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SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
CLÁUSULA CONTRÁRIA À CONSTITUIÇÃO DA SERVIDÃO
DECLARAÇÃO EM CONTRÁRIO CONSTANTE DO DOCUMENTO
Sumário
I- No caso de litisconsórcio sucessivo, em que o chamado opta por intervir no processo, fazendo seus os articulados da parte ao lado de quem é chamado a intervir, nos termos do art. 13º nº 7 b) do R.C.P., é devida taxa de justiça a fixar nos termos da tabela I-B.
II- O art. 427º do C.P.C. prevê a regra da sucumbência ou decaimento sendo que esta deve ser aferida segundo um critério material e objectivo, i.e., um critério que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção objectiva na esfera jurídica da parte.
III- São requisitos da servidão por destinação de pai de família prevista no art. 1549º do C.C.: a) que os dois prédios, ou as duas fracções de um só prédio, tenham pertencido do mesmo dono; b) a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um prédio para outro ou de uma fracção para a outra; c) que se verifique a separação dos prédios ou das fracções e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição da mesma servidão.
IV- A declaração em contrário constante do documento tem que ser expressa, especial, clara e terminante, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório
P. J. instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra P. C. e esposa, V. G., pedindo que a sua condenação a:
a) Reconhecerem que o autor é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “A” sita na R. de ..., nº …, ..., Guimarães;
b) Absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização, por parte do autor, desse mesmo prédio;
c) Absterem-se de invadir o prédio do autor;
d) Absterem-se de utilizar a água do furo do autor;
e) Absterem-se da prática de qualquer acto que impeça o autor de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo, na parte traseira do prédio, localizada a sul;
f) Absterem-se da prática de qualquer acto que impeça o autor de colocar umas chapas no gradeamento da entrada da sua habitação;
g) Absterem-se da prática de qualquer acto que impeça o autor de colocar a grade e as chapas, que colocou do lado de dentro do seu prédio, em cima do muro que divide o prédio do autor do prédio dos réus, na parte traseira do prédio, localizada a sul;
h) Em sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento da decisão que venha a ser proferida neste processo, fixando-se o respectivo montante em quantia nunca inferior a € 50,00 por cada dia de incumprimento;
i) A pagarem ao autor uma indemnização de € 225,00, pelos danos patrimoniais causados.
Para tanto, e em síntese, alega que é proprietário da fracção autónoma, designada pela letra “A”, com logradouro, sito na Rua da ..., fracção …, nº …, da união de freguesia de ... e ..., concelho de Guimarães, descrito na C.R.Predial de Guimarães sob o nº …-A/... e inscrito na matriz sob o art. …, fracção essa que adquiriu por doação dos seus pais, os réus na acção, outorgada em 23/12/2014.
Este prédio integra, juntamente com a fracção autónoma designada pela letra B, com logradouro, um bloco habitacional em propriedade horizontal, constituída pelos réus através de escritura pública outorgada no dia 14/04/2011.
Em Janeiro de 2017 quis vedar o seu prédio com a colocação de uma grade e de uma chapa sobre um muro já existente a separar ambas as fracções, bem como com a construção de um muro revestido com grade e chapas, tudo na traseira do prédio, a sul, mas foi, quer nesse dia, quer noutro dia posterior, impedido pelos réus de o fazer.
Também pretende, dado o comportamento dos réus, vedar a sua fracção junto à entrada da sua casa, mediante a colocação de uma chapa no gradeamento ali existente.
No seu prédio existe um furo artesiano que serve para abastecer de água a sua casa, sendo que o quadro eléctrico do motor do furo se encontra na habitação dos réus. Estes, porém, desligavam o motor e, a dada altura, entraram no seu prédio e selaram o furo, com o que, além do estrago causado no paralelo, deixou de poder utilizar a água.
No dia 02/02/2017 voltou a tentar colocar a grade e a chapa no muro das escadas que separa as duas fracções, voltando a ser impedido de o fazer pelos réus. Mercê da intervenção da G.N.R., porém, logrou fazê-lo, embora não sobre o muro, que é meeiro, mas do lado de dentro do seu prédio. Não conseguiu, porém, colocar a pedra que faltava no muro, bem como a grade e as chapas.
Com tudo isto sofreu um prejuízo de € 75,00 por ter pago a trabalhadores um dia inteiro de trabalho, quando estes só trabalharam meio-dia, além do que terá de despender a quantia de € 150,00 para reparação da caixa e da tampa do furo estragada pelos réus.
Tentou resolver todos estes assuntos com os réus, mas não o conseguiu, justificando-se o recurso a esta acção para que o consiga e veja reposto o normal exercício do direito de propriedade sobre o seu prédio.
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Os réus contestaram pedindo a absolvição da instância ou, não se entendendo assim, do pedido.
Quanto à absolvição da instância estribaram a sua defesa nas excepções dilatórias de nulidade do processo fundada em ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade activa, a pretexto: quanto à primeira, de haver contradição entre o pedido e a causa de pedir e falta e ininteligibilidade da causa de pedir; quanto à segunda, de o autor, sendo casado e dizendo esta acção respeito à casa de morada de família, surgir desacompanhado da sua esposa.
Quanto à absolvição do pedido fundaram a sua conclusão no facto de desconhecerem o local exacto da vedação das fracções pretendida pelo autor, esta contrariava o anteriormente acordado pelas partes quanto aos termos dessa vedação e ainda, no que tange às chapas a colocar no muro já existente, que estas acabaram por ser colocadas no interior do prédio do autor porque este não tinha licença administrativa para o efeito.
Também invocaram quanto à questão do furo artesiano que este, devidamente licenciado, é utilizado pelos mesmos desde 10/04/2007, ou seja, desde ainda antes da doação de uma das fracções ao autor, tendo sido os contestantes quem, de resto, o construiu sendo, pois, proprietários da água, ou pelo menos, titulares de um direito de servidão sobre ela.
Os réus pediram ainda a condenação do autor como litigante de má-fé.
Deduziram reconvenção pedindo a condenação do autor a pagar-lhes a quantia de € 7.437,00.
Para tanto, e em síntese alegaram que, depois de doarem o prédio ao autor, suportaram despesas com obras na fracção que lhe doaram mediante o compromisso do autor de reembolsá-los do valor despendido, em prestações mensais, a partir do mês seguinte ao da conclusão das obras, o que ocorreu em finais de Maio de 2015. O autor, porém, não o fez.
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O autor replicou dizendo que a reconvenção não era admissível e impugnando o que nela foi alegado. Pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé em indemnização a seu favor em quantia não inferior a € 1.500,00.
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Os réus pronunciaram-se em relação à litigância de má-fé.
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Em articulado autónomo, apresentado a convite do tribunal, o autor pronunciou-se pela improcedência das excepções dilatórias deduzidas pelos réus, entendeu que a presença da mulher não era devida para assegurar a legitimidade, mas, para o caso assim não se entender, deduziu a sua intervenção.
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Os réus exerceram o contraditório dizendo que o autor requereu intempestivamente a intervenção de terceiros pelo que pedem a sua absolvição da instância por preterição de litisconsórcio necessário activo.
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A fls. 175 foi proferido o seguinte despacho:
“Ao abrigo do disposto nos art.ºs 34.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. d), 316.º, n.º 1, 318.º, n.º 1, al. a), 577.º, al. e) e 590.º, n.º 2, al. a), julgo procedente o incidente de intervenção de terceiros deduzido pelo Autor a fls. 139 e, consequentemente, admito a intervenção principal nos autos, como sua associada, da sua esposa R. M..
Custas do incidente pelos Réus, face ao seu decaimento no incidente, mercê da oposição deduzida a fls. 170 e 171.
Notifique e cite a chamada para os termos da causa (art.º 319.º do CPC).”
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R. M. interveio declarando fazer seus os articulados do marido e referiu que, no seu entender, aliás conforme doutrina e jurisprudência maioritárias, não há lugar ao pagamento de mais uma taxa de justiça uma vez no litisconsórcio activo está em causa uma única relação material controvertida.
