CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Sumário


I - Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
II − A atividade desenvolvida pelos professores de educação física é habitualmente prosseguida em instalações do destinatário da atividade prestada, com equipamento específico por este fornecido, não tendo esses elementos, bem como a existência de horário para ministrar as aulas, que é essencial para que a atividade prosseguida funcione com o mínimo de organização, dada a multiplicidade de professores e de alunos, particular relevo na caracterização do vínculo que liga as partes envolvidas.
III − A circunstância de a Autora receber formação e estar sujeita a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores, não significa, só por si, que existe subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar formação e orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador.
IV – Tendo-se provado que nas ausências da Autora, a Ré providenciava, se necessário, pela sua substituição, assim como que a Autora auferia uma remuneração variável, sendo paga à hora, e de nos mais de dez anos em que colaborou com a Ré, nunca lhe terem sido pagos os subsídios de férias e de Natal, sendo paga através de recibos verdes que emitia, não se pode concluir, com segurança, pela existência dum contrato de trabalho.

Texto Integral


Proc. n.º 457/14.2TTLSB.L2.S2 (Revista)

4.ª Secção

LD/JG/RC

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I


AA, BB, CC e DD instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra EE, S.A., pedindo condenação desta no pagamento da quantia de € 90.042,15 a título de subsídios de férias e Natal e compensação por violação do direito a férias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das importâncias que a integram, até integral e efetivo pagamento e, ainda, como litigante de má-fé.
                                                                                          
No essencial, alegaram que foram admitidos ao serviço da Ré para, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, exercerem as funções, o 1.º e o 2.º Autor, de professor de ... e PT, a 3.ª Autora, de professora de postura, hidroterapia, hidroginástica sénior e treino personalizado, e a 4.ª Autora, de hidro, hidrobike, spinning, strectching, PT, pré e pós parto, nas instalações do ginásio sito em Lisboa, mediante o pagamento à hora, no final de cada mês, e em horários de trabalho que aquela lhes atribuía.
Mais alegaram que a Ré lhes disciplinava o trabalho a realizar e ministrava ações de formação; tinham de lhe comunicar o período de férias e arranjar outra pessoa para os substituir e, ainda, utilizavam os instrumentos pertença daquela.
Por fim, invocaram que a Ré lhes propôs o abaixamento do valor hora, circunstância que os levou, em agosto de 2013, a pôr termo ao contrato de trabalho que com ela celebraram por carta registada com aviso de receção que lhes remeteram, pese embora tenham assinado um escrito intitulado “contrato de prestação de serviços”.

A Ré contestou a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção, arguiu a ininteligibilidade da petição inicial e a prescrição dos créditos de que o 2.º Autor se arroga alegando que o contrato firmado entre ambos foi por ele denunciado em agosto de 2007.
Por impugnação, alegou que os Autores sempre estiveram vinculados a si por contratos de prestação de serviço e não por qualquer vínculo laboral, nada lhes sendo devido.
Os Autores responderam às exceções invocadas, pugnando pela respetiva improcedência, e concluíram como na petição inicial.
No despacho saneador indeferiu-se a exceção de ininteligibilidade arguida pela Ré.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo a ação sido decidida por sentença proferida em 22 de junho de 2015, que integra o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a acção improcedente e, em consequência, decide:
1. Absolver «EE, SA..» dos pedidos formulados por «AA», «BB», «CC» e «FF».
2. Condenar «AA», «BB», «CC» e «FF» a pagarem as custas processuais

Inconformados com esta decisão, dela recorreram os Autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão proferido em 12 de outubro de 2016, deliberou nos seguintes termos:
«Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto, reconhece-se a existência de contratos de trabalho entre Autores/recorrentes e a Ré /recorrida. Em consequência revoga-se a sentença recorrida, devolvendo aos autos ao tribunal recorrido a fim de apreciar os créditos laborais em dívida decorrentes dos contratos de trabalho que vigoraram entre Autores e Ré

Deste acórdão foi interposto recurso de revista pela Ré.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, por despacho do Relator de 8 de março de 2017, só foi admitido o recurso relativamente à 4.ª autora DD e, apreciado este, foi proferido acórdão em 21 de setembro de 2017 a determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para suprir a insuficiência da matéria de facto e julgar novamente a causa.

Descidos os autos, a apontada insuficiência da matéria de facto foi suprida pelo Tribunal de 1.ª Instância nos termos constantes de fls. 1295-1299 e, remetidos os autos, de novo, ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi a causa novamente julgada por acórdão de 11 de julho de 2018, nestes termos:
«Face ao exposto, reconhece-se a existência de contrato de trabalho entre a Autora DD e a Ré / recorrida, a partir de 1 de abril de 2003, devendo os créditos laborais em dívida decorrentes do referido contrato de trabalho serem apurados em incidente de liquidação.»

Não se conformando com esta decisão, veio a Ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão em 15 de janeiro de 2019, revogou o acórdão recorrido e determinou a remessa dos autos à Relação para que “proceda à análise e interpretação dos factos apurados, com recurso, se necessário, ao método indiciário, com vista à caracterização do contrato que vigorou entre as partes”.

Regressados os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi a causa novamente julgada por acórdão de 27 de março de 2019, julgando improcedente a apelação interposta pela Autora.

Inconformada, é agora a Autora que interpõe recurso de revista deste acórdão, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

