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ABUSO DE CONFIANÇA AGRAVADO
BURLA QUALIFICADA
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ASTÚCIA
Sumário
I - Só se verificará omissão de pronúncia do tribunal se, dada a relevância da questão, deixe de emitir opinião, o que se prende com a oficiosidade do conhecimento de todas as questões que são pertinentes à decisão da causa e resultante da natureza dos interesses que se visam proteger.
II - No âmbito do tipo objetivo do crime de burla distinguem-se três modalidades de conduta: a primeira ocorre quando o agente provoca o erro de outrem descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade; a segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de atos concludentes, isto é, de condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas que se mostram adequadas a criar uma falsa convicção sobre certo facto (uma visão falsa ou deturpada da realidade); e a terceira (mais duvidosa, porquanto estamos perante um delito de "execução vinculada") verifica-se quando o agente não provoca o engano do sujeito passivo, mas limita-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra.
III - A idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se não só tomando em consideração as características do concreto burlado, mas também com recurso a critérios objetivos, isto é, haverá de ser reconstituída a partir de factos materiais que a revelem e evidenciem e não por mera referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente.
IV - A astúcia consiste no aproveitamento de uma vantagem cognitiva do agente sobre o burlado, que lhe permite manipular a vontade deste. No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reações do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objetivo em vista. Na burla assiste-se, pois, a um dispositivo de estratagemas, à organização de enganos, a um certo cenário (mise-en-scène) que tem por fim dar crédito à mentira e enganar terceiros.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
1. RELATÓRIO
Nos autos em referência, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida EC, imputando-lhe a prática, como autora material e em concurso real e efectivo, de:
- 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 217.º n.º 1, e 218.º n.os 1 e 2 alínea a), por referência ao art. 202.º, alínea b), todos do Código Penal (CP);
- 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 217.º n.º 1, e 218.º, n.º 1, do CP; e
- 2 (dois) crimes de burla simples, p. e p. pelos arts. 26.º e 217.º, n.º 1, do CP.
RP e JMM deduziram pedido de indemnização civil contra a demandada EC, peticionando que a mesma fosse condenada a pagar-lhes a quantia de €38.218,99 (trinta e oito mil, duzentos e dezoito euros e noventa e nove cêntimos). Dando por reproduzidos os factos constantes do libelo acusatório, alegaram que, sendo conhecedora da sua baixa escolaridade, a demandada, invocando a existência de despesas que na verdade inexistiam, conseguiu, enganando-os, que os mesmos lhe entregassem a quantia global no valor de €33.218,99, cuja restituição peticionam. Mais alegaram que para reunirem os valores que foram entregues à demandada tiveram de se privar e de recorrer à ajuda de terceiros, o que lhes causou angústia, danos que reputam como tendo o valor de €5.000,00.
Também M. e Irmão, Lda. e ACR deduziram pedido de indemnização civil contra a demandada EC, peticionando que a mesma fosse condenada a pagar, ao primeiro, quantia global de €265.853,44 (duzentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e cinquenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento e, ao segundo, o valor global de €46.557,30 (quarenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e trinta cêntimos), também a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento, bem como a quantia que se viesse a apurar, em sede de liquidação de sentença, correspondente às despesas que lhe advierem do processo executivo n.º --/14.9TBPRL, a correr termos na Instância Central de Montemor-o-Novo.
Reproduzindo os factos constantes do libelo acusatório, alegaram que a sociedade comercial ficou prejudicada no montante global de €235.853,44 correspondendo €8.351,64 ao valor que foi entregue à demandada para que procedesse ao pagamento dos salários e indemnização devida aos trabalhadores e de que a mesma indevidamente se apropriou e o montante de €227.501,80 ao valor dos equipamentos industriais da empresa que, por intermédio e mediante engano por parte daquela, os mesmos venderam a FP sem que viessem a receber o respectivo preço. Mais alegaram que ACR também sofreu prejuízos patrimoniais no montante de €31.557,30, equivalente ao valor que o mesmo entregou à demandada para que ela solucionasse os problemas que tinha perante a banca relativamente à sua casa de habitação e ao seu veículo automóvel e que aquela, usando de meio enganoso, fez seus. A tal valor acrescerá ainda o decorrente das despesas relacionadas com as custas judiciais do processo judicial entretanto instaurado, valor a apurar em sede de execução de sentença. Por fim, alegaram que em consequência da conduta da demandada os sócios da M.., Lda. sofreram de ansiedade, stress, depressão, fadiga, insónias tendo um deles falecido e outro sido medicamente assistido em virtude dos problemas de saúde daí decorrentes, prejuízos morais que entendem ser de ressarcir e que computaram no montante global de €45.000,00.
A arguida EC apresentou contestação e indicou meios de prova.
Invocou, para tanto e em síntese, que foi mandatada pela sociedade M… e Irmão, Lda., que à data atravessava dificuldades económicas, para tratar da sua dissolução e subsequente liquidação - tendo, inclusivamente, assumido as funções de liquidatária. Tal liquidação implicaria a recuperação de quantias de que a sociedade era credora - recorrendo-se, se necessário, à instauração das correspondentes acções judiciais -, o pagamento de dívidas a credores - entre os quais Finanças e Segurança Social - e a venda do activo patrimonial da empresa.
Na prossecução de tais objectivos, logrou obter acordo relativo à rescisão de três contratos de trabalho, tendo entregue aos trabalhadores todas as quantias que aquela sociedade lhe entregou para o efeito, não tendo, contudo, tal acordo sido cumprido por falta de disponibilidade financeira da empresa. Efectuou, ainda, acordos de pagamento das dívidas existentes para com as Finanças e outros credores, tendo assumido a defesa dos interesses da empresa em diversas acções executivas e injunções em que a mesma era executada/requerida. Especificou que, não obstante não ter alcançado a obtenção de acordo relativamente ao pagamento das dívidas da Segurança Social, conseguiu, em sede de audição prévia, que a reversão das dívidas não operasse em relação a todos os sócios.
Encetou diversas diligências com vista à recuperação de diversos créditos da empresa, tendo, nomeadamente, instaurado diversas acções e preparado outras tantas, que apenas não deram entrada em Tribunal porque os legais representantes da empresa se recusaram a proceder ao pagamento das necessárias taxas de justiça. Negociou, igualmente, uma cessão de quotas da sociedade, que contudo não veio a concretizar-se. Por outro lado, diligenciou pela apresentação aos legais representantes da M… & Irmão, Lda. de um potencial comprador para o activo da empresa, sendo que, não obstante ter sido alheia à negociação e à concretização dos termos do negócio - desconhecendo, igualmente, a existência de penhoras sobre os veículos a vender - serviu, posteriormente, como intermediária de ambas as partes, tendo sido encarregue de receber os correspondentes meios de pagamento. Como forma de resolver o litígio entretanto gerado entre as partes, relativo à responsabilidade pelo levantamento das referidas penhoras - cuja existência, adianta, também foi omitida ao comprador - celebrou, no interesse da empresa que representava, acordos de pagamentos com os credores titulares de tais garantias, para que as penhoras fossem levantadas e o negócio se concluísse. Nessa conformidade, pediu a FP, representante da empresa compradora, para que entregasse dinheiro com vista a tal desiderato ou fizesse ele próprio o pagamento directo das dívidas em causa.
Concretizou que todo o dinheiro da empresa que chegou à sua posse foi canalizado ou para despesas processuais e outras ou para pagamento de dívidas da empresa, nunca tendo feito seu qualquer valor que lhe tenha sido entregue, para além da quantia adiantada a título de honorários e que não se revelou suficiente ao pagamento dos serviços prestados.
Ao longo de tal relacionamento profissional alegou ter sempre discutido com os sócios da sociedade a melhor estratégia para a resolução das questões e sempre lhes ter dado conhecimento do trabalho desenvolvido.
Em especial no que se reporta aos factos respeitantes à dívida de ACR para com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL esclarece que muito antes da instauração do processo executivo, que culminou na venda do imóvel propriedade daquele, já havia encetado negociações com vista ao não accionamento da hipoteca. Após a instauração do processo executivo e a pedido de ACR aceitou representá-lo, para o que pediu provisão para despesas e honorários no valor de €1.500,00, tendo-lhe aquele entregue a quantia de €1.396,00 para tal efeito e não para pagamento de taxas de justiças, como por lapso se fez inscrever no recibo provisório emitido. Assim e não obstante ACR ter acabado por pedir apoio judiciário, também na modalidade de nomeação de patrono, sempre diligenciou pela resolução extrajudicial da questão, uma vez que processualmente não havia fundamentos para uma oposição à execução, estratégia com a qual aquele sempre concordou.
Já no que se refere ao seu patrocínio na questão relativa ao veículo BMW, também propriedade de ACR, invocou ter diligenciado pela sua resolução extrajudicial, encetando, nomeadamente, esforços para que o seu representado contraísse um novo crédito com vista à liquidação do montante em dívida. Até à concessão do almejado crédito sugeriu ACR proceder à entrega de um valor mensal, que seria depositado na sua conta, e que serviria para pagar as primeiras prestações e os gastos de contratualização do empréstimo. Sucede, porém, que a BMW não aceitou negociar o crédito, tendo o veículo acabado por ser apreendido sem que ACR lograsse reunir dinheiro para proceder à totalidade do valor em dívida ou em três prestações conforme pretensão da BMW. Nessa conformidade, acabou por lhe devolver a totalidade do montante que o mesmo havia entregue como adiantamento às prestações e às despesas do novo crédito a contrair.
Por fim, relativamente aos factos respeitantes aos clientes RP e JM concretizou que, após ter sido contactada, em 28 de Novembro de 2006, sempre diligenciou pela obtenção de uma partilha extrajudicial dos bens da herança objecto do processo de inventário que corria termos, no Tribunal da Comarca do Redondo, sob o n.º ---/13.9TDEVR.
No decurso de tais negociações surgiram várias possibilidades de acordo, sendo que as verbas no valor de €15.500,00 e de €2.000,00, pedidas e entregues pelos clientes, serviriam para pagamento de tornas pela adjudicação a RP de duas verbas da herança que a mesma pretendia para si. Sucedeu, contudo, que por divergências nos valores das verbas nunca foi possível finalizar o acordo. Tendo sido informados de tal fracasso os seus clientes não aceitaram a devolução dos montantes entregues pela eminência de ser efectivamente alcançado acordo e por haver honorários a liquidar. Após a realização de uma conferência de interessados no dia 30 de Janeiro de 2013, a arguida acabou por ter conhecimento de que os seus clientes haviam constituído novo mandatário, motivo pelo qual renunciou à procuração. Por dificuldades decorrentes de uma restruturação do escritório, falta de pessoal administrativo e pela apreensão no processo da sua documentação só na pendência deste processo teve condições de elaborar a nota dos honorários devidos, altura em que colocou à disposição do casal o montante remanescente.
Na pendência da instância civil enxertada nos autos, procedeu, em 20 de Março de 2017, à entrega, por meio de depósito autónomo, a favor de RP e JMM da quantia de €11.577,11, por conta do valor objecto do pedido de indemnização contra si formulado por aqueles.
Em resposta vieram os demandantes reduzir o pedido formulado para a quantia de €26.641,88.
Por isso, se decidiu julgar a instância cível, no que respeita à quantia de €11.577,11, extinta por inutilidade superveniente da lide.
Realizada audiência de discussão e julgamento e proferido acórdão, decidiu-se:
- convolar o crime de burla qualificada de que a arguida vinha acusada por referência aos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CP, por forma a que lhe fosse imputada a prática - em autoria material - de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), por referência ao art. 202.º, alínea a), ambos do CP;
- convolar um dos crimes de burla qualificada de que a arguida vinha acusada por referência aos arts. 217.º n.º 1, e 218.º, n.º 1, do CP, por forma a que lhe fosse imputada a prática - em autoria material - do mesmo ilícito, mas com previsão nos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao art. 202.º, alínea b), todos do CP;
- absolver a arguida EC da prática, como autora material, de:
a) um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do CP; e
b) um crime de burla simples, p. e p. pelos arts. 26.º e 217.º, n.º 1, do CP.
- condenar a arguida EC, como autora material, de:
a) um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), por referência ao art. 202.º, alínea a), ambos do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
b) um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217.º, 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao art. 202.º, alínea b), todos do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
c) um crime de burla simples, p. e p. pelos arts. 26.º e 217.º, n.º 1, do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
- condená-la, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por M… & Irmão, Lda., e, consequentemente, condenar a demandada EC a pagar à demandante a quantia de €8.175,82 (oito mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais; e
- julgar improcedente o pedido de indemnização civil quanto ao mais e, consequentemente, absolver a demandada.
- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por ACR e, consequentemente, condenar a demandada EC a pagar ao demandante a quantia de €1.396,00 (mil, trezentos e noventa e seis euros) a título de danos patrimoniais e a quantia de €500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
- julgar improcedente o pedido de indemnização civil quanto ao mais e, consequentemente, absolver a demandada.
- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por RP e JMM e, consequentemente, condenar a demandada EC a pagar aos demandantes a quantia de €17.141,88 (dezassete mil, cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais e a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
- julgar improcedente o pedido de indemnização civil quanto ao mais e, consequentemente, absolver a demandada.
Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso, formulando as conclusões:
1.Salvo o devido respeito, considera-se que o Tribunal "a quo" efectuou um erro notório na apreciação da prova e resulta da mesma a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, assim como uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão.
2.O Tribunal "a quo" deu como provado que o primeiro contacto entre a arguida, na qualidade de advogada, e a Sociedade M… & Irmão Lda., ACR e MCR, se deu, única e exclusivamente, para resolver o assunto relativo a três trabalhadores da empresa, em meados de Abril de 2007.
3.Foram considerados como provados os factos de 52 a 54, na medida que a arguida prestou outros serviços jurídicos para a resolução de problemas que a empresa M… & Irmão, Lda tinha com a Segurança Social, Finanças, e com representação em diversos processos judiciais, fossem eles contra ou a favor desta.
4.Nesta esteira, e porque o Tribunal" a quo", para a formação da sua convicção valorou a prova documental junta aos autos, nomeadamente o conteúdo das Pastas n.º 1 a 10, e 15 a 18, considerámos que deveria também ter dado como provado que a arguida no período temporal em que ocorreram as entregas de quantias monetárias referidas em ponto 7 a 9 do Acórdão (factos provados), fez vários pagamentos em nome da empresa M…. & Irmão Lda.
5.Com especial destaque para a Pasta n.º 6, cujo conteúdo se refere a dívidas da empresa à Segurança Social, e em particular o plano de pagamento a prestações alcançado através dos esforços da arguida, e em especial o documento datado de 26/04/2007 (não tem numeração), que corresponde a dois talões de multibanco de pagamento à Segurança Social (entidade 20181), nos montantes de €4.297,52 e €3.838,88, feitos pelo "escritório" da arguida, através da conta bancária titulada por CF, número 02----.
6.A soma das quantias, os valores pagos aos trabalhadores e à Social totaliza, as quantias entregues pela sociedade M…& Irmão, Lda, à arguida, tendo o Tribunal" a quo", andado mal, ao considerar que a arguida fez suas as quantias dos pontos 7 e 9, quando na realidade existiram outros pagamentos a ser efectuados ao mesmo tempo, em nome da empresa.
7.Mais se diga, que o Tribunal " a quo", em nítida contradição, e verificando a existência de mais que muitas intervenções, nas mais variadas áreas do direito, e após valoração das Pastas n.º 1 a 10 e 15 a 18, vem dar por não provados os factos U), V), AA), BB), CC), DD), EE), FF), GG), HH), II), JJ).
8.Resulta da prova documental junta aos autos e não impugnada, em particular a Pasta n.º 8, 10, Apenso 10 e 11, e Documento n.º 11 junto com a Contestação da arguida, referente à empresa Avinobra e Aljep, que a arguida suportou às suas expensas as despesas de taxas de justiça, aquando a representação nos respectivos processos n.º ---/07.9TBEVR, que correu termos no 2° Juízo cível do Tribunal Judicial de Évora, e processo n.º ----/07.5TYLSB que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, p elo que deveria ter sido considerado como provado o facto AA, e CC, pelo Tribunal "a quo".
