INCOMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
DIREITOS SOCIAIS
Sumário

I - A competência material, que se fixa no momento da instauração da acção, deve ser perspectivada face aos elementos estruturais da causa – pedido e causa de pedir – tal como apresentados na petição inicial.
II - Para efeitos de integração da competência material do Tribunal de Comércio na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), deve-se entender que os «direitos sociais» aí mencionados são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à protecção dos seus interesses sociais.
III - Neste âmbito da competência do Tribunal de Comércio, deve, por sua vez, a alínea g) do nº 1 do artigo 128º da citada Lei ser interpretada restritivamente, em termos de não abranger todas as acções sujeitas a registo a que se reporta o artigo 9º do Código do Registo Comercial, pois que só se mostram abrangidas na competência material do Tribunal as acções sujeitas a registo cujo escopo possa dizer respeito a questões relacionadas com a actividade das Sociedades Comerciais.
IV - Os tribunais de comércio são materialmente competentes para conhecer de uma acção que foi configurada pelos AA. como uma acção de declaração de nulidade ou anulação de um registo comercial ou do seu cancelamento (cfr. art. 9º, al. f) do Código do Registo Comercial), já que, atendendo a essa configuração, a pretensão do Autor integra-se na situação prevista na alínea g) do nº 1 do art. 128º da LOSJ, tal como definida em III.
V - Se o legislador entendeu que nas acções especialmente previstas no CRC, como a acção de rectificação do registo (que também pode ser fundada na nulidade do registo – v. o art. 82º do CRC), a competência material deve ser atribuída ao Tribunal de Comércio, também na presente acção, por identidade de razões, tal competência lhe deve ser conferida, pois que “as matérias envolventes”, as questões que são colocadas, têm exactamente a mesma natureza (nulidade do registo comercial).

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 4375/18.7T8VNG.P1

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Comarca de Vila Nova de Gaia - Juízo de Comércio – J1
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s):- B…, C…, D…, E…, F… e G…;
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B…, C…, D…, E…, F… e G… vieram instaurar a presente acção de declaração de nulidade das aps. … e … e dos dep 1957, 1958, 1959, 1960, 1963, 1964 e 1965 de 07.03.2018 contra H…, Lda., I… e J…, concluindo pedindo que:
- deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, serem declarados nulos os registos sub judice promovidos pela sociedade Índice Nominal através dos RR. e, consequentemente, cancelados sem necessidade de mais formalidades.
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Citados, os RR. vieram contestar a fls. 34 e ss., defendendo-se por excepção e impugnação, pugnando, a final, pela improcedência da acção.
Deduzem ainda reconvenção (em termos subsidiários – para o caso da procedência do pedido dos AA.).
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As partes foram ouvidas sobre a possível incompetência material do tribunal, tendo os AA. se pronunciado a fls. 95 e ss.
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Cumprido o princípio do contraditório, o Tribunal Recorrido proferiu, de seguida, a seguinte decisão:
“(…)
Deste modo, entendemos que a presente acção está fora do âmbito da nossa competência material.
Assim sendo, pelo exposto e nos termos da LOTJ (Lei 62/2013 de 26.08.) e ao abrigo do disposto no seu artº 128º, declaro este Juízo Central, 2ª Secção de Comércio incompetente em razão da matéria para decidir dos presentes autos e, consequentemente, absolvo os RR. da instância – artº 99º do CPC.
Custas pelos AA.
Notifique as partes cfr. artº 99º, 2 do CPC e registe”.
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É justamente desta decisão que os Autores/Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES
1. Ao declarar-se incompetente em razão de matéria para julgar a causa dos AA., o Tribunal a quo fez errada interpretação dos factos e integração da Lei, violando o art 128º da LOTJ e contrariando mesmo a jurisprudência sobre a matéria proferida pelos tribunais superiores, de que se aponta exemplificadamente o Acórdão do STJ de 08/07/2003, processo n.º 03B1627 (quanto ao facto de se tratar de uma acção sujeita e registo comercial) e o Acórdão do TRL de 09/02/2017, processo n.º 4197/16.0T8LSB-2 (quanto ao facto de se tratar de uma acção para o exercício de direitos sociais.)
2. A pretensão dos AA/recorrentes é uma acção que visa o exercício de direitos sociais, pois é o estatuto de sócio que está em causa e trata-se de uma acção sujeita a registo comercial.
3. São duas as conexões factuais que integram as previsões das alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 128.º da LOTJ e que determinam que é competência do tribunal recorrido o julgamento da causa sub judice.