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Foi dispensada a audiência prévia. Não foi admitida a reconvenção;
Foi proferido despacho saneador julgando-se improcedente a excepção dilatória de nulidade do processo fundada em ineptidão da petição inicial e considerando-se prejudicada a apreciação da excepção dilatória de ilegitimidade activa.
Foi enunciado o objecto do litígio. Foram seleccionados os factos assentes e elencados os temas da prova.
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Após realização de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos:
“Termos em que se decide julgar parcialmente a ação e, consequentemente, condenar os Réus a:
a) reconhecerem que o Autor é proprietário do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial;
b) absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização, por parte do Autor, desse mesmo prédio;
c) absterem-se de invadir o prédio do Autor;
d) absterem-se de utilizar a água do furo do Autor;
e) absterem-se da prática de qualquer ato que impeça o Autor de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo, na parte traseira do prédio, localizada a Sul;
f) a pagarem ao Autor a quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, necessária ao ressarcimento do custo que terá de ser suportado pelo mesmo com a reparação da tampa do furo artesiano e do dia completo que pagou aos trabalhadores, apesar de estes só terem trabalhado uma tarde, no que diz respeito à construção do muro referido na alínea e) deste dispositivo;
g) absolver os Réus do mais peticionado.
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Custas por Autor e Interveniente, por um lado, e Réus, por outro, da seguinte forma:
- relativamente a 8/9 do globalmente devido, por Autor e Interveniente e Réus, na proporção de 5/9 e de 3/9, respetivamente;
- relativamente ao restante 1/9, por Autor e Interveniente e Réus, provisoriamente, na proporção de 50% para cada, remetendo-se a repartição definitiva dessa responsabilidade para o momento em que vier a ser liquidada definitivamente a indemnização a que o Autor tem direito a receber dos Réus.”
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Não se conformando com esta sentença vieram os réus dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1. Não podem os recorrentes conformar-se com a sentença recorrida proferida nos presentes autos, na parte em que determinou que:
a) Devem os Réus abster-se de “utilizar a água do furo do Autor”;
b) Pagar ao Autor “a quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, necessária ao ressarcimento do custo (…) do dia completo que pagou aos trabalhadores, apesar de estes só terem trabalhado uma tarde, no que diz respeito à construção do muro”, na parte traseira do prédio, localizada a Sul.
E isto porque,
2. No que concerne ao direito ao uso da água, a título de servidão, entendeu o Tribunal a quo que, resultando do art.º 1549.º do CC que são três os pressupostos para a constituição da servidão por destinação do pai de família - que os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, tenham pertencido ao mesmo dono e se separem; que existam, aquando da separação, sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com outro, ou de uma fração para a outra e que, na separação, não haja no documento respetivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo, no caso dos autos, considerou a sentença recorrida, com o devido respeito, erradamente, estarem reunidos apenas os dois primeiros pressupostos para o reconhecimento da servidão, mas não estar reunido o último, por considerar que as próprias partes afastaram que a separação do domínio sobre os prédios deixasse intocada a serventia que se fazia sentir quanto ao uso da água a favor da fração autónoma dos Réus, ao fazerem constar do título de separação, que a doação do prédio era feita “livre de ónus e encargos”, considerando que, em virtude da declaração feita nestes termos pelas partes, falta um requisito essencial para que aos Réus seja reconhecido o direito sobre a água – a ausência de declaração contrária no respetivo documento.
3. Ora, não podem pois os Réus conformar-se com a decisão recorrida, nesta parte em que considera não se encontrar verificado o último requisito da constituição da servidão por destinação do pai de família, por não se aceitar que as partes tenham afastado a serventia quanto ao uso da água, a favor da fração dos Réus, ao referirem no título de doação “(…) OS PRIMEIROS doam ao SEGUNDO outorgante seu filho, o imóvel supra identificado livre de ónus ou encargos, com exceção dos atrás referidos(…)”.
4. Na verdade, resulta do n.º 1 do artigo 1547.º do CC que um dos modos de constituição das servidões prediais, é a destinação do pai de família. A servidão predial, como resulta do seu conceito legal dado pelo art.º 1543º do CC, é um encargo que recai sobre um prédio (o prédio serviente, o do Autor), em proveito exclusivo de outro prédio (o prédio dominante, o dos Réus), devendo os prédios pertencer a donos diferentes, no caso, Autor e Réus.
5. O artigo 1549.º do mesmo Código estabelece ainda que “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”.
6. Desta forma, determina a lei o nascimento da servidão, no instante da separação dos prédios ou frações, ou seja, no momento em que a situação de facto dá lugar a uma situação de direito, pelo que o surgimento da servidão só não opera, segundo a lei “se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”.
7. De onde resulta que a servidão operada pelo proprietário único dos dois prédios terá lugar, ainda que este permaneça em silêncio, já que, para que no ato de separação não nasça a servidão, é essencial que seja aposta no documento, que lhe dá forma, uma cláusula contrária à sua constituição.
8. Assim, há que ver aqui uma presunção iuris tantum, já que a expressão utilizada pelo legislador equivale à formulação geral “salvo prova em contrário”, típica deste tipo de presunções (art.º 350.º, n.º 2 do CC).
9. No entanto, a faculdade de prova em contrário é reduzida, prevendo-se na lei que a intenção de não constituição da servidão tenha de estar declarada no documento que opera a separação dos prédios.
10. Ora, no caso dos autos, não se verifica uma qualquer declaração oposta à constituição do encargo, porquanto a expressão “livre de ónus e encargos”, não pode ser interpretada no sentido de se considerar afastada a servidão.
11. Já que o ter de constar do título, significa que, com letra de forma, dele tenha de constar que se exclui a servidão .
12. Ou seja, a declaração em contrário constante do documento, a que alude o art.º 1549.º do CC in fine, há-de ser feita de forma especialmente clara e terminante, não bastando dizer-se que o prédio se encontra livre de qualquer encargo ou ónus, aquando da separação do domínio.
13. Pelo que, se pretendia o Autor obviar à constituição automática da servidão no momento exato em que o prédio lhe foi doado, haveria que incluir no título de doação a menção expressa de que a serventia não passava a servidão garantindo-se com isto a extensão da doação que ia ser feita, o que não logrou fazer.
14. Pelo que no título de doação, não se faz a mínima referência a sinais de serventia, quando é certo e isso não está em discussão, que eles existiam. Como também não se faz a mínima referência a uma serventia, positiva ou negativamente. O documento omite por completo este assunto, nada tendo declarado quanto às águas, sua condução e utilização.
15. E a verdade é que e como refere Rita Valente Ribeiro e Castro Teixeira, Da Extinção por Desnecessidade das Servidões por Destinação do Pai de Família, Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, Escola de Direito disponível em http://repositorio.ucp.pt.bitstream/10400.14/15794/1/DISSERTA, pág. 24, “Os Autores têm entendido que não será suficiente para evitar a constituição da servidão a expressão “livre de todos os encargos”, inserta no documento que dá corpo à separação. Pelo contrário, a declaração em causa terá de ser feita especialmente, de forma clara e terminante”, referindo-se, para o efeito assinalado a Gonçalves Rodrigues, Da Servidão Legal de Passagem, Coimbra,1962, pág. 100 e ainda Acórdão do STJ, de 03.07.2008, processo n.º 08B1265.
16. No mesmo sentido se pronunciaram Oliveira Ascensão, Direito Civil. Reais, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 495; José C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2018, pág. 850; Dias Ferreira, Cód. Civil Portuguez Annotado, 2.ª ed., Vol. IV, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1905, pág.230.
17. Também a jurisprudência, além do Acórdão referido, os Acórdãos do STJ,de 05.05.15,do TRP de 01.07.2010, no processo n.º 3216/06.2TJVNF.P1,do TRP, de 21.04.2005, proferido no proc. n.º 0531982, do TRL, de 07.02.2000, Col. Jur ,da RP de 29.05.12, www.dgsi.pt., e da RL de 05.07.00, CJ, XXV, IV, pág. 87.