9.O mesmo se diga relativamente ao facto BB, cuja prova documental se encontra na Pasta n.º 2, não sendo possível indicar o número de página por não se encontrar numerada.
10.Quanto ao factos dados como não provados em DD, em especial no que se refere aos pagamentos efectuados pela arguida à empresa D…, Lda, existe prova documental bastante, veja-se Pasta n.º 2, não numerada, para provar que a arguida, para além de alcançar um acordo de pagamentos para a Assistente, efectuou o pagamento inicial de €3.000,00 no dia 31 de Julho de 2008, através de depósito bancário.
11.A arguida terá recebeu, segundo a Assistente a quantia de €3.000,00 no dia 25 de Julho de 2008, e que esse montante seria para pagamento aos trabalhadores, mas da prova documental resulta que, à data, estava iminente a celebração do acordo com a empresa D. Lda, e como tal seria necessário cumprir com a 1.ª prestação do acordo, o que levaria necessariamente a "acreditar" na versão da arguida e não do assistente.
12.Quanto ao facto EE, o mesmo teria de ser considerado como provado por força dos documentos nos autos, a saber, documento 12 junto com a Contestação, (Pasta n.º 3), que faz prova de pagamento da quantia de €2.564,16 à Segurança Social, por força do comprovativo de multibanco, com a indicação CT - funcionária da arguida, e respectivo recibo.
13.Quanto ao facto FF, o mesmo teria de ser considerado como provado por força dos documentos nos autos, a saber, Apenso 1, fls 4, que faz prova de pagamento da quantia de €275,00 ao Registo Comercial, referente ao registo de dissolução da empresa M…. & Irmão Lda.
14.Quanto ao facto GG, o mesmo teria de ser considerado como provado por força dos documentos nos autos, a saber, Pasta n.º 2, sem numeração, que faz prova de pagamento da quantia de €3.898,20 à empresa Novinco, da arguida em representação da Assistente.
15.Quanto ao facto HH, o mesmo teria de ser considerado como provado por força dos documentos nos autos, a saber, Apenso 2 e 13, e Pasta n.º 3, que faz prova de pagamento da quantia de €153,00 ao IGEFJ, referente a taxas de justiça dos processos instaurados contra os Municípios de Reguengos de Monsaraz e Viana do Alentejo.
16.Quanto ao facto II, o mesmo teria de ser considerado como provado por força dos documentos nos autos, a saber, documento 13 junto com a Contestação, que faz prova de depósito da quantia de €1.000,00 na conta bancária da sócia LR.
17.Quanto ao facto JJ, o mesmo teria de ser considerado como provado por força dos documentos nos autos, veja-se os inúmeros faxes trocados entre a arguida e a sociedade M…,& Irmão Lda e vice-versa, em especial através da engenheira CR, que é impossível quantificar ou catalogar por inexistência de uma numeração das diversas pastas, mas que indicam que os sócios da mesma tinham pleno conhecimento do que a arguida andava a fazer.
18.A assistência dada pela arguida, logo em Abril de 2007, é facilmente comprovada pelos inúmeros documentos existentes nos autos, emails, faxes, notificações dirigidas à sociedade, que se não tivessem sido trazidas pelos sócios, dificilmente a arguida os obtinha e teria em seu poder como aconteceu aquando da apreensão dos documentos.
19.Apesar dos esforços da sociedade, na pessoa da Sr.ª Eng. CR em tentar fazer passar a ideia ao Tribunal de que em Abril de 2007, a arguida apenas os representava na situação dos trabalhadores, mesmo quando confrontada com um documento de sua autoria (veja-se documento junto a fls. 131 dos autos), em que menciona o depósito de €500,00 referente a despesas e provisão de honorários, a mesma refere que se tratava de dinheiro para pagar aos trabalhadores, entrando em nítida contradição com o escrito no documento (depoimento gravado em CD próprio, Audiência de Julgamento 23-05-2017 - Início 11:59:15 Fim: 12:38:29).
20.O mesmo se diga relativamente à imputação feita à arguida, de que esta é que indicou o FP, quando este nas suas declarações afirma que chegou até "aos R." (expressão utilizada pelo próprio) através de clientes seus, com quem havia feito negócio de que estes queriam vender máquinas ("...comprei máquinas em Beja, e ouvi falar que os R tinham máquinas para venda. Um dia a deslocar-se para Beja decidi entrar na empresa e ver se estava alguém. Entrei e encontrei o Sr. MCR." - aos minutos 02:23 do depoimento gravado em CD próprio, de audiência de julgamento de dia 28/06/2017 de 14:54:34 a 17:09:26).
21.Aliás, o facto de ter ou não existido indicação, ou ser esta testemunha conhecida ou não da arguida, é irrelevante, porque os termos do negócio de venda das máquinas da sociedade M…& Irmão, segundo FP foi a de que o preço seria 275 mil euros mais IVA, a pagar em dinheiro por tranches conforme fosse efectuando a venda das máquinas ("... a forma de pagamento era portanto, o Sr. MJ, portanto exigiu uma caução, que eu deixasse dois cheques como caução, para depois no final, portanto do processo me entregar, o que não aconteceu..." ; "... a forma de pagamento portanto era em dinheiro, foi exigido em dinheiro..." - aos minutos 07:13 a 07:50 do depoimento gravado em CD próprio, de audiência de julgamento de dia 28/06/2017 de 14:54:34 a 17:09:26 ).
22.A testemunha CMR, que afirma ser de seu conhecimento, porque seu pai, ACR lhe havia dito, que o valor acordado era de 275 mil euros mais IVA, para a venda das máquinas da sociedade M…&Irmão, Lda. ("...O meu pai falava em 275 mil. O preço não era esse, só que eles queriam mesmo vender para orientar a vida, pagar contas e meteram à venda por 275 mil euros mais IVA aos minutos 23:30 a 23:50 de depoimento gravado em CD próprio de audiência de julgamento de dia 05/06/2017 de 11:38.11 a 12:41:55).
23.O Tribunal "a quo" na sua motivação da decisão de facto do ponto 14 refere ter encontrado a verdade a meio das versões apresentadas, pelos assistentes e a testemunha FP, ora, perante versões tão contraditórias, o Tribunal não poderia ter dado como provado o montante do negócio entre estes intervenientes.
24.O mesmo se diga relativamente ao ponto 15) do Acórdão, visto que nem foi possível apurar data para o suposto "engano" perpetuado pela arguida e que levou ao levantamento das máquinas por parte de FP.
25.Os cheques emitidos por FP, em nome da empresa F… unipessoal Ida (fls. 65/73 e Apenso 5) no montante de 100 mil euros cada, contêm algumas informações bastante pertinentes, nomeadamente um dos cheques foi emitido a favor de M…& Irmão Lda, e o local de emissão é Monte Trigo, corroborando a versão por este apresentada que estes seriam apenas uma forma de caução, dai que ambos os cheques não tenham todos os elementos necessários, incluindo data de emissão, à ordem de.
26.Os Assistentes deixaram levantar as máquinas porque, já haviam recebido de FP, pelo menos duas tranches em dinheiro, no dia 30 e 31 de Julho de 2008, de acordo com a lista de pagamentos (fls. 158, 1880 e 1881) efectuados entre ambos.
27.Não merece acolhimento a versão dos Assistentes de que fazia parte dos termos do negócio com FP, para além do preço, o pagamento das penhoras que incidiam sobre os bens da sociedade, quando na mesma data, 30/07/2008, firmaram acordo de pagamento com a sociedade T…, S.A. - veja-se Pasta n.º 2, documento DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO E ASSUNÇÃO DE DÍVIDA - a não ser que não fizesse parte do negócio o pagamento das penhoras...
28.Apesar de muito indignado com o comportamento da arguida em 2008/2009 (veja-se ponto 19, 20, 21, e 22), por ter "supostamente" levado a um negócio ruinoso da sociedade, ACR recorre, em Agosto de 2009, a esta para resolução dos seus problemas pessoais, o que nos leva a concluir que os Assistentes não se sentiram "enganados", "levados" a concretizar o mencionado negócio com FP.
29.Os factos dados como provados nos pontos 24, 25, 26,27 e 61, são contraditórios, visto que nos primeiros a arguida nada fez, e no último facto, a arguida estabeleceu contacto com a mandatária da Caixa de Crédito Agrícola de Monte Trigo, em nome de ACR, logo em Agosto de 2009, veja-se documentos 14 a 18 juntos com a Contestação, e documentos de Pastas n.º 16 e 18 dos autos.
30.Atenta a documentação junta aos autos, consideramos que os factos não provados em KK., LL., NN., 00., PP., QQ, RR, SS, deveriam ter sido considerados dados como provados pelo Tribunal "a quo", visto que resulta directamente de documentação junta aos autos não contestada, que a arguida enviou faxes, e emails para a mandatária da Caixa Agrícola, à data, a Ora. MC e reuniu com a mesma, na tentativa da obtenção de um acordo de pagamento da dívida existente, o que alcançou, através de um acordo de pagamento a prestações, até Dezembro de 2009, no valor de €37.000,00.
31.A frustração do acordo com a Caixa Agrícola, não se deveu à inactividade da arguida, mas sim à situação económica de ACR, e às dificuldades da sua sociedade M…& Irmão, Lda, até porque esta ainda tentou pedir em Dezembro de 2009, à entidade bancária a prorrogação do prazo de pagamento, oferecendo como garantia um crédito a favor de M… & Irmão, Lda., no âmbito do Processo ----A/1998TBEVR, conforme Doc. 16 junto à Contestação.
32.Após a citação, no âmbito do processo de execução comum n.º---/10.7TBPRL, o Sr. ACR solicitou que a advogada, aqui arguida, fosse sua mandatária no referido processo, ao que a mesma anuiu e solicitou provisão para despesas e honorários, atento ao facto de ter já participado no processo de negociação extrajudicial com a Caixa Agrícola, e ainda não ter recebido qualquer quantia a título de honorários.
33.O Assistente estava com muitas dificuldades económicas, pelo que a arguida recomendou o preenchimento do requerimento de Protecção Jurídica para além do pedido de isenção de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, acabando por ser assinalado também nomeação de patrono, tendo culminado na nomeação da Colega Dra. NM.
34.A arguida concluiu não haver fundamentos para apresentar a oposição à execução e informou o Assistente, o qual concordou visto que sabia que o único problema era a falta de liquidez da sua parte e não qualquer vício do título executivo.
35.Considerámos que esta situação em particular, da oportunidade ou não de um advogado intervir em processo judicial em nome do cliente, só deve ser analisado em sede de responsabilidade civil e não criminal, como aconteceu aqui neste processo, e/ou até deontologicamente.
Do NUIPC ---/12.2TDEVR
36.A arguida assumiu a representação de RP e JM no processo de Inventário n.º --/04.9TBROO, que correu termos no Tribunal Judicial de Redondo, de 2004 a 2016, sendo que a sua intervenção deu-se entre Novembro de 2006 e Fevereiro de 2013.
37.A arguida não teve qualquer intenção de fazer suas as quantias entregues pelos Assistentes, uma vez que no âmbito deste patrocínio foi tentado por diversas vezes o acordo extrajudicial entre as partes, e as quantias solicitadas têm sustentabilidade na prova documental existente nos autos nas Pastas n.º 11,12,13 e 14.
38. A arguida solicitou, em 11 de Março de 2008, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), foi porque a mandatária esteve presente na Conferência de Interessados no Tribunal Judicial do Redondo, onde se alvitrou um possível acordo quanto aos lotes que deveriam compor o quinhão de cada interessado, tendo tal ficado expresso em acta "Os Ilustres Mandatários das partes requereram uma suspensão da instância de comum acordo pelo período não inferior a 90 (noventa) dias para ultimarem os termos do acordo da forma de partilha." Vide fls. do 1º Volume do Proc. --/04.9TBRDD incorporado nos presentes autos.
39.Resulta também da acta da Conferência de Interessados, realizada em 06-12-2011, na qual a mandatária, aqui arguida, esteve presente:
"Nesta altura pela Ilustre do Cabeça de Casal foi pedida a palavra e, sendo-lha concedida, no seu uso disse: Antes de mais pela interessada e na tentativa de registar extrajudicialmente os bens, foi detectada mais uma vez inexactidões na relação de bens apresentada, nomeadamente, a inexistência de alguns dos prédios relacionados pelo que se requer que seja concedido prazo de 30 dias ao Cabeça de Casal para apresentar nova relação de bens conforme a realidade." Vide fls. 135, 136 do 1° Volume - Proc. --/04.9TBRDD incorporado nos presentes autos
40.A advogada reuniu inúmeras vezes com as Colegas, discutiram-se valores, quais os lotes que ficariam para cada interessado, quanto pagariam de tornas, etc... Porém, tão depressa conseguiam chegar a acordo quanto aos valores, como depois surgiam, novamente, dúvidas quanto à avaliação dos prédios.
41.Quando em 2010, a arguida, solicitou o montante referido para pagamento de tornas "compromisso de adjudicação de verba" no âmbito do processo de inventário, foi porque, nessa altura, os aqui Assistentes solicitaram à sua mandatária que entrasse em contacto com a Colega, representante do Cabeça de Casal, para que lhes fosse adjudicada outra das verbas constantes no inventário, o que acabou por se frustrar também.
42.Em Março de 2011, após ter reunido, mais uma vez, com as Colegas, acordaram que iriam proceder à partilha das verbas e ao registo das mesmas, em nome de cada interessado, para isso foi solicitada uma verba para "registos provisórios", tendo o escritório, da arguida, enviado inclusive os requerimentos necessários para efectuar o registo à aqui ofendida, que assinou e reencaminhou para o escritório, vide documento 32 junto à Contestação.
43. No dia 30-01-2013, realizou-se mais uma Conferência de Interessados no Tribunal do Redondo, na acta da diligência ficou registado o seguinte:
"Seguidamente pelas partes foi dito que faltava apenas transaccionar relativamente a uma verba, pelo que requeriam mais algum tempo para o efeito."
44.A diligência foi interrompida para que os mandatários chegassem a um acordo quanto às verbas e após reabertura da audiência, foi dito o seguinte: "Neste momento pelas partes foi requerida, por unanimidade, a avaliação das verbas descritas sob os números de 1 a 20 da relação de bens, bem como o prazo não inferior a 5 dias para indicarem perito único." Vide fls. 158 do 1º Volume - Proc. --/04.9TBRDD incorporado nos presentes autos.
45. A documental presente nos autos, é peremptória, e impunha uma decisão diversa, uma decisão que desse como provado as diligências efectuadas pela arguida no âmbito do processo, assim como as várias tentativas, ainda que frustradas de acordos, com os colegas da contraparte, nomeadamente emails, faxes com indicações de negociações e valores.
46. Para além da prova documental, existe o testemunho da Dr.ª MG que confirma que o processo foi moroso, com várias conferências de interessados, que foram várias as tentativas de acordo, sendo que por diversas vezes as mandatárias das partes consideraram que havia sérias possibilidades de acordo, mas todas frustradas. (" .. .Este processo arrastou se tanto tempo, tanto tempo ..."; "... Reunimos muitas vezes."; "...foi um processo moroso, porque também tivemos muito tempo dependentes de despachos judiciais, de documentação que foi requerida a outras cidades, e também não dependiam só de nós, dependiam também de respostas que não eram tão céleres como nós queríamos. Arrastou-se por muito tempo foi litigioso até ao fim."; "... Foi uma sentença proferida a homologar a partilha, que foi judicial."; "... Houve muitas conferências de interessados, muitas mesmo, porque tentávamos sempre chegar a acordo, pedíamos adiamento, depois frustrava-se as tentativas e marcava-se nova conferência, foi-se arrastando."; "...fizemos várias tentativas de acordo entre nós mandatárias, submetíamos à apreciação dos nossos clientes e por uma razão ou por outra, acabávamos por não concordar e sugeriam por exemplo uma alteração a esse acordo, reuníamos novamente, analisávamos..."; "...Creio que houve alturas em que tínhamos acordo dos nossos clientes num dia, então vamos avançar e no dia seguinte alguém dizia pensei melhor." - aos minutos 3:38, 05:35, 6:53, 07:33 a 8:48, 30:55 a 32:00 de depoimento gravado em CD próprio de audiência de julgamento de dia 21/06/2017 de 16:55:13 a 17:23:07).
