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DECISÃO-SURPRESA
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
PRAZO DE CADUCIDADE
EXTENSÃO DO PRAZO
Sumário
I - Nas ações de valor igual ou inferior a metade da alçada da Relação (15.000,00€), a tramitação do processo comum sofre as adaptações constantes do art. 597º, do CPC, conferindo-se ao juiz ampla liberdade de escolha dos atos adequados, por convenientes e oportunos, ao concreto fim do processo - sem prejuízo da obrigatoriedade de proferir despacho pré-saneador quando se verifique uma das situações previstas no nº2 do art. 590º, do CPC – tendo, contudo de observar e fazer cumprir o contraditório, imposição que decorre quer da lei fundamental quer da lei ordinária. II - Sendo decisão-surpresa a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever, não constitui decisão-surpresa a decisão tomada pelo tribunal quanto a questão suscitada por uma parte e relativamente à qual a parte contrária se pronunciou, pois que exercido se encontra o direito de influenciar a decisão. III - O prazo de 6 meses para a propositura da ação de preferência pelo comproprietário, previsto no nº1, do art. 1410º, do Código Civil, é um prazo de caducidade e conta-se do conhecimento dos elementos essenciais da venda, impendendo sobre os Réus o ónus de alegar e demonstrar a caducidade do direito (nº2, do art. 342º, do CPC). IV - Da conjugação dos artigos 279º, do CPC e 332º e 327º, do CC resulta que, no caso de absolvição da instância não imputável ao autor, pode ser proposta nova ação no prazo de dois meses a contar do transito em julgado da decisão que absolva o réu da instância, beneficiando o Autor do prazo adicional de 2 meses aí estabelecido para repetir a ação, com sobrevivência dos efeitos civis – impedimento da caducidade - da primeira ação, consagrando-se uma ampliação ou extensão do prazo de caducidade. V - Beneficia da extensão do prazo de caducidade, por aplicação do regime previsto no nº3 do art. 327º, do CC, o Autor que, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, não suprido pelo Tribunal, acabou por ver os Réus absolvidos da instância, pois que apesar da falta inicial por ele cometida, foi o seu perpetuar, com a inobservância, no momento próprio, do dever de gestão processual, que conduziu à decisão de forma em detrimento de solução de mérito, pelo que sempre seria desproporcionado e irrazoável que - em face do que dispõe aquele preceito, cujo elemento subjetivo, ligado à imputabilidade, tem como pressuposto a observância, pelo julgador, do regime adjetivo aplicável - o A., que sofreu as consequências de uma decisão formal, ainda acarretasse com a caducidade do seu direito, que apenas está relacionada com uma questão que o Tribunal tinha o dever de suprir.
Texto Integral
Apelação nº 217/19.4T8PFR.P1
Processo do Juízo Local Cível de Paços de Ferreira
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Sumário(elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO
Recorrente: B… Recorridos: C…, D…, E… e F…
O Autor B…, representado por G…, nos autos em que são RR. C…, D…, E… e F…, não se conformando com o despacho que julgou procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação e, em conformidade, absolveu os Réus dos pedidos, dele veio interpor recurso pugnando por que se julgue o recurso procedente, substituindo a decisão de 1ª instância por outra que reconheça que os autos foram intentados de forma tempestiva e aptos a produzir o seu efeito no que tange ao exercício do direito de preferência do comproprietário previsto no artigo 1410.º, do CC, e, em consequência, se considere tempestiva e apta a produzir os seus efeitos a citação das Rés D… e F…, para efeitos do exercício de direito de preferência mantendo-se os efeitos civis da propositura da primeira ação e se ordene o prosseguimento dos ulteriores termos até final, com todas as devidas e legais consequências, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
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Os Réus contra alegaram pugnando por que se julgue o recurso improcedente e se mantenha a decisão recorrida, concluindo:
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª - Se foi violado o princípio do contraditório, constituindo a decisão proferida uma decisão surpresa e, por isso, nula.
2ª - Se a absolvição da instância declarada em anterior ação, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, dada a falta dos cônjuges dos Réus na ação, não suprida oficiosamente pelo Tribunal, tem o efeito civil de alargamento do prazo (estipulado no nº1, do art. 1410º, do Código Civil)de caducidade, consagrado no nº3, do artigo 327º, aplicável àquela ex vi 332º, do Código Civil.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS: 1. A decisão recorrida tem o seguinte teor: Atento o valor da acção (€11.007,50), e o disposto no artigo 597.º do CPC, findos os articulados, o Tribunal pode proferir despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º (cfr. Artigo 597.º alínea c)), sendo que o despacho saneador destina-se à apreciação de alguma excepção peremptória (cfr. artigo 595.º, n.º 1, alínea b) parte final). Uma vez que as partes já debateram a excepção de caducidade nos articulados encontra-se assegurado o respeito pelo contraditório.
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DESPACHO SANEADOR: O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O processo é o próprio. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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“Excepção peremptória de caducidade do direito de acção do autor: Os réus invocaram a caducidade do direito de acção. Alegam, para tanto que: - O preferente tem direito de haver para si a quota alienada contando que, para além do mais, deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção; - Os Réus, nem na citação recebida, nem até à data, receberam qualquer comprovativo do depósito do preço nos presentes autos, exigido ao Autor. - O Autor com a petição inicial junta aos autos o comprovativo de pagamento de um depósito autónomo no valor de 11 007,50 €, mas esse valor foi o depósito do preço que o Autor efectuou no Processo n.º 670/16.8T8PFR que correu termos neste Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, processo esse que se encontra findo; - O que a lei exige é que o Autor faça o comprovativo do depósito do preço nos próprios autos em que peticiona o seu direito de preferência e não noutros, pelo que aquele depósito e documento único de cobrança não está associado aos presentes autos, mas sim aqueloutro. - A falta do depósito do preço, à ordem dos presentes autos, no prazo legal produz a caducidade do direito de preferência, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos; - No Processo n.º670/16.8T8PFR que correu termos neste mesmo Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, a acção de preferência foi apenas intentada pelo Autor contra os aqui Réus maridos E… e C… e não contra as suas respectivas mulheres, havendo preterição do litisconsórcio necessário passivo. - O Exmº Senhor Relator do Venerando Tribunal da Relação do Porto viria a decidir de forma singular, “atenta a ilegitimidade dos Réus, por preterição de litisconsórcio necessário, decide-se absolver os Réus da instância”; - Invocando o artigo 279º do Código de Processo Civil, pretende o Autor o aproveitamento dos efeitos da acção precedente relativamente à prescrição e caducidade; - O artigo 327º n.º3 do Código Civil estabelece que “Se, por motivo não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses” - Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2014 “A culpa do autor na forma como propôs a acção de preferência, ignorando a existência de um outro comproprietário, é evidente, uma vez que, perante os preceitos legais aplicáveis e o conteúdo uniforme das decisões jurisprudenciais que se debruçaram sobre a questão, devia saber que o desfecho processualmente correcto para a mesma sempre seria a absolvição da instância, por ilegitimidade”, e mais à frente refere “Assim, sendo a absolvição da instância imputável ao autor, porque não assegurou a intervenção nos autos do outro comproprietário, não pode este beneficiar do disposto no art. 327º, nº3 do Cód. Civil, pelo que quando intentou a presente acção já se encontrava integralmente transcorrido o prazo de caducidade a que se refere o art. 1410º, nº1 do mesmo diploma onde se estabelece que o «comproprietário a quem se não dê o conhecimento da venda (…) tem o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação(…)».”; - O artigo 1410º do Código Civil refere que o comproprietário preferente a quem se não dê conhecimento da venda tem o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação; - O prazo de caducidade começa pois com o conhecimento de um determinado facto, e no artigo 11º da petição inicial, o Autor refere que foi “até meados de Setembro do corrente ano de 2016, desconhecedor da dita venda”. - O Autor confessa que no mês de Setembro de 2016 tomou conhecimento da venda e dos seus elementos essenciais, confissão esta que se aceita para efeitos de irretratabilidade e para não mais ser retirada; - A presente acção deu entrada no dia 15 de Fevereiro de 2019, pelo que há muito que se encontrava ultrapassado o prazo para que o Autor pudesse exercitar o seu (eventual) direito; - Mesmo que se entenda que o Autor poderá aproveitar o prazo nos termos do artigo 279º n.º2 do Código de Processo Civil e 327º n.º3 do Código Civil, esse prazo nunca poderá ser aproveitado em relação às Rés mulheres, pois, como se disse, as mesmas não foram parte no Processo n.º 670/16.8T8PFR que correu termos neste Juízo Local Cível de Paços de Ferreira. O autor, no articulado em que exerce o contraditório quanto à excepção, propugna pela improcedência da excepção. Invoca que resulta da conjugação dos artigos 289.º n.º 2 do CPC, 332, n.º 1 e 327.º, n.º3, ambos do CC, de onde se infere que, no que á caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da acção – impedimento á verificação da caducidade – mantém-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição por motivo processual não seja imputável ao titular do direito. Mais invoca que o A. pode efectivamente aproveitar os efeitos daquela acção, nomeadamente quanto á prescrição, bem como, quanto á caducidade e que, no que tange ao depósito do preço, este encontra-se depositado á ordem deste Tribunal, conforme comprovativo junto aos autos com a Petição Inicial.