Termos em que, revogando a decisão recorrida (e) substituindo-a por outra que declare o Tribunal do Comércio de VN de Gaia como competente para julgar a acção…”
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Não foram apresentadas contra - alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam a seguinte questão que importa apreciar:
- Saber se o tribunal recorrido, contrariamente ao decidido, é competente em razão da matéria para conhecer do presente litígio.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conforme resulta do relatório elaborado, o Tribunal Recorrido, após cumprimento do princípio do contraditório, julgou procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal para conhecer da presente acção.
Fundamentou a sua decisão na facto de o pedido formulado não caber no âmbito de nenhuma das alíneas do art. 128º da LOSJ, e, como tal, cairia fora do âmbito restrito de competência do Juízo de Comércio.
Cumpre decidir.
Como é sabido, a incompetência material do tribunal – incompetência absoluta – constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância (arts. 60º, nº 2, 96º, 97º, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. a), todos do CPC).
A competência do tribunal constitui um pressuposto processual, sendo, assim, um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida.
A competência, como qualquer outro pressuposto processual, é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor (pedido e causa de pedir).
Na verdade, para decidir qual das normas corresponde a cada um dos “índices” de competência, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção, isto é, há que atender, apenas, ao modo como o autor delineia o pleito na petição inicial, quer quanto aos elementos objectivos – causa de pedir e pedido –, quer quanto aos elementos subjectivos – identidade dos sujeitos.
Assim, a competência afere-se pelo pedido do autor, sendo uma questão a resolver, unicamente, de acordo com os termos da sua pretensão (compreendidos, aí, os respectivos fundamentos)[1].
Como é sabido, a competência em razão da matéria contende com as diversas espécies de tribunais, comuns ou especiais, estatuindo-se as normas delimitadoras da jurisdição desses tribunais de acordo com a matéria ou o objecto do litígio.
Nos termos do art. 65º do CPC (cfr. art. 40º, nº 2 da LOSJ) são as leis de organização judiciária que determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada, sendo que, se a matéria da causa não se integrar em qualquer um daqueles Tribunais especializados, a causa é da competência do Juízo Local ou de competência genérica, que assumem uma competência residual.
Com efeito, lê-se na al. a) do nº 1 do art. 130º da LOSJ que “…Os juízos locais cíveis… e de competência genérica possuem competência na respectiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada … “ (cfr. também art. 80º da LOSJ).
Por outro lado, ainda nesta matéria cível, importa ter em consideração o disposto no art. 117.º onde se estabelece que:
“1 - Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50.000,00;
(…)
2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às acções que caibam a esses juízos”.
Assim, no plano interno, o poder jurisdicional divide-se por diversas categorias de tribunais – que se situam no mesmo plano horizontal –, de acordo com a natureza da matéria das causas.
Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram.
Trata-se, assim, de uma competência “ratione materiae”: a instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes[2].
“Na verdade, a especificidade ou a complexidade de determinadas matérias justificam a existência de tribunais e secções de competência especializada… “[3].
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Aqui chegados, importa analisar o caso concreto, dentro destes princípios atrás enunciados.
Importa, pois, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a competência, em razão da matéria, do Tribunal Recorrido (Tribunal de Comércio) para decidir a presente acção, tendo em conta os argumentos apresentados pelos Recorrentes e o assinalado princípio de que a competência se afere pelo pedido do autor, sendo uma questão a resolver, unicamente, de acordo com os termos da sua pretensão (compreendidos, aí, os respectivos fundamentos).
Conforme resulta do relatório do presente Acórdão, os Autores na presente acção formulam o seguinte pedido:
- “deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, serem declarados nulos os registos sub judice promovidos pela sociedade Índice Nominal através dos RR. e, consequentemente, cancelados sem necessidade de mais formalidades”.
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A questão que se coloca, então, é a de saber, se tendo em conta o pedido formulado e os fundamentos invocados pelos Autores (independentemente da apreciação dos demais pressupostos processuais e do mérito que os mesmos venham a obter[4]), se pode entender que o Tribunal de Comércio é competente para os apreciar.
Ora, decorre do nº 1 do art. 128º da LOSJ que essa competência tem o seguinte âmbito:
“…1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As acções de liquidação judicial de sociedades;
f) As acções de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As acções de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As acções a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As acções de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras. …”.