47.A arguida tentou o contacto com os Assistentes aquando a renúncia de mandato, mas os mesmos não quiseram mais falar com esta, pelo que esta, quando lhe foi possível, atenta o facto de ter entretanto mudando o escritório de instalações, aliado ainda ao facto de ter sido alvo de buscas e apreensões no âmbito do presente processo elaborou nota de honorários e apresentou aos Assistentes, conforme documento 33 junto à Contestação.
48.O documento nota de honorários não foi contestada pelos Assistentes, nem tão pouco foi requerido laudo à Ordem dos Advogados, entidade competente para aferir da "justeza" dos mesmos, pelo que toda esta situação se resume a um acerto de contas, que teria de ser feito entre a advogada, aqui arguida, e os ofendidos, que não foi feito, por falta de comunicação entre ambos.
49.Nunca existiu intenção ou propósito de se apropriar de contrapartidas económicas a que sabia não ter direito, criando uma falsa expectativa sobre estar a diligenciar pela resolução de problemas jurídicos, mas que nunca foi a sua intenção solucionar.
50.Salvo melhor opinião, não se logrou provar nos autos que a arguida tenha efectivamente feito suas as quantias a si entregues, uma vez que de toda a documentação existente nos autos, verifica-se que a arguida fez diversos pagamentos à data das entregas das quantias, tendo efectivamente realizado transferências e depósitos por conta da situação dos trabalhadores da M…& Irmão, Lda.
51.As quantias monetárias entregues à arguida foram todas canalizadas para despesas, cumprimento de acordos prestacionais, pagamento de taxas de justiça, pagamento a fornecedores, etc.
52. Não é pelo mero facto de terem sido feitos depósitos em contas bancárias que se pode considerar por praticado o crime de abuso de confiança, veja-se neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/01/2015 (" O crime de abuso de confiança não se tem por praticado com a mera confusão da quantia titulada por cheque no património do arguido através do respetivo depósito em conta bancária sua, pois não pode considerar-se que tal depósito constitua necessariamente ato concludente de apropriação, exigindo-se ainda no plano objetivo a não restituição ou entrega da quantia em causa conforme acordado, ou a futura disposição da mesma de forma injustificada, a que deve acrescer o dolo correspondente.")
53. Não se logrou ainda provar o dolo da arguida, aliás não foi feita qualquer justificação ou suporte para o comportamento da arguida, no sentido de tentar perceber os motivos que estaria do detrás de tal comportamento.
54. Falha também aqui o preenchimento do elemento objectivo do tipo legal de crime, uma vez que a arguida não passou a tratar essas quantias como suas, manteve na sua posse o tempo estritamente necessário para aplicar ao fim designado pelos seus Clientes.
55.O crime de burla é um crime de execução vinculada cujo iter criminis se encontra descrito na lei, segundo o n.º 1 do art.217.º do CP é imperioso que se estabeleça um nexo de causalidade entre os elementos típicos que em concreto devem suceder-se numa relação de causa efeito.
56.Ao contrário do furto (crime de "tomar"), a burla é um crime de "fazer entregar". O que demarca dos restantes crimes contra o património é a utilização de astúcia para provocar o engano ou o erro no sujeito passivo. Será essa manipulação psíquica do sujeito passivo que o determinará exclusivamente ou de forma preponderante a prática do acto de disposição, gerador do prejuízo patrimonial. Astúcia (objectivamente apurada) deverá corresponder a um acto material que a exteriorize pelo que não é suficiente a referência à motivação do agente, o que se incompatibilizaria aliás com um direito penal "do facto".
57.A confiança de vítima só pode considerar-se justificada e por isso digna de tutela penal, se estiver razoavelmente fundada numa actuação ardilosa do agente, apreciada em conjugação com a capacidade psico-volitiva do sujeito passivo. Deve adoptar-se uma interpretação restritiva de burla e apelar-se ao "princípio da auto-responsabilidade" e às possibilidades de autoproteção do sujeito destinatário do engano. A burla pode ser praticada através de declarações expressas mediante actos concludentes ou segundo alguma doutrina por omissão.
58.Além do dolo genérico (directo, necessário ou eventual) relativo aos elementos do tipo objectivo, observa-se relativamente ao agente um dolo específico: a intenção de enriquecimento (ilegítimo). A burla consiste num crime intencional em que o animus lucrandi figura apenas como referente expresso de intervenção do agente sem interferir, no momento de consumação do crime.
59. Não se logrou provar que astúcia utilizou a arguida para "enganar" os Assistentes, seja, o Assistente ACR, seja, os Assistentes RP e JM, uma vez que a arguida teve em ambas as situações envolvimento directo na tentativa de resolução dos seus problemas jurídicos.
60.No que toca ao Assistente AR, nunca poderia o mesmo, sabendo da existência do contrato de mútuo acreditar que sem dinheiro para fazer face a esta responsabilidade iria poder manter a sua habitação.
61.O mesmo se diga em relação aos Assistentes RP e JM, que tinham pleno conhecimento das variadíssimas tentativas de acordo, e o tempo dispendido pela arguida no âmbito do seu processo de inventário que durou mais de 12 anos em litígio, não existindo qualquer ardil por parte da arguida.
62.Considerou o Tribunal "a quo" que a arguida ao não intervir em processo de execução, nomeadamente através de oposição à execução, no que toca à situação do Assistente AR causou-lhe prejuízos patrimoniais.
63.De acordo com o disposto no art. 90, n.º 2, alínea a) e art. 100.º, n.º1 alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, o advogado deve "dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca", e não deve "advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade", conforme.
64.Considerámos que a factualidade aqui presente imputada à arguida sob a forma de burla simples ou qualificada, não merece acolhimento, uma vez que resulta dos documentos juntos aos autos, que não existiu ardil ou intuito de enganar, ou seja, não existiu a prática de um ilícito criminal, quanto muito poderíamos estar perante uma situação de responsabilidade civil e/ou até deontológica, atento à retenção de valores, e à averiguação da oportunidade ou não de intervenção em processo executivo.
65.A prova produzida nos autos impunha ao Tribunal "a quo" outra ponderação acerca dos mesmos, e consequentemente uma decisão bem distinta da presente no Acórdão proferido nos autos.
66.Aliás o Tribunal "a quo", em clara violação do disposto na alínea c) do art.º 379.º do Código de Processo Penal, não se pronunciou sobre questões que não poderia deixar de se pronunciar, a saber, as questões suscitadas nos pontos IX., X, XI, XIII, XIV a XXV., XLIV., L., LIII,, LXII., do presente Recurso.
67.Nas palavras do Sr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque "o dever de fundamentação da sentença exige: a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respetivas contestações (…), incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação (...)." (Comentário ao CPP, Art 374º, Pág.944).
68.Aliás o Tribunal "a quo", em clara violação do disposto na alínea b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, fez uma errada apreciação da prova junta aos autos, e consequentemente, caiu em contradição no que toca à sua fundamentação e decisão.
69.É notório a parcialidade do Tribunal "a quo" para com a arguida, desconsiderando por completo a versão apresentada pela mesma, ainda que corroborada por prova nos presentes autos, deixando transparecer um pré conceito formado em torno dos advogados, e da visão que se tem do dia a dia dos mesmos.
70.Este pré conceito criado em torno da figura do advogado, como o malfeitor que cobra honorários exorbitantes e nada faz, condicionou a defesa da arguida.
71.Note-se que o Colectivo que formou este Tribunal "a quo", formou quase na totalidade o Colectivo que julgou e condenou esta mesma arguida, no âmbito do processo Proc. n.º ---/14.4TDLSB, Juiz 2, Juízo Central Criminal de Évora, no qual se obteve ganho em sede de recurso e o mesmo se encontra em fase repetição.
72.O Tribunal "a quo" decidiu com base em ilações, presunções, e convicções prévias à própria produção da prova, quando no nosso sistema jurídico penal prevalece, e bem, o entendimento de que deverá ser feita "prova para além de qualquer dúvida razoável".
73. Não o fazendo, violou um dos principias básicos, no qual, assenta o nosso ordenamento jurídico-penal, o princípio "in dubio pro reo" como corolário do Princípio da Presunção da Inocência, plasmado no art.º 32 da Constituição da República Portuguesa.
74.Ademais, este Tribunal "a quo" limitou o direito de defesa e do contraditório da arguida, ao não admitir que esta prestasse declarações no final da audiência de Julgamento, não permitindo a remarcação de nova audiência de julgamento, veja-se a acta de dia 07/12/2017, e a cota de dia 27/11/2017 e a Conclusão com despacho de 27/11/2017.
75.O direito de defesa e o direito do contraditório traduzem-se na possibilidade do arguido intervir no processo, através da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (art.332, n.1 CPP), ou no direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em especial no início e no final da audiência de julgamento (art.341 alínea a) e 361.º do CPP).
76.Estas normas destinam-se a consagrar as garantias constitucionais do arguido, nomeadamente a garantia de um processo penal equitativo (art.20.º, n.º4 da CRP), e a garantia do direito de defesa (art.º32.º, n.º1 da CRP), e a garantia do princípio do contraditório.
77.O Tribunal deve assegurar que cada uma das partes possa expor as suas razões de facto e de direito perante este antes da tomada de decisão, esta garantia constitui uma decorrência do direito de aceso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente.
78.O Tribunal "a quo" indeferiu o requerimento para agendamento de nova data, violando o disposto nos art.º 312, n.º 2 e 332.º, n.º2, ambos do CPP, art.º 13.º, 20.º, n.º4 e 32.º, n.º1 da CRP, limitando o direito de defesa da arguida.
79.Consideramos ainda que o direito a um processo equitativo foi ainda beliscado, porquanto existiu alguns entraves à perfeita defesa e ao direito ao contraditório, uma vez que o processo era composto por inúmeros apensos e pastas, sem qualquer tipo de numeração, o que limitou a plena exposição de toda a matéria de facto, e talvez limitou também a decisão, irregularidade que expressamente se invoca.
80.Desta forma, violou o Douto Acórdão, o disposto nos artigos:
- art.º 13.º, 20, n.º4, 32.º da Constituição da República Portuguesa;
- art. 50.º, 70.º, 71.º e 73.º do Código Penal;
- art.º 312, n.º 2 e 332.º, n.º2, 361.º, 341.º, 374.º, e 375 n.º1 e 379 alínea a) e c) n.º2, 410, n.º2, do Código de Processo Penal.
81.A arguida não praticou os crimes pelos quais vem condenada, e como tal deve ser absolvida, e consequentemente, decaindo os PIC formulados.
82.Ainda que se ponderasse a hipótese da arguida ter praticado qualquer crime, sempre se dirá que a medida concreta da pena aplicada foi excessiva atendendo as circunstâncias atenuantes de se encontrar inserida familiar, social e profissionalmente, não ter antecedentes criminais, o que levaria à ponderação de condenação em pena de multa, no crime que a mesma admitia.
83.Sendo até de concluir que as exigências de prevenção geral, são diminutas, atendendo ao lapso temporal da suposta prática dos factos, e a condenação, não existindo necessidade de "aplacar" a sociedade, o mesmo se diga quanto à necessidade de prevenção especial, atenta a ausência de antecedentes criminais.
Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente V. Os suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso, e consequentemente, o Douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que absolva a arguida.
O recurso foi admitido.
O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1. Manifestamente, o Acórdão não incorre, quanto a quaisquer dos factos julgados assentes, no vício de erro notório na apreciação da prova, que há-de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, tanto mais que a arguida, ao arrepio do n° 2, do artº 410º, do C.P.P., fundamenta a sua pretensão em excertos das declarações que algumas testemunhas proferiram em julgamento e em documentos juntos aos autos o que demonstra que o Acórdão não retirou qualquer conclusão ilógica, arbitrária contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum, detectável por qualquer pessoa.
2. Por idênticos motivos o Acórdão não incorre também nos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tanto mais que a Recorrente não esclarece em que consiste essa contradição nem indicam quais os trechos contraditórios.
3. Em sede de fundamentação de facto o Tribunal não só identificou cabalmente todas as testemunhas e outras provas a que atendeu, como realizou uma síntese dos seus depoimentos e indicou a respectiva razão de ciência.
4. Os factos julgados não provados nas als. U, Y, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ não estão efectivamente provados porquanto os autos não demonstram que as quantias ali mencionadas pertenciam à arguida e, em alguns dos casos, respeitam a pagamentos realizados muito após os factos descritos nos nºs. 7 e 8 dos factos provados.
5. Como mostra cabalmente o documento de fls. 20, a quantia €1.396,00, foi entregue à arguida com vista ao pagamento da taxa de justiça na Acção Executiva nº --/10.7TBPRL;
6. Em simultâneo com o recebimento dessa quantia, a arguida, através da sua empregada CF solicitou a ACR que assinasse um pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e de encargos, que deu entrada nos serviços da Segurança Social e veio a ser deferido, conforme resulta da Pasta nº 3, a 09.04.2010, na modalidade de pagamento faseado.
7. Se a arguida entendia não possuir fundamentos para apresentar oposição à execução não tinha necessidade de solicitar os meios para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de oposição.
8. Ao diligenciar pela apresentação de pedido de apoio judiciário por ACR na modalidade de dispensa de pagamento dessa taxa e de encargos, quando já tinha o montante necessário para esse efeito em seu poder, a arguida revelou que pretendia efectivamente apropriar-se desse montante, como efectivamente realizou.
9. Mostra-se, pois, acertada, a condenação da arguida pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo artº 217º, nº 1, do Cód. Penal.
10. A fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido em sustentação dos factos julgados provados que sustentam o crime de burla agravada constitui a expressão da prova produzida em julgamento não merecendo qualquer reparo.
11. Em complemento das considerações ali expendidas apenas se afigura ao Ministério Público que importará atentar nas declarações proferidas pela Drª. MG, que assegurou a representação de outros interessados no inventário nº 24/04.9TBRDD e que prestou as seguintes declarações aos 30'.00" e segs. da sua inquirição, realizada no dia 21.06.2017:
M.P.: Em algum momento houve um acordo efectivo quanto à partilha dos bens?
Drª. MG: Não chegou a ter êxito. Fizemos várias tentativas de acordo, entre nós, mandatários, submetíamos à apreciação dos nossos clientes e, por uma razão ou por outra acabavam por não concordar e sugeriam, por exemplo uma alteração a esse acordo. Reuníamos novamente, analisávamos, nunca deu em nada. (...) nunca chegámos a formalizar nada. Nunca conseguimos formalizar nada. Nunca tivemos, por exemplo uma escritura marcada, nada. (...) Chegou a haver alturas em que estávamos convencidas, mandatárias que seria por ali (...) Projectos de acordo entre nós houve muitos mas nunca houve nada formal e definitivo. Isso nunca conseguimos.
11. Tais declarações, confirmam o que já era revelado pelos documentos mencionados na fundamentação do Acórdão.
12. Nunca chegou a haver um efectivo acordo entre os interessados no inventário quanto à partilha dos bens pelo que nunca foi realmente necessário que os demandantes tivessem de pagar qualquer quantia aos demais interessados no inventário e, muito menos, que implicasse o pagamento de registos provisórios, fosse no montante de €2.043,15 ou na quantia de €9.175,84, como a arguida exigiu aos ora demandantes, bem sabendo que esses montantes não eram por estes devidos.
13. É certo que a arguida participou em múltiplas reuniões e actos processuais no âmbito desse inventário e que por isso teria de ser remunerada e poderia pedir a necessária provisão mas não foi essa a conduta da arguida que invocou os falsos pretextos, acima indicados, dando a aparência de que já existia um acordo de todos os interessados, para conseguir que os demandantes lhe entregassem as quantias mencionadas nos artºs. 33, 35, 36 e 37, que não eram devidas, como a arguida bem sabia.
14. O julgamento decorreu ao longo de múltiplas sessões sem que a arguida tenha proferido declarações e na sessão agendada para o dia quando toda a prova já havia sido produzida, a arguida declarou que pretendia prestar declarações mas que não o queria fazer nesse dia alegando que não se encontrava em condições de o fazer.