18. Pelo que deveria o Tribunal a quo ter decido pela constituição de uma servidão que tenha por conteúdo o direito de conduzir água pelo prédio do Autor, devendo aos Réus ser reconhecido o direito de aceder, de passar ou de transitar sobre o prédio serviente, em harmonia com o fim para que se constituiu a servidão, por se encontrarem verificados os requisitos previstos no art.º 1549.º do CC, em particular o
previsto neste normativo, in fine – a ausência de declaração contrária à constituição da servidão.
19. Decidiu ainda o tribunal a quo condenar os Réus a pagar quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, necessária ao ressarcimento do dia completo que considerou o Autor ter pago aos trabalhadores, apesar de considerar provado estes só terem trabalhado uma tarde.
20. Ora, sobre este facto não foi produzida outra prova para além das declarações do Autor e da alegada pelo tribunal, “experiência da vida”.
21. Pelo que e, por esta via, verificou-se erro na apreciação da prova, que não se consubstancia nas declarações de parte do Autor ou nos depoimentos testemunhais gravados, mas por o Tribunal a quo ter considerado provados os factos 14,15,16 e 17, com base na seguinte motivação: “foi algo atestado pelo Autor, sendo tal absolutamente compatível com as regras da experiência da vida”, dizendo logo de seguida e a propósito do valor pecuniário auferido por cada trabalhador por cada dia de trabalho, “que não consta dos autos qualquer documento que o ateste, nem sobre ele foi produzido qualquer outro elemento de prova que não as declarações do próprio autor”, mais dizendo o Tribunal a quo que “Tais declarações, contudo, posto que provindas da própria parte e não confirmadas por qualquer outro meio de prova, revelam-se insuficientes para permitir ao tribunal concluir que o valor pago aos trabalhadores, foi o que havia sido alegado pelo Autor no seu articulado(…)”.
22. Relativamente ao facto 14, considerou a sentença recorrida que “Para realizar tais obras o Autor recorreu a um empreiteiro, tendo sido impedido de realizar o referido em 12. e de concluir o muro referido em 13., que estava a ser construído” (os sublinhado são nossos).
23.Ora, ao referir-se a “tais obras”, está o Tribunal a quo a referir-se ao muro já existente a separar as duas frações, sobre o qual o Autor pretende colocar uma grade e uma chapa e também à vedação que pretende fazer, através de um muro revestido com grade e chapas (factos 11., 12. e 13. dos factos que o Tribunal a quo considerou provados com a audiência de julgamento).Não obstante, relativamente ao muro já existente a separar as duas frações, considerou a sentença recorrida improcedente a pretensão do Autor (ponto II.II da sentença recorrida), pelo que, com o devido respeito, andou muito mal o Tribunal a quo, ao condenar os Réus a pagarem ao Autor uma quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, “necessária ao ressarcimento do custo que terá de ser suportado pelo mesmo com o pagamento do dia completo que pagou aos trabalhadores, apesar de estes só terem trabalhado uma tarde, no que diz respeito à construção do muro referido na alínea e) deste dispositivo” (sublinhado nosso), já que a alínea e) do dispositivo, refere-se ao muro vedação onde o Autor pretende colocar uma grade e umas chapas, sendo que no facto 16., dos factos considerados provados com a audiência de julgamento, o Tribunal a quo considerou que os mesmos trabalhadores foram contratados para os dois muros – aquele a que a sentença recorrida alude no facto 11. e 12. e ainda aquele a que alude no facto 13. e 15. Ou seja,
25.Se o Tribunal a quo considerou improcedente a pretensão do Autor de colocar gradeamento e chapeamento no muro já existente, nas traseiras da casa e se considera ainda que “quanto a esta parte dos trabalhos, o Autor não tinha o direito de executá-los”, não se encontra fundamentada a referida condenação dos Réus ao pagamento de um dia completo aos trabalhadores, para realizar os trabalhos neste muro, relativamente ao qual a sentença recorrida considerou como válida a oposição dos Réus e para realizar os trabalhos relativos á construção do outro muro de vedação, com gradeamento e chapas, desconhecendo ainda os presentes autos, porquanto o Autor não o alegou nem provou, quantos trabalhadores realizaram os trabalhos em referência, verificando-se, em consequência, ambiguidade e obscuridade que torna a decisão ininteligível, apresentando-se ainda os fundamentos em manifesta oposição com a decisão, pelo que a decisão é nula nos termos previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.
26.Além do mais, considerou ainda provado o Tribunal a quo que, para repor o estado anterior da tampa do furo, antes de ter sido selado pelos Réus, “como resulta das experiências da vida”, os trabalhos terão um custo, tendo fundamentado este custo e mais uma vez, “nas declarações do Autor”, que se não impugnam, mas tratando-se, também este, de um facto relativamente ao qual sempre poderia o Autor ter recorrido à prova testemunhal ou documental, traduzida esta num qualquer orçamento para o alegado efeito da reparação, o que não fez, além de se ter feito, na sentença recorrida, um juízo meramente empírico, deverá ser considerado um facto não provado.
27.Não podem ainda os Réus conformar-se com a omissão de pagamento da taxa de justiça por parte da Chamada.
28.Na verdade e conforme já referido anteriormente, o Autor intentou a presente ação desacompanhado da mulher. Os Réus vieram excecionar a ilegitimidade ativa do Autor, na Contestação Reconvenção.
29.Na Réplica, o Autor não só não respondeu, entre outras, à exceção da sua ilegitimidade, como também não requereu a intervenção principal da mulher do Autor, por forma a suprir a sua ilegitimidade ativa.
30.Por despacho de 25-10-2018, foi admitida a intervenção da Chamada, pelo que, por requerimento com a referência CITIUS, 30848087 e sem que tenha junto comprovativo de pagamento da taxa de justiça correspondente ao incidente, veio a chamada fazer seus os articulados do Autor., vindo, ao demais, por requerimento com a referência CITIUS, 30892897, dizer “Por lapso, no requerimento em que se aderiu aos articulados do Autor, não se fez referência ao facto de ser nosso entendimento que, salvo melhor opinião, não há lugar ao pagamento da taxa de justiça com a entrega do mesmo” (os sublinhados são nossos), para o que ali citou jurisprudência, em sustentação do por si alegado.
31.Ora, esta atitude processual da Chamada, traduz-se numa recusa fundamentada de pagamento, ao qual se encontra legalmente obrigado, já que, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, o interveniente que se associar a uma das partes e fizer seus os articulados dessa parte, pagará uma taxa de justiça da Tabela I-B.
32.Não tendo a Chamada procedido ao pagamento da taxa de justiça até à prolação da sentença, a consequência não pode ser outra que não seja a de que a sentença proferida nos autos, não constitui caso julgado, não produzindo o seu efeito útil normal, só produzindo efeitos quanto a custas, nos termos previstos no art.º 288.º, n.º 2 do CPC, estando impedida de definir, em termos definitivos, a situação jurídica dos prédios em discussão nos autos, no que aos sujeitos processuais da ação diz respeito.
33.Não podem ainda os Réus conformar-se com a sua condenação em multa “em virtude do decaimento mercê da oposição deduzida”.
E isto porque,
34.Os Réus, na Contestação Reconvenção, alegaram, ao demais, a ilegitimidade ativa do Autor para, desacompanhado da sua mulher, demandar os Réus, sendo que, na Réplica deduzida pelo Autor, este não só não respondeu á exceção, entre outras, da ilegitimidade, como também não requereu o chamamento da mulher, como sua associada.
35.Convidados os Réus, por despacho de 25.09.2018, a responderem ao incidente de intervenção de terceiros, não manifestaram estes oposição ao incidente, tendo-se limitado a dizer que o Autor deveria ter respondido à referida exceção na Réplica e, aí sim, ter deduzido o incidente da intervenção de terceiros, pelo que, não o tendo feito, deveriam os Réus ser absolvidos da instância, nos termos do disposto nos art.ºs 278.º, n.º 1, al. d) e 577.º, al.e), ambos do CPC.
36.Isto é, os Réus não deduziram uma qualquer oposição à Dedução do Incidente de intervenção de terceiros, pelo que não são parte vencida, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, não devendo ser condenados em custas por não existir decaimento no incidente, pelo que deve ser revogado, quanto a esta condenação, o despacho de 25.10.2018.
