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NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (CE) Nº 1393/2007
Sumário
I - A cooperação judiciária não pode ser limitada às acções judiciais, podendo ser aplicada à margem de um processo judicial. II - A circunstância de o requerido ter residência no estrangeiro não é motivo, por si só, para indeferir a notificação judicial avulsa que lhe seja dirigida, uma vez que o art.º 79º do CPC (que estabelece que as notificações avulsas são requeridas no Tribunal em cuja área resida a pessoa a notificar) apenas cuida da competência do tribunal em razão do território, não sendo aplicável aos casos em que os requeridos têm domicilio ou sede em país estrangeiro. III - Nesses casos, não pode deixar de reger o disposto no nº3 do art.º 80º do CPC, o que permite requerer a sua notificação no Tribunal do domicílio do requerente. IV - Pressupondo a notificação judicial avulsa o contacto pessoal do agente com o notificando (cfr. art.º 256º do CPC) ter-se-á de providenciar pela sua concretização nesses moldes junto do Estado requerido, o que é admissível, no caso, quer de acordo com o disposto no art.º5º da Convenção de Haia de 1965 – aplicável à notificação da requerida com sede nos EUA - quer nos termos do nº 1 do art.º7º do Regulamento nº1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 – aplicável às requeridas com sede na União Europeia. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1. BB, S.A. com sede na Estrada da …, … Fátima, requereu a NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA de vinte e quatro sociedades, das quais cinco com sede em Portugal, vindo o Tribunal “a quo” a proferir a seguinte decisão:
“Em conformidade, por todo o exposto, declara-se a incompetência territorial deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém para proceder à notificação avulsa das requeridas CC; DD; EE; FF; GG; e HH, conforme veio solicitar a A., e declara-se a extinção do presente processo quanto às mesmas.
Além disso, declara-se a incompetência internacional e territorial deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém para proceder à notificação avulsa das requeridas II; JJ; KK; LL; MM; e NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; e VV, conforme veio solicitar a A., e declara-se a extinção do presente processo igualmente quanto às mesmas.
*
Para além disso, como nenhuma das requeridas nos presentes autos tem domicílio na área de competência deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém, não existe fundamento legal para o presente processo de notificação judicial avulsa ser processado neste Juízo. Em conformidade, decide-se igualmente indeferir liminarmente o pedido de notificação judicial avulsa de todas as requeridas, e declara-se a extinção do presente processo. “.
2. Inconformada com tal decisão, dela veio a requerente interpor recurso, formulando na sua apelação as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso de apelação interposto da decisão de incompetência internacional e territorial proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Ourém para tramitação da notificação judicial avulsa proposta pela Requerente, indeferindo-a. 2. A Requerente tem sede na Estrada da …, 2495-… Fátima. 3. A Requerente apresentou a presente notificação judicial avulsa contra 24 Requeridas, parte delas com sede no estrangeiro e outra parte com sede no território nacional, a ser efetuada, consoante o país da respetiva sede, ou ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, ou nos termos da Convenção de Haia de 1965, ou à luz dos arts. 256.º e ss. do C.P.C. 4. Por ser convicção da Requerente o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Ourém ser o competente para tramitar a notificação judicial avulsa em apreço, é a correspondente decisão de indeferimento objeto do presente recurso de apelação. 5. A título de esclarecimento, estando a Requerente ainda em tempo para decidir se e de que modo exercerá o seu direito de indemnização, no cenário de tutela judicial, poderá sempre, à luz do disposto no art. 13.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ao invés de demandar as fabricantes condenadas pela Comissão, por preenchidos os pressupostos, demandar as Requeridas em território nacional, daí a sua inserção na presente notificação judicial avulsa enquanto Requeridas. 6. Quanto à fundamentação de direito da decisão proferida pelo tribunal a quo, esta ancora-se nos arts. 62.º, 63.º e 79.