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Os Recorrentes, na ponderação que efectuaram, consideraram como (potencialmente) aplicáveis ao caso concreto as hipóteses previstas nas als. c) e h) do nº 1 do art. 128º da LOSJ - tendo o Tribunal Recorrido afastado essa aplicação, pronunciando-se em concreto sobre a al. c) e afastando genericamente a al. h) (“Dos vários números e alíneas previstos no citado artº 128º da LOTJ, não se prevê que as secções de Comércio tenham competência para julgar e decidir a matéria constante dos presentes autos”).
Como se vê, a questão que se coloca é a de saber se, tendo em conta o pedido formulado pelos AA., pode a competência em razão da matéria fixar-se no Tribunal Recorrido, passando a resposta a essa pergunta pela averiguação do preenchimento das citadas alíneas do art. 128º da LOSJ.
O que significa que a questão que se coloca é a de saber se a presente acção, com a configuração dada pelos AA., pode ser enquadrada no âmbito de uma acção relativa ao exercício de direitos sociais e/ou numa das acções a que se refere o Código do Registo Comercial (carecendo estas alíneas da necessária interpretação).
Comecemos por ponderar a primeira hipótese (al. c) - acções relativas ao exercício de direitos sociais).
Como já se referiu, a presente acção foi configurada pelos AA. como uma acção de declaração de nulidade ou anulação de um registo ou do seu cancelamento (cfr. art. 9º, al. f) do Código do Registo Comercial[5])
Ora, julga-se que a presente acção, nos termos em que é configurada pelos AA., não permite que seja integrada naquele tipo de acções relativa ao exercício de direitos sociais a que alude a citada al. c) do nº 1 do art. 128º da LOSJ[6].
E isso é assim porque o pedido formulado respeita à declaração de nulidade dos actos de registo fundada nos vícios invocados na petição inicial e não corresponde, por isso, ao exercício de direitos sociais pelos AA. (no sentido que a seguir indicaremos).
Numa primeira perspectiva, os direitos sociais podem ser vistos como uma das manifestações da situação ou posição jurídica (conjunto de direitos, deveres, ónus, expectativas jurídicas) dos sócios perante a sociedade.
Nesta linha de entendimento, o direito social traduz sempre a situação jurídica de quem participa numa sociedade; titular do direito social é o sócio e pressuposto dessa titularidade é a existência de uma sociedade, a cujo corpo ele pertence.
No acórdão de 7.06.2011[7], o Supremo Tribunal de Justiça, para além do critério da “particular titularidade” dos sócios, coloca a tónica no facto de os direitos em apreço serem vocacionados para a protecção de interesses sociais: “Direitos sociais são todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa mesma qualidade jurídica, dirigidos à protecção dos seus interesses sociais. São direitos que nascem na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, baseados nessa particular titularidade”.
Recortando o conceito pela negativa, decidiu a Relação de Lisboa em acórdão de 17.09.2009[8], que para feitos de integração na norma definidora da competência das secções de comércio, “direitos sociais”, “não são todos os que genericamente poderiam ser classificados como direitos exercidos pelos sócios, mas sim os correspondentes aos direitos que provêm da relação social ou seja da relação da sociedade com o sócio”.
Paulo Olavo Cunha[9] estabelece a diferença entre direito de crédito e direito social, chamando a atenção para o facto de não deverem, necessariamente, ser dirimidas pelo Tribunal do Comércio, todas as acções judiciais que envolvam as sociedades e os membros dos respectivos órgãos sociais.
A fronteira entre a competência dos tribunais de competência genérica e de competência especializada, fundada no conceito de “direitos sociais” foi também traçada no acórdão da Relação do Porto de 20.04.2004[10]: “A competência dos Tribunais de comércio prende-se com questões relacionadas com a vida e actividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob forma comercial, sendo este o princípio que deve presidir à fixação do sentido a atribuir à mencionada al. c). Direitos sociais serão, pois, todos aqueles que os sócios têm enquanto sócios de uma sociedade, tendentes à protecção dos seus interesses sociais. São direitos que nascem na esfera jurídica do sócio enquanto tal, por força do contrato de sociedade. Já aqueles outros direitos de que os sócios são titulares independentemente da sua qualidade de sócios, em que esta qualidade é irrelevante para o exercício de determinado direito, são direitos extra-sociais que os sócios podem exercer como qualquer outra pessoa, numa posição semelhante à de terceiros” (sublinhados nossos).