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O processo contém todos os elementos de facto necessários para o conhecimento da invocada excepção de caducidade ao qual se procede de imediato.
Fundamentação de facto: 1. Em 15-02-2019, o ora autor deu entrada da petição inicial da presente acção de preferência intentando-a contra C…, D…, E… e F…. 2. O Réu E… é casado no regime de comunhão de adquiridos com a Ré F…, e o Réu C… é casado no regime de comunhão de adquiridos com a Ré D…. 3. Correu termos neste Juízo Local Cível a acção de preferência com o n.º 670/16.8T8PFR, que foi intentada pelo aqui Autor contra C… e E…. 4. Por Acórdão da Relação do Porto transitado em julgado em 20-02-2019, foi julgado procedente o recurso interposto pelos Réus C… e E… com fundamento na ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, decidindo-se a absolvição da instância. 5. Na presente acção o Autor juntou com a petição inicial a fls. 30 um comprovativo de depósito autónomo no valor de €11.007,50 datado de 17-10-2016 e que se mostra associado ao processo n.º 670/16.8T8PFR. 6. Na presente acção o Autor alega que teve conhecimento da venda celebrada entre os Réus C…, D… e o Réu C… em meados de Setembro de 2016.
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Fundamentação de Direito: A excepção da caducidade constitui uma excepção peremptória inominada, desencadeadora da absolvição do réu do pedido (cfr. artigo 576.º, n.º 3, Código de Processo Civl), sendo, pois, - tal como a prescrição - uma particular forma de extinção dos direitos, mediante o simples decurso de um lapso temporal: “se o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito prescreveu (ou caducou)” - Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., p. 373. A lei substantiva civil obriga o titular da coisa, objecto da preferência, a comunicar ao titular do direito o propósito de alienação e as cláusulas do respectivo contrato (artº 416º, nº 1 do Código Civil) e, se não o fizer, consumando-se, entretanto, a alienação a não preferente, o preferente fica com a faculdade de, dentro do prazo de seis meses fazer valer o seu direito contra o adquirente (artº 1410º, nº 1 do mesmo diploma legal). Preceitua o art. 1410º, nº 1 do Código Civil, dispondo embora para a compropriedade, é aplicável a quaisquer acções de preferência legal, que “o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”. Relativamente ao depósito do preço, não podemos acompanhar o entendimento propugnado pelos Réus, na medida em que mesmo tendo sido junto aos autos o comprovativo de depósito à ordem do anterior do processo, e ainda não associado a este, sempre teria o Tribunal que conceder ao Autor a possibilidade de solicitar a transferência e a associação desse valor a estes autos (veja-se, no sentido de o Tribunal conceder a possibilidade ao preferente de ser cumprido este requisito, o Acórdão do STJ de 08-09-2016, acessível em www.dgsi.pt). Já quanto ao prazo de 6 meses para propositura da acção, consideramos que efectivamente assiste razão aos Réus. Estabelece o artigo 279.º do CPC o seguinte: “1 - A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto. 2 - Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância. 3 - Se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior, na nova ação que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.”. Por seu turno dispõe o artigo 327.º do Código Civil: “1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. 2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo. 3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.”. Por fim, o n.º 1 do artigo 332.º do Código Civil prevê que quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito. Conforme resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 670/16.8T8PFR e dos fundamentos aí expostos, é entendimento, doutrinal e jurisprudencial, que a acção de preferência, atento o disposto no artigo 34.º do CPC e artigo 1682.º - A n.º 1 al. a) do Código Civil teria que ser intentada contra os cônjuges dos intervenientes no negócio de compra e venda relativamente ao qual se pretenda fazer valer a preferência. Assim, a absolvição da instância, ocorrida na anterior acção, é imputável ao autor, uma vez que o ónus decorrente da fixação de um prazo de caducidade implicará um particular ónus de zelo, diligência e prudência técnica na propositura da acção. No Acórdão do STJ de 16-02-2012 (acessível em www.dgsi.pt), citado pelo próprio Autor, se refere que “(..) o novo regime estabelecido no CC para a caducidade – envolvendo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância ( cfr. Ac. de 15/11/06, proferido pelo STJ no P. 06S1732) – é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, ou negligência manifesta na condução da lide (conduzindo à prolongada interrupção da instância, de modo a completar-se entretanto o prazo de caducidade inicialmente impedido com a propositura da acção – cfr. nº2 do art. 332º do CC) ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção que acaba por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada”. E no mesmo aresto refere-se mesmo que “(..) não parece aceitável, de lege ferenda, que os efeitos civis derivados da proposição de uma acção contra certo indivíduo devam manter-se se a nova acção for proposta contra outro, a não ser que a absolvição da instância não seja imputável ao autor. Se assim não fosse, poderia o titular iludir o prazo legal de caducidade, propondo a acção contra uma pessoa qualquer, para, depois, decretada a absolvição da instância, vir, dentro de 30 dias, intentar a acção contra o verdadeiro interessado.”. No caso dos autos, como resulta dos factos provados o Autor intentou a primeira acção apenas contra C… e E… e só a presente acção é que foi proposta contra aqueles e contra a s respectivas cônjuges. Atendendo à data da propositura da presente acção (15-02-2019) e que só nesta foram demandadas também D… e F…, e considerando que, de acordo com a própria alegação do Autor, o mesmo teve conhecimento da venda em meados de Setembro de 2016, não pode senão considerar-se que esta acção foi intentada depois de ultrapassado o prazo de seis meses previsto no artigo 1410º, nº 1 do Código Civil, pelo que é manifesto que o direito do autor se mostra caduco.