1.ª - Constitui objeto do presente Recurso a análise da qualificação do contrato (contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços) entre a A. e a R. face ao regime jurídico aplicável na data do início da relação contratual, em 1 de abril de 2003, mais concretamente face ao RJCIT - ou seja, com recurso ao método indiciário.
2.a - Ao contrário do decidido no douto Acórdão recorrido, entendemos que a inserção da factualidade provada no contexto da relação contratual analisada tem como consequência necessária a conclusão de existência da subordinação jurídica própria do contrato de trabalho.
3.a - O próprio aresto recorrido assume serem os indícios a que há que recorrer que permitirão apurar a existência (ou não) da subordinação jurídica - mas, após consignar a verificação da existência da maioria desses indícios, conclui pela inexistência da subordinação jurídica.
4.a - É alcançar a conclusão em desacordo com as premissas - ou, mais propriamente, partir da conclusão para as premissas (em contrário do que pela natureza das coisas devia ser).
5.a - Como se demonstrará, a grande maioria dos indícios doutrinária e jurisprudencialmente consagrados existem no caso dos autos.
6.a - Como ensina o Prof. António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12ª Edição, são indícios a ter em conta a vinculação de horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, a modalidade de retribuição em função do tempo por regra, a propriedade dos instrumentos de trabalho, em geral a disponibilidade dos meios complementares da prestação.
7.a - No caso dos autos, todos esses índices ou indícios estão presentes na relação contratual da Autora com a R.:
7a.A - A vinculação a horário de trabalho está expressamente assente no nº 6 da matéria provada - “a Autora ministrava as aulas em horários definidos pela Ré”;
7a.B - A execução da prestação em local definido pelo empregador está assente no nº 4 da matéria provada - “A Ré admitiu a Autora para desempenhar funções no “......”, bem como no nº 4 da Cláusula Primeira do contrato junto a fls. 1276.
7.ª.C - A existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, estão provados na matéria de facto assente sob o nº 13 “A Autora estava sujeita a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores” e também estão documentalmente provadas pelo n° 3 da Cláusula Primeira do contrato - onde, a par da autonomia técnica da Autora no desempenho das suas funções, se estipula expressamente que compete à Ré o estabelecimento dos critérios procedimentais da prestação.
7.a.D - Como é pacífico doutrinaria e jurisprudencialmente, não se exige o exercício permanente do poder de dar ordens e fiscalização, basta-se com um estado de dependência potencial - não se exige que o faça permanentemente, basta que o possa fazer.
7.a.E - Essa aptidão potencial é sem dúvida consignada pela estipulação desse nº 3 da Cláusula Primeira do contrato de que compete à Ré estabelecer os critérios procedimentais do desempenho da atividade.
7.a.F - Por outro está, no que concerne à execução do contrato, ao modo como a relação contratual se desenvolveu, assente na matéria de facto provada sob o nº 13 - “A Autora estava sujeita a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores”.
7.a.G - Ainda por outro lado, o próprio Acórdão recorrido consigna também essa matéria na página 11, já que ela está forçosamente implícita na consideração de que a atividade da Autora se enquadra no âmbito da organização empresarial da Ré.
7.a.H - A modalidade de retribuição, por regra em função do tempo no contrato de trabalho (e apenas em face do resultado no de prestação de serviço), está expressamente provada no nº 4 da matéria assente e pela Cláusula Segunda do contrato - era calculada por um preço por cada aula ministrada, com horário e período temporal próprios, e paga no final de cada mês.
7.ªI - A propriedade dos equipamentos e instrumentos utilizados pela Autora pertence à Ré, como está expressamente provado no nº 5 da matéria assente - “Os Autores utilizavam equipamentos e instrumentos da Ré”.
8.a - Provou-se ainda, como consigna o nº 7 da factualidade assente, que “À Autora foi ministrada formação”.
8.a.A - Trata-se de facto que, no contexto em que se verifica e para a subsunção a que estamos a proceder, tem inegável relevância. Está diretamente relacionado com a já referida corporização pela Ré dos “critérios procedimentais” evidenciados no contrato, e não pode deixar de significar a inserção da Autora na orgânica funcional da empresa (aliás, e como já se disse, reconhecida na página 11 pelo douto Acórdão recorrido).
8.a.B - Trata-se também de um indício, adicional, mas tão relevante como os demais, para a qualificação da relação em causa como laboral.
9.a - Provou-se igualmente (n.º 8 da matéria de facto) que “a Autora comunicou os períodos de férias à Ré”.
9.a.A -Como é manifesto pela própria natureza das coisas, esse facto inseria-se, também ele, na necessidade de conjugar com toda a equipa de instrutores e coordenadores o modo de funcionamento da empresa, no fundo “os critérios procedimentais” a que se refere o contrato da Autora e o nº 13 da matéria provada.
9.a.B - Também este facto constitui um indício, igualmente adicional, mas tão relevante como os demais, para a qualificação da relação em causa como laboral.
10.a - A fundamentação decisória do douto Acórdão recorrido assenta, como expressamente consta da página 11, na consideração de que “nenhum facto se provou donde resulte o poder conformativo da prestação, rectius, que a Autora esteve, na sua atuação, juridicamente subordinados à Ré”.
11.a - Com o devido respeito, há aqui alguma ilógica de raciocínio.
12.a - Provada a matéria atrás referida, toda ela constituindo indícios da existência de contrato de trabalho, confessamos não perceber como pode a douta decisão recorrida dizer que nenhum facto se provou donde resulte...que a Autora esteve, na sua atuação, juridicamente subordinados à Ré”.
13.a - É que...provar, esses factos provaram-se! O que pode é a decisão a quo não os considerar suficientes para qualificar de laboral a relação contratual.
14.a - É que, como também é sabido e é pacífico, no método indiciário os índices de subordinação são a apreciar casuisticamente de forma interdependente entre si, de molde a que, conjuntamente analisados e em juízo de prognose global, seja possível aferir da existência (ou não) de subordinação jurídica e, por conseguinte, da existência (ou não) de contrato de trabalho).
15.a - Parece o douto Acórdão recorrido desconsiderar alguns desses indícios provados, nos seguintes termos e passos das páginas 10 e 11:
15.a.A - “Muito embora as aulas fossem prestadas em horários definidos pela R, nada inculca no sentido de cumprimento de um horário de trabalho previamente definido. Quer dizer, não resulta do acervo fáctico que a A. estivesse vinculada a um período normal de trabalho e, dentro dele, a um concreto horário”.