Cumpre dizer, aliás, que os direitos dos sócios (“direitos sociais”) encontram-se elencados, essencialmente, nos artigos 21.º (direitos de natureza geral) e 24.º (direitos de índole especial, a criar no âmbito do contrato de sociedade) do Código das Sociedades Comerciais, tudo sem prejuízo de outros que se acham previstos noutras disposições desse mesmo diploma legal e de outros textos legislativos de carácter complementar[11].
Importa ainda referir, com interesse para o que aqui se discute, que, sendo os sócios os sujeitos do contrato de sociedade, os direitos sociais não se esgotam na sua titularidade, desde logo, porque, gozando as sociedades de personalidade jurídica, será difícil recusar a qualificação de sociais aos direitos de que ela, uma vez constituída, é titular e que emergem especificamente do contrato de sociedade ou da lei societária (imperativa ou meramente supletiva).
Assim, uma vez constituída a sociedade, titulares dos direitos sociais tanto podem ser os sócios, como a própria sociedade; logo, os direitos sociais são os direitos cuja matriz, directa e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais) e/ou no contrato de sociedade.
Mas, além da sociedade e dos sócios, a verdade é que os credores sociais e terceiros, como o órgão de fiscalização ou o gerente (cf., v. g., os arts. 57º, 78º e 79º do CSC), podem também ser titulares de direitos sociais, porque expressamente conferidos pela lei societária (se o não forem pelo contrato de sociedade)[12].
No fundo, a competência dos tribunais de comércio estabelecida por esta alínea prende-se, assim, com questões relacionadas com a actividade das sociedades comerciais em que intervenham os referidos titulares dos direitos sociais.
Ademais, na atribuição de competência especializada aos Juízos de Comércio para preparar e julgar as acções relativas ao exercício dos direitos sociais, e que têm por objecto questões relacionadas com a actividade das sociedades comerciais, releva ainda a circunstância de estarmos perante matérias que exigem especial preparação técnica e sensibilidade e envolvem dificuldades/complexidades que podem repercutir-se também na respectiva solução.
Ora, aqui chegados, e tendo em conta todo o exposto, importa concluir que deve aqui declarar-se que, com este fundamento, o Juízo de Comércio não pode ser considerado o Tribunal competente em razão da matéria para conhecer da presente acção.
Na verdade, uma acção que tenha por objecto o pedido de declaração de nulidade de uma inscrição no registo não poderá ser da competência do Tribunal Comércio, pois que tal pretensão não diz respeito ao exercício de direitos sociais no sentido explanado.
Como se referiu, nem todas as acções judiciais que envolvam as Sociedades Comerciais, os membros dos respectivos órgãos sociais ou os sócios têm necessariamente que ser julgadas pelo Tribunal de Comércio.
Existem muitas outras acções com essa configuração subjectiva em que são exercidos outros direitos de que os sócios são titulares, independentemente da sua qualidade de sócios, e em que esta qualidade é irrelevante para o exercício do respectivo direito. São direitos extra-sociais que os sócios podem exercer como qualquer outra pessoa, numa posição semelhante à de terceiros
Ora, tendo em conta o pedido formulado, e apesar de ser uma acção judicial que envolve uma Sociedade Comercial (e outros sócios) e os AA. (que também invocam a sua qualidade de sócio), a verdade é que, com a mesma, os AA. não pretendem exercer qualquer direito social no sentido atrás delimitado. O que pretendem é apenas que o Tribunal declare a nulidade das inscrições do registo que identificam, fundadas nos vícios que invocam.
Veja-se, aliás, que a pretensão dos AA. não encontra fundamento, directo e imediato, nem na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais – Código das Sociedades Comerciais), nem no contrato de sociedade.
Os fundamentos legais invocados correspondem aos seguintes preceitos legais: “… arts. 22º (nulidade) e 115º do Código do Registo Comercial; 10º e 11º do CC. e 372º e 406º do CC e 256º do Código Penal” – item 38 da petição inicial – art. 47º do Código do Registo Comercial – item 43 – art. 53º-A, nº 2 do Código do Registo Comercial – item 45.
Nessa medida, e conforme decorre do exposto, importa concluir que esta al. c) do art. 128º da LOSJ não se pode considerar preenchida no caso concreto.
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Vejamos, agora, se o mesmo sucede com a segunda alínea mencionada.
Como se disse, estabelece a citada alínea que “Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: (…) h) As acções a que se refere o Código do Registo Comercial”.