37.Do exposto nas conclusões 19. a 25., resulta ainda que a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art.º 154.º, n.º 1 do CPC que estabelece que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, são sempre fundamentadas”, nos termos do disposto no art.º 205.º, n.º 1 da CRP, que disciplina que “as decisões dos tribunais que não sejam de
mero expediente, são fundamentadas na forma prevista na lei” e ainda nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC.”
Pugnam pela substituição da decisão por outra que declare a existência da servidão permanente de águas e de passagem pelo prédio do autor, que decida pela revogação do despacho na parte em que condenou os réus a pagarem ao autor o dia completo que alegou ter pago aos trabalhadores para a construção dos muros referidos nos factos 12 e 13 da sentença recorrida, que declare a impossibilidade de constituição de caso julgado da sentença proferida nos presentes autos, que revogue o despacho de 25/10/2018 na parte em que condenou os réus em custas face ao decaimento no incidente e que declare a nulidade da sentença.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:
A) Se no caso de litisconsórcio sucessivo, em que o chamado opta por intervir no processo, fazendo seus os articulados da parte ao lado de quem é chamado a intervir, é devida taxa de justiça e, na afirmativa, a consequência desse não pagamento;
B) Se existe decaimento ou vencimento quando, chamados a pronunciarem-se acerca da requerida intervenção de terceiros, os réus defendem a intempestividade desta, tese que não foi acolhida pelo tribunal recorrido;
C) Apurar se a sentença padece de nulidade;
D) Se se mostram reunidos os requisitos de que depende a reapreciação da prova;
E) Se ocorre erro na subsunção jurídica, designadamente na parte referente à condenação dos réus a indemnizar o autor pelo custo que suportou com o pagamento aos trabalhadores de um dia de trabalho e na parte referente ao não reconhecimento aos réus o direito de utilizar a água do furo.
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II – Fundamentação
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Pelo título de doação de fls. 10V e 11, cujo teor se dá aqui por reproduzido, outorgado em 23/12/2014, na 1ª C.R. Predial de Braga, os réus V. G. e P. C., como primeiros outorgantes, e o autor P. J., como segundo outorgante, declararam, além do mais, o seguinte:
- os primeiros doar ao segundo outorgante, “livre de ónus ou encargos, com excepção dos atrás referidos”, o seguinte imóvel, de que eram proprietários:
- prédio urbano, constituído por fracção autónoma, designada pela letra “A”, composto de cave, rés do chão e sótão, do lado esquerdo, com entrada pelo nº 15 de polícia, com garagem e arrumos na subcave, com logradouro, com a área de 207m2 a norte/nascente/sul, sito na Rua ..., fracção A, n.º 15, freguesia de ..., actualmente União de freguesias de ... e ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz predial sob o art.º ...º e descrito na 2.ª C.R.Predial de Guimarães sob o n.º ..-A/..., prédio esse sobre o qual incidiam as seguintes apresentações: Ap. 53 de 20.09.1999 - autorização de loteamento; Ap. 30 de 20.03.2002 - aditamento de alvará de loteamento; Ap. 3 de 10.03.2008 - hipoteca voluntária a favor da Caixa ..., CRL; Ap. 1657 de 11.05.2011 - hipoteca voluntária a favor da Caixa ..., CRL;
- o segundo aceitar a doação nos termos exarados.
2. Na C.R.Predial de Guimarães mostra-se inscrita a favor do autor, sob o n.º …/…-A, a aquisição, por doação dos réus, do prédio identificado em 1.
3. Os réus haviam adquirido à sociedade Construções ..., Lda., com sede no Edifício ..., Amarante, através de escritura pública de compra e venda outorgada em 2003, sob a forma de terreno para construção, correspondente ao lote nº 1, o prédio onde se encontra implantado o prédio referido em 1.
4. A sociedade Construções ..., Lda., por seu turno, adquirira o prédio à sociedade de Construções Imobiliárias do …, Lda., que, por sua vez, o adquirira, sob a forma de rústico, em 1997, ao Lar de ….
5. No dia 14/04/2011 os réus, através de escritura pública de constituição de propriedade horizontal, outorgada o Cartório Notarial de C. T., dividiram o referido lote nº 1 em duas fracções autónomas:
- fracção A – habitação com entrada pelo nº 15 de polícia, do lado esquerdo, de cave, rés-do-chão e sótão, com garagem e arrumos na sub-cave; faz parte desta fracção o logradouro com a área de 207 m2 a norte/nascente/sul;
- fracção B – habitação com entrada pelo n.º 17 de polícia, do lado direito, de cave, rés-do-chão e sótão, com garagem e arrumos na sub-cave; faz parte desta fração o logradouro com a área de 539m2 a norte/poente/sul.
6. Ficou definido que o acesso às garagens e arrumos, na sub-cave, seria feito através dos logradouros próprios de cada fracção, a Sul.
7. O acesso à fracção A seria feito através de logradouro próprio, nos alçados norte e sul.
8. O acesso à fracção B seria feito através de logradouro próprio, nos alçados norte, poente e sul.
9. O prédio referido em 1, aquando da doação também ali referida, não estava totalmente vedado.
*
Factos controvertidos em face dos articulados das partes e que resultaram provados com a realização da audiência de julgamento
10. O autor, por si e antecessores, há mais de 20 anos que, contínua e ininterruptamente, ocupa o prédio a que se alude em 1, nos limites do prédio em função dos quais pretende vedá-lo, colhendo os seus frutos e utilidades e suportando os seus encargos, fazendo-o com o ânimo de quem é dono, com o conhecimento de todos e sem oposição de ninguém.
11. Na parte traseira do edifício formado pelas fracções autónomas A e B a que se alude em 5 existe já, a separar tais fracções, um muro.
12. Sobre esse muro pretende o autor, como vedação da fracção A, colocar uma grade e uma chapa.
13. Pretende o autor, também, a vedação do prédio referido em 1, ainda na parte traseira deste, através de um muro revestido com uma grade e chapas.
14.- Para realizar tais obras o autor recorreu a um empreiteiro, tendo sido impedido pelos réus de realizar o referido em 12 e de concluir o muro referido em 13, que estava a ser construído.
15. O autor, mercê da oposição dos réus, não colocou uma pedra no muro, nem a grade e as chapas sobre esse muro.
16. Os trabalhadores contratados para realizar os trabalhos, devido à oposição dos réus, estiveram uma manhã sem trabalhar, tendo-o feito apenas da parte da tarde, tendo o autor pago aos trabalhadores um dia completo de trabalho.
17. Cada trabalhador dos referidos em 16 auferia por cada dia de trabalho um valor não concretamente apurado.
18. No prédio a que se alude em 1 existe um furo artesiano.
19. Os réus desligaram o motor do furo artesiano e, depois de terem entrado na fracção do autor, selaram o furo, mediante a colocação de um ferro e de um aloquete.
20. Com isso, estragaram o paralelo e impediram o autor de utilizar a água.
21. Devido ao referido em 20 é necessário substituir a caixa e o tampo do furo artesiano, bem como alguns paralelos, o que importa um custo não apurado.
22. O autor pretende, ainda, colocar chapas no gradeamento da entrada da sua habitação.
23. Os réus, desde data não exactamente apurada, mas anterior à data referida em 1, utilizam água proveniente do furo artesiano, para abastecimento da sua fracção e rega.
24. Tal acontecia através de canalização que atravessa a fracção dos réus.
25. Foram os réus quem construiu o furo e suportou o respectivo custo e quem suporta os custos de manutenção do furo e os associados à energia eléctrica necessária ao funcionamento do motor de extracção.
26. Os réus sempre acederam ao furo.
*
Não se provou:
a. Que o autor reconheça que os réus sejam donos da água proveniente do furo.
*
A) Intervenção de terceiros
Defendem os apelantes que, como a interveniente R. M. não pagou taxa de justiça, a sentença proferida não constitui quanto a si caso julgado. Mais não se conformam com a sua condenação em custas.
1.
Antes de mais, a interveniente referiu expressamente que não pagava taxa de justiça invocando alguns acórdãos, contudo o tribunal recorrido não se pronunciou acerca do mesmo.