15.a.B - Para além de que se a Autora ministrava as aulas em horários definidos pela Ré esta tinha que os definir previamente (não se percebendo o alcance do raciocínio), não se nos afigura relevante a definição expressa do período de trabalho a que a Autora estivesse vinculada - ainda que essa possa ser a situação normal, a sua ausência não tem a virtualidade de desvirtuar o preenchimento do indício horário de trabalho.
15.a.C - “O… desenvolvimento da atividade em local do beneficiário da prestação não assume relevo, o mesmo se dizendo da sujeição a orientações…”.
15.a.D - A constatação seguinte do Acórdão recorrido - “...enquadrando-se a atividade no âmbito de uma organização empresarial...” - responde à questão, e em sentido oposto ao seguido no douto aresto.
15.a.E - É que, só na relação laboral o trabalhador está inserido na organização empresarial do empregador, enquanto nas prestações autónomas, para usar a expressão do Acórdão, o prestador está fora dessa organização do beneficiário do serviço.
15.a.F - “…é imprescindível que se perspetive a possibilidade de dar ordens, dirigir e fiscalizar o serviço do trabalhador. Situação que não se nos evidencia no caso concreto”. Ainda aqui com o devido respeito, afigura-se-nos que a conclusão alcançada é errada.
15.a.G - Com efeito, como é pacífico e já se acentuou, não se exige o exercício permanente do poder de dar ordens e fiscalização, basta um estado de dependência potencial - não se exige que o faça permanentemente, basta que o possa fazer.
15a.H - E como também dissemos, essa aptidão potencial é sem dúvida consignada pela estipulação do n° 3 da Cláusula Primeira do contrato e está assente no n° 13 da matéria provada.
16.a - Não transparece da matéria factual provada, nem sequer das alegações das Partes, a existência de um ambiente contratual genético e de execução do contrato (para usar os termos dos Ac. da Relação de Coimbra de 10-07-2013 e 26-09-2014) que gere dúvidas sobre a qualificação da relação como contrato laboral.
17.a - Concluímos assim que, perante os índices provados nos termos atrás referidos, da aplicação do método indiciário, ou método tipológico, doutrinaria e jurisprudencialmente consagrado, a relação contratual entre a Autora e a Ré consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho, o que deveria ter sido reconhecido e declarado pelo douto Acórdão recorrido - com as legais consequências daí decorrentes.
18.a - Sendo importante, para indagar sobre o que realmente pretendiam a Ré e a Autora ao estabelecerem a relação contratual iniciada em 1 de abril de 2003, importa analisar o documento contratual que nessa data subscreverem.
19.a - Fazendo-o, afigura-se-nos não poder haver dúvidas de que a Autora se obrigou perante a R. a fornecer-lhe a sua actividade profissional e que foi essa sua actividade profissional que a R. lhe pediu.
20.a - É isso que resulta clara e directamente do contrato assinado junto aos autos, integrantes da matéria provada sob o número 4 - e cujo teor aí expressamente se reproduz na íntegra. Com efeito, apesar da exaustiva referência a “serviços prestados”, “prestação de serviços”, “resultado dos serviços”, “prestar serviços na área da sua atividade profissional”, é bem claro que o que está em causa é o desempenho pela Autora da sua atividade profissional de Instrutora de Aulas de Grupo - pela própria natureza das coisas não é possível oferecer o resultado de uma aula a não ser através do ato de “dar essa aula”, ou seja, do desempenho da atividade (sendo possível separar uma máquina concertada da atividade que a isso conduziu, a aula é a própria atividade de a “dar”).
21.a - Os termos do próprio contrato espelham como é contra natura o cariz que a R. lhe pretendeu dar, como é artificial e mesmo “engenhosa” a qualificação de prestação de serviço dada ao mesmo - o que à evidência transparece essencialmente ao dizer-se que a empresa “cede as instalações do Ginásio para a prestação de serviços” pela Autora (vide nº 4 da Cláusula Primeira), “os serviços a prestar…, objecto do presente contrato, inclui os serviços inerentes à categoria profissional ajustada, bem como todos aqueles que façam parte da área profissional em que essa categoria se insere”, e leva à “necessidade” de se estipular pela negativa que “o contrato não confere a qualidade de trabalhador por conta da Primeira Outorgante” (vide Cláusula Quinta).
22.a - Realmente, a R. tinha perfeita consciência de que a sua pretensão não “tem enquadramento” num contrato de prestação de serviço, e por isso tentou “camuflar” a verdadeira natureza de contrato de trabalho pelo uso de meras expressões vazias de conteúdo porque sem qualquer correspondência com a realidade, algumas mesmo falsas (como a alegada “cedência” do Ginásio à A.).
23.a - Mas não pôde deixar de ter que recorrer a expressões e figuras do contrato laboral - os “serviços” são os inerentes à categoria profissional ajustada...e os que façam parte da área profissional em que essa categoria se insere (vide nº 2 da Cláusula Primeira), reserva à empresa o estabelecimento dos critérios procedimentais que orientarão a respectiva prestação (vide nº 3 da Cláusula Primeira), a necessidade de definição de um horário (vide Cláusula Terceira), a garantia de duração do contrato pelo menos um ano (que, atente-se no “por maior”, acabou por durar mais de dez anos ininterruptos) e o mecanismo de renovações automáticas tal como os contratos de trabalho a termo (vide Cláusula Quarta).
24.a - Ou seja, evidencia-se por um lado a artificialidade da pretensão de “fugir” ao contrato de trabalho pela utilização de subterfúgios desajustados face à natureza do objecto pretendido e, por outro, a necessidade de, face às exigências decorrentes da natureza desse mesmo objecto, ter que recorrer-se a figuras e terminologia próprias do contrato de trabalho.
25.a -Por isso, como se afigura evidente pela argumentação retro, o que a Autora ofereceu à R. e esta adquiriu foi a actividade própria da categoria profissional de Instrutora de Aulas de Grupo (vide Considerando C e nº 1 e 2 da Cláusula Primeira) - e não o mero resultado do seu trabalho.
26.a - É dado por provado que a A. emitiu “recibos verdes” e que a R. não lhe pagou Subsídios de Férias e de Natal.
27.a - Trata-se de factos integradores dos chamados indícios externos do método indiciário, que aqui poderiam entender-se como susceptíveis de diminuir o valor dos indícios provados.
28.a - Porém, o seu valor como contraprova tem que considerar-se diminuto, mesmo zero, uma vez que a fuga ao contrato de trabalho tem precisamente como um dos objectivos o não pagamento das obrigações dele decorrentes.
29.a - Assim, tais factos mais não são que os propósitos ilícitos pretendidos consumados. Trata-se de sinais que, se fossem positivos, indiciavam a relação contratual pretendida, mas sendo negativos nada provam por se tratar de consequências da atitude ilícita antes tomada e prosseguida pela Ré.
30.a - Face ao exposto entende-se que, também com recurso ao método indiciário a relação contratual entre Autora consubstancia verdadeiro contrato de trabalho e assim deveria ter sido qualificada.
31.a - Ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida o art. 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (RJCIT), bem como os arts. 1152º e 1154º do Código Civil.