A questão que se discute nos presentes autos terá que ser resolvida em função das regras gerais de interpretação da lei (art. 9º do CC), pois que, como resulta da Jurisprudência que se irá citar, tem-se discutido o âmbito de aplicação desta alínea.
Na verdade, atendo-se a uma interpretação literal da alínea, os Recorrentes defendem que o preceito legal abrangerá qualquer acção a que se refere o Código do Registo Comercial e, nessa medida, a presente acção de declaração de nulidade da inscrição no registo comercial estaria abrangida, pois que coincidiria com uma dessas acções previstas no aludido Código – v. o art. 9º (al. f)) – “acções de reforma, declaração de nulidade ou anulação de um registo ou do seu cancelamento” - e 81º - “Processo especial de rectificação”-, preceitos legais do Código do Registo Comercial.
No entanto, como já ficou dito no ac. do STJ de 12 de Fevereiro de 2004[13], não podemos ficar pela mera interpretação literal do citado preceito legal, pois que esta actividade interpretativa tem outros elementos extra literais.
Assim, “importa agora determinar, à luz das referidas considerações de ordem jurídica (da interpretação da lei), o sentido prevalente do normativo expressante de que compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções a que se refere o Código do Registo Comercial.
Será que a lei, ao prever, sem qualquer restrição, a competência dos tribunais de comércio para conhecer das acções a que se refere o Código do Registo Comercial, pode abranger as próprias acções que nele são indicadas como sujeitas a registo?
O Código do Registo Comercial menciona, com efeito, por um lado, nos artigos 9º e 80º, n.ºs 4 e 6, as acções sujeitas a registo e, por outro, no artigo 81º, n.º 2, as acções declarativas de nulidade de actos de registo comercial, no artigo 83º as acções de rectificação de inexactidões provenientes de deficiências dos títulos, no artigo 84º as acções para cancelamento do registos afectados de nulidade por virtude de haverem sido feitos com base em títulos insuficientes para a prova legal dos factos registados, no artigo 96º, n.º 4, as acções de reclamação da reforma em caso de extravio ou inutilização de suportes documentais, e no artigo 97º as acções para suprimento de omissões de algum registo não reclamadas.
Acresce que, nos artigos 89º a 92º, o Código do Registo Comercial insere a estrutura da maioria das mencionadas acções, incluindo a petição inicial, a oposição, o seguimento dos termos do processo sumário, a sentença e o recurso.
Ademais, no próprio artigo 9º, proémio e alínea f), daquele diploma, elencam-se como sujeitas a registo as aludidas acções de reforma, declaração de nulidade ou anulação de actos de registo ou do seu cancelamento.
A letra do segmento normativo compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções a que se refere o Código do Registo Comercial permite ao intérprete a consideração de que o mesmo abrange todas as mencionadas acções, independentemente do seu desiderato finalístico, incluindo todas aquelas a que se reporta o artigo 9º daquele Código.
Todavia, não pode deixar de se confrontar tal resultado derivado da interpretação meramente literal daquele normativo com os elementos extra literais a que acima se aludiu.
Em primeiro lugar, a genérica menção da lei a acções previstas no Código do Registo Comercial não é conforme com o critério legal normal de determinação da competência especializada dos tribunais, certo que o respectivo referencial se reporta à matéria envolvente.
Em segundo lugar, a entender-se que o aludido segmento normativo abrange as acções que o artigo 9º e 80º, n.ºs 4 a 6, isto é, todas as sujeitas a registo, então, tal como foi salientado na sentença proferida na 1ª instância, quedava inútil a definição da competência por referência às diversas acções relativas a matérias determinadas a que aludem as várias alíneas do n.º 1 do artigo 89º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (actual art. 128º da LOSJ).
Além disso, tal interpretação não se conformaria com a motivação expressa nos trabalhos preparatórios da lei que converteu os tribunais de recuperação da empresa e de falência em tribunais do comércio.
Ela é, com efeito, no sentido de não reatamento do modelo dos antigos tribunais de comércio, mas a de lhes atribuir competência em questões para que se requer especial preparação técnica e sensibilidade, designadamente as do contencioso das sociedades comerciais, da propriedade industrial, das acções e recursos previstos no Código de Registo Comercial, e os recursos das decisões em processos de contra-ordenação no âmbito da defesa e promoção da concorrência.