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Pelo exposto, julgo procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e, em conformidade, absolvo os Réus dos pedidos. Notifique e registe. Custas pelo autor – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC. 2. Tal decisão foi proferida findos os articulados - tendo os Réus invocado na contestação a exceção “da caducidade” e o Autor vindo “responder às exceções deduzidas em sede de contestação”, na “resposta”, de fls 103 e segs - e imediatamente após despacho a determinar a junção aos autos de certidão do Acórdão proferido no processo referido a fls 110 e a sua junção a fls 113 e segs.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - Da violação do princípio do contraditório
Conclui o Autor (cfr. concl. 7 e segs) ter sido violado o princípio do contraditório, desde logo por o Tribunal ter decidido, sem lhe ter sido dada a possibilidade de se pronunciar antes de tomada a decisão, sendo proibidas as decisões –surpresa.
Cumpre, pois, analisar se o despacho saneador-sentença recorrido viola o princípio do contraditório, por ao Tribunal, antes de decidir a referida exceção, cumprir ouvir os argumentos das partes.
Fazendo-o, e olhando à ação que temos em apreciação - uma ação que segue a forma de processo comum, a qual tem forma única (cfr. art. 548º), mas cujo valor é inferior a metade da alçada da Relação (5.000,00€) e a que as partes se pronunciaram já, tal violação não ocorreu.
Na verdade, o Tribunal a quo, decidindo pela não realização da audiência prévia, ao abrigo do art. 597º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, proferiu despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º (cfr. Artigo 597.º alínea c)), sendo que tal despacho se destinou à apreciação de exceção perentória (cfr. artigo 595.º, n.º 1, alínea b) parte final), tendo-o feito por as partes terem já debatido a exceção de caducidade nos articulados, considerando, por isso, observado o contraditório.
Vejamos, pois, mais em pormenor se ao Tribunal a quo se impunha que ouvisse as partes antes de decidir a referida exceção.
Estatui o preceito supra referido (art. 597º, do CPC) que: “Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo: a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados; b) Convoca audiência prévia; c) Profere despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º; d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º; f) Profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas; g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151.º”.
Ora, o processo findou no despacho saneador, pela procedência de exceção perentória já debatida nos articulados - a exceção perentória de caducidade do direito de ação - e, em conformidade, foram os Réus absolvidos dos pedidos.
Estamos, pois, perante uma situação, legalmente consagrada (v. art. 597º), em que pode não ter lugar a realização de audiência prévia. E não caímos em violação do princípio do contraditório, por decisão-surpresa (art. 3º, nº3), pois que, sendo a questão suscitada pelos Réus, ao contrário do que o Autor refere, houve pronuncia antes da decisão, tendo este exercido o direito de influenciar a decisão do Tribunal.
Vejamos mais em pormenor.
Na verdade, vários princípios gerais do processo civil têm dignidade constitucional por respeitarem a direitos considerados fundamentais, entre eles o da equidade, nomeadamente nas vertentes da contrariedade e da igualdade de armas das partes.
E tem sido considerado, no âmbito da jurisprudência formada na aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que o princípio da equidade postula quer a igualdade das partes (princípio do contraditório e princípio da igualdade de armas) quer os direitos à comparência pessoal das partes em determinadas situações, à licitude da prova (do meio de prova em si mesmo e do modo de o obter) e à fundamentação da decisão, imposta, entre nós, pelo art. 208º, nº1 da Constituição. Estando entre as finalidades dos Tribunais a de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos - art. 205º, nº 2 da Constituição -, a lei fundamental passou a preocupar-se com o próprio conteúdo das decisões.
O direito ao contraditório é uma decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º, pois que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, possuindo “um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta”[1].
Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema de comunicações entre as partes e o Tribunal.
Nos últimos tempos e nesta sociedade em que o direito de acesso à justiça é um direito fundamental do cidadão, vem-se assistindo a uma crescente tendência de substituição de um processo estritamente individualista, privatístico, por um direito processual mais justo e socialmente mais aberto, sendo notória a mudança das linhas de orientação adjetiva, passando o juiz a ser visto não como um mero garante das regras do jogo honesto mas, antes, empenhado na solução concreta do conflito e mais aberto na consideração das consequências das soluções, tendo sempre o dever de fundamentar a sua decisão e deixando-se às partes o direito de a influenciar.
Assim, o direito de acesso aos tribunais engloba, também, a garantia do contraditório, quer num sentido mais restrito – visto como direito de, ao longo de todo o processo, cada uma das partes responder à posição tomada pela parte contrária – quer no sentido mais lato que presentemente lhe vem a ser dado – entendido como direito das partes intervirem, ao longo de todo o processo, para influenciarem, em todos os elementos que se prendam com o objeto da causa e que se antevejam como potencialmente relevantes para a decisão, – pois a colaboração das partes é vista como primordial para que o processo atinja plenamente o seu fim – a justa composição do litígio. Privilegiando-se a bondade da decisão de mérito em detrimento da de forma e sendo tudo processado segundo um esquema de cooperação recíproca, é mais facilmente obtida a verdade material e alcançada a verdadeira função dos tribunais – administrar a justiça resolvendo os conflitos de interesses das partes de acordo com o direito material.
Agora, o princípio do contraditório significa muito mais do que um jogo de ataque e defesa ao longo do qual o processo se desenvolve, sendo entendido como garantia do direito de influenciar a decisão, mediante a possibilidade de participação efetiva de ambas as partes em todos os elementos em que o litígio se manifesta - o plano da alegação de facto, o plano da prova e o plano do direito - que em qualquer fase do processo surjam como potencialmente relevantes para a decisão, ficando marcado por uma dupla crivagem ou entrelaçamento de perspetivas de grande valia para alcançar a justa decisão do caso concreto.
Os factos, as provas de tais factos e os critérios jurídicos aplicáveis aos mesmos são as três bases ou níveis em que assenta a decisão do Tribunal e, por isso, a possibilidade de ambas as partes influírem na decisão, pronunciando-se sobre a intervenção processual da outra, reporta-se a todos eles.
O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar do litígio, acompanhando-o em toda a sua longevidade, mediante a possibilidade de as mesmas a influenciarem em todos os planos - quer no âmbito da alegação fáctica, quer na âmbito das provas quer quanto ao direito -, manifestando a sua perspetiva, garantindo-se a ambas condições de absoluta igualdade ou paridade[2].
O objetivo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si, do processo.
E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos.
Deste modo, o princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronuncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical).
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A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, vem genericamente concretizada no artigo 3º, que, sob a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, presentemente, de modo mais justo, abrangente e amplo, dispõe:
“1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
O nº 3, do referido artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.
A referida conceção ampla do princípio do contraditório, também já há muito defendida pelo Professor Lebre de Freitas[3] para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[4].
Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o ilustre professor Lebre de Freitas, cuja lição vimos seguindo, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa[5].
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º. Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente,às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade.
Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”[6].