15. Nessa sequência o tribunal, com o acordo de todos os intervenientes processuais designou data para que a arguida prestasse os esclarecimentos que entendesse e, nesse dia, a arguida não compareceu no Tribunal, pelo que o Tribunal determinou, então, que se passasse à fase das alegações e concluiu o julgamento.
16. Na sessão seguinte o Tribunal comunicou à arguida algumas alterações não substanciais de factos e esta, mesmo sendo-lhe concedido prazo para apresentar defesa, não requereu qualquer prova adicional nem manifestou vontade de prestar declarações sobre esses factos.
17. Verifica-se, pois, que o Tribunal "a quo" concedeu à arguida todas as oportunidades para se pronunciar em audiência sobre os factos que lhe foram imputados na acusação que a arguida não aproveitou.
18. O despacho que indeferiu a designação de nova data para a prestação dos esclarecimentos que a arguida entendesse por pertinentes não padece de qualquer vício, justificando cabalmente os motivos pelos quais não deferiu a designação de nova data.
19. Ainda que se entenda que esse despacho não se encontra em conformidade com algum dos dispositivos legais indicados pela arguida o vício praticado já se encontraria sanado uma vez que não foi atempadamente invocado pela recorrente, uma vez que não se encontra indicado no artº 119º, do C.P.P. o vício praticado nunca constituiria uma nulidade insanável pelo que já se encontra sanado, de harmonia com o disposto nos artºs. 105º, nº 1 e 121º, do C.P.P..
20. Sejam as penas parcelares seja a pena única mostram-se apuradas em conformidade com todos os critérios legais aplicáveis, pelo que devem ser mantidas nos seus precisos termos.
21. O Acórdão recorrido não viola qualquer das normas constitucionais e legais invocadas pela recorrente pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
Decidindo nesta conformidade, julgando improcedente o recurso e mantendo o Acórdão recorrido nos seus precisos termos, V. Exas. afirmarão a JUSTIÇA!
Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, manifestando concordar com o entendimento constante da referida resposta e no sentido que o acórdão recorrido deve ser mantido.
Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi apresentado.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e os vícios da decisão e as nulidades que se não considerem sanadas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. Série I-A de 28.12.1995 e, entre outros, acórdãos do STJ: de 13.05.98, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.98, in BMJ n.º 478, pág. 242); de 03.02.99, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, inwww.dgsi.pt; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg..
Assim, reside em analisar:
A) - da preterição dos direitos da defesa;
B) - da nulidade do acórdão;
C) - dos vícios da decisão;
D) - da impugnação ampla da matéria de facto;
E) - da absolvição;
F) - da escolha e medida da pena.
Apreciando:
A)-da preterição dos direitos da defesa:
Em referência aos direitos da defesa, a recorrente invoca que foi limitado o seu exercício, ao não admitir, o Tribunal, que esta prestasse declarações no final da audiência de Julgamento, não permitindo a remarcação de nova audiência de julgamento,veja-se a acta de dia 07/12/2017, e a cota de dia 27/11/2017 e a Conclusão com despacho de 27/11/2017.
Refere que, ainda que tenha faltado à audiência de julgamento, foi remetido requerimento para justificar a falta da mesma, e foi ainda ditado para acta a vontade da arguida prestar declarações em nova data a designar e o Tribunal indeferiu o requerimento para agendamento de nova data.
Traz à colação o disposto nos arts. 312.º, n.º 2, 332.º, n.ºs 1 e 2, 341.º, alínea a), e 361.º do CPP, bem como a garantia de um processo penal equitativo (art.20.º, n.º4 da CRP), e a garantia do direito de defesa (art.º32.º, n.º1 da CRP), e a garantia do princípio do contraditório.
Acerca do direito a um processo equitativo, vem, ainda, alegar irregularidade, porquanto existiu alguns entraves à perfeita defesa e ao direito ao contraditório, uma vez que o processo era composto por inúmeros apensos e pastas, sem qualquer tipo de numeração, o que limitou a plena exposição de toda a matéria de facto.
Vejamos.
Compulsados os autos, no que aqui interessa, resulta que, na sessão de julgamento de 09.11.2017 (acta de fls. 2144/2145), finda a produção da prova, designadamente com esclarecimentos da testemunha CR, a ora recorrente manifestou a pretensão de prestar declarações, mas que não se encontrava no momento preparada para o fazer, atenta a extensão da matéria de facto e o desconhecimento então da decisão proferida em incidente de recusa.
Acolhendo a pretensão, o Tribunal designou para continuação do julgamento, com tomada de declarações à recorrente e seguindo-se alegações, o dia 27.11.2017.
Nesta data, na sequência de pedido de informação ao tribunal superior quanto ao trânsito em julgado da decisão nessa recusa (fls. 2146), proferiu-se despacho que designou o dia 07.12.1017 para a continuação do julgamento.
Em 05.12.2017, a recorrente veio solicitar, com fundamento em motivo profissional, que a sua falta na data agendada viesse a ser justificada (fls. 2161/2163), o que foi indeferido, no essencial, por se entender que esse motivo não devia prevalecer sobre a obrigatoriedade de comparência e que o agendamento da sessão se devera à invocada falta de preparação para prestar declarações, não se dispondo de outras datas que permitissem assegurar a continuidade do julgamento (fls. 2164).
A recorrente faltou à sessão de 07.12.2017 (acta de fls. 2165/2167), sendo que a falta não se considerou justificada e tendo, pela sua mandatária, sido requerido que fosse agendada outra data, alegando o direito a ser ouvida.
Tal requerimento mereceu despacho de indeferimento, com fundamento em que já havia sido conferida essa possibilidade com a marcação da sessão e aquela optou por não comparecer.
Note-se, desde já, que os despachos referidos não foram objecto de reclamação ou recurso suscitando a sua invalidade.
Por seu lado, é manifesto que não se descortina qualquer nulidade que os tivesse afectado e, mormente, com influência no prosseguimento da audiência.
A ausência da recorrente àquela sessão do julgamento decorreu da sua falta, não de que o Tribunal não lhe tivesse concedido a possibilidade de prestar declarações, como havia requerido, pelo que inexiste qualquer violação dos alegados arts. 312.º, n.º 2, 332.º, n.º 1, e 361.º ou, saliente-se, do art. 343.º, n.º 1.
Aliás, bem sabia a recorrente que o Tribunal tinha agendado a sessão a requerimento seu e especificamente para que prestasse declarações, o que significava, para si, acrescida obrigação de comparecer, tanto mais que também não desconhecia que o julgamento já se prolongara por múltiplas sessões ao longo das quais poderia tê-las prestado, se bem que se admita que tinha o direito de o fazer em momento que entendesse conveniente.
Mas, se assim é, não é menos verdade que, por um lado, não deveria dificultar a continuidade da audiência (art. 328.º do CPP) e, por outro, a disponibilidade de agendamento.
Deste modo, não lhe assiste razão em invocar preterição das suas garantias de defesa, incluindo do respeito pelo contraditório e do processo equitativo, o mesmo é dizer, não se mostra violado qualquer dos preceitos constitucionais a que faz referência.
Identicamente, a alegada irregularidade, decorrente da complexidade da causa, não existe, uma vez que esse motivo não tem virtualidade para sustentar que os actos praticados na audiência de julgamento padecessem de alguma invalidade e, designadamente, para afectarem a garantia a um processo equitativo.
Ainda que assim não fosse, eventual irregularidade, e minimamente concretizada, haveria de ter sido suscitada em audiência (art. 123.º, n.º 1, do CPP) e, não o tendo sido, há muito que estaria sanada.
Ao nível da matéria de facto, consta do acórdãorecorrido:
Factos provados:
Discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos:
A. DA ACUSAÇÃO
NUIPC 17/12.2TDEVR
1. A arguida exerce a profissão de advogada - estando inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses desde 28 de Janeiro de 1991 e utilizando o nome profissional de EC, com o número de cédula --- e teve escritório na Travessa…, em Évora, na Rua .., e também na Praça…., em Évora.
2. Em data não concretamente apurada, mas seguramente em Abril de 2007, a arguida foi contactada no seu escritório pelos legais representantes da empresa M… & IRMÃO, LDA, ACR e MR, para, no exercício das funções de Advogada, regularizar a situação laboral de três trabalhadores da empresa ¬AFC, CMC e MNP - que haviam cessado a sua relação laboral na sequência da existência de salários em atraso.
3. A arguida anuiu à solicitação que lhe foi dirigida e diligenciou junto do Dr. AB, mandatário dos trabalhadores, pela obtenção de um acordo quanto aos valores a entregar àqueles.
4. Estabeleceu-se, então, que a empresa entregaria a cada trabalhador a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização devida pela cessação da relação laboral, a que acresceria o valor dos salários em atraso.
5. Nessa sequência, a arguida, com o intuito concretizado de fazer suas quantias que lhe fossem entregues, solicitou aos representantes da empresa que os valores a pagar aos trabalhadores lhe fossem entregues, devendo ser depositados na conta bancária com NIB 0035-----.
6. A referida conta bancária não pertencia à arguida, mas sim a FP, marido da sua secretária, CF, a qual tinha autorização para movimentação da referida conta bancária.
7. Atendendo à solicitação que lhes foi feita pela arguida, os legais representantes da empresa, convictos que estariam a entregar uma quantia monetária para o fim que lhes foi transmitido pela arguida, depositaram, na referida conta, em 19 de Abril de 2007, a quantia de €3.175,82 (três mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois euros) titulada pelo cheque com o número 8843755125, à ordem de FP, para pagamento do valor dos salários em atraso;
8. E para pagamento da indemnização devida, depositaram na mesma conta, no dia 6 de Julho de 2007, a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); entregaram a quantia de €3.000,00 (três mil euros), através de um cheque no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), com o número 5752---, da Caixa de Crédito Agrícola, datado de 21 de Novembro de 2007, ao portador - e que também serviu para pagamento de honorários no valor de €2.000,00 (dois mil euros) -; entregaram a quantia de €2.000,00 titulada pelo cheque número 105----, da Caixa de Crédito Agrícola, datado de 21 de Fevereiro de 2008 e entregaram, em 25 de Julho de 2008, a quantia de €3.000,00.
9. Acto contínuo, e por intermédio de CF, a arguida EC, fez sua a quantia de €8.175,82 (oito mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos), apenas entregando aos trabalhadores - por intermédio do seu mandatário - a quantia de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
10. Em data não concretamente apurada, mas seguramente em Junho de 2008, a arguida EC foi novamente contactada pelos representantes legais da empresa M… & IRMÃO, LDA, para que esta procedesse ao encerramento e liquidação da mesma.
11. Tendo sido acordado que a arguida seria nomeada liquidatária da empresa, o que veio a ocorrer.
12. A arguida indicou FP aos legais representantes da empresa M. & IRMÃO, LDA como pessoa interessada na aquisição dos bens da empresa.
13. FP era pessoa conhecida e cliente da arguida, facto que era desconhecido dos ofendidos.
14. Acertado o valor da venda do recheio da empresa entre FP e os legais representantes da M… & IRMÃO, LDA, pelo valor de €375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), acrescidos de IVA, os legais representantes da empresa encarregaram a arguida de redigir e celebrar o referido contrato de compra e venda.
15. Em data não concretamente apurada, a arguida informou os legais representantes da M… & IRMÃO, LDA de que FP necessitaria de levantar os bens até final de Julho de 2008, informando-os também que já tinha em seu poder cheques passados por FP para liquidar o valor da venda.
16. O que levou a que os legais representantes da identificada sociedade deixassem que FP procedesse ao levantamento dos bens propriedade da empresa.
17. Tais cheques, dois no valor de €100.000,00 (cem mil euros), com os números 3763104757 e 4257199515, da empresa F…, gerida de facto por FP, e referentes ao banco BPI cada, e um de €20.000,00 (vinte mil euros), foram entregues aos ofendidos apenas em Abril de 2009, com instruções por parte da arguida para apenas apresentar a pagamento o de €20.000,00 (vinte mil euros).
18. Apresentado a pagamento, o referido cheque foi devolvido pelo banco, por falta de provisão.
19. Acto contínuo e indignados com a situação, os ofendidos dirigiram-se ao escritório da arguida para reclamar da situação, tendo-lhes esta entregue a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) em dinheiro.
20. Desconfiados da situação, em 8 de Junho de 2009 os ofendidos apresentaram a pagamento um dos referidos cheques no valor de €100.000,00 (cem mil euros), tendo o mesmo sido devolvido pelo banco com a indicação de "coacção moral".
21. Por esse motivo, em 16 de Junho de 2009 apresentaram a pagamento o outro cheque no valor de €100.000,00 (cem mil euros), tendo este também sido devolvido por "falta de provisão ".
22. Atendendo à situação e desconhecendo a relação existente entre a arguida e FP, os ofendidos insistiram perante a arguida para que esta diligenciasse pelo pagamento, pelo menos, do valor dos cheques e pediram-lhe para apresentar queixa contra aquele, tendo-se esta disponibilizado apenas para ditar o conteúdo da queixa que deveria ser apresentada pela própria empresa.
23. Ao longo dos anos de 2008 e 2009 e por conta do negócio celebrado FP procedeu ao pagamento de uma quantia total não concretamente apurada, mas não inferior a €147,498,20 (cento e quarenta e sete mil, quatrocentos e noventa e oito euros e vinte cêntimos).
24. Em data não concretamente apurada, mas seguramente em Agosto de 2009, ACR contactou a arguida para que a mesma diligenciasse pela obtenção de um acordo de pagamento com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL, instituição na qual o ofendido tinha um crédito - garantido por hipoteca sobre a sua habitação - que se encontrava em situação de incumprimento, pretendendo evitar que a hipoteca fosse accionada e perdesse a sua casa de habitação.
25. Não obstante, a 3 de Março de 2010 foi instaurada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL contra ACR e LR a execução comum n.º --/l0.7TBPRL, na Única Secção do Tribunal Judicial de Portel.
26. Nessa sequência, ACR e LR voltaram a contactar a arguida que, fazendo crer ao ofendido que iria diligenciar pela resolução do problema, lhe exigiu, a título de pagamento de custas, a quantia de €1.396,00 (mil trezentos e noventa e seis euros), quantia que lhe foi entregue pelo ofendido.
27. Apesar disso, a arguida fez sua a quantia em causa e não executou qualquer diligência, junto do processo de execução que impendia sobre o ofendido no Tribunal Judicial de Portel, com o n.º --/10.7TBPRL, no qual nunca figurou como mandatária do ofendido, tendo-lhe sido nomeada uma defensora oficiosa, a saber: a Exma. Sra. Dra. NM.
28. Em data não concretamente apurada do ano de 2010, o ofendido ACR contactou novamente a arguida para que esta contactasse a BMW Renting Portugal LDA, uma vez que possuía uma viatura da marca BMW, modelo X3, 3.0D, de matrícula -ZO, e devido a dificuldades financeiras tinha deixado de cumprir o pagamento do contrato de aluguer de longa duração sem condutor e a BMW estava a exigir-lhe o pagamento, bem como a entrega do veículo por termo do período da vigência do contrato.
29. Por forma a obstar à entrega do veículo ACR entregou à arguida, em Outubro de 2010, a quantia de €300,00 (trezentos euros) e, posteriormente, mais €30,00 (trinta euros); em 12 de Novembro de 2010, a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros); em 7 de Janeiro de 2011, a quantia de €347,50 (trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos); em 3 de Fevereiro de 2011 a quantia de €347,50 (trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos) e, em 10 de Março de 2011, a quantia de €347,50 (trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
30. No dia 15 de Março de 2011, a BMW Renting (Portugal), Lda intentou no Tribunal Judicial de Portel a providência cautelar que correu termos sob o n.º ---/11.8TBPRL, peticionando a imediata apreensão do veículo e respectivos documentos.
31. A referida providência veio a ser julgada procedente, tendo a viatura sido apreendida.
NUIPC ---/13.9TDEVR
32. No dia 28 de Novembro de 2006, RP e JMM contactaram a arguida no seu escritório, tendo-lhe entregue a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de provisão de despesas e honorários para patrocínio do processo de inventário n.º --/04.9TBRDD, em que os ofendidos eram interessados, e que corria os seus termos no Tribunal Judicial de Redondo.