Assim, a mencionada motivação aponta no sentido de que a competência dos tribunais de comércio se prende com questões relacionadas com a actividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob a forma comercial, a qual deve orientar o intérprete na determinação do sentido e alcance do segmento normativo em análise (Ac. do STJ, de 5.2.2002, CJ, Ano X, Tomo 1, pág. 68, e PAULA COSTA e SILVA, "Sobre a Competência dos Tribunais de Comércio", Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 62, 2002, págs. 210 a 215).
Confrontando o resultado da interpretação meramente literal com o aludido elemento sistemático e teológico, impõe-se a conclusão de que o legislador, ao expressar o normativo da alínea g) do n.º 1 do artigo 89º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, declarou mais do que pretendia.
Impõe-se, por isso, a interpretação restritiva do referido normativo em termos de exclusão de abrangência das normas que elencam as acções sujeitas a registo, cujo escopo nada tem a ver com a competência em razão da matéria dos tribunais de comércio.
À luz das referidas conclusões de ordem jurídica, importa concluir que o normativo da alínea g) do n.º 1 do artigo 89º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (actual art. 128, nº 1, al. g) da LOSJ) se reporta exclusivamente às chamadas acções de registo a que acima se fez referência.”.
É essa também a conclusão a que aqui chegamos[14].
Ou seja, à luz da melhor interpretação da lei, julga-se que a citada alínea abrangerá apenas as acções em que se discute questões respeitantes ao contencioso das sociedades comerciais, da propriedade industrial, das acções e recursos previstos no Código de Registo Comercial, e os recursos das decisões em processos de contra-ordenação no âmbito da defesa e promoção da concorrência
A questão que se coloca, pois, é a de saber se naquelas acções previstas no Código Registo Comercial se incluem as previstas na al f) do art. 9º do Código, ou seja, aquelas em que se pede a “ … declaração de nulidade ou anulação de um registo (comercial) ou do seu cancelamento” (veja-se que o pedido dos AA. é justamente o de que seja declarada a nulidade da inscrição de determinados actos no registo comercial).
Os Recorrentes invocaram na petição inicial o disposto no art. 22º do CRC, onde se prevê o seguinte:
“Artigo 22.º
Nulidade
1 - O registo por transcrição é nulo:
a) Quando for falso ou tiver sido feito com base em títulos falsos;
b) Quando tiver sido feito com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;
c) Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere;
d) Quando tiver sido assinado por pessoa sem competência funcional, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil, e não possa ser confirmado;
e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia.
2 - Os registos nulos só podem ser rectificados nos casos previstos na lei, se não tiver registada a acção de declaração de nulidade.
3 - A nulidade do registo só pode, porém, ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.
4 - A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade”.
Como se vê os Recorrentes interpretaram a lei no sentido de que a nulidade do registo, contrariamente à Rectificação do Registo, impõe a sua declaração por decisão judicial com trânsito em julgado – v. item 47 da petição inicial.
Nessa medida, a ser admissível a presente acção, em termos processuais[15] – questão que não é colocada no presente Recurso -, podemos concluir que, obviamente, a presente acção não se inclui expressamente, com uma tramitação própria, naquelas acções especialmente previstas no Código Registo Comercial (contrariamente ao que sucede com a acção de rectificação que tem a sua tramitação própria estabelecida nos arts. 81º e ss. do CRC (Processo especial de rectificação))[16].
No entanto, importa ter em atenção que o fundamento invocado coincide com o já aludido art. 22º do CRC e, no caso de procedência da acção, os trâmites processuais a seguir serão os que esse mesmo Código prevê, no sentido de a inscrição registral nula ser cancelada.
Ora, voltando ao critério de atribuição da competência material definido pelo legislador, julga-se que, tendo em consideração o que se acaba de expor, se justifica que, atentos os interesses em jogo, essa competência seja efectivamente atribuída ao Tribunal de Comércio.
Se é certo que a presente acção poderá não se incluir directamente naquela al. g) do nº 1 do art. 128º, a verdade é que o fundamento invocado encontra-se no citado art. 22º do CRC (Nulidade do Registo), não se nos afigurando ser curial defender aqui uma solução diferente daquela que resultaria aplicável para as atrás aludidas acções de rectificação.
Ou seja, se o Tribunal de Comércio é competente, em termos materiais, para a apreciação, na fase própria dos processos especiais de rectificação (arts. 92º e ss. do CRC – Recurso hierárquico e Impugnação judicial[17]), por força do disposto na citada al g) – já que se trata de uma acção especialmente prevista no CRC – e do nº 2 do art.128º da LOSJ[18] também, por identidade de razões, deve a presente acção ser da competência do Tribunal Recorrido.
