nº 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais prevê, portanto, duas modalidades de deliberações abusivas :
1º-  As deliberações que revelem o intuito do sócio de conseguir vantagens especiais para si, ou para terceiros, em detrimento de outros sócios ou da própria sociedade, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios, de conseguirem, através do exercício do direito do voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios.
2º-  Deliberações que revelem o intuito do sócio em prejudicar a sociedade ou os outros sócios, através do exercício do seu direito de voto, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou os outros sócios.
Esta última espécie de deliberação é também designada de deliberação emulativa e assenta essencialmente nesse desiderato :  Em satisfazer um único propósito, o de prejudicar a sociedade ou os outros sócios (cf. Pinto Furtado, in “Curso de Direito Comercial”, Vol. II, 4ª ed., pgs. 555 a 560.
De acordo com o Acórdão da Relação de Lisboa de 2/11/2017 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), são os seguintes os requisitos que se têm de verificar para que se considere a deliberação abusiva :
-Pressuposto objectivo da deliberação, ou seja, deverá verificar-se, objectivamente, que o benefício desejado pelo sócio acarretou prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, isto é, adequação da deliberação para provocar uma situação de vantagem para os sócios em causa ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou uma situação de simples prejuízo para a sociedade sem que se obtenham vantagens especiais.
-Pressuposto subjectivo da deliberação que assenta na intenção do sócio em determinar através do seu voto, um prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, isto é, o propósito do sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente de prejudicar a sociedade, exigindo-se assim o dolo, ainda que revestido na modalidade de dolo eventual.
Resulta do exposto, que o impugnante, na acção de anulabilidade de uma deliberação abusiva terá de fazer prova que essa deliberação é apropriada para satisfazer o propósito ilícito de um ou mais sócios, dela derivando prejuízo para a sociedade ou para os sócios.
Vejamos o que sucedeu no caso concreto.
Da prova produzida, unicamente documental, já que nenhuma outra prova foi indicada, não é possível inferir que a deliberação em causa haja sido aprovada pelos sócios maioritários com o intuito de conseguirem vantagens especiais para si, ou para terceiros, com prejuízo da sociedade ou de outros sócios, particularmente do apelante.
Com efeito, em primeiro lugar, não se pode considerar abusiva uma não distribuição de lucros quando, três meses antes, foram distribuídos dividendos no montante de 1.000.000 €.  Por outro lado, é razoável que se mantenham os lucros do exercício de 2015 em reservas livres para fazer face a futuros investimentos ou necessidades financeiras da recorrida.
Quanto à aprovação da atribuição de prémios, não se provou que essa deliberação, que resultou da aprovação maioritária dos sócios, revele o intuito de prejudicar a sociedade ou os outros sócios, neste caso o recorrente que a não aprovou.  Até porque, como já acima se viu, a atribuição de prémios pelo bom desempenho de uma sociedade não é sinónimo de vantagens especiais.
Não se vislumbram, assim, motivos, para declarar a anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 23/3/2016.
Deste modo, também neste ponto o recurso improcede.
g)  Em face de tudo o que se expôs, é manifesto que o recurso terá de improceder, havendo que confirmar a decisão recorrida.
*  *  *
III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas :  Pelo recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil).


Lisboa, 11 de Dezembro de 2019
Pedro Brighton
Teresa Sousa Henrique
Isabel Fonseca