Vejamos.
O art. 447º nº 2 do anterior C.P.C. referia que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (…), no 447º-A, nº 1 que “A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, (…) nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais” e no nº 4 “Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.”
O disposto no art. 13º, nº 1, 3 e 4 do Código das Custas Judicias (C.C.J.), aprovado pelo Dec.-Lei nº 224-A/96 de 26 de Novembro, cuja epígrafe é “Base de cálculo da taxa de justiça”, preceituava que “(…) a taxa de justiça é, para cada parte (…)”, “Em caso de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, cada conjunto composto por mais de um autor (…) ou mais de um réu (…), é considerado, mesmo que lhes correspondam petições, oposições ou articulados distintos, como uma única parte para efeitos do disposto nos números anteriores” e “Havendo (…) pluralidade subjectiva, os respectivos sujeitos processuais são solidariamente responsáveis pelo pagamento da totalidade da taxa de justiça da parte que integram” respectivamente (sublinhado nosso).
A este propósito escreveu Salvador da Costa, in Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 6ª ed., Almedina, p. 146-147:
“A taxa de justiça a que alude este normativo é individual, isto é para cada parte (…)”.
E mais adiante: “Prevê o nº 3 deste artigo a hipótese de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, e estatui que cada conjunto composto por mais de um autor, requerente ou recorrente, ou mais que um réu, requerido ou recorrido é considerado, mesmo quando lhes correspondam petições, oposições ou articulados distintos, como uma parte para efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 deste artigo.
É um corolário do facto de o conceito de parte ser distinto do de sujeito processual.
Trata-se de situações em que do lado activo ou do lado passivo, nas acções e procedimentos em geral ou nos recursos, figuram vários sujeitos processuais, designadamente nos casos de litisconsórcio, de coligação ou de adesão, irrelevando o facto de os vários instrumentos processuais veicularem petições ou oposições formal ou substancialmente distintas ou conformes.
Assim, resulta deste normativo que em caso de pluralidade activa ou passiva, o respectivo conjunto de sujeitos processuais é considerado, para efeito de cálculo da taxa de justiça, uma única parte.”
Era então claro que, para efeito de custas, o conceito de “parte” incluía todas as pessoas que se situassem do mesmo lado da relação processual pelo que se afigura que, num caso como o presente, de litisconsórcio necessário activo em que o interveniente declara fazer os articulados do autor, não seria devida por aquele o pagamento de taxa de justiça, entendimento este que não era contrariado pelo acima referidos preceitos do então C.P.C..
*
O C.P.C.Revisto manteve os acima preceitos com outra numeração: art. 529º nº 2, 530º, nº 1 e 4.
O Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), aprovado pela Lei nº 34/2008 de 27 de Agosto, na versão vigente à data da entrada da acção, no art-. 6º nº 1 dispõe: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.”. No art. 13º nº 2, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13 de Abril, refere “(…) a taxa de justiça é paga, na parte relativa ao nº 3 do artigo 13º (…) por cada parte ou sujeito processual (…).” E o nº 7: “A taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B para: a) As partes coligadas; b) O interveniente que faça seus os articulados da parte a que se associe; c) Os assistentes em processo civil, administrativo e tributário.”
Assim, no caso de litisconsórcio inicial, activo ou passivo, não é de exigir o pagamento de tantas taxas de justiça quanto os autores ou réus, mas apenas uma única taxa de justiça, esta a pagar pelo litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial sem prejuízo do seu direito de regresso sobre os demais litisconsortes. Neste sentido vide acórdãos da R.L. de 24/03/2011 (Ondina Carmo Alves), 03/11/2011 (Aguiar Pereira), desta Relação de 02/07/2013 (Ana Cristina Duarte), in www.dgsi.pt, que se referem todos a situações de litisconsórcio inicial.
Contudo, no caso de litisconsórcio sucessivo, em que o chamado opta por intervir no processo, fazendo seus os articulados da parte ao lado de quem é chamado a intervir, como no caso em apreço, nos termos do art. 13º nº 7 b) do R.C.P., é devida taxa de justiça a fixar nos termos da tabela I-B. Veja-se que, nos acórdãos citados, esta situação é salvaguardada.
No caso de não pagamento da mesma, tendo já sido proferida decisão que é objecto de recurso, afigura-se-nos que a consequência não pode ser a preconizada pelos apelante (sentença não constituir caso julgado) por falta de base legal, mas apenas que a quantia deve ser levada em conta em sede da conta nos termos do art. 30º nº 3 a) do R.C.P..
2.
No caso em apreço o autor, para assegurar a sua legitimidade, deduziu a intervenção principal provocada da sua mulher.
Os réus pronunciaram-se dizendo que, no seu entender, uma vez que haviam suscitado a ilegitimidade com este fundamento na contestação, o momento processual oportuno para o autor requerer a intervenção de terceiros era pelo que considera o requerido intempestivo e pede a sua absolvição da instância.
O tribunal recorrido admitiu a requerida intervenção sem aludir ao referido pelos réus pelo que se deve entender que aos mesmos não assistia razão.
Vejamos.
Dispõe o art. 527º do C.P.C.: “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte a que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito” (nº 1) e “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for” (nº 2).
Prevê este preceito a regra da sucumbência ou decaimento sendo que esta deve ser aferida segundo um critério material e objectivo, i.e., um critério que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção objectiva na esfera jurídica da parte.
No caso em análise, tendo os réus defendido que a requerida intervenção não era tempestiva, tese não acolhida pelo tribunal, conclui-se que o incidente findou com uma decisão que lhes foi objectivamente desfavorável pelo que bem andou aquele tribunal em condená-los pelas custas do incidente.
*
C) Nulidade da sentença
Os apelantes não foram muito claros nas nulidades que assacam à sentença, contudo afigura-se-nos que serão as seguintes: não fundamentação dos factos provados sob o nº 14, 15, 16, 19; contradição entre julgar improcedente a pretensão do autor de colocar gradeamento e chapeamento no muro previamente existente nas traseiras da sua casa (sendo que julgou procedente quando ao muro por ele construído no seu logradouro sito nas traseiras) e a decisão de condenou os réus no pagamento de um dia completo aos trabalhadores contratados para feitura destes trabalhos e ainda do trabalho referente à colocação de gradeamento e chapeamento no muro previamente existente na parte de frente da casa; ininteligibilidade da decisão uma vez que o autor não alegou, nem provou quantos os trabalhadores foram intervenientes nos trabalhos e omissão de pronúncia por não incluírem nos factos provados e não provados o direito de servidão de que os réus se arrogam.
Vejamos.
a)
Dos art. 154º do C.P.C. e 205º nº 1 da C.R.P. resulta o dever de fundamentar as decisões proferidas. Contudo, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que apenas a primeira constitui causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C..
Não têm razão os apelantes quanto aos factos provados nº 14, 15, 16 e 17 uma vez que estes foram fundamentados pelo tribunal recorrido que aludiu expressamente aos mesmos. Saber se existe erro na apreciação que o tribunal fez acerca de tais factos poderá ser fundamento de alteração dos mesmos que poderá conduzir à revogação da decisão.
No que concerne ao facto nº 19, apesar do tribunal recorrido não ter aludido expressamente ao mesmo, verificamos que o fundamentou ao referir “O facto de os Réus terem selado o furo artesiano resultou das declarações da própria ré (…)” e “A forma como o fizeram é evidenciada pelo fotograma de fls. 26, confirmado pela ré (…). Quanto ao facto de os réus terem desligado o motor do furo e o autor ter ficado impedido de utilizar a água resulta do doc. de fls. 26V e 27, comprovativo do contrato feito por este com a empresa das águas pública, com início em 03/02/2017, a que o tribunal recorrido não se referiu por lapso, o que agora se supre.