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
A citada norma, introduzida pela Reforma de 1995/1996, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, consagrando mais uma garantia de discussão dialética entre as partes no desenvolvimento de todo o processo, consagrando de forma ampla o direito a exprimir posição para influenciar a decisão.
Para que os referidos objetivos de melhor, mais rápida e definitiva composição dos litígios fossem alcançados, foi consagrado que uma das finalidades da audiência prévia é a de “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (art. 591º, nº 1, al. b)).
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão.[7]A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem.[8]
O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes.
A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Quanto ao momento processual adequado para o juiz fazer atuar a regra do contraditório com vista a evitar uma decisão-surpresa, quanto à aplicação de diferentes regras de direito, cumpre dizer que a questão pode, desde logo, ser suscitada pelo juiz na audiência prévia, naqueles casos em que o processo reúna os elementos necessários à apreciação imediata.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração[9].
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[10].
O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo.(…) Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada decisão do litígio. (…) Não tendo as partes configurado a questão na via adoptada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos"[11].
Cabe ao juiz observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de se pronunciarem sobre as mesmas[12].
Nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º do CPC, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito.(…) A convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) do CPC visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa, pelo que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º do CPC, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados[13].
Se, em ação contestada, de valor superior a metade da alçada da Relação, o juiz entender, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, que o processo deverá findar imediatamente com prolação de decisão de mérito, deverá convocar audiência prévia, a fim de proporcionar às partes prévia discussão de facto e de direito.(…) A não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio; tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr. art.º 6.º n.º 1 e 3.º n.º 3 do CPC). (…) A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença, com dispensa de audiência prévia, assente tão só na asserção de que “o estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa”, desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso, implicando a revogação da decisão que dispensou a convocação da audiência prévia e a consequente anulação do saneador-sentença proferido[14].
Porém, como vimos, estamos perante uma ação de valor inferior a metade da alçada da Relação em que o Tribunal a quo decidiu, esclarecendo, até, que o fazia por as partes terem já debatido as exceções e exposto os seus argumentos, como ocorreu (cfr contestação de fls 46 e segs e resposta de fls 103 e segs), não tendo violado qualquer das normas indicadas. E, nas acções de valor igual ou inferior a € 15.000, ou seja, a metade da alçada da Relação (nº1, do art. 44º, da Lei nº 62/2013, de 26/8), como vimos ser o caso, a tramitação do processo comum sofre as adaptações constantes deste art. 597º, embora, para efeito de distribuição, não constituam uma espécie autónoma (cfr. art. 212º). Nestas ações o juiz, sem prejuízo de ter de proferir despacho pré-saneador quando se verifique qualquer uma das situações previstas no nº2 do art. 590º, goza de ampla liberdade para eleger quais os atos tidos por necessários e adequados ao fim do processo, podendo, no limite, contentar-se com a designação do dia ou dias para a audiência final, estando já de posse da petição inicial e da contestação, de tal modo que o réu pode nem sequer ter a oportunidade para alterar o requerimento probatório junto com a contestação[15].
Não pode o juiz “deixar de assegurar o exercício do contraditório quanto às exceções dilatórias e ao mérito da causa, nos mesmos termos em que o tem de fazer nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação, visto que tal constitui uma derivação do direito fundamental à jurisdição (art. 20º CR)”[16].
Não assiste, pois, razão ao apelante, ao concluir pela violação do contraditório, elevado, até, à categoria de princípio constitucional, tendo o mesmo exercido, concretamente, o seu direito de influenciar a decisão.
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2ª – Dos efeitos civis derivados da proposição da ação, tempestiva, que conduziu a absolvição da instância por preterição do litisconsórcio necessário passivo: o alargamento do prazo de caducidade.
Analisando agora a questão que se prende com a caducidade, verifica-se que no caso concreto a escritura de compra e venda da metade indivisa dos prédios em causa foi celebrada no dia 12 de Abril de 2016 e foi proposta, pelo comproprietário, ação de preferência em 03/10/2016 (cfr fls 131, verso e fls 133, frente). Assim, quando tal ação foi proposta não havia, ainda, decorrido o prazo de caducidade - de 6 meses -, previsto no nº1, do art. 1410º, do CC.
E por decisão sumária do Tribunal da Relação de 15-1-2019, com trânsito em julgado em 20-02-2019, proferida em tal ação, foram os Réus absolvidos da instância, atenta a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário – cfr certidão de fls 113 a 135, aí se referindo “A ilegitimidade consubstancia uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância pois nesta fase não é possível ser sanada (Cfr. arts. 278º, nº1, al. d), 576º, nº2, 577º, al. e) 3 578º do Código de Processo Civil)). Assim sendo, sem a intervenção dos cônjuges dos dois Réus não é admissível proferir decisão de mérito”.
Deste modo, a presente ação foi instaurada num momento (15-2-2019) em que anos haviam passado desde o conhecimento do Autor da venda efetuada, mas sem que tivesse, sequer, ainda, transitado em julgado a referida decisão.
E a nova ação foi proposta depois de decisão que absolveu os Réus da instância por verificação de falta de um pressuposto processual suprível, nos termos da al. a), do nº2, do art. 590º e nº2, do art. 6º, mas por cujo suprimento o Tribunal a quo não diligenciou, ao abrigo dos poderes de gestão inicial do processo, sendo-lhe imposto, pelos referidos preceitos, que, por isso, providenciasse oficiosamente.
Ora, o facto de à data da propositura da presente ação não ter, sequer, ainda transitado em julgado a referida decisão de absolvição da instância, proferida na ação tempestivamente proposta, apesar do erro da parte aquando da elaboração da petição inicial com que propôs tal ação, impõe que se alargue o prazo de caducidade, o que impede a procedência da arguida exceção da caducidade, pois que, e desde logo, apesar do erro original, que remédio tinha, nenhuma culpa pode ser imputada à parte pelo arrastar do mesmo, pelo não suprimento da referida exceção dilatória, que o legislador quis, na verdade fosse sempre suprida, privilegiando as decisões de mérito às de forma (cfr. nº3, do art. 278º).
Vejamos o regime jurídico, a interpretação que dele é feita pela doutrina, a sua aplicação pela jurisprudência e a solução que se impõe para o caso.
Conclui o Apelante que no processo anterior (n.º 670/16.8T8PFR) devia ter sido convidado a aperfeiçoar o seu articulado, para que sanado fosse o vício da ilegitimidade passiva, tendo sido por tal poder dever não ter sido cumprido, como a lei impõe, e, por isso, por motivo que lhe não é imputável, que a primeira ação terminou com a absolvição dos Réus maridos da instância. Considera poder aproveitar os efeitos da ação, de acordo com o artigo 279º, do Código Civil, abreviadamente CC, devendo aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 327.º de tal código, ex vi n.º 1 do artigo 332.º do mesmo diploma, e manterem-se os efeitos civis da propositura da primeira ação nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, tendo, desse modo, o exercício do direito de preferência do comproprietário previsto no artigo 1410.º do CC sido tempestivo, ocorrendo o referido impedimento à caducidade.
Os apelados apresentam-se a afirmar não poder deixar de ser a preterição do litisconsórcio necessário passivo imputável ao apelante, que apenas propôs a ação contra os Réus maridos.
Cumpre decidir.