33. No dia 11 de Março de 2008 a arguida, com a intenção deliberada de fazer suas as quantias monetárias dos ofendidos, contactou-os e solicitou-lhes que depositassem na conta bancária com o número 00516----, do Banco Santander Totta, a quantia de €15.500,00 (quinze mil e quinhentos euros) a título de provisão para despesas no âmbito do referido processo, ao que aqueles acederam.
34. A referida conta pertencia a FP, marido de CF, sua secretária.
35. No dia 17 de Março de 2010, os ofendidos entregaram à arguida, a pedido desta e com a indicação de que serviria para pagamento de tornas - "compromisso de adjudicação de verba" -, no processo supra referido, o cheque com o número 640---, ao portador, sacado sobre o Banco Santander Totta, no montante de €2.000,00 (dois mil euros).
36. No dia 3 de Março de 2011, os ofendidos entregaram à arguida, a pedido desta e com a indicação de que serviria para pagamento de "registos provisórios", o cheque com o número 662---, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, no montante de €2.043,15 (dois mil, quarenta e três euros e quinze cêntimos).
37. Em 22 de Março de 2011, os ofendidos entregaram à arguida, a pedido desta e sob pretexto de ser necessário reforçar a provisão para registos, a quantia de €9.175,84 (nove mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), através de transferência bancária.
38. Não obstante, a arguida não efectuou os pagamentos a que as quantias entregues pelos ofendidos e referidas nos pontos 33) a 37) se destinavam e integrou-as, ao invés, no seu património, fazendo-as suas.
39. Ao actuar da forma descrita a arguida conseguiu obter para si e integrar no seu património quantias monetárias a que sabia não ter direito, obtendo um benefício patrimonial ilegítimo, em prejuízo do património de terceiros.
40. A arguida criou em ACR e em RP e JM a falsa expectativa sobre estar a diligenciar pela resolução de problemas jurídicos, que nunca foi sua intenção solucionar, convencendo-os, face à forma como os abordava, e à profissão de advogada que exerce, de que estavam na presença de uma profissional habilitada e diligente, tendo em vista a resolução dos seus problemas.
41. Agiu sempre de forma livre deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
B. DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
42. Em 22/03/2011 a BMW interpôs contra o ofendido ACR, uma Acção de Processo Ordinário, que correu os seus termos no referido Tribunal de Portel sob o n.º --/11.8TBPRL, e à qual viria a ser apenso o procedimento cautelar n.º --/11.8TBPRL.
43. No âmbito dessa acção foi proferida sentença, transitada em julgado em 13/10/2011, que declarou válida a resolução do contrato de aluguer celebrado entre a autora e o réu, ocorrida em 27/05/2010 e condenou o réu a devolver à autora o veículo automóvel marca BMW, modelo X3 3.0D, com a matrícula ZO e os respectivos documentos, bem como a pagar à autora, a título de indemnização pela não restituição atempada do veículo o montante de €11.039,60 (onze mil e trinta e nove euros e sessenta cêntimos), acrescido do valor de €38,60 (trinta e oito euros e sessenta cêntimos) por cada dia de atraso desde 09.03.2011 até à efectiva devolução do veículo automóvel.
44. Tal decisão encontra-se em execução no processo n.º --/14.9TBPRL, que corre termos na Instância Central do Tribunal de Montemor-o-Novo.
45. ACR pagou no processo n.º ---/11.8TBPRL custas judiciais no valor de €61,34.
46. ACR e a sua esposa fundaram, conjuntamente com os demais representantes, a M…&Irmão, Lda com muitos sacrifícios, sendo esta a sua única fonte de rendimentos.
47. Os ofendidos depositaram confiança total e sem reservas na arguida enquanto sua mandatária.
48. Em consequência da conduta da arguida o ofendido ACR sentiu-se enganado, ludibriado, defraudado e desapossado de bens que amealhou com sacrifícios ao longo da vida;
49. O que lhe provocou nervosismo, ansiedade extrema e stress e agravou os seus problemas de saúde, causando-lhe uma depressão pela qual se encontra a ser medicamente acompanhado.
50. RP e JM tiveram de recorrer ao auxílio de terceiros para conseguirem entregar à arguida as quantias monetárias que esta lhes ia solicitando.
51. Como causa directa e necessária da conduta da arguida RP e JM sentiram-se angustiados e passaram por privações.
C. DA CONTESTACÃO
52. Como a empresa M...& IRMÃO, LDA se encontrava numa situação económica difícil, também foi solicitada a intervenção da arguida junto do Serviço de Finanças, Segurança Social e restantes credores.
53. No âmbito das suas funções, a arguida encetou diversas diligências para recuperar os créditos e liquidar as dívidas da M...& IRMÃO, LDA;
54. Tendo - entre Abril de 2007 e Novembro de 2011 - feito telefonemas e enviado faxes, emails, cartas; reunido com os sócios da sociedade, com a Engª. CR e com outros Colegas, recebido e analisado no seu escritório documentos, notificações, despachos e ofícios; efectuado várias deslocações, elaborado peças processuais, intentado acções contra devedores da empresa e defendido a mesma em acções que contra ela corriam.
55. Contra a sociedade M...& IRMÃO, LDA correu termos o Processo n.º --/07.9TBPRL, Secção Única do Tribunal Judicial de Portel, em que era exequente a F.-, SA e onde havia sido efectuada a penhora sobre um veículo automóvel.
56. Em 21 de Outubro de 2010 FP procedeu, a pedido e por intermédio da arguida, à liquidação da dívida que a M...& IRMÃO, LDA tinha para com a F. -, SA no valor de €8.000,00 por forma a que fosse cancelada a penhora existente.
57. Contra a M...& IRMÃO, LDA correu termos o processo executivo n.º ---/06.6TBSSB na secção Única do Tribunal Judicial de Sesimbra instaurado pela T…, SA, no âmbito do qual foram penhorados alguns dos veículos objecto de venda.
58. Por intermédio da arguida foi alcançado acordo com a exequente consistente no pagamento da dívida em prestações acompanhado do reconhecimento e a assunção, em 30 de Julho de 2008, da dívida em nome dos sócios;
59. Em consequência do que a instância foi suspensa e declarada extinta.
60. Tal acordo veio a ser incumprido, por falta de liquidez, o que levou a que a ali exequente instaurasse contra os sócios da empresa o processo executivo n.º --/09.3TBPRL, que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Portel.
61. Após ter sido contactada por ACR relativamente ao incumprimento do crédito que havia contraído junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL a arguida efectuou diligências junto da referida instituição bancária com vista à resolução extrajudicial do incumprimento.
62. A arguida encetou negociações junto da BMW Renting, Lda com vista à negociação da compra do veículo identificado no ponto 28) em prestações, tendo apenas sido aceite o pagamento do valor em três prestações ou a pronto.
63. No âmbito do processo de inventário n.º --/04.9TBRDD realizou-se no dia 2 de Março de 2011, conferência de interessados, tendo os Ilustres Mandatários requerido a suspensão da instância por período não inferior a 90 (noventa) dias para ultimarem os termos do acordo da forma de partilha.
64. A arguida renunciou ao mandato de RP e JM no referido processo por requerimento apresentado em 5 de Fevereiro de 2013.
65. A 31 de Março de 2016 a arguida apresentou a RP e JM nota de honorários no valor de €19.141,88, tendo descontado tal quantia aos valores que os ofendidos lhe haviam entregue nos termos referidos nos pontos 32) a 37) e disponibilizado a devolução da quantia de €11.577,11 de acordo com a indicação que viesse a ser dada pelos mesmos.
66. Em 20 de Março de 2017 a arguida procedeu à entrega, por meio de depósito autónomo, a favor de RP e JM da quantia de €11.577,11.
Está também provado que:
67. A arguida nasceu em Moçambique, onde viveu, até aos seus 12 anos de idade, com os progenitores, ambos professores, e com uma irmã, tendo vindo para Portugal após o 25 de Abril de 1974.
68. A arguida concluiu a licenciatura em Direito no ano de 1987, após o que ingressou, como estagiária, num escritório de advogados, onde permaneceu durante cerca de 3 anos.
69. Em 1992 integrou o Instituto de Reinserção Social, onde exerceu funções durante cerca de 8 meses.
70. Após iniciou uma carreira como advogada por conta própria, tendo actualmente um escritório em Évora e outro na Parede, que partilha com um colega.
71. Casou aos 25 anos de idade, tendo-se separado de facto do marido há cerca de 10 anos, mantendo com o mesmo um bom relacionamento.
72. A arguida vive sozinha, numa quinta situada em …., sendo que fruto da sua actividade profissional aufere uma média de €3.000,00 mensais, com os quais tem de suportar despesas fixas no montante global de €2.000,00.
73. A instauração dos presentes autos teve um impacto negativo na sua imagem pública e profissional, com repercussões a nível económico, o que conduziu à apresentação de sintomas depressivos, que necessitaram de acompanhamento médico psiquiátrico.
74. A arguida foi alvo de dois processos disciplinares na Ordem dos Advogados, tendo-lhe sido aplicada uma pena de admoestação e uma pena de multa, penas extintas pelo cumprimento.
75. À presente data encontra-se, ainda, a correr termos um outro processo disciplinar junto da Ordem.
76. Não lhe são conhecidas relações sociais com os habitantes da localidade onde vive, sendo conotada, por tal comunidade, como uma pessoa distante e que mantinha um nível de vida economicamente elevado.
77. Não obstante mantém um relacionamento próximo com a família e com um grupo restrito de amigos.
78. A arguida apresenta capacidade crítica quanto à ilicitude dos comportamentos que lhe são imputados, nos quais, contudo, não se revê.
79. A arguida não tem antecedentes criminais.
Factos não provados:
Com interesse para a causa, resultaram não provados os seguintes factos:
A. Os factos enunciados no ponto 2) apenas tiveram lugar no mês de Maio de 2007.
B. Para além do valor de €3.175,82 (três mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois euros) titulado pelo cheque a que se refere o ponto 7) os legais representantes da empresa depositaram, na conta de FT, também no dia 19 de Abril de 2007, a quantia de €3.175,82 (três mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois euros).
C. A arguida para além da quantia referida no ponto 9) fez também sua a quantia de €175,82 (cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos).
D. A arguida elaborou uma procuração na qual os legais representantes da sociedade M… & IRMÃO, LDA a investiam na qualidade de sua representante e liquidatária da empresa para a venda do recheio da mesma.
E. A arguida, a pretexto da liquidação das dívidas da sociedade, propôs aos legais representantes da referida sociedade que procedessem à venda de todos os bens da empresa, designadamente camiões, retroescavadoras, máquinas de terraplanagem e ferramentas a FP, com o propósito de fazer seu o produto da venda dos referidos bens, integrando-o quer no seu património quer no de FP.
F. A arguida mantinha negócios com FP, em quem tinha total confiança.
G. A arguida informou da necessidade de FP levantar os bens até final de Julho de 2008 aquando do mencionado no ponto 14).
H. A pedido dos legais representantes da sociedade os ofendidos, a arguida comprometeu-se a apresentar queixa contra FP, o que, contudo, nunca fez.
I. Com o intuito de fazer crer que continuava a acautelar os seus interesses, a arguida disse aos legais representantes da empresa que utilizou uma parte do dinheiro devido pela venda do activo da mesma para pagar as indemnizações aos trabalhadores e outra para proceder ao cancelamento de penhoras que impendiam sobre camiões da empresa, a favor de T… & FILHO LDA, para que FP pudesse proceder ao levantamento das mesmas.
J. Ao actuar da forma descrita a arguida integrou no seu património e no de FP a quantia de €227.501,80 (duzentos e vinte e sete mil, quinhentos e um euros e oitenta cêntimos).
K. O referido no ponto 28) ocorreu seguramente antes de 28 de Janeiro de 2010.
L. A arguida, com intenção deliberada de se apropriar de quantias monetárias pertencentes a ACR, informou-o que iria resolver a situação relativa ao veículo BMW contraindo um crédito para pagar a quantia em dívida, crédito esse que seria pago pelo ofendido à arguida entregando-lhe mensalmente, e com início em Outubro de 2010, a quantia de €347,50 (trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
M. Tendo sido nesse pressuposto e por acreditar naquilo que a arguida lhe dissera, que o ofendido procedeu às entregas a que alude o ponto 29).
N. A quantia entregue à arguida foi de €1.730,00 (mil, setecentos e trinta euros).
O. O. A arguida fez sua a quantia entregue pelo ofendido.
P. A arguida, com o único propósito de obter contrapartidas económicas a que sabia não ter direito, criou nos legais representantes da sociedade M…& IRMÃO, LDA e, bem assim, em ACR no que concerne ao veículo BMW, a falsa expectativa sobre estar a diligenciar pela resolução de problemas jurídicos, que nunca foi sua intenção solucionar, convencendo-os, face à forma como os abordava, e à profissão de advogada que exerce, de que estavam na presença de uma profissional habilitada e diligente, tendo em vista a resolução dos seus problemas.
Q. Tendo logrado, de forma voluntaria, livre e consciente, integrar no seu património quantias que não lhe pertenciam em prejuízo do património daqueles, o que sabia ser proibido e punido por lei.
R. Ao invés dos €30,00 (trinta euros) a que se refere o ponto 29), ACR entregou à arguida €37,50 (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos).
S. Confrontada por ACR com as decisões proferidas nos processos referidos nos pontos 42) e 43) a arguida garantiu-lhe que as mesmas eram apenas um pró-forma para a regularização do acordo já feito com a BMW na sequência do empréstimo por ela contraído e que nada do que havia sido pedido seria concretizado.
T. O veículo automóvel marca BMW, modelo X3 3.0D, com a matrícula -ZO possuía à data da sua apreensão o valor de €30.000,00 (trinta mil euros).
U. Os valores a que se referem os pontos 7) e 8) foram entregues e utilizados para pagamento de dívidas a credores da empresa e outras despesas, tal como solicitado pelos representantes da M… & IRMÃO, LDA.
V. Os dois cheques no valor de € 100.000,00 a que se refere o ponto 17) foram entregues à arguida apenas como forma de garantia do negócio, facto que era do conhecimento dos legais representantes da M… & IRMÃO, LDA.
W. Os sócios da sociedade M… & IRMÃO, LDA omitiram da arguida e de FP o facto de sobre alguns dos veículos objecto de venda ao segundo impenderem penhoras registadas a favor de terceiros.
X. Motivo pelo qual FP se recusou a proceder ao pagamento do remanescente do valor devido.
Y. A arguida procedeu ao pagamento de parte não concretamente apurada da dívida para com a empresa T…, SA com dinheiro que lhe foi entregue por FP por conta do preço do negócio de compra e venda do equipamento da M...& IRMÃO, LDA.
Z. O incumprimento do acordo alcançado com a T…, SA levou a que não se lograsse o levantamento de todas as penhoras que incidiam sobre os veículos objecto de venda a FP e que à data ainda persistem.
AA. Com o dinheiro que conseguiu cobrar por conta da M...& IRMÃO, LDA a arguida suportou relativamente ao processo do credor A…, Lda em 28 de Novembro de 2007, a quantia de €1,00 (um euro) relativa a informação não certificada referente à empresa e no dia 30 do mesmo mês a quantia de €336,00 (trezentos e trinta e seis euros);
BB. Em 28 de Novembro de 2007, o valor de €2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos) por uma informação não certificada referente à empresa Construções C;
CC. Relativamente ao processo contra a empresa A…, Lda, em 28 de Novembro de 2007, o valor de €1,50 (um euro e cinquenta) por uma informação não certificada e no dia 30 do mesmo mês a quantia de €264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros) com taxa de justiça;
DD. A arguida efectuou, ainda, pagamentos no valor de €14.000,00 ao credor D…, Lda, dos quais €3.000,00 (três mil euros) em 31 de Junho de 2008, €5.000,00 (cinco mil euros) em 21 de Outubro de 2008, €5.000,00 (cinco mil euros) em 12 de Janeiro de 2009 e €1.000,00 (mil euros) em 24 de Abril de 2009;
EE. Em 11 de Maio de 2007 procedeu, também, ao pagamento do montante de €2.564,16 (dois mil quinhentos e sessenta e quatro euros e dezasseis cêntimos) à Segurança Social;
FF. Suportou, em 13 de Outubro de 2008, €275,00 (duzentos e setenta e cinco euros), com o registo da dissolução;
GG. Efectuou um pagamento, em 12 de Novembro de 2008, à Novinco, no montante de €3.898,20 (três mil oitocentos e noventa e oito euros e vinte cêntimos);
HH. Pagou, em 28 de Setembro de 2009, um total de €153,00 (cento e cinquenta e três euros), em taxas de Justiça nas acções instauradas contra os Municípios de Reguengos de Monsaraz e Viana do Alentejo;
II. E procedeu, em 3 de Setembro de 2011, a um depósito na conta da sócia Leonarda Rodrigues no valor de €1.000,00 (mil euros).