º do C.P.C. e, bem assim, afirma que muito menos se vislumbra o preenchimento dos pressupostos legais para atribuir a competência internacional deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém para proceder à notificação avulsa destas requeridas, o que a Recorrente, por via do presente recurso de apelação, pretende impugnar. 7. Com efeito, ensina-nos o Tribunal da Relação de Lisboa (processo n.º 19859/16.3T8LSB.L1.-2, relator: Jorge Leal, disponível online via www.dgsi.pt) que: a. Não se antevê porque razão os tribunais portugueses não poderiam receber um requerimento de notificação avulsa de pessoa localizada no estrangeiro, deferir o requerido, solicitar às autoridades competentes no estrangeiro a adequada notificação pessoal do ato (notificação da declaração emitida pelo requerente) e, chegada a respetiva certidão ao tribunal, tudo restituir ao requerente. b. É certo que no art.º 79.º do CPC se dispõe que “as notificações avulsas são requeridas no tribunal em cuja área resida a pessoa a notificar.” Mas, conforme aliás decorre da inserção sistemática do preceito (Secção IV, atinente à “competência em razão do território”, por sua vez integrada no Capítulo III, regulador da “competência interna”), esta norma cuida da competência do tribunal em razão do território (…). c. Não se encontra norma no CPC que recuse a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciarem requerimentos de notificação judicial avulsa de requeridos residentes ou sediados no estrangeiro (cfr. artigos 59.º e 62.º do CPC). d. “Justificando-se a notificação judicial avulsa à luz do direito nacional e permitindo-a o Regulamento, o reconhecimento da competência dos tribunais portugueses para a realizar implica que, em sede de competência territorial, se recorram aos critérios supletivos do artigo 85.° do CPC” (ou seja, art.º 80.º n.º 3 do atual do CPC: “se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, é demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, é demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, é competente para a causa o tribunal de Lisboa.”) Iguais preocupações, razão de ser e possibilidades, se encontram na Convenção de Haia, Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial, de 15 de novembro de 1965, ratificada por Portugal e que também é aplicável na Suíça (onde reside um dos requeridos) (…). e. Note-se que a competência internacional do tribunal português para a apresentação do requerimento de notificação judicial avulsa justifica-se pelo facto de diversos requerentes e requeridos residirem em Portugal e de os factos de que alegadamente derivam os direitos a que se arrogam os requerentes na sua comunicação terem, pelo menos parcialmente, conexão com Portugal (cfr. art.º 62.º alíneas a) e b) do CPC). 8. O Tribunal da Relação de Lisboa vinca o seu entendimento quando no âmbito de outro processo judicial o mantém na íntegra (processo n.º 19815/16.1T8LSB-A.L1-7, relator: Cristina Coelho, disponível online via www.dgsi.pt): a. Nos termos do nº 2 do referido artigo, as normas constantes da Convenção de Haia de 1965 vinculam o Estado Português. E nos termos do nº 4 do mesmo artigo, as normas constantes do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, também, vinculam os Estado português 5. E para além de vincular o Estado Português, o Regulamento tem primazia relativamente às leis internas. b. Isto significa que podem ser requeridas citações ou notificações à luz dos referidos instrumentos legais. No âmbito das mencionadas notificações insere-se a notificação judicial avulsa. c. Não obstante no referido artigo se exemplifique com a notificação judicial avulsa requerida pelo senhorio, tal não significa que não seja aplicável a outras situações, nomeadamente a do caso sub judice, em que, privar os requerentes da notificação judicial avulsa para interromper eventuais prazos de prescrição aplicáveis, seria privá-los, em última análise, do próprio direito de acção que pretendem vir a exercer. d. As notificações requeridas justificam-se à luz do direito português, como referiu o tribunal recorrido, e são admissíveis à luz do Regulamento e da Convenção. e. Em face de tudo quanto se deixa escrito, ponderados os instrumentos referidos, o disposto no art. 80º do CPC, e perfilhando o entendimento do Cons. Salazar Casanova, conclui-se ser o tribunal português, e, no caso, o tribunal da comarca de Lisboa, competente para ordenar a notificação requerida, também relativamente aos requeridos com residência/sede no estrangeiro (…). 