Inexiste, assim, qualquer nulidade prevista no art. 615º nº 1 b) do C.P.C..
b)
Nos termos do art. 615º nº 1 c) do C.P.C.: “É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…)”
Esta nulidade remete para o princípio da coerência lógica da sentença uma vez que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, i.e., a decisão proferida não pode seguir um caminho diverso daquele que apontava a linha de raciocínio plasmado nos fundamentos. Tem-se entendido que esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação de fundamentação da decisão prevista nos art. 154º e 607º nº 3 do C.P.C. e, por outro, com o facto da sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Neste sentido, entre outros, Ac. da R.L. de 09/07/2014 (Pedro Brighton), in www.dgsi.pt. Situação distinta é erro de julgamento (error in judicando), quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.
O tribunal recorrido, ao julgar procedente o pedido de indemnização, ainda que a liquidar ulteriormente, na parte referente à reparação da tampa do furo e “dia completo que pagou aos trabalhadores, apesar de estes só terem trabalhado uma tarde, no que diz respeito à construção do muro referido na alínea e) deste dispositivo”, incorreu parcialmente em erro de julgamento a apreciar infra em sede de mérito. Mas, entendemos que não se verifica uma contradição que consubstancie uma nulidade uma vez que os fundamentos de facto e de direito e a parte dispositiva da sentença são compatíveis.
Afigura-se-nos igualmente que inexiste qualquer ambiguidade ou obscuridade na decisão que a torne ininteligível não se percebendo o alegado pelos réus nesta parte tanto mais que o autor alegou terem sido três trabalhadores (art. 41º da p.i.), o que não foi impugnado por aqueles (art. 45º da contestação).
Inexiste esta nulidade apontada pelos apelantes.
c)
Por fim, não se verifica igualmente omissão de pronúncia com o fundamento invocado pelos apelantes.
O vício de omissão de pronúncia previsto na al. d) do art. 615º nº 1 do C.P.C. incide sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C., i.e., a todos os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções invocadas e excepções de conhecimento oficiosamente.
No caso em apreço, inexiste omissão de pronúncia uma vez que a decisão recorrida, em fundamentação de direito, alude de forma exaustiva à eventual servidão a que os réus arrogam. Acresce que o direito de servidão corresponde a matéria de direito que não deve constar nos factos provados e/ou não provados.
Assim, não se verifica a nulidade prevista no art. 615º nº 1 d) do C.P.C..
*
D) Reapreciação da prova
Insurgem-se os apelantes contra os factos provados sob os nº 14, 15, 16 e 17 que, na sua opinião, deviam ser considerados não provados.
Os apelados defendem que deve ser rejeitada a apreciação da prova.
Vejamos.
Antes de mais, o Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação, “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância. Contudo, o recorrente deve cumprir os ónus previstos na lei processual.
Dispõe o art. 640º do C.P.C.:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…).”
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe, assim, a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas. Com efeito, é sem dúvida o juiz da 1ª Instância, que perante quem a prova é produzida, que está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação uma vez que muito do comportamento das testemunhas não transparece na gravação, designadamente elementos de onde se pode retirar a espontaneidade e credibilidade dos depoimentos.
Revertendo ao caso em apreço verificamos que os apelantes identificaram os concretos pontos da matéria de facto provada que, no seu entender, foram incorrectamente julgados e indicaram a decisão que deve ser proferida quanto aos mesmos.
Quantos aos meios probatórios em que se baseiam os apelantes referem que os factos dados como provados não resultam das declarações do autor, dos depoimentos das testemunhas e do doc. de fls. 29V a 31V. Mas não indicaram, com ou sem exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Quid iuris?
Acompanhando de perto o Ac. do S.T.J. de 29/10/2015 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, que subscrevemos, em sede de pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, distingue-se dois ónus:
- um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação minimamente concludente da impugnação, que se traduz na indicação dos pontos de facto questionados, dos meios probatórios que impõem decisão diversa sobre eles e do sentido decisório que decorreria da correcta apreciação destes meios de prova – a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do C.P.C.. A falta de cumprimento deste ónus conduz à imediata rejeição do recurso por indiciar uma falta de consistência e seriedade na impugnação da matéria de facto;
- e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida, que se traduz na indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso – a) do nº 2 do art. 640º do C.P.C.. A falta desta indicação conduz à imediata rejeição do recurso, contudo esta falha da parte deve ser avaliada de forma mais cautelosa e casuisticamente tanto mais que o conteúdo prático deste ónus tem oscilado ao longo dos anos e das várias reformas. Com efeito, a jurisprudência do S.T.J. tem entendido, face ao carácter algo equívoco da expressão “exacta indicação”, em nome do princípio da proporcionalidade e da adequação e ainda da prevalência do mérito sobre os requisitos puramente formais, que não se justifica a liminar rejeição do recurso quando não existe dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado. No mesmo sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 28/04/2016 (Abrantes Geraldes), 19/01/2016 (Sebastião Póvoas), 31/05/2016 (Roque Nogueira), 08/11/2016 (Fonseca Ramos), todos in www.dgsi.pt.
Por se entender que não existe dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado decide-se proceder à reapreciação da prova.
Ouvida na íntegra a gravação não vislumbramos razão para alterar a matéria de facto.
A testemunha O. M. confirmou o alegado nos pontos 14 e 15 por referência ao muro das escadas das traseiras e 1ª parte do ponto 16 num depoimento que nos pareceu equidistante e credível.
Uma vez que apenas foi inquirida esta testemunha e se mostra junto o auto da G.N.R. o tribunal recorrido socorreu-se, e bem, para formar a sua convicção nas declarações de autores e réu. Da conjugação desta prova resulta claramente que os trabalhadores não trabalharam de manhã, mas apenas de tarde. Nenhuma censura há a fazer acerca do facto do tribunal recorrido se ter convencido de apenas algumas das afirmações prestadas pelo autor, mas não de outras porque desacompanhadas de outra prova como, por exemplo, não foi junto comprovativo do valor que um trabalhador destes aufere por dia.
A nosso ver da menção a acordo constante do auto da G.N.R. não se pode, de modo algum, retirar o pretendido pelos apelantes. Desde logo, o auto não tem valor de prova plena. Acresce que, da interpretação desse documento, entendemos que o acordo a que se alude é acerca do modo de colocação da vedação no muro das escadas, nada tendo que ver com o acabamento do muro existente no logradouro.
Pelo exposto, improcede a apelação nesta parte.
*
E) Subsunção jurídica
Insurgem-se os apelantes contra a sentença recorrida na parte referente à sua condenação no pagamento do dia completo aos trabalhadores apesar de apenas terem trabalhado uma tarde. E ainda contra a parte em que não reconheceu o seu direito de uso da água a título de servidão por destinação de pai de família por não se verificar o requisito referente à declaração oposta à constituição de tal encargo no documento através do qual os prédios deixaram de pertencer ao mesmo dono.
1.
Como resulta já do acima referido acerca da suscitada nulidade da sentença por contradição afigura-se-nos que ocorre erro de julgamento nesta parte. Vejamos.
O autor formula, além do mais, três pedidos: que os réus se abstenham de o impedir de acabar o muro por si construído no logradouro das traseiras do prédio (e)); de o impedir de colocar grades e chapas em cima do muro previamente existente nas traseiras do prédio (escadas) (g)) e de o impedir de colocar chapas no gradeamento existente na entrada do prédio (f)). O tribunal julgou procedente apenas o primeiro. Formulou ainda o pedido de condenação dos réus no pagamento dos danos patrimoniais sofridos devido ao custo da reparação da tampa do furo (e 150,00) e ao custo do trabalho pago aos três trabalhadores correspondente a meio dia – do dia 02/02/2017 - em que estes estiveram inactivos devido à conduta dos réus (€ 75,00 = 3 x 25) (i)).
Dos art. 33º a 44º da p.i. resulta que, no dia 02/02/2017, o autor pretendeu colocar a grade e chapas no muro existente nas escadas das traseiras do seu prédio, bem como colocar a pedra que faltava e a grade e chapas no muro construído no logradouro, no que foi impedido pelos réus tendo sido chamada a G.N.R..