JJ. Os sócios da sociedade M… & IRMÃO, LDA tinham conhecimento de todos os passos dados pela sua mandatária.
KK. No âmbito das diligências referidas no ponto 24) a arguida reuniu com os legais representantes e a mandatária da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL e logrou alcançar um acordo de pagamento em prestações relativamente ao montante em dívida num total de €37.000,00, que deveria ser pago até Dezembro de 2009;
LL. Como o acordo que não foi cumprido na referida data, a arguida ofereceu como garantia do pagamento um crédito que os sócios da M… & IRMÃO, LDA tinham no âmbito do processo n.º ---A/98TBEVR por forma a evitar que a hipoteca fosse accionada;
MM. Tendo, igualmente, negociado uma cessão da dívida para o filho de ACR.
NN. A quantia de €1.396,00 (mil trezentos e noventa e seis euros) a que se refere o ponto 26) foi paga por ACR e LR à arguida por conta do valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) cujo pagamento a mesma havia solicitado a título de provisão para despesas e honorários relativo a todo processo de negociação da dívida para com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL.
OO. Tendo ficado combinado que ACR iria requerer apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça.
PP. Aquando do preenchimento do pedido de apoio judiciário ACR para além de ter solicitado dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, solicitou a nomeação de patrono, o que lhe foi deferido.
QQ. Após ter concluído que não existiam fundamentos para a dedução de oposição à execução a arguida comunicou tal decisão a ACR, que com a mesma concordou;
RR. Tendo encetado diversas diligências extrajudiciais com vista a obter um acordo ou uma renegociação da dívida, entre as quais contactos com a mandatária da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL, a Dr.ª SF.
SS. ACR tinha conhecimento de que a arguida nunca o representou no processo n.º ---/10.7TBPRL e, por esse motivo, comunicava-lhe sempre as notificações recebidas.
TT. Informados do insucesso das negociações subjacentes às entregas a que se referem os pontos 33) a 37) RP e JM declinaram a devolução das quantias já entregues à arguida, na expectativa de efectivo acordo.
UU. A arguida não elaborou e apresentou em momento anterior ao referido em 55) a nota dos honorários devidos por RP e JM devido a uma restruturação do escritório e à falta de pessoal administrativo e subsequentemente em virtude da apreensão à ordem destes autos das pastas dos clientes.
Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência do raciocínio e de atitude e sentido de responsabilidade manifestados - que, porventura, transpareçam em audiência.
No caso em apreço, a convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade supra exposta, baseou-se na análise crítica e conjugada das declarações dos assistentes, dos depoimentos das testemunhas ouvidas e, ainda, da prova documental junta aos autos, tendo sempre como fio condutor as regras da vida e da experiência comum.
Assim e no que respeita à factualidade inserta no ponto 1) o Tribunal atendeu não só às declarações dos Assistentes e das testemunhas CR, CF e ZG, entre outras - que atestaram, com isenção e objectividade, a profissão da arguida, bem como, na proporção dos respectivos conhecimentos, o local do seu exercício - e à diversa prova documental junta ao processo principal e em anexos e pastas, destacando-se o teor do documento junto a fls. 251 e o auto de busca e apreensão junto a fls. -794/818.
Relativamente à matéria inscrita sob os pontos 2) a 9) o Tribunal considerou, essencialmente, as declarações do assistente ACR e os depoimentos das testemunhas CR, MP, AC e CC. Com efeito, tais pessoas atestaram com unanimidade o facto de existir uma situação para regularizar entre a sociedade M. & Irmão, Lda e três dos seus trabalhadores decorrente da rescisão dos contratos de trabalho por salários em atraso e o facto de a arguida ter sido contratada pela referida sociedade para tal efeito. Confirmaram, igualmente, que as conversações com vista à resolução do litígio decorreram entre a arguida e o Dr. B, mandatário dos referidos trabalhadores, bem como o facto de terem logrado alcançar acordo quanto a tal matéria. No que respeita ao teor do acordo alcançado, bem como aos valores que deveriam ser entregues a título indemnizatório e para pagamento dos salários em atraso, o Tribunal atentou no relato isento, sincero e objectivo da testemunha CR. Foi, também, com base no depoimento desta mesma testemunha que se apuraram os valores entregues pela sociedade à arguida para que os pagamentos devidos fossem efectuados. Já no que respeita ao valor que foi efectivamente recebido pelos três trabalhadores o Tribunal considerou o depoimento sincero e imparcial de MP, AC e CC. Quanto à titularidade da conta onde foram efectuados os depósitos para pagamento dos referidos valores atendeu-se ao depoimento de CF, que atestou, com seriedade, a realidade vertida no ponto 6).
Complementarmente, valorou o Tribunal a diversa prova documental junta aos autos, senão vejamos. A certidão permanente junta a fls. 35/38 atesta a qualidade de sócios de MR e ACR da empresa. Já os documentos juntos a fls. 135, 136, 138, 139/140, a fls. 141/145 e na Pasta n.º 9 comprovam as entregas de valores monetários efectuadas pela empresa à arguida, destacando-se, entre estes últimos, a rescisão dos trabalhadores, a cópia dos cheques passados pela empresa a cada um dos trabalhadores e posteriormente inutilizados, o talão de depósito no mesmo valor junto a fls. 141/145, e as cartas e o fax de 19 de Abril de 2007, que dão conta de que o valor devido, ao invés de ter sido entregue directamente a cada um dos trabalhadores como inicialmente previsto, foi afinal depositado na conta de FT e CF. Especial destaque se dá também à nota aposta na cópia do cheque junta a fls. 136, relativamente ao pagamento efectuado a 25 de Julho de 2008 e que corrobora o depoimento de CR. Por fim, também os documentos juntos a fls. 533/535 certificam a titularidade da conta onde eram depositados tais valores.
Analisemos agora os factos respeitantes ao negócio de compra e venda do activo da sociedade M… & Irmão, Lda.
No que tange à participação que a arguida teve no processo conducente ao encerramento da identificada sociedade - factualidade a que aludem os pontos 10) a 11) - o Tribunal formou a sua convicção com base no relato dos factos apresentado por ACR e por CR, que de forma sincera e imparcial atestaram como a arguida foi procurada para tratar do encerramento e da liquidação da empresa, tendo aceite assumir as funções de liquidatária. De igual forma se consideraram as declarações prestadas por MR (fls. 44/46) entretanto falecido. Complementarmente atendeu-se ao teor da certidão permanente junta a fls. 35/38, bem como ao teor dos demais documentos juntos ao apenso 1.
Foi, igualmente, com base no relato das mencionadas testemunhas que o Tribunal logrou apurar como no decurso do processo de liquidação da sociedade a arguida lhes viria a indicar FP como comprador interessado no activo da sociedade, pessoa que só mais tarde viriam a constatar ser seu conhecido e cliente (pontos 12) e 13)). Este último aspecto foi, igualmente, confirmado pela testemunha MTR, sendo que o facto de FP ser cliente da arguida não só foi admitido pelo mesmo, como encontrou sustentação na prova documental junta aos autos, desde logo no teor da documentação que constitui a Pasta n.º 17. A este propósito importa referir que a versão apresentada por FP quanto ao modo como teve conhecimento do negócio e como a arguida não teria tido qualquer participação não convenceu o Tribunal, pois não só a referida testemunha apresentou um depoimento marcadamente comprometido, como entrou em contradição. Com efeito, que motivos teria o mesmo para ficar aborrecido pelo facto de a arguida não lhe ter comunicado a existência de penhoras sobre os veículos, acaso a mesma não lhe tivesse apresentado o negócio.
Quanto ao valor do negócio firmando entre FP e os representantes da M… & Irmão, Lda e quanto às tarefas que à arguida cabia - matéria a que se refere o ponto 14) - o Tribunal formou a sua convicção mediante a conjugação dos depoimentos das testemunhas ACR, CR, MTR e FP e das declarações de MR com as regras da vida e da experiência comum.
Quiseram as primeiras três testemunhas fazer crer ao Tribunal que o valor da venda do activo da empresa foi fixado em €375.000,00, acrescido do valor equivalente ao de quantias exequendas que haviam motivado o registo de diversas penhoras sobre os veículos automóveis objecto do negócio. Por outro lado, quis FP fazer crer que o preço do negócio foi fixado em €275.000,00 acrescido de IVA. Já MR nas suas declarações alude ao preço de €385.000,00. Ora, nenhuma das referidas versões convenceu por inteiro o Tribunal, o que, desde já se adianta, não foi impedimento ao apuramento do valor referido no ponto 14). A verdade neste caso concreto encontrou-se a meio, se assim se pode dizer, senão vejamos.
Testemunharam ACR, CR e MTR - de forma sincera, precisa, espontânea e, por conseguinte, credível - como efectuaram uma listagem com todo o material a ser vendido e como inicialmente lhe atribuíram o valor de €750.000,00, valor esse que aceitaram reduzir para o que viria a ser acordado atenta a urgência pretendida na concretização da venda, motivada pela necessidade de procederem ao pagamento de dívidas pessoais. Em abono de tal versão vejam-se as listagens com o equipamento e respectivos valores juntas na Pasta n.º 9, bem como o documento datado de 18 de Julho de 2008 junto à Pasta n.º 2 (mica do separador da F). Já não mereceu, no entanto, credibilidade o facto de aos €375.000,00 acrescer a assunção da obrigação por parte de FP de proceder ao pagamento do valor das penhoras. Com efeito, quanto a esta matéria os referidos depoimentos não se revelaram coerentes com a prova documental e no confronto com a mesma até se verificaram ser um pouco confusos. Na verdade, resultou dos documentos juntos aos autos - em concreto, dos juntos a fls. 169, 601/637, ao Apenso 6, à Pasta n.º 2 e ao Apenso 12 - que correu termos um processo executivo contra a sociedade comercial (Processo n.º ---/06.6TBSSB), no âmbito do qual foram efectuadas diversas penhoras sobre os veículos automóveis de sua propriedade, mas que tal execução viria a ser extinta na sequência de um acordo de pagamento da quantia exequenda, acompanhado da emissão de cheques pré-datados e da assunção pessoal da dívida por parte dos sócios (datada de 30 de Julho de 2008, mas precedido de acordo nesse sentido datado de Maio desse ano), documento esse que, aliás, viria a servir de título executivo a um novo processo, desta feita contra os sócios (Processo n.º --/09.3TBPRL). Ora, atendendo a que na data em que o negócio de compra e venda foi efectuado, o referido processo já se encontrava para ser extinto, podendo, por conseguinte, as penhoras ser levantadas (como aliás veio a ocorrer, conforme resulta de fls. 1921/2028, 2097/2105 e 2109/2126), não se compreende por que motivo teriam os legais representantes da empresa acordado com FP que a acrescer aos €375.000,00 caberia àquele a obrigação de proceder ao pagamento perante terceiros da dívida que estariam na origem de tais ónus. Quanto muito tal dívida influiria no preço a acordar e pelos mesmos directamente a receber por forma a poderem cumprir com o pagamento dos cheques já emitidos, o que cremos ter ocorrido, tanto mais que para cumprimento do mencionado acordo foram utilizadas quantias monetárias entregues por FP, nomeadamente um cheque da Cetrimotrix - fls. 601/640, fls. 1727/1729 e Pasta n.º 2 sob o separador T., Lda. Tal conclusão não se tem por infirmada pelo facto de ter sido efectuado o pagamento de uma dívida da sociedade perante a empresa Ferb. através de FP, tal como o mesmo referiu e encontrou sustentação nos documentos juntos na Pasta n.º 2 sob o separador da F. e da Ferb.., pois não esqueçamos que tal pagamento foi efectuado por intermédio da arguida, enquanto liquidatária da sociedade M…, donde resulta tão só que o dinheiro da venda do equipamento da empresa foi canalisado para pagamentos das dívidas da identificada sociedade, dívidas essas que influíram nas condições estabelecidas no negócio da venda do seu activo.
Já a versão de FP quanto ao valor do negócio não convenceu porquanto não só não encontrou qualquer sustentação, como foi contraditada pela relação dos valores entregues à empresa por conta do negócio elaborada pelo próprio e junta a fls. 1880/1881, de onde se extrai que o mesmo pagou €291.991,17, o que não se compreenderia se o negócio apenas tivesse sido celebrado por €275.000,00 mais IVA e ainda desse o prejuízo que o mesmo apontou e que terá motivado da sua parte uma recusa no pagamento do preço remanescente. Por outro lado, sempre se dirá que o mesmo apresentou um discurso desprovido de lógica e razoabilidade, senão vejamos. Quis o mesmo convencer o Tribunal que não procedeu ao pagamento do preço acordado por também não ter recebido dos terceiros, a quem posteriormente vendeu os veículos automóveis, devido à existência de diversas penhoras e até arrestos. Porém instado a explicitar quais os concretos ónus a que se estava a referir o mesmo tomou-se evasivo e pouco coerente, acabando por afirmar que não confirmou a sua existência e se limitou a confiar nos seus clientes. Ora, tal comportamento não se revela conforme com o comportamento de qualquer homem médio colocado na sua posição, pois dificilmente uma pessoa aceitaria tal justificação para não cumprimento de um negócio sem confirmar efectivamente a sua veracidade. Por outro lado, sempre se dirá que as penhoras podiam ser levantadas conforme o vieram a ser e não existiu qualquer arresto sobre os bens da M… & Irmão, Lda, tal como resulta dos documentos juntos a fls. 1921/2028, 2097/2105 e 2109/2126 e a fls. 2029.
Nessa conformidade, convenceu-se o Tribunal que o preço estabelecido foi efectivamente de €375.000,00 acrescido de IVA, valor esse que serviria para pagamento das dívidas que estiveram na origem das penhoras existentes e que os sócios haviam assumido pessoalmente.
Relativamente à factualidade inserta nos pontos 15) a 16) o Tribunal convenceu-se com o depoimento emotivo, sincero e credível de ACR, CR, MTR que, com seriedade, atestaram como a arguida os informou da urgência no levantamento dos bens por parte de FP e como lhes assegurou que tinha em seu poder os meios de pagamento do preço devido, facto que os convenceu na entrega do material. Em sentido consonante vejam-se também as declarações de MR prestadas a fls. 44/46.
Confirmaram, igualmente, as duas primeiras testemunhas como só muito depois lhes foram entregues os cheques, bem como as condições impostas quanto à sua apresentação ao banco e o que sucedeu quando os depositaram na sua conta (pontos 17) a 21)). Em abono de tais afirmações, bem como comprovando as datas de apresentação dos cheques e os motivos da sua devolução, vejam-se os documentos juntos a fls. 65/73 e ao Apenso 5.
Quanto à gestão de facto da empresa F. mencionada no referido ponto 17) socorreu-se o Tribunal das declarações prestadas por JC, que não obstante figurar como gerente de direito da mesma (certidão permanente junta a fls. 1724/1725) assegurou, de forma desprovida de interesse e espontânea, como tal função era, de facto, desempenhada por FP.
No que concerne à matéria de facto constante do ponto 22) o Tribunal atentou, mais uma vez, no depoimento sincero e preciso da testemunha CR que a atestou de forma convincente, tendo sido o mesmo corroborado pelo teor de fls. 157.