Alegou o Autor conhecimento da venda celebrada entre os Réus em Setembro de 2016 e a presente ação deu entrada no dia 15 de Fevereiro de 2019, pelo que, na verdade, já se encontravam decorridos anos sem o adequado exercitar do “direito de haver para si a quota alienada”, sendo que nos termos do nº1, do artigo 1410º, do Código Civil, o Autor tinha de o requerer “dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação”.
O referido prazo de 6 meses para a propositura da ação conta-se do conhecimento dos elementos essenciais da venda, é um prazo de caducidade e é sobre os Réus que impende o ónus de alegar e demonstrar que o direito caducou[17], pois que, como analisou o Tribunal a quo, se trata de facto extintivo do mesmo – nº2, do art. 342º, do CC.
E dúvidas não restam de que o referido prazo já decorreu.
Porém, estabelece o art. 279º, que: “1 — A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto. 2 — Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância. 3 — …”.
Consagra, contudo, o referido nº1, do art. 332º, do CC, que “Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº3, do art. 327…”
A referida remissão “tem como propósito evidente proteger a posição do titular do direito que atuou atempadamente no sentido de o acautelar. A lógica é a seguinte: alguém recorre à tutela jurisdicional para fazer valer uma posição jurídica; por razões processuais, a ação soçobra e, com o prazo de caducidade a correr, pode já não ir a tempo de assegurar noutra ação a tutela do seu direito. Se tais razões processuais são estranhas e não imputáveis a conduta do autor, não faria sentido que ele fosse prejudicado, arcando com o risco de extinção do seu direito. Por isso, a lei concede-lhe um tempo adicional, o que corresponde a uma verdadeira “dilatação” dos efeitos da caducidade[18].
E, na verdade, o artigo 327º n.º3 do Código Civil estabelece que “Se, por motivo não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses” (negrito e sublinhado nosso).
Nestas circunstâncias é conferido ao titular um prazo adicional para exercer o direito e interromper, novamente, a prescrição – trata-se, pois, de uma hipótese de dilação do efeito interruptivo[19].
Assim, a lei extrai da proposição de ação e do seu desenvolvimento, com a citação do Réu, efeitos de natureza processual e substantiva, sendo que com o início da instância se produzem, desde logo, efeitos de natureza substantiva, designadamente, o impedimento da caducidade (art. 331º, nº1, do CC). “É aceite pacificamente pela jurisprudência (não assim pela doutrina, divergindo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 3ª ed., p. 552, de Pires de Lima e Antunes Varela, CC anot., vol. I, 4ª ed., p. 293) que a intersecção entre a absolvição da instância, por um lado, e a prescrição e a caducidade, pelo outro, não permite a sobreposição dos regimes contidos no CPC e nos arts. 327º, nº 3, e 332º, nº1, do CC (STJ 16-6-15, 1010/06, STJ 16-2-12, 566/09 e STJ 6-5-03, 03A229).(…) Ou seja, o regime do aproveitamento dos efeitos da propositura da ação e da citação do réu para efeitos de caducidade e de prescrição, respetivamente, devem ser encontrados exclusivamente a partir das referidas normas do CC, sendo necessário que o motivo da absolvição da instância não seja imputável ao autor (pressuposto que deve ser casuisticamente apreciado, sem dogmatismos), gozando este de uma prorrogação de dois meses, a contar do transito em julgado da decisão, para a instauração da nova ação (sobre a aplicação deste preceito, cf. STJ 7-12-16, 366/13, numa situação cujas particularidades, envolvendo outras normas, conduziram a uma solução diversa daquela que, noutros casos, tem sido assumida: tratava-se de um caso em que se justificava não penalizar o autor … . Já o regime previsto no nº2 do art. 279º, do CPC, menos exigente, por um lado, mas mais restritivo em termos temporais, por outro, é de aplicar aos demais efeitos de natureza substantiva ou processual decorrentes da instauração da ação ou da citação do réu. Neste regime é indiferente a imputabilidade do motivo de absolvição da instância, mas o alongamento do prazo, para além de se quedar pelos 30 dias (em lugar dos dois meses), apenas ocorre quando, atento o caso concreto, ainda “seja possível” o aproveitamento dos efeitos civis que aqueles atos determinam.”[20].
Os novos prazos que estes artigos reconhecem ao titular do direito após a decisão de absolvição da instância, são de direito substantivo, pois o seu fim é evitar a perda do direito quando, exercido ele a tempo, os efeitos desse exercício tenham sido afetados pela absolvição da instância, devido a motivo processual (que na prescrição e caducidade é, até, não imputável ao titular do direito): a lei pretende assegurar ao titular o seu direito, concedendo-lhe um novo prazo, cuja natureza é tão substantiva como o primeiro[21].
Da conjugação dos artigos 332º e 327º, do CC, resulta que só no caso de não ser imputável ao autor a absolvição da instância é que ele pode beneficiar do prazo aí estabelecido, ou seja, pode propor uma nova ação no prazo de dois meses a contar do transito em julgado da decisão que absolva o réu da instância[22].
Tendo a absolvição da instância na primeira ação sido devida a ato do Autor, a mesma é-lhe imputável, não havendo, por esse motivo, qualquer fundamento para aplicação do regime previsto no nº3 do art. 327º, do CC[23], sendo, por exemplo, imputável ao titular do direito a prolação de decisão de forma que, homologando a desistência da instância por si requerida, põe termo à relação processual: não podendo assim beneficiar do prazo adicional de 2 meses do art. 332º/1, do CC (conjugado com o art . 327º/3) para repetir a acção[24][25].
E o regime estatuído nos arts 327º, nº3 e 332º, nº1, do CC – segundo o qual os efeitos civis da propositura da ação (impedimento da verificação da prescrição e da caducidade) se mantêm nos dois meses seguintes ao do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que esta absolvição da instância não seja por motivo processual imputável ao titular do direito – sobrepõe-se e substitui o regime que consta do artigo 279º nº2 do CPC – que não condiciona a sobrevivência do efeito impeditivo da propositura da ação à desculpabilidade do comportamento processual do titular do direito[26].
Na verdade, como, do modo esclarecedor, se decidiu no Ac. do STJ de 16/2/2012, proc. 566/09.0TBBJA.E1.S1 (Relator: Lopes do Rego), in dgsi.pt, da conjugação dos arts. 279.º, n.º 2, do CPC, 332.º, n.º 1, e 327, n.º 3, ambos do CC, resulta que, no que à caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da acção – impedimento à verificação da caducidade - mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição por motivo processual não seja imputável ao titular do direito, não se devendo a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a ação. O regime estatuído naqueles preceitos do CC sobrepõe-se e substitui-se, no âmbito da caducidade, ao que sempre constou do nº2 do art. 279º do CPC – facultando ao autor a manutenção dos efeitos civis da propositura da primeira ação, terminada por mera decisão de forma, com a única condição de a voltar a propor no prazo de 30 dias contados do trânsito da decisão absolutória – pelo que o regime estabelecido naquela norma adjetiva não é presentemente de aplicar em sede do instituto da caducidade de direitos exercidos em juízo[27].