Nestes autos o autor formula, além do mais, três pedidos: que os réus se abstenham de o impedir de acabar o muro por si construído no logradouro das traseiras do prédio (e)); de o impedir de colocar grades e chapas em cima do muro previamente existente nas traseiras do prédio (escadas) (g)) e de o impedir de colocar chapas no gradeamento existente na entrada do prédio (f)). O tribunal julgou procedente apenas o primeiro. Formulou ainda o pedido de condenação dos réus no pagamento dos danos patrimoniais sofridos devido ao custo da reparação da tampa do furo (e 150,00) e ao custo do trabalho pago aos três trabalhadores correspondente a meio dia – do dia 02/02/2017 - em que estes estiveram inactivos devido à conduta dos réus (€ 75,00 = 3 x 25).
Dos art. 33º a 44º da p.i. resulta que, no dia 02/02/2017, o autor pretendeu executar dois trabalhos: colocar a grade e chapas no muro existente nas escadas das traseiras do seu prédio e colocar a pedra que faltava e a grade e chapas no muro construído no logradouro, no que foi impedido pelos réus tendo sido chamada a G.N.R.. Refere que conseguiu apenas colocar a grade e chapas, não exactamente em cima e no meio do muro que divide as escadas, mas do lado de dentro do seu prédio. E devido à discussão havida os três trabalhadores apenas trabalharam da parte da tarde.
Provou-se que, devido a tal oposição, o autor apenas conseguiu, através dos trabalhadores presentes, colocar a grade e chapas no muro das escadas, mas não exactamente em cima e no meio do muro que as escadas, como pretendia, mas do lado de dentro do seu prédio. Nenhum dano nesta parte há a imputar aos réus na medida em que o tribunal recorrido lhes deu razão ao considerar que não foi sequer alegado pelo autor que este muro fosse da sua propriedade. Assim, presumindo-se comum – art. 1241º nº 2 e) do C.C. – e não se provando ter havido autorização do outro condómino a obra inicialmente pretendida é ilícita – art. 1425º nº 1 do C.C.. E nada a censurar à obra efectivamente feita porque foi feita do seu lado do prédio.
Assim, não pode ser imputável aos réus o dano decorrente do pagamento dos trabalhadores por terem ficado inactivos durante a manhã em que ocorreu a contenda havendo que os absolver desta parte do pedido (mantendo-se a condenação quanto à reparação da tampa do furo artesiano).
2.
Importa agora apurar se os réus são titulares do direito à água.
O art. 1390º do C.C. prevê os títulos de aquisição da água, designadamente o direito de propriedade e a servidão predial.
Acompanhamos o referido na sentença recorrida acerca da não prova de factos dos quais resulte que os réus têm o direito de propriedade sobre a mesma.
No que concerne à eventual servidão vejamos:
O art. 1543º do C.C. fornece a noção de servidão predial nos seguintes termos:
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
A servidão é um direito real em virtude do qual é possibilitado ao proprietário de um prédio (prédio dominante) o gozo de certas utilidades do prédio (ius in re aliena) pertencente a dono diferente (prédio serviente). Este proveito ou vantagem de que um prédio beneficia tem de encontrar-se objectivamente ligado a outro prédio, implicando consequentemente uma restrição ou limitação do direito de propriedade do prédio onerado, inibindo o respectivo proprietário de praticar actos que possam perturbar ou impedir o exercício da servidão.
Segundo Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, 2009, p. 394 e ss. as servidões prediais possuem as seguintes características:
a) ligação necessária ao prédio por intermédio do qual ela se exerce;
b) atipicidade do seu conteúdo - art. 1544º do C.C.. Por exemplo, servidão de passagem (servitus itineri), de aqueduto (servitus aqueductus), de aproveitamento de águas (servitus aquae haustos), de escoamento, etc.;
c) inseparabilidade (art. 1545º do C.C.);
d) indivisibilidade (art. 1546º do C.C.).
No que concerne ao modo de constituição das servidões dispõe o art. 1547º do C.C.:
1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família. 2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.
A servidão por destinação de pai de família encontra-se prevista no art. 1549º do C.C. que exige para a sua constituição a verificação de três requisitos, a saber:
a) que os dois prédios, ou as duas fracções de um só prédio, tenham pertencido do mesmo dono;
b) a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um prédio para outro ou de uma fracção para a outra;
c) que se verifique a separação dos prédios ou das fracções e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo.
No caso em apreço, o prédio rústico primeiro, depois o prédio urbano que aí foi construído, e ainda as fracções autónomas resultantes da constituição da propriedade horizontal, era dos réus.
Existem sinais visíveis e permanentes – tampa do furo situada na fracção do autor, quadro eléctrico situado na fracção dos réus – que revelam inequivocamente a serventia de uma fracção para a outra. Os mesmos aí foram postos com a intenção de operar uma transferência permanente do proveito de uma fracção para a outra. Existe, assim, uma servidão aparente. E esta situação de facto foi conservada até ao momento da transmissão da fracção “A” para o autor.
Em 23/12/2004 os réus procederam à doação ao autor da referida fracção “A”. Nesta doação, junta a fls. 10V a 11 dos autos, consta:
“Sobre o referido prédio incidem as seguintes apresentações:
Ap. 53 de 20.09.1999 - autorização de loteamento;
Ap. 30 de 20.03.2002 - aditamento de alvará de loteamento;
Ap. 3 de 10.03.2008 - hipoteca voluntária a favor da Caixa ..., CRL;
Ap. 1657 de 11.05.2011 - hipoteca voluntária a favor da Caixa ..., CRL. (…)
“Os PRIMEIROS doam ao SEGUNDO outorgante seu filho, o imóvel supra identificado livre de ónus ou encargos, com excepção dos atrás referidos (…)”.
Os apelantes entendem, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, que neste documento, do qual resultou a separação do domínio das fracções, não consta declaração que se oponha à constituição da servidão.
Quid iuris?
A questão de saber que características devia ter a declaração de oposição à constituição da servidão constante do documento que determina a separação dos prédios ou fracções já vem da interpretação do art. 2274º do Código Civil de 1867. A este propósito refere Guilherme Alves Moreira, in As Águas no Direito Civil Português, Livro II, 2ª ed., Coimbra Ed., 1960, p. 104: “A declaração no respectivo documento a que se refere a última parte do artigo 2274º pode ser, quanto à não subsistência dos encargos atestados por sinal ou sinais aparentes e permanentes, expressa, determinando-se directamente que ficam extintas determinadas servidões, ou consistir em alterações que no modo de ser do prédio sejam feitas ou tenham de efectuar-se em virtude desse título e que pressupunham a supressão de determinados encargos. (…) Tudo depende, nestes casos, da apreciação do juiz, que deve incidir em vistas das circunstâncias que neles se dão. O princípio que o deve orientar é este: a servidão é atestada por sinal ou sinais aparentes e permanentes, é destes sinais que se depreende a subsistência da servidão e, para que esta não subsista, é necessária declaração das partes no respectivo documento. O alcance de qualquer declaração que seja feita terá de ser determinado em vista das circunstâncias.” (sublinhado nosso).
Igualmente Gonçalves Rodrigues, in Da Servidão Legal de Passagem, Almedina, 1962, p. 100, referia que o legislador de 1867 “estabeleceu uma presunção “juris et de jure”, pois, se não houver no respectivo documento declaração expressa em contrário ao tempo da separação, tal servidão existe de um modo irrefutável, não sendo admissível prova testemunhal tendente a provar que o proprietário não queria a manutenção e conservação da dita servidão causal”.
Esta doutrina mantém actualidade uma vez que a redacção do art. 1549º do Código Civil de 1966 manteve-se inalterada nesta parte.
Há largos anos que tem sido corrente a aposição nas escrituras de compra e venda e noutras a menção “livre de ónus e encargos”. No que concerne à consequência desta menção nos termos e para os efeitos do art. 1549º do C.C. na doutrina e jurisprudência encontramos dois tipos de decisões. Vejamos.
Tavarela Lobo, in Manual das Águas, Vol. II, Coimbra Ed., 1990, p. 236, refere:
“Entende-se geralmente que, como tal, não devem reputar-se as enunciações genéricas, as cláusulas de estilo contidas vulgarmente nos actos de alienação de prédios (ex. “franco e livre de todas as servidões”, “águas de usos e costumes”, etc). Estas cláusulas gerais, ensina Scuto, referem-se às servidões existentes antes da separação do domínio e não às servidões que de novo se constituem.