Termina pedindo que seja dado provimento à revista e que, em consequência, seja «(…) anulado o Acórdão recorrido e proferido douto Acórdão que, decidindo pelo reconhecimento de que entre Recorrente e Recorrida sempre existiu relação laboral, contrato d trabalho, considere procedente a acção e condene a Rda de acordo com o pedido formulado pela Autora
A Ré apresentou contra-alegações tendo alinhado as conclusões seguintes:
1. Nos termos do n.º 3 do artigo 671º do NCPC, “não é admitida a revista de acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância (…)”.
2. Este preceito é diretamente aplicável ao presente recurso, pelo que o mesmo é inadmissível.
3. O presente processo teve as seguintes etapas:
a) A ora Recorrente, em coligação voluntária activa com outros três Colegas, intentou
em 11/02/2014 acção de processo comum contra a Recorrida;
b) Por sentença de 22/06/2015 na 1ª Secção do Trabalho de Lisboa – J4 foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, por inexistência de contratos de trabalho entre autores e ré;
c) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/10/2016 foi dado provimento ao Recurso interposto pelos quatro Autores, decidindo-se pela existência de contratos de trabalho entre os mesmos e a Ré;
d) A Ré interpôs recurso de Revista abrangendo os quatro autores, mas o Supremo Tribunal de Justiça apenas o admitiu relativamente à aqui Recorrente;
e) Por Acórdão de 21/09/2017 foi dado provimento ao recurso e, em consequência, determinada a remessa do Processo ao Tribunal da Relação para apuramento de matéria de facto (em concreto, a data de admissão) e sequente novo julgamento pela Relação;
f) Apreciada no Tribunal de 1ª instância a matéria de facto em deficiência, com o apuramento do facto “em falta”, subiu o Processo à Relação para nova decisão;
g) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de julho de 2018 foi dado provimento ao Recurso (no concernente à aqui Recorrente, o único admitido) decidindo-se que também em relação a ela existe contrato de trabalho e devendo os respectivos créditos laborais ser apurados em liquidação;
h) Desse Acórdão da Relação recorreu a Ré de Revista, tendo o STJ, por Acórdão de 15/01/2019, concedido parcialmente a Revista e ordenado a remessa do processo ao Tribunal da Relação para análise dos factos apurados com recurso ao método indiciário, com vista à caracterização do contrato que vigorou entre as partes;
i) Em sequência, é em 27/03/2019 proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, apreciando a acção com base no método indiciário, julgou improcedente o Recurso da A. por inexistência de contrato de trabalho entre a Recorrente e Recorrida.
4. Refere a A. que está a recorrer deste último acórdão.
5. No entanto, não pode olvidar a A., ora Recorrente, que o Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos acima identificados ordenou, com fundamentos diferentes, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que este julgasse a causa.
6. Assim, no seu Acórdão de 21 de Setembro de 2017, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que “mostrando-se insuficiente a matéria de facto apurada pelas instâncias para sobre ela assentar a decisão de direito aplicável, impõe-se determinar, nos termos do n.º 3 do artigo 682º do C.P.C., a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para suprir a insuficiência apontada e para se julgar de novo a causa (...)”.
7. Já no Acórdão de 15 de janeiro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça voltou a determinar a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, desta feita para proceder à análise e interpretação dos factos apurados, com recurso, se necessário, ao método indiciário, com vista à caracterização do contrato que vigorou entre as partes.
8. Ou seja, nunca o Supremo Tribunal de Justiça conheceu da questão de fundo da presente apelação: a relação existente entre os sujeitos processuais ser, ou não, um Contrato de Trabalho.
9. E nunca foi, pelo Supremo Tribunal de Justiça, considerado que o Tribunal da Relação de Lisboa haja analisado e decidido o quid do presente litígio, de acordo com todas as vertentes cuja análise foi necessária.
10. Por tal facto, o Supremo Tribunal de Justiça ordenou ao Tribunal da Relação de Lisboa que analisasse a questão de fundo da presente acção de acordo com a matéria de facto que ainda faltava apurar e de acordo com o método aplicável, face à data de início da relação contratual entre as partes.
11. E foi o que fez o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo decidido, “julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.”
12. Ou seja, expressamente, o Tribunal da Relação de Lisboa refere estar a confirmar a sentença do Tribunal da primeira instância.
13. E fá-lo utilizando, precisamente, a mesma fundamentação da primeira instância, entendendo que a subordinação jurídica é o elemento que, por natureza, fundamenta a conclusão acerca da existência de um contrato de trabalho, sendo aferida pela presença, ou não, de vários factores indiciários, como ordens e demais demonstrações de autoridade por parte do beneficiário do serviço.
14. E sublinhe-se que a Recorrida tem este entendimento mesmo quando, no Acórdão objecto do presente recurso, é referido que se chega à mesma conclusão, embora com fundamentos distintos.
15. Isto porque ambos os tribunais consideram não existir um contrato de trabalho pela inexistência de subordinação jurídica, sublinhando a ausência do elemento autoridade, que é intrínseco à relação de trabalho subordinado.
16. E chegaram ambos a tal conclusão pelo recurso ao método indiciário, pelo que não entendemos onde é que a fundamentação difere.
17. Sempre se dirá, no entanto, que para um recurso ser admitido é necessário que a fundamentação seja essencialmente diferente, e não apenas diferente, sendo que tal é também o que consta da letra da lei.
18. Entende a jurisprudência que “uma fundamentação é essencialmente
diferente quando   a   solução   jurídica   do   pleito   prevalecente   na   Relação   tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância” (acórdão do STJ de 28 de Maio de 2015, entre outros).
19. O que não acontece na situação vertente.
20. Caso não se entenda que o presente recurso é inadmissível e deve ser rejeitado, entende a Recorrida que, de qualquer forma, outra conclusão não poderá ser retirada dos factos dados como provados que não a inexistência de uma relação de trabalho subordinado.
21. Assim, nos termos do Acórdão objeto do presente recurso, à matéria em discussão nos presentes autos é o regime jurídico do contrato individual de trabalho anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro (LCT).
22. Nos termos do artigo 1152º do Código Civil e do artigo 1o da LCT, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.”
23. Já nos termos do artigo 1154.º do Código Civil, um contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho inteletual ou manual, com ou sem retribuição.
24. Estas figuras são, na verdade, de difícil distinção, sendo que antes das presunções de laboralidade, que apenas surgiram com o Código do Trabalho de 2003, as nossas doutrina e jurisprudência baseiam-se, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos.
25. Por um lado, o Contrato de Trabalho caracteriza-se essencialmente pelo estado de dependência em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, que se traduz em subordinação jurídica, cuja demonstração resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direção do empregador.
26. Nestes casos, o empregador dá ordens e exerce o poder de direção que a lei confere à entidade empregadora, a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador.
27. Já na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade.
28. Neste sentido, veja-se Luís Brito Correia, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88, Galvão Teles, Contratos Civis, em BMJ n.º 83, página 166 ou Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes
29. Não existindo a presunção de laboralidade, incumbia à A., nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
30. Ou seja, demonstrando que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
31. Ora, dos factos dados como provados, acima melhor identificados, terá de se concluir que a A. não logrou provar que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da Recorrente, assim como também não provou que estivesse sujeita ao seu poder disciplinar.
32. Na verdade, apenas resulta da matéria de facto dada como provada que exercia a sua    actividade    nas    instalações    da    Ré,  com    equipamentos    e    meios    por    aquela fornecidos, que teve formação, que ministrava aulas em horários definidos pela Ré, tudo situações próprias daquele tipo de atividade e organização.
33. Resulta, ainda, provado que a A. comunicava à R. que ia gozar férias e que recebia
à hora (com o valor a ser variável, sendo apenas apurado no final de cada mês) e
que se faltasse seria, apenas, substituída por um terceiro.
34. Não existiam ordens, instruções, exercício do poder de direcção e fiscalização, nem tão pouco a perspectiva de que tal pudesse vir a verificar-se.
35. E mesmo que se entenda que os autores estavam sujeitos a orientações gerais e sugestões dadas por instrutores ou coordenadores, tal é manifestamente diferente de ordens, instruções e diretivas, como é reconhecido jurisprudencialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se poderá aferir pelos Acórdãos proferidos, um no âmbito do Proc. n.° 67/13.1 TTBCL.P1.S1 (Revista) - 4.a Secção, de 10/12/2015 (Contrato de trabalho / Prestação de serviço - Professor de educação física - A circunstância de o A. dever obediência ao regulamento interno da destinatária da atividade prosseguida e de essa atividade ser enquadrada por esta, não significa, só por si, que existe subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador) ou ainda do processo n.° 2867/04.4TTLSB.S1 - 4.a Secção, de 24 de fevereiro de 2011 (“(...)” - o elemento típico distintivo do vínculo jus laboral é a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, mediante ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou).
36. Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica:
a) Os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa);
b) Os chamados indícios negociais externos (situação fiscal do prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social, etc).
37. No caso, perante a matéria de facto dada como provada, e quanto a indícios externos, verifica-se a sujeição do Autor aos regimes fiscal e de segurança social atribuídos, por Lei, aos trabalhadores por conta de outrem.
38. Já quanto aos indícios internos, temos que:
a) A A. desempenhava as funções nas instalações da Ré - Ora, a atividade desenvolvida por um professor de educação física é, habitualmente, realizada nas instalações do beneficiário da actividade;
b) A A. utilizava equipamentos e instrumentos da Ré – Também aqui, actividade desenvolvida por um professor de educação física é, habitualmente, realizada com equipamento específico fornecido pelo destinatário da atividade;
c) A A. ministrava aulas em horários definidos pela R – Face á multiplicidade de professores e alunos, a existência de um horário de aulas é essencial para que a atividade prosseguida funcione com o mínimo de organização;
d) A A. recebia à hora e quando faltava, não recebia honorários;
e) Quando a A.  faltava, era substituída e não estava sujeita a poder disciplinar da Ré;
f) A A. não recebia férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
g) Ao contrato foi dada a designação de “Contrato de Prestação de Serviços”;
39. Ponderando todos estes indícios na sua globalidade e adaptando os mesmos à atividade em concreto, será aqui essencial aferir do modo como a relação contratual se desenvolveu entre as partes e verificar se a Ré teria, ou não, o poder conformativo da prestação.
40. E verifica-se que não, uma vez que não existe qualquer manifestação do poder de direcção, de poder disciplinar ou de poder de conformar a prestação da A.
41. E verifica-se que não, uma vez que não existe qualquer manifestação do poder de direção, de poder disciplinar ou de poder de conformar a prestação da A.
42. Ou seja, será a subordinação económica e a subordinação jurídica que constituem a pedra angular, a essência, em que se estriba o critério diferenciador entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviço.
43. Reitera-se: no contrato de trabalho, esse fator de subordinação jurídica do trabalhador traduz-se no poder de autoridade e direção do empregador de conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, à existência do poder de conformar a actividade.
44. Por sua vez, a outra parte obriga-se a prestar a sua actividade intelectual ou manual – trata-se aqui de uma obrigação de meios.
45. Já no contrato de prestação de serviço, o prestador do serviço obriga-se à prestação de um resultado da sua atividade, que efetuará por si, com autonomia e da forma que considerar mais adequada.
46. Porém, tal não impede que, nos Contratos de Prestação de Serviço, exista a possibilidade do beneficiário poder dar sugestões e orientações gerais, dirigidas à obtenção do resultado do serviço a prestar e cuja qualidade se pretende assegurar.
47. Acresce à questão da subordinação o “nomen iuris” atribuído ao Contrato celebrado entre o A. e a R., que também é um elemento a ter em conta na qualificação do referido Contrato.
No corpo das Alegações, é também citada vasta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça neste sentido, como por exemplo o processo n.º 67/13.1TTBCL.P1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, de 10/12/2015: Contrato de trabalho / Prestação de serviço - Professor de educação física – I - A atividade desenvolvida pelos professores de educação física (musculação e cardiofitness) é habitualmente prosseguida em instalações do destinatário da atividade prestada, com equipamento específico por este fornecido, não tendo esses elementos, bem como a existência de horário para ministrar as aulas, que é essencial para que a atividade prosseguida funcione com o mínimo de organização, dada a multiplicidade de professores e de alunos, particular relevo na caracterização do vínculo que ligue as partes envolvidas. II- A circunstância de o A. dever obediência ao regulamento interno da destinatária da atividade prosseguida e de essa atividade ser enquadrada por esta, não significa, só por si, que existe subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador. III- Tendo-se provado que o Autor auferia uma remuneração variável e que era pago à hora, que a falta de comparência às aulas apenas poderia implicar perda da retribuição correspondente,   não   sofrendo   outras   consequências   e   tendo   recebido,   nos mais de dez anos em que colaborou com a R., uma retribuição paga apenas em onze meses, sem pagamento das férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal e sem nunca ter havido descontos para contribuições para a Segurança Social, como trabalhador dependente, pois apresentava-se como titular    de    rendimentos    de    trabalho    independente,    sendo    pago    através    de recibos     verde     que     emitia,     não     se     pode     concluir,     com     segurança, pela existência dum contrato de trabalho.
48. E o Parecer do Digníssimo Procurador Geral Adjunto, junto do Supremo Tribunal de Justiça, elaborado no âmbito do presente processo, também conclui, de forma clara que “(…) a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é no sentido de que para qualificar a relação jurídica em causa, deverá ter-se em consideração o regime jurídico em vigor, a quando da contratação.” e que “In casu, a facticidade dada como provada, apreciada globalmente, impõe que se conclua não terem sido apurados factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho.”