E, com efeito, nesse seguimento, bem se considera, também, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2014, citado pelos recorridos [28], que o autor só pode beneficiar do regime previsto no art. 327º, nº3 do Cód. Civil [os efeitos civis da propositura da acção, no que concerne à caducidade, mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância] se a absolvição do réu da instância na primeira acção se ficou a dever a motivo que não lhe é imputável, devendo a definição do conceito «motivo processual não imputável ao titular do direito» fundar-se na ideia de culpa. O conceito de culpa na origem da decisão de absolvição da instância deve, porém, ser interpretado de forma razoável, de modo a afastar os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte, designadamente porque a falta do pressuposto processual que ditou essa absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia – ou devia saber – que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito.
Quanto a ser “imputável ao autor, comproprietário, a absolvição dos réus da instância, por ilegitimidade, quando esta decorre da propositura de uma acção de preferência sem intervenção de um outro comproprietário” entendemos que, no contexto do regime adjetivo vigente e aplicável ao caso pode e deve configurar-se outra solução, mais proporcional e razoável, a ponderar e densificar casuisticamente, dependendo, desde logo, se foi ou não tomada providência no sentido do suprimento da ilegitimidade e, sendo-o, da concreta posição assumida pelo Autor, com vista a sanar a sua falta inicial.
Ora, no caso dos autos, o motivo da absolvição da instância é “não imputável ao titular do direito”, o Autor, na medida em que, apesar de não ter proposto a ação contra as Rés - que só foram citadas no âmbito desta ação num momento em que já havia decorrido o prazo estipulado pelo nº1, do art. 1410º, do CC, - sempre as providências pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, como era o caso da ilegitimidade passiva, por os Réus estarem desacompanhados dos respetivos cônjuges, cabiam ao juiz, que as tinha de empreender oficiosamente (cfr nº2, do art. 6º). O motivo verdadeiramente determinante da absolvição da instânciaé, pois, de imputar ao Tribunal, pois que se lhe impõe a tomada de medidas, e, por isso, é de considerar tempestiva a segunda ação que, com o mesmo objeto da anterior, foi interposta ainda antes do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância[29], com o vício existente na primeira sanado.
Como se decidiu no Acórdão acabado de citar, caso acima referido em que se justificava não penalizar o autor, a gravidade de tal efeito extintivo derivado de razões de ordem adjetiva levou o legislador a prever uma prorrogação do prazo por mais dois meses, nos casos em que a absolvição da instância seja determinada por “motivo processual não imputável ao titular do direito” (nº 3 do art. 327º), sendo que este preceito não coincide com o art. 279º, nº 2, do CPC,…[30].
Analisa-se no referido Acórdão “Para alguns autores, a ressalva feita no nº 2 do art. 279º do CPC relativamente ao que a lei civil dispõe acerca da prescrição e da caducidade tem como resultado a exclusão de qualquer destas excepções peremptórias do âmbito de aplicação daquela norma. Concretamente, no que concerne à prescrição, assevera-se que o art. 327º, nº 3, do CC, foi introduzido para substituir o regime que resultava da aplicação da regra geral do art. 289º, nº 2, do CPC de 1961, norma que, sem limitação quanto aos efeitos civis, concedia ao autor a faculdade de interpor nova acção num prazo suplementar de 30 dias.
É esta a tese defendida por Anselmo de Castro, para quem o âmbito de aplicação do art. 289º, nº 2 do CPC de 1961 (actual art. 279º, nº 2, do CPC) se reporta aos demais efeitos civis derivados da propositura da acção ou da citação do réu: à cessação da boa fé do possuidor (art. 564º, al. a), do actual CPC), à constituição do devedor em mora (art. 805º, nº 2, do CC) e à inibição do réu de instaurar nova acção (art. 564º, al. c), do actual CPC). Conclui, então, que os efeitos civis conexos com a caducidade e a prescrição, respectivamente associados à instauração da primeira acção e à citação do réu para essa acção, são regidos exclusivamente pelos arts. 327º e 332º do CC (Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 275).
Também assim Antunes Varela, na anot. ao art. 327º, nº 3, do CC, para quem o regime da prescrição contido em tal preceito veio substituir o que resultava da primitiva redacção do art. 289º (actual art. 279º) do CPC de 1961. Outrossim Ary Elias da Costa (CPC anot. vol. III, pág. 584) quando refere que, “quanto à caducidade e à prescrição, há que atender ao que a lei civil estipula a tal respeito, que prevalece; quanto aos outros possíveis efeitos, regula o disposto no nº 2 deste artigo” (agora, o art. 279º do CPC).
Já Lebre de Freitas sustenta que o nº 2 do art. 279º do CPC não prejudica os arts. 327º, nº 3, e 332º, nº 1, do CC, “aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância” (CPC anot., vol. I, pág. 561). Para este autor, os efeitos civis em geral, sem exclusão dos que respeitam à interrupção da prescrição ou ao impedimento da caducidade, manter-se-ão, desde que o autor instaure nova acção no prazo de 30 dias previsto no art. 279º, nº 2, do CPC, independentemente de a absolvição da instância ser ou não imputável ao autor. Em acumulação com essa possibilidade, defende que, para efeitos de prescrição ou de caducidade, a nova acção pode ainda ser instaurada no prazo de dois meses, quando o motivo da absolvição da instância não seja de imputar ao autor (art. 327º, nº 3, do CC).
No campo jurisprudencial a abordagem da questão revela uma prevalência da primeira tese, como o demonstra o Ac. do STJ, de 16-2-12 (www.dgsi.pt), com citação de outros arestos, designadamente do Ac. do STJ, de 6-5-03.
Também assim o Ac. do STJ, de 16-6-15 (www.dgsi.pt), ainda que a respeito da caducidade do direito. Sustentado nos elementos histórico, literal e racional, conclui que esta excepção peremptória é regulada pelo disposto no art. 332º, nº 1, do CC (tal como seria regulada pelo art. 327º, nº 3, do CC, se estivesse em causa a prescrição), não relevando o que consta do art. 279º, nº 2, do CPC.
Não se torna fácil dirimir a divergência doutrinal, pois nenhuma das teses é imediatamente afastada pela letra do nº 2 do art. 279º do CC, cujo segmento “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade …” tanto pode significar uma limitação do regime jurídico relativamente a esses específicos efeitos civis, como pode servir para sustentar a concorrência de regimes, com aplicação casuística daquele que se revele mais favorável ao autor. E seria mais favorável ao autor a aplicação do art. 279º, nº 2, do CPC, na medida em que admite que, independentemente da imputabilidade da absolvição da instância, o titular do direito pode interpor nova acção em 30 dias”.
Ora, no caso, a nova ação foi proposta antes, mesmo, do trânsito em julgado da decisão, tudo se conjugando para a improcedência da exceção, até, como vimos por o motivo da absolvição da instância não ser imputável ao Autor, titular do direito, pois a violação última, e decisiva para a decisão formal, foi a do dever do juiz de providenciar, oficiosamente, pelo suprimento da falta nos termos da al. a), do nº2 do art. 590º e do nº2, do art. 6º.
Como se fundamenta no Acórdão do STJ anteriormente mencionado (Relator: Abrantes Geraldes) “A aplicação do preceituado no art. 327º, nº 3, do CC, está centrada no segmento normativo respeitante à “não imputabilidade”, conceito indeterminado que deverá ser casuisticamente preenchido a partir de um critério que pondere os deveres de diligência da parte no preenchimento dos requisitos formais da instância e relativamente à tramitação processual, desde a interposição da acção.