Por fim, no que tange à factualidade vertida no ponto 23) considerou o Tribunal o relato apresentado por CR, conjugado com o teor do documento de fls. 158, onde se listam os valores directamente entregues à empresa por FP, admitindo-se, nesse mesmo documento, a existência de outros valores entregues à arguida liquidatária e cujos montantes terão sido utilizados para pagamento de dívidas da sociedade. Ora, ainda que a identificada testemunha tenha afirmado estar agora convencida de que foi enganada, o certo é que a mesma não foi peremptória na afirmação de que não foram efectuados por parte da arguida quaisquer pagamentos por conta das dívidas da empresa tal como ela própria fez inscrever no mencionado documento, limitando-se, ao invés, a expressar as suas dúvidas quanto à existência de tais pagamentos. Não fosse tal falta de certeza sempre se dirá que dos autos resulta que, efectivamente, foram utilizados €8.000,00 pagos por FP e não constantes de tal listagem para pagamento da dívida da sociedade assistente perante a Ferb (documentos juntos na Pasta n.º 2 sob o separador da F. e da Ferb). Da mesma forma também MR não se mostrou certo e assertivo nas suas declarações, sendo que ACR não demonstrou ter grande conhecimento quanto a esta matéria. A este propósito importa ainda referir que, pese embora se admita a existência de outros valores pagos por FP, não se logrou, no entanto, provar do pagamento dos valores constantes da lista junta a fls. 1880/1881, na medida em que confrontada a testemunha FP com o seu teor o mesmo não o logrou explicitar convenientemente, resultando, desde logo, que na mesma foram incluídas despesas que não deveriam ter sido deduzidas do valor em dívida para com a sociedade (veja-se, a título exemplificativo, as tidas com o arranjo de máquinas e seu transporte e com um mercedes de ACR).
No que tange à factualidade referente ao processo n.º --/10.7TBPRL do Tribunal Judicial de Portel onde era executado ACR e que se encontra explanada nos pontos 24) a 27) o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações conjugadas de ACR e LR, que de forma coerente e sincera a atestaram. Em complemento e abono das mesmas veja-se, ainda, a prova documental junta aos autos, a saber: as comunicações efectuadas pela arguida perante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL datadas já de Agosto de 2009 (parte inicial da Pasta n.º 18) e que também permitiram a prova da factualidade alegada pela arguida na contestação e inserta no ponto 61); a declaração/recibo emitido, a 17 de Março de 2010, pela arguida relativamente à quantia entregue especificando que a mesma servirá para liquidação de taxas de justiça no identificado processo (fls. 20); a declaração emitida pelo Tribunal Judicial de Portel de onde resulta que a arguida nunca teve intervenção no processo (fls. 21); o teor do Apenso 7, de onde constam peças processuais do aludido processo, bem como comprovativo de, no âmbito do apoio judiciário concedido, ter sido nomeada, já em Agosto de 2011, uma defensora oficiosa a ACR. Com especial importância importa, ainda, trazer à colação a decisão de apoio judiciário de 9 de Abril de 2010 concedida a ACR e LR para que os mesmos contestassem o processo n.º ---/10.7TBPRL, de onde consta ter-lhes sido deferido o pagamento da taxa de justiça e dos encargos do processo na modalidade de pagamento faseado mensal (ver Pasta n.º 3, após o separador referente à Segurança Social). Estes dois últimos documentos encontram-se em consonância com as declarações do Assistente que, de forma sincera e espontânea, afirmou que não obstante ter procedido ao pagamento para as custas do processo, a arguida, através da sua funcionária CF, lhe disse para assinar um documento relativo a apoio judiciário, facto que à data, atenta a confiança depositada, não lhe causou estranheza.
Centremo-nos agora na matéria a que se referem os pontos 28) a 31) respeitantes ao Contrato de Aluguer de Longa Duração que ACR havia firmado com a BWM Renting (Portugal), SA.
Quanto à existência do aludido contrato, sua natureza e condições contratuais, bem como quanto à existência do incumprimento por parte do ofendido no pagamento do valor dos alugueres vencidos e à caducidade do mesmo devido a tal incumprimento o Tribunal considerou a prova documental junta aos autos, em concreto a que constitui o conteúdo da Pasta n.º 18, em concreto: as condições gerais e particulares do identificado contrato, o auto de recepção do veículo, a carta dirigida pela BMW ao ofendido dando conta de que o contrato teria o seu terminus a 28 de Março de 2010, cabendo ao ofendido a possibilidade de optar pela sua aquisição ou pela sua entrega e a carta também daquela concessionária datada de 17 de Maio de 2010, dando conta do incumprimento do valor dos alugueres, bem como da obrigação de restituição da viatura por caducidade do contrato.
Quanto aos motivos que conduziram à falta de pagamento das prestações devidas e ao subsequente recurso aos serviços de advogada da arguida atentou o Tribunal nas declarações prestadas por ACR, que, neste particular, se revelaram sinceras e coerentes e foram corroboradas na proporção dos respectivos conhecimentos por parte das testemunhas CR, LR e CR, também elas imparciais e isentas.
Foram, igualmente tais declarações, em conjugação com a prova documental junta a fls. 23/24 e na Pasta n.º 18 (talões de transferência juntos no fim da pasta), que permitiram concluir pela existência da entrega dos valores enumerados no ponto 29). A este propósito saliente-se que quanto à primeira entrega realizada, em numerário e em relação à qual não existe documento bancário comprovativo, se valoraram as declarações do ofendido, que, para além de sinceras, encontraram sustentação na nota manuscrita aposta no comprovativo de transferência de 12 de Novembro de 2010, documento apreendido no escritório da arguida (auto de busca e apreensão de fls. 794/818) e que a mesma, aliás, não impugnou em sede de contestação.
Por fim, quanto à instauração por parte BWM Renting (Portugal), SA da providência cautelar para entrega de veículo que correu termos sob o n.º --/11.8TBPRL e à efectiva apreensão do veículo BMW atendeu-se ao teor de fls. 94/118, do Apenso 3 e da Pasta n.º 18 (destacando-se o auto de apreensão do veículo de 19 de Maio de 2011).
Analisemos, agora, dos factos que foram objecto de inquérito no processo n.º ---/13.9TDEVR, entretanto apenso a estes, e inserta sob os pontos 32) a 38).
Quanto às entregas dos montantes ali enumerados e, bem assim, o fim a que se destinavam o Tribunal socorreu-se das declarações espontâneas, sinceras e isentas de RP e JM que o confirmaram, assim como do teor da diversa prova documental junta aos autos, a saber: do cheque cuja cópia se encontra junto a fls. 1067 e 1118; do recibo junto a fls. 1068 e 1119; da procuração junta à Pasta n.º 11; da certidão parcial do processo de inventário n.º --/04.9TDRDD junta a fls. 27 e seguintes do identificado inquérito; ao teor da Pasta n.º 12 (ponto 32)); da cópia do talão comprovativo da transferência do valor junto a fls. 1069 e 1120 (ponto 33)); da cópia do cheque junto a fls. 1070 e 1121 e da declaração junta a fls. 1071 e 1122 (ponto 35)); da cópia do cheque junto a fls. 1123 (ponto 36)) e do comprovativo junto a fls. 1072 e 1124 (ponto 37)).
Foi, igualmente, o talão da operação bancária junto a fls. 1069 e 1120 que permitiu comprovar a titularidade da conta para onde tal operação foi efectuada (ponto 34)).
Já no que concerne à factualidade descrita no ponto 38) o Tribunal valorou não só as isentas declarações prestadas pelos ofendidos, que mereceram credibilidade, mas também a demais prova junta aos autos, em cotejo com as regras da vida e da experiência comum. Veja-se que não só das declarações dos assistentes, como do processado do inventário resulta que nenhum dos valores que foi entregue por aqueles serviu efectivamente para o fim a que se destinava, tanto mais que apenas em 20 de Maio de 2015, já muito após a renúncia da arguida ao mandato, se logrou obter acordo entre os interessados quer no que respeita aos valores das verbas, quer no que respeita à adjudicação em partilha, tendo apenas em 21 de Junho de 2016 sido homologada a partilha (conforme conferência de interessados cuja acta se encontra junta a fls. 911 do processo de inventário remetido para consulta, mapa da partilha de fls. 963 - de onde consta que a interessada RP deve de tornas €6.986,00 - e sentença homologatória de fls. 989). Por outro lado, não foi feita qualquer prova de que efectivamente tais valores fossem efectivamente devidos nos momentos em que foram solicitados pois da análise da diversa documentação junta aos autos, em concreto das Pastas n.ºs 11 a 14 apreendidas no escritório da arguida resulta que nunca se chegou efectivamente a qualquer acordo. O mais próximo que se esteve de tal desiderato relacionou-se com a adjudicação da verba n.º 11 à assistente, mas mesmo neste caso o acordo passava pelo pagamento do valor devido (€15.000,00) apenas no momento da escritura, o que nunca veio a acontecer. Acresce que não se compreende o montante das verbas solicitadas a título de registos provisórios, pois nunca os mesmos poderiam ascender aos valores solicitados. Comprovando que, efectivamente, em 2013 ainda não se havia logrado obter qualquer acordo, veja-se o teor da conferência de interessados de 30 de Janeiro, de onde resulta que os interessados ainda não haviam sequer acordado no valor das verbas (ver acta de conferência junta a fls. 158/159 do processo de inquérito n.º ---/13.9TDEVR).
Tais conclusões não se têm por desabonadas pelos documentos juntos a fls. 1427/1429 (requerimento de registo) e na Pasta n.º 12 (proposta de acordo datada de 15 de Fevereiro de 2008 por parte do cabeça de casal respeitante à verba n.º 11, com fax de 11 de Abril desse ano a aceitar o valor proposto de €15.000,00 mas a liquidar apenas após a realização da escritura de compra e venda), na medida em que o primeiro nunca chegou a ser entregue (tal como resulta do teor da Pasta n.º 11 onde se encontra o original), e do segundo não resulta que o valor pedido a título de garantia atingisse um valor como o peticionado pela arguida aos ofendidos, equivalente, aliás, ao da aquisição.
Do exposto, decorre, pois, que a arguida não efectuou os pagamentos a que as quantias entregues pelos ofendidos e referidas nos pontos 33) a 37) se destinavam, tendo-as integrado no seu património e feito suas, não obstante posteriormente ter procedido à restituição de parte e imputado outra nos honorários que fixou, como se fez consignar nos pontos 65) a 66), para cuja fundamentação se remete.
No que tange ao elemento subjectivo enformador das condutas em análise, os factos descritos nos pontos 39) a 41) resultam do cotejo da matéria objectiva dada como provada nos pontos 1) a 9), 24) a 27) e 32) a 38), que permitiu a este Tribunal, com base em regras de experiência comum, inferir a sua verificação.
De facto qualquer homem médio e ainda para mais a arguida, que exerce a função de advogada, não pode deixar de desconhecer a ilicitude penal do comportamento de quem recebe uma quantia superior a €8.000,00 destinada a indemnizar trabalhadores de uma empresa e, ao invés de a utilizar para o fim estabelecido, a integra no seu património, causando o correspondente prejuízo patrimonial.
Da mesma forma, qualquer cidadão tem consciência da ilicitude penal do comportamento de quem, aproveitando-se da confiança existente, cria num terceiro a convicção de que se toma necessário assegurar o pagamento de uma determinada quantia num processo judicial, quando tal não corresponde à verdade e recebe o valor correspondente integrando-o no seu património, tal como ocorreu por parte da arguida em relação a RP e marido e a ACR, ainda que tão só no que concerne ao valor de €1.396,00 peticionado a título de custas.
Analisemos a factualidade respeitante aos pedidos de indemnização civil deduzidos e elencada nos pontos 42) a 51).
No que concerne ao inscrito nos pontos 42) a 44) o Tribunal considerou não só as declarações de ACR, mas também e essencialmente à prova documental junta aos autos, em concreto, a fls. 88/118 e no Apenso 3 e na Pasta n.º 18.
O referido no ponto 45) resultou do teor de fls. 1219.
Já o mencionado nos pontos 46) a 49) resultou da conjugação das declarações de ACR, CR, LR, MTR e CR, que, não obstante serem familiares, manifestaram isenção, espontaneidade e objectividade no seu depoimento, corroborando o estado físico e psíquico vivenciado pelo primeiro, estado esse que também se revelou consentâneo, por recurso às regras da vida e da experiência comum, com aquele que qualquer homem médio apresentaria em consequência dos acontecimentos.
Relativamente à matéria de facto a que aludem os pontos 50) e 51), valorou-se o depoimento dos assistentes e da testemunha LM - também ela isenta e sincera e, por conseguinte, credível - conjugado com as regras da vida e da experiência comum, de onde resulta a coerência do que aí se fez inscrever.
Analisemos agora a matéria da contestação, não sem antes deixar de consignar que, não obstante a extensão da matéria alegada pela arguida em sua defesa, o Tribunal incidiu a sua apreciação e decisão apenas sobre a que verdadeiramente interessa aos autos, uma vez que nestes não está em causa apurar de todo o trabalho desenvolvido pela arguida enquanto mandatária dos ofendidos nos autos, nem se a mesma actuou, no seu exercício, com o zelo e a diligência exigido à profissão.
Tecidas tais considerações importa referir que relativamente à factualidade a que se referem os pontos 52) a 54) o Tribunal valorou a prova documental que constitui o conteúdo das Pastas n.ºs 1 a 10 e 15 a 18 apreendidas à arguida e de onde resultam todas as diligências encetadas pela mesma na prossecução do mandato que lhe foi conferido pela M… & IRMÃO, LDA e sócios, relativamente não só à questão dos trabalhadores, mas também a outras, entre as quais as relacionadas com as dívidas e os créditos da empresa. Veja-se, a título exemplificativo as Pastas n.ºs 1 e 4 relativamente às dívidas às finanças; a Pasta n.º 2 relativa à Litropel, à D.., à Ferb e à T…,SA; a Pasta n.º 6 relativa à Segurança Social; a Pasta n.º 8 relativamente à Câmara Municipal de Viana do Alentejo e de Reguengos de Monsaraz e a Pasta n.º 10 relativa à Av.
No que tange à matéria de facto a que se referem os pontos 55) a 56) o Tribunal considerou não só o depoimento de FP, que neste ponto se revelou coerente e objectivo, mas também o teor da Pasta n.º 2, em concreto: o teor do requerimento da Ferb ao processo executivo a pedir a sua extinção por pagamento da quantia exequenda, bem como o talão de depósito comprovativo do mesmo datado de 21 de Outubro de 2010, tal como já se havia adiantado aquando da motivação do ponto 23).
Já quanto ao referido nos pontos 57) a 60) o Tribunal valorou não só o depoimento conjugado de MR, ACR e CR, mas também o conteúdo de fls. 601/640, 1921/2028, 2097/2105, 2109/2126 dos Apenso VI e XII e da Pasta n.º 2 (nomeadamente o reconhecimento da dívida pelos sócios, a cópia dos cheques empregues para efeitos do pagamento em prestações da dívida, bem como o requerimento para extinção da instância executiva contra a sociedade).
No que concerne à factualidade constante do ponto 61) cumpre referir que a mesma encontrou sustentação na correspondência trocada entre a arguida e a identificada instituição bancária e que se encontra junta nas Pastas n.ºs 16 e 18.
Para prova da intervenção da arguida na resolução da questão do incumprimento contratual de ACR junto da BMW (matéria a que alude o ponto 62)) o Tribunal atentou no teor dos documentos juntos a fls. 1405/1410 e na correspondência também junta na Pasta n.º 18, de onde resulta que efectivamente aquela negociou, após a caducidade do Contrato de Aluguer de Longa Duração, a aquisição da viatura BMW, assim como quais as condições que vieram a ser impostas pela concessionária no âmbito de tais negociações.
Relativamente ao referido no ponto 63) o Tribunal atendeu ao teor da acta de conferência de interessados do dia em questão (junta a fls. 560 do processo de inventário remetido aos autos para consulta).
A renúncia ao mandato a que alude o ponto 64) resultou do requerimento elaborado e apresentado pela arguida no processo n.º --/04.9TBRDD (fls. 695/697 do identificado processo).