Já neste Supremo Tribunal de Justiça, atenta a questão prévia suscitada pela Ré nas suas contra-alegações no sentido da existência de dupla conforme entre as decisões das Instâncias, pelo Relator foi proferido despacho admitindo o recurso por se entender inverificada uma situação de dupla conformidade impeditiva da sua admissão, nos termos do art.º 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

O Exm.º Magistrado do Ministério Público, neste Supremo Tribunal de Justiça, proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se por remissão para pareceres anteriormente proferidos no processo no sentido de «não ter vigorado entre as partes um contrato de trabalho».

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se a relação existente entre a Autora DD e a Ré deve ser considerada como de trabalho subordinado.

II

É a seguinte a matéria de facto fixada:
1. Por escrito datado de 02/01/2008, intitulado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, a Ré admitiu o 1.º Autor para desempenhar funções de Instrutor de … no ..., mediante o pagamento de € 8,50 à hora, a efectuar no final de cada mês depois de apurado o número de horas prestadas.
2. Por escrito datado de 01/02/2002, intitulado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, a Ré admitiu o 2.º Autor para desempenhar funções de Instrutor de ... e ... no ..., mediante o pagamento de € 9,50 por aula enquanto Instrutor de ... e € 6,50 por hora enquanto ..., a efectuar no final de cada mês depois de apurado o número de aulas e horas prestadas.
3. Por escrito datado de 01/07/2002, intitulado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, a Ré admitiu a 3.ª Autora para desempenhar funções de Instrutora de ... no ..., mediante o pagamento de € 9,50 por cada aula de Hidroterapia e de € 14,90 por cada aula de Postura, sendo o pagamento efectuado no final de cada mês depois de apurado o número de aulas prestadas.
4. A Ré admitiu a 4ª Autora para ministrar aulas na Piscina do ..., a partir de 1 de abril de 2003, pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, mediante o pagamento de € 17,50 por cada aula ministrada, tendo ambos para o efeito assinado o escrito de fls. 1276 -1278, cujo teor se dá por reproduzido a íntegra. (facto objecto de ampliação - fls. 1294)
5. Os Autores utilizavam equipamentos e instrumentos da Ré.
6. Os Autores ministravam as aulas em horários definidos pela Ré.
7. Aos Autores foi ministrada formação.
8. Os Autores comunicaram o período de férias à Ré.
9. O 2.º Autor, por carta datada de 29/07/2013, comunicou à Ré o que consta da missiva de fls. 45 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.
10. Em consequência do supra descrito em 1), os Autores emitiram à Ré os recibos verdes juntos aos autos.
11. A Ré não pagava subsídios de férias e Natal aos Autores.
12. Nas ausências dos Autores, a Ré providenciava, se necessário, pela sua substituição.
13.Os autores estavam sujeitos a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores (facto aditado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, fls. 627 dos autos).
III

1 – No caso dos autos está em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre a Ré e a Autora FF, iniciada 1 de abril de 2003 (facto provado n.º 4), ou seja, há que apurar se a atividade de professora de educação física que a Autora prestava à Ré deve ser qualificada como contrato de trabalho, conforme pugna a recorrente, ou como contrato de prestação de serviços, como se decidiu no acórdão recorrido, à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho anexo, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969.

O acórdão recorrido concluiu que a factualidade dada como provada é insuficiente para concluir que as partes firmaram um contrato de trabalho, fundamentando-se no seguintes:

«No caso sub judice a relação laboral foi estabelecida em 2003, mediante o nome de contrato de prestação de serviços (fls. 1276), obrigando-se a A. a ministrar aulas na piscina do ginásio ... em Lisboa a partir de 1 de abril de 2003, pelo prazo de 1 ano, automaticamente renovável, mediante o pagamento de € 17,50 por cada aula ministrada. Com utilização de equipamentos e instrumentos da Ré e ministrando as aulas em horários definidos pela Ré. Foi-lhe ministrada formação. E, para além disso, a A. comunicava o período de férias à Ré. E emitia recibos verdes, sendo que não lhe eram pagos subsídios de férias e de natal. Por outro lado, nas suas ausências a Ré providenciava, se necessário, pela sua substituição. Ainda se provou que a A. estava sujeita a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores.
Concatenada esta matéria com os índices de subordinação jurídica normalmente apontados, temos que:
- Muito embora as aulas fossem prestadas em horários definidos pela R., nada inculca no sentido de cumprimento de um horário de trabalho previamente definido. Quer dizer, não resulta do acervo fático que a A. estivesse vinculada a um período normal de trabalho e, dentro dele, a um concreto horário;
- A prestação da atividade desenvolvia-se em local definido pelo empregador – a piscina do ginásio ...;
- No concernente à existência de controlo no exercício da atividade, tendo a comunicação do período de férias e a sujeição a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores;
- Verificava-se a utilização de bens do beneficiário da atividade;
- No tocante a submissão a poder disciplinar, nada se provou. Indicia-se, porém, que o mesmo não estaria presente, já que faltando a A. a R. providenciaria pela sua substituição;
- Quanto à modalidade de retribuição, sabe-se que a A. era paga por aula ministrada, o que claramente indicia no sentido de o objeto do contrato ser não a atividade, mas sim o resultado;
- O regime fiscal era próprio de uma relação autónoma.
Tudo ponderado, no caso concreto, tendo-se a Apelante vinculado à prestação de uma determinada atividade, mediante retribuição, parece certo que o vínculo que assumiu se desenvolveu num quadro de não sujeição à autoridade da contraparte.
Na verdade, no contexto relacional, o desenvolvimento da atividade em local do beneficiário da prestação não assume relevo, o mesmo se dizendo da sujeição a orientações gerais que, enquadrando-se a atividade no âmbito de uma organização empresarial, sempre existe (seja em presença de prestações autónomas, seja na de prestações subordinadas).
Aceitando-se que a subordinação jurídica comporte vários graus, podendo ser maior ou menor consoante as aptidões profissionais do trabalhador e a tecnicidade das próprias tarefas, é imprescindível que se perspetive a possibilidade de dar ordens, dirigir e fiscalizar o serviço do trabalhador.
Situação que não se nos evidencia no caso concreto.
Concluímos, pois, embora com distintos fundamentos, como na sentença: a factualidade é insuficiente para concluir que as partes firmaram um contrato de trabalho, “posto que nenhum facto se provou donde resulte o poder conformativo da “prestação”, rectius, que os Autores estiveram, na sua atuação, juridicamente subordinados à Ré”.
E, assim, improcede a apelação interposta pela A. FF.»

Vejamos se decidiu com acerto.