Mostra-se especialmente relevante a análise dos casos que vêm sendo decididos neste Supremo Tribunal de Justiça. Ainda que circunscrita ao motivo gerador da absolvição da instância, a jurisprudência deste Supremo revela a prevalência de um entendimento no sentido de que a aferição do “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve alicerçar-se essencialmente numa ideia de culpa, no sentido de uma actuação merecedora de reprovação ou de censura do titular do direito sujeito a prazos de prescrição ou de caducidade (Ac. do STJ, de 16-6-15, www.dgsi.pt).
Ideia que também é exposta nos Acs. do STJ, de 14-1-06 e de 27-10-16 (www.dgsi.pt), onde se aponta para a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.
Em concreto, já se decidiu neste Supremo Tribunal de Justiça ser imputável ao A. a absolvição da instância decorrente da ineptidão da petição inicial que constitui uma excepção dilatória (Ac. do STJ, de 21-10-93, CJSTJ, tomo III, pág. 79), a preterição de litisconsórcio necessário passivo numa acção de preferência (Ac. de 16-6-15, www.dgsi.pt) ou a desistência da instância, a que foram atribuídos efeitos similares ao da absolvição da instância (Ac. do STJ, 16-2-12, na CJ STJ, tomo I, pág. 80). (…) Em contraponto também já considerou que não era imputável ao autor a absolvição da instância devida à falta de junção de contrato de arrendamento escrito, apesar das diligências que efectuara no sentido de obter tal documento (Ac. do STJ, de 30-6-11, www.dgsi.pt) ou na sequência da adopção de um determinado entendimento acerca da personalidade judiciária do condomínio sujeita a divergências jurisprudenciais (Ac. do STJ, de 14-1-16, www.dgsi.pt).
A exclusividade da imputabilidade ao autor do efeito da absolvição da instância é afirmada por Ana F. Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª ed., pág. 347, referindo que a extensão do prazo deve ser impedida quando o efeito de absolvição da instância assentar, de modo exclusivo, numa conduta errónea do titular do direito.
Problemática que a mesma autora desenvolve com mais pormenor no artigo intitulado “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, onde defende que “a dilação do efeito interruptivo da prescrição depende da ausência de um comportamento do titular do direito susceptível de ser objecto de um juízo de censura”, o que exige “mais do que um mero nexo de causalidade material entre o facto praticado pelo titular do direito e a decisão de absolvição da instância” (pág. 54). A partir da consideração de que a solução legal do prolongamento dos efeitos da interrupção da prescrição não pode desligar-se das “circunstâncias processuais a que o titular do direito será alheio”, propugna, como nos parece mais razoável, que é preciso que o desfecho do processo não se funde numa atitude processual culposa por parte do titular do direito (pág. 55), como já assinalara Vaz Serra. Conclui a mesma autora que “se o propósito do legislador não fosse o de penalizar apenas as condutas processuais assentes em erro grosseiro, ou pelo menos censurável, ficaria prejudicada a operatividade daquela norma”, de modo que para que a mesma “seja dotada de conteúdo útil, será necessário apelar a um critério que permita esclarecer e destrinçar as situações em que não é justificável dilatar a interrupção da prescrição daquelas em que a extinção do processo não se funde num acto imputável ao titular do direito” (pág. 57)”.
Como bem e esclarecedoramente se analisa no mencionado Acórdão, cujo ensinamento seguimos, “Qualquer consideração que possa ser feita em torno da problemática da prescrição, associada aos efeitos da absolvição da instância e à verificação do condicionalismo da prorrogação do prazo, jamais pode deixar de ponderar, por um lado, a natureza instrumental do processo civil, que deve estar ao serviço do direito substantivo e, por outro, a razão que preside à fixação de um prazo para o exercício de direitos, incluindo as regras sobre a interrupção que vigoram na pendência de um processo judicial”.
O A. exerceu o seu direito e, embora errando na legitimidade passiva, ficou anos à espera de resposta para a sua questão, sendo que, na verdade, a adequada e oportuna resposta, que devia ser dada, no momento próprio, pelo Tribunal a quo, não surgiu e, efetivamente, quase poderíamos afirmar, também, como se faz no referido Acórdão, que “O que ressaltaria do complexo processual com que nos defrontamos assemelhar-se-ia a uma situação de venire contra factum proprium, em que o A., alegado titular de um direito que pretende ver reconhecido, acabaria por ser confrontado com a inviabilidade dessa apreciação fundamentalmente por via do funcionamento (ou melhor, do não funcionamento) dos mecanismos processuais que não eram da sua responsabilidade e que apenas são de imputar ao próprio Tribunal onde foi instaurada a acção (…) Sem embargo da quota-parte de responsabilidade que decorra do exercício de ónus ou de deveres processuais que recaiam sobre a parte que vem a juízo, nada do que esteja relacionado com a direcção efectiva do processo (art. 6º do CPC), com a tramitação processual, com a celeridade ou com a oportunidade das decisões judiciais (arts. 152º e 156º do CPC) lhe pertence, sendo ao juiz que cabe o papel determinante na dinamização dos autos, com vista à prolação de uma decisão célere (de preferência sobre o mérito da causa), e a quem cumpre em exclusivo a responsabilidade pela prolação da decisão. (…) Seria verdadeiramente desproporcionado e irrazoável que, em face do que se dispõe no art. 327º, nº 3, do CC, cujo elemento subjectivo ligado à imputabilidade tem como pressuposto o regular funcionamento dos mecanismos processuais e a tramitação das acções em obediência ao ritmo e aos prazos legalmente fixados para a prática dos actos, o A., que esperou anos pela prolação de uma decisão formal, ainda visse a resposta da caducidade do seu direito, que apenas está relacionada com uma questão que o Tribunal tinha o dever de suprir[31].
Não se estando perante erro indesculpável, que a lei quisesse irremediável, da parte, sequer face a exclusividade da imputação ao Autor (pois que a falta do pressuposto processual era sanável e não foram tomados os procedimentos para o suprimento dessa falta inicial), não deve ser impedida a extensão do prazo.
Verificando-se a existência de um nexo causal entre a omissão de decisão a determinar, oficiosamente, no momento próprio, que fosse sanada, a ilegitimidade e o esgotamento do prazo de caducidade, não pode deixar de ser conferida ao A. a possibilidade de se aproveitar da prorrogação do prazo prevista no art. 327º, nº 3, do CC, sendo que seria excessiva, irrazoável, injustificada a posição de lha não conceder.
A não concessão geraria, até, situações de desigualdade relativa, poisbem podia outro caso similar em que fosse, oficiosamente, suprida a ilegitimidade e, na sequência, sanada a falta, ser contemplado com a almejada decisão de mérito.
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Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo violação dos normativos invocados pelo apelante, referentes à caducidade devendo, por isso, a decisão recorrida ser revogada.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e, considerando improcedente a exceção perentória da caducidade do direito, determinam o prosseguimento dos autos.