9. Também no sentido de os tribunais portugueses serem os competentes para a tramitação de notificações judiciais avulsas nas quais figuram como requeridas entidades estrangeiras e, de entre estes, os do domicílio da Requerente decidiram, designadamente: processo nº9.0T8LRS Local Cível de Loures 9.4T8VFX Local Cível de Vila Franca de Xira 19.4T8LSB Local Cível de Lisboa 9.7T8LRS Local Cível de Loures 9.6T8VFX Local Cível de Vila Franca de Xira 9.2T8BRG Local Cível de Braga 9.7T8BRG Local Cível de Braga 9.5T8PRD Local Cível de Paredes 1T8PCR e Competência Genérica de Paredes de Coura 9.3T8VCT Local Cível de Viana do Castelo 9.7T8STR Local Cível de Vila Franca de Xira 9.7T8VFX Local Cível de Vila Franca de Xira 9.5T8VFX Local Cível de Vila Franca de Xira 19.5T8LSB Local Cível de Lisboa 9.4T8VFX Local Cível de Vila Franca de Xira 19.1T8LSB Juízo Local Cível de Lisboa 19.1T8LSB Juízo Local Cível de Lisboa 19.0T8LSB Juízo Local Cível de Lisboa 19.4T9LSB Juízo Local Cível de Lisboa 9.7T8LSB Juízo Local Cível de Lisboa 9.2T8LSB Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira 9.0T8LSB Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira 9.0T8VFX Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira 9.9T8VFX Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira 10. Tudo sopesado, conforme jurisprudencial e doutrinalmente assente, i) sendo residentes em Portugal, quer a Requerente, quer cinco Requeridas (importante elemento de conexão com Portugal); ii) tendo os factos constitutivos da presente notificação judicial avulsa conexão com o território nacional, desde logo por ser o país em que ocorreram os danos resultado do cartel acima descrito (importante elemento de conexão com Portugal); e iii) atendendo à matéria de direito que deveria ter sido aplicada pelo tribunal de Ourém, é convicção da Recorrente que o tribunal a quo errou quando determinou os arts. 79.º, 62.º e 63.º do C.P.C. como normas aplicáveis ao presente processo e, bem assim, quando afirmou não se preencherem os pressupostos legais para atribuir competência internacional ao Juízo Local Cível de Ourém para a tramitação da notificação judicial avulsa em apreço, devendo ter sido aplicáveis os arts. 8.º, n.º 2 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, o princípio do primado, o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, a Convenção de Haia de 1965 e os arts. 80.º, n.º 3 e 256.º, n.º 1 do C.P.C., com os consequentes deferimento e concretização da notificação judicial avulsa proposta. TERMOS EM QUE REQUER SEJA ANULADA A DECISÃO RECORRIDA, DEVENDO CONCLUIR-SE PELA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL E TERRITORIAL DO TRIBUNAL A QUO PARA O DEFERIMENTO DA NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA PROPOSTA PELA REQUERENTE, ASSIM FAZENDO V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES JUSTIÇA.”.
2. Não houve contra-alegações.
3. Dispensaram-se os vistos.
4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr. artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se o Tribunal “a quo” deveria ter promovido a notificação judicial avulsa das sociedades requeridas com sede no estrangeiro[1].
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, que é o seguinte o teor da decisão proferida neste conspecto pelo Tribunal “ a quo”:
“Compulsados os autos constata-se que a A. veio solicitar nos presentes autos a notificação judicial avulsa de várias empresas.
Ora, determina o artigo 79º, do Código de Processo Civil, que o Tribunal territorialmente competente para serem efectuadas as notificações avulsas será aquele onde se situa o domicílio da pessoa a notificar.
Verifica-se, por outro lado, que as requeridas CC; DD; EE; FF; GG; e HH, têm o seu domicílio nas localidades de Alverca do Ribatejo; Porto; Abrunheira, Sintra; Castanheira do Ribatejo; Lisboa; e Vialonga.
Deste modo, as localidades onde se situa o domicílio destas requeridas CC; DD; EE; FF; GG; e HH, não se situam na área de competência territorial deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém. Na verdade, nenhuma dessas localidades se situa no concelho de Ourém, que corresponde à área de competência deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém.
Em conformidade, ter-se-á que concluir que este Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém será incompetente territorialmente para efectuar a notificação judicial avulsa daquelas requeridas CC; DD; EE; FF; GG; e HH, conforme veio solicitar a A.
Quem será competente territorialmente para proceder à notificação judicial avulsa das requeridas CC; DD; EE; FF; GG; e HH, serão os Juízos Civis em cuja área de competência se integram as localidades onde se situam os domicílios destas requeridas.