2 - O contrato de trabalho é definido no artigo 1152.º do Código Civil como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direção desta».
Por sua vez, o contrato de prestação de serviço, de acordo com o disposto no artigo 1154.º do mesmo código, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
A noção de contrato de trabalho consagrada naquele artigo foi retomada no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969.
Existe uma evidente proximidade entre estes contratos encontrando-se na existência da subordinação jurídica o elemento estruturante na delimitação entre os dois.
O contrato de trabalho caracteriza-se, fundamentalmente, pela dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face ao outro contraente, a entidade empregadora, em face da qual o trabalhador fica sujeito às ordens daquela, relativamente aos termos da prestação do seu trabalho e ao respetivo poder disciplinar.
A conformação dos termos da prestação de trabalho tem um dos vetores no poder de direção da entidade empregadora e outro no dever de obediência à disciplina que enquadra essa prestação, decorrente do exercício daquele poder e a que o trabalhador se encontra sujeito.
Na definição de Menezes Cordeiro[1], a subordinação jurídica consiste numa situação de sujeição, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por simples vontade do empregador, o dever de prestar em que está incurso. Mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica, o que corresponde, em regra, a um elevado grau de qualificação, determinando que o núcleo da própria atividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da atividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos por este último, havendo, pois, subordinação.
Ou seja, no contrato de trabalho, a entidade patronal tem o poder de orientar, através de ordens, diretivas e instruções (poder de direção) a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua atuação. No contrato de trabalho é a entidade patronal que programa, organiza e dirige a atividade do trabalhador, definindo onde, como e quando este deve executar a sua obrigação.
A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a mera possibilidade de ordens e direção, bem como quando a entidade patronal possa, de algum modo, orientar a atividade laboral em si mesma.
Importa, no entanto, ter presente, como refere Maria do Rosário da Palma Ramalho, que «o reconhecimento tradicional do poder diretivo como critério qualificativo por excelência do contrato de trabalho, enquanto reverso da subordinação do trabalhador, merece ser reponderado, porque corresponde a uma visão excessivamente estreita da própria subordinação e porque o poder de direção é pouco saliente como marca distintiva do contrato de trabalho»[2] e conclui aquela autora pronunciando-se «pela inaptidão do poder de direção para, por si só, poder operar a qualificação do contrato de trabalho», referindo que «sem negar a importância deste poder no contrato, forçoso é reconhecer que tal importância decorre não tanto de uma diferença qualitativa como de uma diferença de intensidade, em razão da maior indeterminação da prestação laboral (…) e do caráter continuado do vínculo (…)»[3].
Por outro lado, na prestação de serviço não existe esta subordinação, tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando, contudo, vinculado ao resultado da atividade prosseguida.
Apesar da linearidade do apontado critério de distinção entre estes dois contratos, a questão da qualificação contratual assume, em certas situações da vida real, uma grande complexidade, dado que as formas de subordinação jurídica são cada vez mais diversificadas e nem sempre aparecem de forma evidente. E, por outro lado, existem diferentes graus de subordinação, pois há formas de trabalho subordinado em que a atividade é prestada com grande autonomia, não existindo ordens concretas e específicas, mas um mero quadro potencial da sua existência.
Com efeito, sendo a subordinação jurídica do trabalhador ao beneficiário da respetiva atividade o aspeto verdadeiramente diferenciador do contrato de trabalho, ao ponto de existir necessariamente naquele, não raro se verificam situações em que se torna difícil a determinação da verificação dessa subordinação do prestador da atividade à pessoa que dela beneficia.
É que a subordinação jurídica pode não transparecer em cada momento da prática de certas relações de trabalho e ao lado dos casos em que, diariamente, a entidade patronal manifesta a sua posição de supremacia, programando, dirigindo, controlando e fiscalizando a atividade do trabalhador, existem outros em que devido às condições de realização da prestação, o trabalhador goza de uma certa autonomia na execução da sua atividade laborativa, sem que deixe de ocorrer a subordinação jurídica.
Daí que, sempre que não se consiga obter uma conclusão decisiva pela análise e interpretação da vontade das partes, deverá, conforme vem referido no acórdão desta Secção, de 15 de abril de 2015, proferido na revista n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1[4]: «… aferir-se a caracterização do contrato pela interpretação dos elementos disponíveis resultantes do modo como as partes se relacionavam no desenvolvimento e na execução do contrato, com recurso ao chamado método indiciário ou de aproximação tipológica.
No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem.
Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, ou fixa), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação.
São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem».

No mesmo sentido, se referiu no acórdão desta secção, de 9 de fevereiro de 2012, proferido na revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1[5], «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a atividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da atividade, existência de controlo externo do modo de prestação da atividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a atividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade, a inscrição do prestador da atividade na Segurança Social e a sua sindicalização)».

Importa igualmente ter presente que, conforme refere Monteiro Fernandes, «cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade», pelo que «o juízo a fazer (…) é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta», não existindo «nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso»[6].

Torna-se, pois, necessária uma ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço.
Por outro lado, «a conclusão no sentido da existência de subordinação jurídica, a partir dos indícios de subordinação indicados, e a consequente qualificação laboral do contrato deve (…) ser rodeada das cautelas normalmente exigidas pela aplicação de um método indiciário à qualificação de um negócio jurídico, deve ainda ter especial atenção à evolução moderna do contrato de trabalho enquanto tipo negocial e, por fim, não deve conduzir a um resultado qualificativo contrário à vontade real das partes na conclusão do negócio»[7].

Tradicionalmente, nos termos do regime geral da distribuição do ónus da prova, à luz do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho.
É nesse cenário que se insere o recurso aos indícios acima referidos, como forma de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado.

Feitas estas considerações genéricas, passemos agora à análise do caso concreto.

3 - Analisando a factualidade tida por demonstrada e adaptando-a apenas à Autora FF, ora recorrente, verificamos que se provou o seguinte:
«4. A Ré admitiu a Autora para ministrar aulas na Piscina do ..., a partir de 1 de abril de 2003, pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, mediante o pagamento de € 17,50 por cada aula ministrada, tendo ambas para o efeito assinado o escrito de fls. 1276 -1278, cujo teor se dá por reproduzido na íntegra ( cf. ampliação a fls. 1294)
5. A Autora utilizava equipamentos e instrumentos da Ré.
6. A Autora ministrava as aulas em horários definidos pela Ré.
7. À Autora foi ministrada formação.
8. A Autora comunicava o período de férias à Ré.
10. Em consequência do supra descrito em 1) – ou seja, do nomen juris dado ao contrato assinado pelas partes (“contrato de prestação de serviços”) - a Autora emitiu à Ré os recibos verdes juntos aos autos.
11. A Ré não pagava subsídios de férias e Natal à Autora.
12. Nas ausências da Autora, a Ré providenciava, se necessário, pela sua substituição.
13. A Autora estava sujeita a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores ou coordenadores (facto aditado pelo Tribunal da Relação a fls 627 dos autos).»