Outros, porém, sustentam que uma cláusula em tais termos só pode ter o intuito de libertar de qualquer encargo o prédio adquirido pela pessoa a favor da qual foi feita a declaração.
Finalmente, uma corrente intermédia sustenta que, embora em princípio seja necessária uma declaração de vontade explícita, uma cláusula especial, não se pode dar a priori uma solução absoluta. É questão de interpretação, para a qual os factos e circunstâncias particulares têm muita influência.
Esta nos parece a corrente mais defensável. Aos tribunais competirá a apreciação, caso por caso, do verdadeiro alcance das cláusulas insertas em documentos, embora em princípio deva exigir-se uma cláusula expressa para afastar a destinação.
Um elemento importante haverá, porém, que tomar em consideração: a época mais remota ou mais recente do documento da separação do domínio.
Na realidade, as referidas enunciações genéricas constavam frequentemente dos documentos lavrados antes da renovação da prática notarial, que simplificou as formalidades e baniu aquelas e outras expressões referentes a servidões, águas, etc.
Assim, se naquele documento de antiga data tais expressões seriam insuficientes para afastar a servidão, nos mais modernos documentos pode entender-se serem tais declarações ou análogas idóneas para afastar a constituição do ónus. De certo modo já assim julgou modernamente o Supremo Tribunal de Justiça.” (referindo-se ao Ac. do S.T.J. de 19/07/1979, in B.M.J. nº 289, p. 326-331) (sublinhado nosso).
Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Ed., p. 635, apoiando-se apenas no neste Ac. do S.T.J. de 19/07/1979, pronunciaram-se no sentido de não ser necessária a referência à relação de serventia bastando a menção “livre de ónus e encargos”.
Augusto Penha Gonçalves, in Curso de Direitos Reais, Universidade Lusíada, Lisboa 1992, p. 462, citado em nota de pé de pág. no Ac. da R.C. de 11/12/2018 (Maria João Areias), in www.dgsi.pt, refere: “O alcance jurídico e prático desta ressalva cifra-se em que, embora se mostrem cumpridos os demais requisitos positivos, a transmutação, da situação de facto em situação de direito, não se verifica se, do documento formalizador do ato da separação, constar declaração de vontade que, interpretada segundo as circunstâncias concretas de cada caso, deva ser entendida como incompatível com o surgimento da servidão e, por isso impeditiva da sua constituição” (sublinhado nosso)
Rui Pinto e Cláudia Trindade, in C.C. Anotado Coord. Ana Prata, Almedina, p. 418, referem: “A exclusão da constituição da servidão deve ser realizada sob a forma escrita, nos termos da parte final deste artigo. Saber se a servidão é ou não afastada pelas partes é um problema de interpretação das declarações negociais, a resolver à luz dos arts. 236º a 239º.” (sublinhado nosso)
Na jurisprudência o acima referido Ac. do S.T.J. de 19/07/1979 (Costa Soares), com efeito, refere que a cláusula “livre de quaisquer ónus e encargos” é uma declaração expressa que exclui a manutenção de qualquer servidão. Contudo, se analisarmos este acórdão verificamos que o mesmo se debruçou essencialmente acerca da verificação do segundo requisito.
Da análise que fizemos da jurisprudência mais recente afigura-se-nos que a maioria desta defende que a cláusula contrária à constituição da servidão tem que ser expressa, especial, clara e terminante, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”. Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 13/01/2003 (Araújo Barros), 03/07/2008 (Santos Bernardino), da R.P. de 21/04/2005 (Fernando Baptista), de 01/07/2010 (Amélia Ameixoeira), da R.L. de 06/03/2012 (Rui Vouga), todos in www.dgsi.pt.
O Ac. da R.C. de 11/12/2018 (Maria João Areias) parece defender uma tese intermédia, nos termos da qual a mencionada cláusula pode ser interpretada como oposição à constituição da servidão quando tal resulte dos termos do negócio que levou à separação. Neste acórdão refere-se: “A declaração de venda “livre de ónus e encargos”, aquando da venda do prédio serviente por parte dos proprietários que, em simultâneo o eram dos prédios dominantes, em conjugação com os termos do processo negocial que a precedeu, pode ser entendida como renúncia ao direito de servidão.”
No sentido de bastar a mencionada cláusula para impedir a constituição da servidão sem mais vide Ac. da R.L. de 21/12/2017 (Anabela Calafate), in www.dgsi.pt. (onde se baseia apenas no C.C. Anotado de P. Lima e A. Varela que, como vimos, remete para o Ac. do S.T.J. de 05/06/1979).
Subscrevemos a primeira tese, i.e., a serventia ou servidão aparente (por ser decorrente de sinais visíveis e permanentes) que existe de um prédio para outro ou de uma fracção para outra, pertencentes ao mesmo dono, transforma-se automaticamente e ope legis em servidão no momento da separação, a menos que, no documento que formaliza esta, as partes digam de forma clara e expressa que se opõem à sua manutenção, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”, que se tornou numa “enunciação genérica”, uma “cláusula geral”, usando as palavras de Tavarela Lobo. Acresce que esta tese é, a nosso ver, a que melhor se ajusta à letra e espírito da lei e melhor protege as expectativas das partes
Revertendo ao caso em apreço verificamos que, no documento que titula a doação dos réus para o autor da fracção “A”, se enumeraram os ónus e encargos (autorização de loteamento; aditamento de alvará de loteamento; duas hipotecas voluntárias) que impedem sobre esta fracção e se refere genericamente que o bem é transmitido livre de ónus ou encargos, com excepção daqueles. Assim, na ausência de uma cláusula expressa, especial, clara e terminante que se oponha à manutenção daquela servidão ou encargo em concreto, impõe-se concluir que a servidão de água não se extinguiu.
Ainda que se adopte uma tese intermédia, atentas as circunstâncias do caso concreto, não é crível que, tendo os réus, donos de um prédio único, feito um furo para uso do edifício que construíram e das fracções do mesmo, ao decidirem doar uma das fracções ao filho, e habitando eles na outra, tenham querido deixar de ter acesso à água do furo e passar a abastecer-se na rede pública de água.
Assim sendo, ao se reconhecer aos réus o direito de servidão de água há que revogar a sentença na parte em que condenou os réus a absterem-se de utilizar a água do furo.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:
I - No caso de litisconsórcio sucessivo, em que o chamado opta por intervir no processo, fazendo seus os articulados da parte ao lado de quem é chamado a intervir, nos termos do art. 13º nº 7 b) do R.C.P., é devida taxa de justiça a fixar nos termos da tabela I-B. II – O art. 427º do C.P.C. prevê a regra da sucumbência ou decaimento sendo que esta deve ser aferida segundo um critério material e objectivo, i.e., um critério que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção objectiva na esfera jurídica da parte. III – São requisitos da servidão por destinação de pai de família prevista no art. 1549º do C.C.: a) que os dois prédios, ou as duas fracções de um só prédio, tenham pertencido do mesmo dono; b) a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um prédio para outro ou de uma fracção para a outra; c) que se verifique a separação dos prédios ou das fracções e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição da mesma servidão. IV – A declaração em contrário constante do documento tem que ser expressa, especial, clara e terminante, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente:
- revogam a decisão na parte em que condenou os réus a absterem-se de utilizar a água do furo existente no prédio do autor; e
- revogam na parte em que os condenou a pagarem ao autor a quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, necessária ao ressarcimento do custo que suportou com o pagamento aos trabalhadores por um dia de trabalho.
No mais, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da acção pelo autor e interveniente, por um lado, e réus, por outro da seguinte forma: relativamente a 8/9 do globalmente devido - custas em partes iguais; relativamente ao restante 1/9 – 2/3 pelo autor e interveniente e 1/3 pelos réus provisoriamente remetendo-se a repartição definitiva desta responsabilidade para o momento em que vier a ser liquidada definitivamente a indemnização que o autor tem direito a receber dos réus.
Custas da apelação pelos apelantes e apelados em partes iguais.