Em conformidade, deverá ser declarada a incompetência territorial deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém para proceder à notificação avulsa das requeridas Man Truck & Bus Portugal; NORS; Mercedes-Benz Portugal; Iveco Portugal; DAFP; e Scania Portugal, conforme veio solicitar a A., e irá declarar-se a extinção do presente processo quanto às mesmas.
No presente processo veio igualmente a A. solicitar a notificação avulsa das requeridas II; JJ; KK; LL; MM; e NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; e VV, que têm todas a sede ou domicílio no estrangeiro, designadamente na Alemanha, na Suécia; no Reino Unido, na Itália, nos Estados Unidos da América; e nos Países Baixos. Deste modo, nenhuma dessas requeridas tem a sua sede em Portugal.
Por outro lado, verifica-se que não existirá nenhum dos pressupostos previstos nos artigos 62º e 63º, do Código de Processo Civil, para atribuir a competência internacional aos tribunais portugueses para procederem à notificação judicial avulsa das requeridas II; JJ; KK; LL; MM; e NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; e VV. E muito menos se vislumbra o preenchimento dos pressupostos legais para atribuir a competência internacional deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém para proceder à notificação avulsa destas requeridas.
Além disso, como o domicílio destas requeridas não se situa na área de competência deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém, também não terá o mesmo competência territorial para realizar a notificação avulsa daquelas requeridas II; JJ; KK; LL; MM; e NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; e VV, nos termos do referido artigo 79º, do Código de Processo Civil.
Em conformidade, deverá ser declarada a incompetência internacional e territorial deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém para proceder à notificação avulsa das requeridas II; JJ; KK; LL; MM; e NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; e VV, conforme veio solicitar a A., e irá declarar-se a extinção do presente processo igualmente quanto às mesmas.
Consequentemente, como nenhuma das requeridas nos presentes autos tem domicílio na área de competência deste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém, não existe fundamento legal para o presente processo de notificação judicial avulsa ser processado neste Juízo. Em conformidade, deverá ser indeferido liminarmente o pedido de notificação judicial avulsa de todas as requeridas, e deverá ser declarada a extinção do presente processo.”.
2. Do mérito do recurso
No entender da apelante, o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Ourém - é o competente para tramitar a notificação judicial avulsa apesar das requeridas terem sede no estrangeiro.
E isto, essencialmente, porque os Tribunais portugueses serão internacionalmente competentes para apreciar a acção de indemnização por infracção de leis da concorrência que a requerente pretende intentar contra as requeridas, intenção que através da notificação em apreço manifesta perante as mesmas.
Vejamos então.
Em primeiro lugar, é de notar que nem o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de novembro de 2007 relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, nem a Convenção de Haia Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial cuidam desta questão da competência; referem-se, sim, ao modo da concretização da diligência[2].
Não há, outrossim, qualquer impedimento a que se recorra ao Regulamento para efectivar uma notificação judicial avulsa.
Efectivamente, no processo C-14/08 (Roda Golf), o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que não compete ao direito nacional determinar quais os actos que podem ser transmitidos, em conformidade com o Regulamento, entre os Estados-Membros para efeitos de citação e notificação. A questão apresentada ao Tribunal em causa referia-se à citação e notificação de um acto notarial na ausência de processo judicial. O Tribunal esclareceu que o conceito de «acto extrajudicial» na acepção do artigo 16.º do Regulamento de 2000 (que é o mesmo que o artigo 16.º do Regulamento de 2007) é um conceito da União que deve ser interpretado de forma autónoma. Tendo em conta os objectivos do Tratado e do Regulamento, que visam a criação de um sistema de citação e notificação dentro da União cujo objectivo é o bom funcionamento do mercado interno, a cooperação judiciária não pode ser limitada às acções judiciais, podendo ser aplicada à margem de um processo judicial. Como resultado, o Tribunal decidiu que a citação ou notificação de um acto notarial à margem de um processo judicial é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento.
Não se inserindo a notificação judicial num processo judicial pendente, não há que convocar as regras de competência do Tribunal em razão da nacionalidade que pressupõe, em todo o caso, a introdução do pleito em juízo posto ser através da análise da relação jurídico-processual, tal como configurada pelo autor na petição inicial, que aquela, como pressuposto processual, se afere[3].