A atividade desenvolvida pelos professores de educação física é suscetível de ser levada a cabo, indistintamente, num quadro de subordinação ou em termos autónomos, pelo que nenhuma inferência de relevo é possível retirar em função deste elemento.
Do mesmo modo, é irrelevante que a Autora prestasse a sua atividade em local definido pela Ré - piscina do ginásio ... -, bem como que usasse nas suas aulas equipamentos e instrumentos fornecidos pela Ré (factos n.ºs 4 e 5).
Com efeito, tratando-se de instalações definidas pela Ré, é natural que fosse esta a fornecer os equipamentos e materiais de apoio técnico necessários e adequados às atividades físicas ali desenvolvidas pelos utentes da Ré, mais concretamente nas aulas ministradas pela Autora e demais professores. Importa fazer notar que é também frequente, mesmo em inequívocos contratos de prestação de serviços, que estes últimos sejam executados em instalações definidas pelo credor, como aqui acontece.
Também o facto de ser a Ré a definir os horários da Autora (facto n.º 6) não é determinante para a qualificação do contrato.
Com efeito, como se consignou no supra citado acórdão desta Secção de 15 de abril de 2015, proferido na revista n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1[8], relativamente a um professor de ..., «a existência de horário para ministrar aulas não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num complexo desportivo destinado ao ensino da ..., com vários professores e múltiplos alunos em diferentes fases de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com um mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço. Também não é decisivo que o fornecimento do material didático utilizado no ensino da ... competisse à ré, tendo em vista que esses materiais existem em qualquer piscina, cumprindo diferentes finalidades operacionais».

Acresce que na ausência da Autora, a Ré providenciava, se necessário, pela sua substituição (facto provado n.º 12), o que aponta claramente no sentido de que era o resultado da atividade que relevava e não esta em si mesma, como é característica do contrato de trabalho, que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da atividade característica do contrato de prestação de serviços, evidenciando também que a Autora não se integrava na estrutura organizativa da Ré.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[9], o contrato de trabalho “[é] um contrato intuitus personae, pela essencialidade das características pessoais do trabalhador para o empregador. Esta característica justifica que… a prestação  laborativa seja infungível, o que inviabiliza a substituição do trabalhador por outra pessoa no cumprimento dos seus deveres contratuais”.

Outrossim, ao contrário do regime do contrato de trabalho em que as férias são marcadas por acordo entre empregador e trabalhador e na falta deste pelo empregador, vem provado apenas que a Autora se limitava a comunicar o seu período de férias à Ré, sem mais (facto provado n.º 8).

Importa ainda ter em consideração que a Autora não tinha uma remuneração, total ou parcialmente fixa, sendo, ao invés, paga de acordo com as horas por si efetivamente prestadas, mediante a emissão de recibos comumente designados de “recibos verdes” (factos provados n.ºs 4 e 10), pelo que nada recebia se não fosse trabalhar, o que, em princípio, é mais característico da prestação de serviços, em que se retribui o resultado da atividade, do que do contrato de trabalho em que normalmente se paga a disponibilidade do trabalhador, e demonstra que a Autora estava necessariamente coletada nas Finanças como trabalhadora independente

Por outro lado, nos mais de dez anos em que as partes permaneceram contratualmente vinculadas, a Ré jamais pagou à Autora subsídios de férias e de Natal (facto provado n.º 11), tudo sem que a Autora tivesse contestado tal situação ou exigido à Ré que a regularizasse, apenas se insurgindo após cessação da relação entendeu reivindicar, certo como é que o percebimento daquelas remunerações constitui um direito do trabalhador no âmbito do contrato de trabalho.

Ao exposto acresce que não se apurou qualquer facto donde se possa inferir que a Autora estivesse sujeita ao poder disciplinar da Ré.

Também a circunstância de a Autora ter recebido formação e estar sujeita a orientações gerais e sugestões dadas por outros instrutores e coordenadores (factos provados n.ºs 7 e 13), por si só não significa que existe subordinação jurídica, entendida no sentido de o trabalhador estar sujeito a ordens, pois como se argumenta no acórdão desta 4.ª Secção de 10 de dezembro de 2015, proc. 67/13.1TTBCL.P1.S1, «[n]a prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador», referindo-se mais à frente que «(…) a existência de reuniões e orientações ou instruções a seguir não é incompatível com o contrato de prestação de serviço pois o credor sempre tem uma palavra a dizer no modo como o serviço contratado deve ser executado e pode exercer alguma fiscalização sobre o desempenho do devedor, o que na situação dos autos é até compreensível por se estar perante a atividade desenvolvida num ginásio/instalações desportivas, envolvendo, nessa medida, uma área técnica e até pedagógica».
Ademais, a formação, instruções e diretivas recebidas pela Autora no decurso da sua atividade faz todo o sentido num contexto em que, havendo outros professores a harmonização pedagógica e a uniformização dos procedimentos é fundamental para salvaguardar a imagem de qualidade e a política comercial do ginásio/instalações desportivas.

Importa atentar também que a relação entre a Autora e a Ré foi titulada por um contrato denominado de «prestação de serviços» e não obstante o nomen juris utilizado pelas partes na titulação formal dada ao contrato não seja decisivo quanto à sua qualificação (e muito menos, naturalmente, no tocante à determinação da correspondente disciplina jurídica), certo é que constitui um dos elementos auxiliares a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial.

Tudo ponderado, afigura-se que os indícios apurados e conjuntamente avaliados, não revelam a existência de qualquer autoridade da Ré sobre a Autora na execução do seu serviço e não são suficientes para podermos concluir pela existência de subordinação jurídica.

Neste contexto, atendendo ao conjunto dos factos provados, conclui-se que Autora não fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), de que a relação contratual que vigorou entre as partes revestia a natureza de contrato de trabalho.


V
 
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

 Custas do recurso de revista pela recorrente.
         
Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 27 de novembro de 2019


António Leones Dantas (Relator)


Júlio Gomes


Ribeiro Cardoso


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[1] Manual do Direito do Trabalho, Almedina 1991, p. 535.
[2] Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2012, p. 51.
[3] Obra citada, p. 53.
[4] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[5] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[6] Direito do Trabalho, 16.ª Edição, 2012, Almedina, p. 124.
[7] Maria do Rosário da Palma Ramalho, Obra citada, p. 43.
[8] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[9] Obra citada, p. 86.