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Custas pelos apelados, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Porto, 18 de novembro de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________ [1] Acórdão do STJ de 27/10/98, processo 98A817, in www.dgsi.pt [2] FREITAS, José Lebre de (2002). Estudos sobre direito civil e processo civil. Coimbra: Coimbra Editora, pág 17 a 19 e FREITAS, José Lebre de (2006). Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais, 2ª ed.. Coimbra: Coimbra Editora, pág 107. [3] FREITAS, Lebre de (1992). “Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil”, em Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, pp. 35 a 38. [4] FREITAS, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui (1999). Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, pág 8. [5] Freitas, 2006:115 a 118 [6] REGO, Carlos Lopes do (2004). Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I. Coimbra: Almedina, pág 32 [7] cfr. Ac. do STJ de 04/05/99, processo nº 99057,in dgsi.net [8] cfr, neste sentido Ac. do STJ de 15/10/2002, processo nº 02A2478, Ac. da RL de 11/03/2008, processo nº 2051/2008-7, Ac. da RL de 21/05/2009, processo nº 1490/04.8TBPDL.L1-6 e Ac da RP de 10/01/2008, processo 0736877, todos in dgsi.net [9] Acórdão de Relação de Coimbra de 13/11/2012, processo572/11.4TBCND.C1,in dgsi.net [10] Acórdão da Relação de Coimbra de 20/9/2016, processo 1215/14.0TBPBL-B.C1, in dgsi.net [11] Acórdão do STJ de 27/9/2011, processo 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in dgsi.net [12] Acórdão do STJ de 3/12/2015, processo 210/12.8TTFAR.E1.S1, in dgsi.net [13] Ac. da Relação de Lisboa de 5/5/2015, processo 1386/13.2TBALQ.L1-7, in dgsi.net [14] Acórdão da Relação de Lisboa de 9/10/2014, processo 2164/12.1TVLSB.L1-2, in dgsi.net [15] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março /2017pág 837 [16] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª Edição Almedina, pág 673 [17] Ac. da RC de 13/2/2007:CJ, 2007, 1º, 22 [18] Ibidem, pág 404 [19] Ana Prata (Coord), Código Civil Anotado, volume I, Almedina, pág. 399 [20] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág 326 e seg. [21] Vaz Serra, RLJ, 102º, 64 [22] Ac. RP 21/6/2010, proc. 207/09.5TTBCL.P1.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição atualizada, Abril de 2018, pág 274 [23] Ac. RE de 10/11/2010:CJ 2010, 5º 256 [24] Ac. do STJ de 16/2/2012:CJ/STJ, 2012, 1º, 80 [25] Ac. do STJ de 16/2/2012, proc. 566/09.0TBBJA.E1.S1 (Relator: Lopes do Rego), in dgsi.pt, [26] Ibidem [27] Aí se fundamenta “Na verdade, a ratio que parece atravessar todo o regime inovatoriamente instituído no CC é a que se traduz em considerar que quem está onerado com um prazo de caducidade não pode – para impedir eficaz e definitivamente a extinção do direito exercitado judicialmente – limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, independentemente da sua consistência e da adequação para obter uma decisão de mérito no processo por ela iniciado. Pelo contrário, o ónus decorrente da fixação de um prazo – normalmente curto – de caducidade, traduzindo a intenção do legislador de ver resolvido definitivamente, em período temporal curto, o litígio porventura existente entre as partes, implicará um particular ónus de zelo, diligência e prudência técnica na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo, obstando a frustração da causa por motivo imputável em exclusivo ao autor a uma automática renovação do prazo de caducidade, entretanto consumado, decorrente da irrestrita oportunidade de repetir a causa e com isso obter automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária. Pelo contrário, esse efeito já será justificado quando, tendo o autor agido com a diligência devida, a prolação de mera decisão de forma lhe não possa ser imputável, não resulte de culpa sua – sendo antes de atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual - aquele cuja falta veio a ditar a absolvição da instância - face à doutrina e jurisprudência existentes. Note-se que – como referia Vaz Serra – o regime emergente da versão originária do nº2 do art. 298º do CPC acabava por ser desproporcionalmente favorável ao autor, ao permitir-lhe uma -eventualmente sucessiva - repetição de acções para suprimento de deficiências culposamente provocadas e que obstaram à obtenção de decisão de mérito, com a única condição de irem sendo repetidas no prazo de graça de 30 dias, contado da absolvição da instância que o autor culposamente provocou: fracassada a acção inicial por ineptidão da petição, o autor intentava nova acção, dentro dos 30 dias, a qual, por ex., estava inquinada de manifesta incompetência absoluta do tribunal, novamente suprível em 30 dias – e assim sucessivamente… Como é evidente, o novo regime estabelecido no CC para a caducidade – envolvendo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância (cfr. Ac. de 15/11/06, proferido pelo STJ no P. 06S1732) – é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, ou negligência manifesta na condução da lide (conduzindo à prolongada interrupção da instância, de modo a completar-se entretanto o prazo de caducidade inicialmente impedido com a propositura da acção – cfr. nº2 do art. 332º do CC) ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção que acaba por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada. Não parece, todavia, que este regime se possa ter por desproporcionado, sendo simples reflexo nesta matéria da vigência do princípio da auto-responsabilidade das partes, do qual decorre que falhas culposas na condução do processo pela parte ou seu mandatário podem efectivamente desencadear efeitos cominatórios ou preclusivos que acabem por prejudicar irremediavelmente a parte que agiu sem o zelo e diligência devidos. Questão é que se proceda a uma interpretação razoável e funcionalmente adequada do conceito de culpa no desencadear da decisão de absolvição da instância, dela afastando os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte - por ex., quando a absolvição da instância é determinada por uma simplificação do processo ou separação de causas, determinada pelo juiz, em termos amplamente discricionários e prudenciais – cfr. art. 31º, nº4, do CPC; ou em que a falta do pressuposto processual que ditou a absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei ou de comportamento ou falta de cooperação da contraparte – e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia - ou devia saber - que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter de uma decisão de mérito – veja-se, em aplicação desta orientação, o Ac. de 30/6/11, atrás citado, bem como o Ac. de 10/7/08, proferido na Revista 1948/06, em que se considerou que o erro na determinação do tribunal competente para julgar uma acção de anulação de deliberações sociais de cooperativa não era censurável, por não primar pela clareza o disposto no art. 89º, al. d), da LOTJ, que levou a várias decisões desencontradas na 1ª instância sobre a questão. [28] Processo n.º1010/06.0TBLMG.P1, em que foi Relator o Ilustre Juiz Desembargador RODRIGUES PIRES, publicado em www.dgsi.pt. [29] Ac. do STJ de 7/12/2016, processo 366/13.2TNLSB.L1.S1, in dgsi.net (relator Abrantes Geraldes) [30] Aí se refere “Diverge tal regime do que consta do art. 327º, nº 3, do CC (e também do art. 331º, nº 1, do CC, a respeito da caducidade), essencialmente em dois pontos: a) Nos casos abarcados pelo art. 279º, nº 2, do CPC, o ónus de interposição da nova acção deve ser exercido no prazo de 30 dias, ao passo que no art. 327º, nº 3, do CC, se prevê um prazo de 2 meses; b) Para efeitos do art. 279º, nº 2, do CPC, a faculdade concedida ao titular do direito não está condicionada pela não imputabilidade da absolvição da instância, ao passo que nos termos do nº 3 do art. 327º do CC a extensão do prazo é condicionada pelo facto de a absolvição da instância, depois de findar o prazo de caducidade, não ser imputável ao titular do direito”. [31] Cfr. Ibidem