A notificação judicial avulsa tem apenas como objectivo a participação de uma determinada declaração de vontade ao seu destinatário, sendo que o seu conteúdo se circunscreve, por regra, exactamente a isso; mesmo quando prévia à propositura de uma acção não carece sequer de identificar com rigor a pretensão que vai ser deduzida nem os seus fundamentos concretos.
Todavia, nos casos em que a notificação judicial avulsa tenha como propósito a manifestação da intenção do exercício de um direito, v.g. indemnizatório, entende-se que é um meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 3/98 publicado no DR 1ª série de 12-05-1998).
Aliás, nesse caso, não seria concebível, à luz do nº2 do art.º 2º do CPC, que a mera circunstância de o requerido ter residência no estrangeiro pudesse inviabilizar o deferimento da notificação judicial avulsa com tal propósito e, por consequência, a interrupção da prescrição.
Sufragamos o entendimento[4] de que o art.º 79º do CPC (que estabelece que as notificações avulsas são requeridas no Tribunal em cuja área resida a pessoa a notificar) apenas cuida da competência do tribunal em razão do território, não sendo aplicável aos casos em que os requeridos têm domicilio ou sede em país estrangeiro.
Nesses casos, não pode deixar de reger o disposto no nº3 do art.º 80º do CPC, o que permite requerer a sua notificação no Tribunal do domicílio do requerente, que é precisamente o Juízo em causa.
Não se vê, portanto, qualquer obstáculo a que, à semelhança do que sucede quando um réu é residente no estrangeiro, para que o mesmo tivesse recebido o requerimento de notificação avulsa das sociedades requeridas sediadas no estrangeiro e tivesse solicitado às autoridades competentes para o efeito a notificação pretendida pela requerente.
Evidentemente que pressupondo a notificação judicial avulsa o contacto pessoal do agente com o notificando (cfr. art.º 256º do CPC) ter-se-á de providenciar pela sua concretização nesses moldes junto do Estado requerido, o que é admissível, no caso, quer de acordo com o disposto no art.º5º da Convenção de Haia de 1965 – aplicável à notificação da requerida com sede nos EUA - quer nos termos do nº 1 do art.º7º do Regulamento nº1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 – aplicável às requeridas com sede na União Europeia.[5]
Assim sendo, a decisão recorrida não pode subsistir, devendo providenciar-se pela notificação, por contacto pessoal, das sociedades requeridas se tal for permitido ao abrigo da lei do Estado-Membro onde notificação terá lugar.
III- DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão proferida, na parte recorrida, e em sua substituição defere-se a requerida notificação das sociedades com sede no estrangeiro nos moldes supra enunciados.
Sem custas.
Évora, 21 de Novembro de 2019
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente
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[1] Não vem posta em crise a parte da decisão que considera o Tribunal territorialmente incompetente para proceder à notificação das requeridas CC; DD; EE; FF; GG; e HH.
[2] Aliás, como pertinentemente salienta o Acórdão da Relação de Lisboa de 15-12-2016, não se encontra norma no CPC que recuse a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciarem requerimentos de notificação judicial avulsa de requeridos residentes ou sediados no estrangeiro (cfr. artigos 59.º e 62.º do CPC). Assim como não se encontra, ao nível do direito da União Europeia, norma que a tal obste, nomeadamente no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
[3] De todo o modo, perante as explicações trazidas pela apelante afigura-se-nos que o Tribunal português será efectivamente o competente para a acção indemnizatória: De acordo com o Regulamento (UE) nº 1215/20102 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem também ser demandadas perante o Tribunal onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso (cfr. art.º 7º, 2)) que no caso de actuação de um cartel ilícito, se terá de considerar o correspondente ao lugar onde se repercutem para a empresa os prejuízos decorrentes dessa mesma actuação, ou seja, o local onde esse facto provoca danos.
[4] Expresso, dentre outros, no referido Acórdão da Relação de Lisboa.
[5] Estatui o art. 1º da Convenção de Haia de 1965 que: “A presente Convenção é aplicável, em matéria civil ou comercial, a todos os casos em que um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido a país estrangeiro para aí ser objecto de citação ou notificação. A Convenção não se aplicará quando a morada do destinatário for desconhecida”.
E o art. 1º do Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 dispõe que: “1. O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por actos e omissões no exercício do poder público («acta iure imperii»). 2. O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido. …”.