Se o legislador entendeu que nas acções especialmente previstas no CRC, como a acção de rectificação do registo (que também pode ser fundada na nulidade do registo – v. o citado art. 82º do CRC), a competência material deve ser atribuída ao Tribunal de Comércio, também na presente acção tal competência lhe deve ser conferida, pois que “as matérias envolventes” (para utilizar a expressão do Ac. do STJ atrás citado), as questões que são colocadas, têm exactamente a mesma natureza (nulidade do registo comercial), podendo até coincidir (como se viu um dos fundamentos do processo de rectificação é a invocação da nulidade nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 22.º).
Nesta conformidade, julgamos que a competência material para a presente acção se deve fixar no Tribunal de Comércio por força do disposto na al. g) do nº 1 do art. 128º da LOSJ.
Na verdade, seja porque a pretensão dos AA. se funda no art. 22º do CRC (e é uma acção em que se pede a “ … declaração de nulidade ou anulação de um registo (comercial) ou do seu cancelamento” – cfr. art. 9º, al. f) do CRC), seja porque existe identidade de razões entre essa atribuição de competência e essa mesma atribuição de competência na acção de rectificação do Registo especialmente prevista no Código, afigura-se-nos que o Tribunal Comércio é aquele que, por ter maior sensibilidade e melhor preparação, o legislador terá entendido estar em melhores condições para proceder ao julgamento da presente causa.
Conclui-se, pois, que a decisão recorrida não se pode manter na ordem jurídica por não corresponder à melhor interpretação do direito aplicável.
Termos em que se tem que concluir pela procedência do Recurso com o fundamento atrás acolhido.
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Quanto às custas do presente Recurso: Tendo sido julgado procedente o Recurso interposto pelos AA. não podem estes ser condenados no seu pagamento, atento o princípio da causalidade previsto no art. 527º do CPC.
No entanto, como os Recorridos não apresentaram alegações e a presente decisão não tem qualquer reflexo na sua posição jurídica, também os mesmos não devem ser condenados nas custas, devendo tal responsabilidade ser apurada a final.
Com efeito, neste âmbito, como se refere no ac. da RL 11.1.2011 (relator Luís Lameiras), in dgsi. pt. “… o que importa apurar é se o dispositivo da decisão se reflecte negativamente na esfera jurídica daquela parte; portanto se o resultado desse dispositivo realmente a desfavorece...".
É essa também a posição dos Profs. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, Vol II. pág. 419 que referem: "no caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente conforme o recurso obtenha ou não provimento; mas, se o recorrido não tiver contra-alegado e a decisão do recurso, favorável ao recorrente, não se reflectir negativamente na esfera jurídica do recorrido, será responsável pelas custas do recurso quem for condenado nas custas da acção final...".
Nesta conformidade, aderindo a esta posição, fixam-se as custas da presente instância recursiva em conformidade com aquilo que se acaba de explanar.
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Sumário:
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, e determinar que os presentes autos prossigam os seus ulteriores termos processuais no Tribunal Recorrido, uma vez que julgamos que a competência material para a presente acção se deve fixar no Tribunal de Comércio por força do disposto na al. g) do nº 1 do art. 128º da LOSJ.
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Sem custas, nos termos expostos na fundamentação (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Porto, 4 de Novembro de 2019
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Alberto dos Reis, «Comentário ao Código de Processo Civil», vol. I, pág. 111, Manuel de Andrade, in “ Noções Elementares de Processo Civil “, pág. 91, e Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 104;
[2] Manuel de Andrade, obra cit., pág. 94;
[3] Paulo Pimenta, in “ Processo civil declarativo”, págs. 95;
[4] Sobre esta temática, tem interesse ver Mouteira Guerreiro, in “Temas de Registo e Notariado” (Pdf também disponível online), - texto das seguintes conferências: “Registo comercial- as sociedades no novo quadro notarial e de registos” (págs. (do livro) 121 e ss.); “Que simplificação? O Registo Comercial ainda existe? (págs. 429 e ss.); e “Registo por depósito da cessão de quotas o antes, o depois… e agora” (págs. 535 e ss.).
[5] “Estão sujeitas a registo: (…) al. f) As acções de reforma, declaração de nulidade ou anulação de um registo ou do seu cancelamento”.
[6] V., quanto ao preenchimento dos requisitos desta alínea, por exemplo, o ac. da RP de 18.4.2016 (relator: Carlos Querido) - que aqui seguimos de perto quanto à caracterização do conceito “direitos sociais” – e que tem o seguinte sumário: “I - A aferição da competência material do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a acção II - Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à protecção dos seus interesses sociais. III - Os “direitos sociais” ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da acção se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a protecção de um qualquer dos seus interesses sociais. IV - A secção cível é competente para conhecer da acção sempre que a configuração dada pelo autor não permita a sua integração nos direitos sociais tal como definidos em II e III”.
[7] (Relator: Azevedo Ramos), in dgsi.pt. No mesmo sentido, v. o ac. da Relação do Porto de 17.03.2014 (relator: Manuel Domingos Fernandes), in dgsi.pt.
[8] (Relator: José Sapateiro), in Dgsi.pt.
[9] In “Lições de Direito Comercial”, págs. 149 e150.
[10] (Relator. Alberto Sobrinho), in Dgsi.pt.
[11] Cfr. a este respeito, Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito das Sociedades”, Vol. I, “Das Sociedades em geral”, páginas 499 e seguintes e 509 e seguintes. No mesmo sentido, Margarida Costa Andrade, in “Código das Sociedades Comerciais em comentário” (Coord. Coutinho de Abreu), Vol. I, pág. 352 e ss. referindo que o art. 21º “compreende uma enunciação meramente exemplificativa dos direitos que pertencem a um sujeito pelo simples facto de ser proprietário de uma participação social, que é, justamente, “o conjunto unitário de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio (enquanto tal). Está-se aqui perante uma relação meramente enunciativa, na medida em que o próprio CSC consagra e disciplina outros direitos sociais (que não devem confundir-se com os direitos especiais – art. 24º) - - por ex. o direito preferencial de subscrição e aumentos de capital ou o direito de exoneração. (…) (é) usual a integração dos diversos direitos sociais em dois grupos distintos – o dos direitos patrimoniais (à cabeça do qual se encontra o direito aos lucros) e o dos direitos administrativos (liderado pelo direito de voto). Se com o exercício dos primeiros se visa a obtenção de dinheiro, os segundos servem a participação no funcionamento da sociedade”.
[12] V. o ac. do STJ de 08.5.2013 (relator: Fernando Bento), in dgsi.pt.
[13] (Relator: Salvador da Costa), in dgsi.pt
[14] No mesmo sentido, v. o ac. da RL 9.2.2017 (relator: Farinha Alves): “A simples sujeição de determinada acção judicial a registo comercial não é factor de atribuição de competência material para o seu conhecimento aos tribunais de comércio”. Em sentido contrário, v. no entanto, o ac. do STJ citado pelos Recorrentes – de 8.7.2003 (relator: Luís Fonseca) com o seguinte sumário: “Dispondo o art. 89º, nº 1, al. g) da Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro, que compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções a que se refere o Código de Registo Comercial, o seu sentido, atenta a amplitude da norma, deve ser o de abranger todas as acções referenciadas no referido Código, nomeadamente aquelas que estão sujeitas a registo comercial nos termos das alíneas b) e f) do seu art. 9º”.
[15] V. o art. 82º, nº 1 e 2 do CRC; Artigo 82.º (Iniciativa) “1 - Os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito. 2 - Os registos indevidamente efectuados que sejam nulos nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 22.º podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo”.
[16] Refere o Artigo 81.º do CRC: “ (Processo especial de rectificação) 1 - O processo previsto neste capítulo visa a rectificação dos registos e é regulado pelos artigos seguintes e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.2 - O processo especial de rectificação é aplicável, com as necessárias adaptações, aos registos por depósito”.
[17] Artigo 92.º (Recurso hierárquico e impugnação judicial) “1 - A decisão de indeferimento do pedido de rectificação pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o director-geral dos Registos e do Notariado, nos termos previstos nos artigos 101.º e seguintes ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence a conservatória, nos termos dos números seguintes.2 - Têm legitimidade para impugnar judicialmente a decisão do conservador qualquer interessado e o Ministério Público.3 - A impugnação judicial prevista no n.º 1 tem efeito suspensivo e deve ser proposta no prazo previsto no artigo 685.º do Código de Processo Civil.4 - A impugnação judicial é proposta por meio de requerimento onde são expostos os respectivos fundamentos.5 - A propositura de acção de impugnação judicial considera-se efectuada com a apresentação do respectivo requerimento na conservatória em que o processo foi objecto da decisão impugnada, sendo aquela anotada no Diário”.
[18] “2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais”.