Já a factualidade constante dos pontos 65) e 66) resultou do teor de fls. 1430/1435 e de fls. 1693.
Os factos atinentes às condições pessoais e económicas da arguida resultaram do cotejo do teor do relatório social junto aos autos - elaborado por entidade terceira e desprovida de qualquer interesse nos autos -, com a prova documental junta na Pasta n.º 3, sendo que a imagem que a arguida tem na comunidade onde se insere e as características gerais da sua personalidade foram corroboradas pelo teor das declarações prestadas por JM e AG.
No que concerne aos antecedentes criminais da arguida, o Tribunal atendeu ao teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
No que tange à matéria de facto dada como não provada a mesma resultou não só da ausência de suporte probatório que a sustentasse, mas também de prova em sentido contrário, senão vejamos.
A não prova do facto descrito no ponto A) resultou da conjugação das declarações prestadas pela testemunha CR com a prova documental junta aos autos, em concreto na Pasta 9 de onde resulta a existência de uma intervenção por parte da arguida na resolução das questões laborais da empresa pelo menos já em Abril de 2007, data em que aliás são feitos depósitos na conta da sua funcionária CF.
Quanto aos factos descritos no ponto B) não foi feita qualquer prova, apenas se tendo apurado da realidade vertida nos pontos 7) e 8).
A não prova do referido em C) resultou da ausência de prova bastante, na medida em que apenas se logrou apurar do mencionado nos pontos 7) e 8).
A factualidade constante do ponto D) foi contraditada pela documentação junta no Apenso 1, de onde resulta que não foi passada procuração à arguida conferindo-lhe poderes de liquidatária, tendo a mesma sido nomeada em Assembleia Geral da sociedade.
Sobre o referido nos pontos F) e G) não foi feita prova bastante tendo-se apurado tão só a realidade que se fez inscrever nos pontos 13) e 15).
A não prova da factualidade descrita no ponto H) resultou de realidade diversa e espelhada no ponto 22) para cuja fundamentação se remete.
Já a não prova do referido nos pontos E) e J) resultou da ausência de meios probatórios que o sustentassem, senão vejamos.
Apesar de se ter apurado que a arguida indicou FP aos legais representantes da M… & Irmão, Lda, pessoa cujos interesses também defendia como cliente e que, como liquidatária, assegurou àqueles que tinha em sua posse os meios de pagamento para liquidar o valor da venda, o que viria a revelar-se não ser verídico na medida em que apenas tinha em sua posse dois cheques de €100.000,00 e um outro de €20.000,00, o que totalizava um valor inferior ao preço acordado, o certo é que não resultou provado que a mesma tenha proposto a venda do activo da empresa com o propósito de fazer seu e de FP o seu produto, nem que tenha integrado no seu património e no daquele a quantia de €227.501,80. Com efeito, apesar de o Tribunal ter logrado apurar da existência de um relacionamento entre a arguida e FP desconhecido dos vendedores e do engano aos mesmos causados com a afirmação de que dispunha do valor devido, não se fez qualquer prova de que a arguida tenha actuado com a concreta intenção de prejudicar os ofendidos e beneficiar o seu património ou o de terceiros, tendo até resultado do depoimento de CR, quanto ao sucedido na ocasião do levantamento do equipamento das instalações, que a arguida o que não pretendia era comprometer o seu relacionamento com o comprador, também ele seu cliente. Não se olvide, igualmente, da circunstância de não se ter apurado do valor concretamente pago por FP por conta do referido negócio, tal como se fez espelhar no ponto 23) dos factos provados, o que sempre colocaria em causa a prova da factualidade inserta no ponto J).
Também o referido em I) não encontrou suporte probatório bastante. Em primeiro lugar, porque não obstante ACR terem feito menção a tal facto, a realidade é que o mesmo também afirmou de forma precisa e peremptória que quem tratava dos assuntos relacionados com a contabilidade era a sobrinha, não tendo ele um conhecimento específico sobre tal matéria. Em segundo lugar, porquanto apesar de CR ter referido que a arguida terá afirmado ter pago parte da dívida perante a T., SA com dinheiro produto da venda do equipamento, a mesma também acabou por afirmar que os pagamentos foram feitos pela empresa, ficando, pois, a dúvida sobre a factualidade em apreço.
Analisemos agora a matéria respeitante ao incumprimento de ACR junto da BMW e da intervenção da arguida nessa questão.
Sobre o referido no ponto K) não foi feita específica prova, apenas se tendo apurado que a intervenção da arguida teve lugar no ano de 2010, uma vez que nenhuma testemunha foi precisa quanto à referida data, nem a mesma resulta clara da diversa prova documental junta aos autos sobre tal matéria.
Quanto aos factos elencados nos pontos L) a O) não foi feita prova suficiente, senão vejamos. Quis ACR fazer crer ao Tribunal que o incumprimento que acabou por gerar a instauração de uma providência cautelar e da subsequente acção declarativa e a consequente perda do veículo esteve relacionado com a falta de pagamento de parte da penúltima e da última prestação e do valor residual do contrato, tendo ficado convencido de que a arguida iria resolver a situação mediante a sua defesa processual e a assunção de um crédito pessoal em seu nome para pagamento daquele valor, crédito que o mesmo iria pagar em prestações mensais. Para além da versão apresentada pelo ofendido não se revelar conforme com as regras da vida e da experiência comum, não se vislumbrando coerente com o comportamento de qualquer advogado o apontado pelo ofendido à arguida, tanto mais que o ressarcimento da mesma demoraria mais de 65 meses, o certo é que a sua versão também não convenceu o Tribunal.
Com efeito, porque o contrato celebrado era um Contrato de Aluguer de Longa Duração, contrato esse que tinha o seu terminus previsto para 28 de Março de 2010, data em que o ofendido deveria entregar a viatura, a não ser que optasse pela sua aquisição, pelo valor a indicar pela BMW (vejam-se condições gerais e particulares do contrato juntas na Pasta n.º 18). Ora, considerando não só as cláusulas contratuais acordadas, mas também o facto de ao ofendido ter sido atempadamente comunicada tal caducidade, com inerentes obrigações (tal como resulta das cartas remetidas pela BMW datadas de 23 de Fevereiro de 2010 respeitantes à caducidade do contrato e à exclusão do seguro, juntas na Pasta n.º 18), não vemos como possa o mesmo ter ficado convencido de que poderia manter o veículo em sua posse porque apenas se encontrava em atraso no pagamento da prestação e do valor residual. Da mesma forma não se compreende como mesmo após a apreensão efectiva do veículo (ocorrida, saliente-se, em 19 de Maio de 2010), o ofendido continuasse convencido de que tudo se resolveria mediante a assunção de um crédito por parte da sua mandatária para pagamento da prestação e do valor residual em atraso. Com efeito, não podemos olvidar do facto de a BMW ter avisado o ofendido de que, por não ter o mesmo procedido à entrega do veículo findo o contrato, se encontrava obrigado a pagar uma penalização por cada dia de atraso, penalização essa que, em Maio de 2010, já ascendia a €1.852,99 (veja-se carta registada com aviso de recepção remetida a 17 de Maio de 2010 e respectivo AR, juntos na Pasta n.º 18). Por outro lado, acaso efectivamente as quantias entregues à arguida e mencionadas no ponto 29) servissem para proceder ao pagamento do crédito que aquela havia assumido em seu nome por conta da aquisição do veículo, não se compreende como é que o ofendido iniciaria em Outubro o pagamento do valor correspondente em prestações à arguida, estando o veículo apreendido desde 19 de Maio de 2010, sem que em momento algum tivesse sido restituído. Saliente-se que o ofendido continuou a proceder a pagamentos mensais até Março de 2011, sem que estivesse na posse do veículo. Ora, acaso a arguida tivesse efectivamente contraído um crédito que o ofendido estivesse a pagar, não estaria a mesma ou este já na posse do veículo? Não se olvida também do facto de a arguida ter encetado negociações com a BMW com vista à aquisição do veículo em prestações, sem pagamento da penalização respeitante a despesas de contencioso e à não entrega da viatura, em Junho de 2011, momento posterior às entregas efectuadas por parte do ofendido, o que indicia que o montante que estava a ser entregue serviria precisamente para que o almejado acordo pudesse ser no imediato cumprido.
Em face do exposto, não foi possível concluir pela realidade vertida nos pontos L) e M), sendo que não se apurou do referido em N), mas tão só o que se fez inscrever no ponto 29).
Quanto ao vertido em O) também não foi feita prova bastante. Desde logo, porque, não obstante apenas se encontrar comprovada nos autos a devolução, em Agosto de 2011, de €1.000,00 (veja-se fls. 1411), o ofendido admitiu ter-lhe sido devolvido o montante entregue com excepção da quantia de €130,00. Perante tal confissão restou ao Tribunal apurar da apropriação por parte da arguida desta última quantia.
Ora quanto a esta última o Tribunal quedou-se pela dúvida, senão vejamos. Apesar de pugnar pela não devolução dos referidos €130,00, o ofendido apresenta um depoimento quanto a esta matéria confuso. Com efeito, quis ACR fazer crer ter efectuado o pagamento de seis prestações no valor de €347,50 o que totalizaria €2.085,00, sendo que, do valor entregue, a arguida procedeu à devolução da quantia de €1.600,00 (€500,00 de uma vez, mais €1.000,00, mais €100,00). Ora se assim tivesse sido, a quantia não devolvida não redundaria nos apontados €130,00, mas seria muito superior. Por outro lado não podemos olvidar do facto de apenas se ter logrado apurar da entrega da quantia de €1.722,50 (três prestações de €347,50, uma no valor de €350,00 e outra no valor de €330,00), do que decorreria a não devolução de apenas €122,50. Não fossem tais incongruências, ouvidas outras testemunhas sobre tal matéria, nomeadamente, CR, LR e CR nada de concreto souberam referir. Ficou, pois, o Tribunal na incerteza sobre se do valor entregue ficou efectivamente algum montante para ser devolvido, pelo que, em conformidade com o princípio do in dubio pro reo, fixou a matéria de facto em sentido mais favorável à arguida.
A não prova do referido nos pontos P) e Q) resultou da ausência de factos que o sustentassem, na medida em que tal factualidade não só não se afere dos factos descritos nos pontos 10) a 23) e 28) a 31), como não foi sustentada por outros meios de prova, não se tendo sequer provado que a arguida tivesse integrado no seu património ou no de terceiro qualquer quantia monetária respeitante à venda do equipamento da empresa ou às entregas que foram feitas por conta do contrato de aluguer de longa duração do BMW.
Quanto ao pedido de indemnização civil deduzido por ACR,
No que concerne ao ponto R) não se provou mais do que o referido em 29).
Não foi feita qualquer prova do aludido em S).
Por fim, a não prova do valor do BMW (ponto T) resultou da ausência de prova bastante, pois apesar de ACR o ter confirmado, o valor atribuído pela concessionária automóvel para a sua aquisição não sustenta o afirmado, não tendo sido produzido qualquer outro elemento de prova, que permitisse dilucidar a dúvida criada.
A não prova da matéria de facto constante do ponto U) resultou de prova em sentido diverso e que sustentou o inserto nos pontos 7) a 9), para cuja fundamentação remetemos.
Sobre o referido em V) não foi feita prova, tendo resultado, ao invés, que os referidos cheques haviam sido entregues para pagamento do preço do negócio, tal como se fez inscrever nos pontos 16) a 18).
O Tribunal não se convenceu sobre a veracidade dos factos constantes dos pontos W) e X) pois não só o depoimento de ACR e CR foi coerente, sincero e isento, ao contrário do prestado por FP, claramente comprometido e parcial (conforme já se adiantou aquando da motivação do ponto 23)), como a versão daqueles encontrou sustentação na documentação junta aos autos. Destaca-se, pois, o fax enviado pela empresa à arguida, a 18 de Junho de 2008, com cópia do auto de penhora e das notas de registo das penhoras incidentes sobre os veículos objecto do negócio constante da Pasta n.º 2, bem como o fax datado de 30 de Junho de 2008 enviado pela arguida e constante da Pasta n.º 17 respeitante ao cliente FP.
A factualidade constante do ponto Y) resultou não provada porquanto, para além dos valores constantes da listagem elaborada pela sociedade ofendida e junta a fls. 158 (onde já é mencionado o cheque de €5.000,00 da Cetrimotriz devolvido por fata de provisão), não se apurou da existência de quaisquer outros pagamentos feitos à T., Lda com dinheiro que tenha sido entregue directamente por FP à arguida (veja-se também fls. 601/640).
A não prova do referido no ponto Z) resultou de prova em sentido contrário, na medida em que tendo sido extinto o processo executivo que corria contra a sociedade, existiam todas as condições para que as penhoras fossem levantadas, tal como veio a ocorrer, sendo que o incumprimento do acordo aí alcançado apenas conduziu a uma nova execução desta feita directamente contra os sócios e na qual, obviamente, nunca poderiam ser penhorados bens da empresa (atente-se em fls. 601/640, 192172028,209772105 e 2109/2126, nos Apenso VI e XII e na Pasta n.º 2).
Quanto aos pontos AA) a II) também não foi feita qualquer prova, na medida em que, não se colocando em causa o dispêndio das referidas quantias e até mesmo o depósito referido em II) (ver Pastas n.ºs 2, 8 e 10, Apensos 1, 2 e 13 e fls. 1386/1389), não se apurou que o dinheiro utilizado para o efeito tenha resultado da cobrança de qualquer crédito da empresa por parte da arguida, tanto mais que resultou do depoimento de CR e até de fls. 124/132 que a sociedade foi procedendo aos pagamentos que lhes eram solicitados por aquela não se tendo feito prova em que medida os que aqui se descrevem tenham obtido diferente tratamento.
Já a não prova do constante no ponto JJ) resultou claramente do depoimento de ACR e CR, já que estes, sincera e espontaneamente, descreveram ao Tribunal como não só nunca acompanharam as decisões tomadas pela arguida no exercício do seu mandato, como praticamente as desconheciam.
No que respeita aos factos referentes ao crédito contraído por ACR e LR junto da Caixa de Crédito Agrícola - a que respeitam os pontos KK) a SS), a sua não prova resultou não só da ausência de suporte probatório bastante, mas também de prova em sentido contrário, senão vejamos.
Quanto ao concreto teor das negociações extrajudiciais encetadas não foi feita prova suficiente, não se considerando bastante as comunicações efectuadas entre a arguida e a referida Instituição Bancária juntas a fls. 1390/1399 e no início da Pasta n.º 18.
Já no que se refere ao destino que se pretendia dar aos €1.396,00 entregues pelos ofendidos a versão que a arguida quis trazer ao processo na sua contestação não mereceu credibilidade, não só porquanto não foi sustentada por nenhum meio de prova bastante (não se considerando como tal a menção efectuada por CF à existência de um eventual engano no teor da declaração emitida, na medida em que o seu depoimento se revelou pouco preciso e comprometido), como foi contraditada, com objectividade e coerência, por ACR. Por outro lado, não se revela conforme com as regras da vida e da experiência comum que, tendo sido entregue uma quantia para pagamento parcial de honorários, um escritório de advogados emita declaração fazendo menção a que a mesma se destina ao pagamento de taxa de justiça de um concreto e identificado processo. Ademais, atendendo à data da instauração do processo n.º ---/10.7TBPRL (3 de Março de 2010) afigura-se conforme com as mencionadas regras que a quantia entregue poucos dias depois (17 de Março de 2010) se destinasse efectivamente a suportar os seus custos. Importa, ainda, referir que mesmo que o ofendido não tivesse a quantia necessária ao pagamento dos alegados €1.500,00 de honorários devidos, não se revela conforme com as regras da vida e da experiência comum que o mesmo tivesse optado pela entrega parcial da quantia de €1.396,00. Com efeito, estamos perante uma quantia muito específica, sendo que, para o homem comum, o mais natural seria proceder ao pagamento de uma quantia certa ou arredondada.
No que se refere ao conhecimento por parte de ACR de que a arguida não o representava no referido processo e de que havia, conscientemente, requerido apoio judiciário nas modalidades de pagamento de encargos e nomeação de patrono, o Tribunal convenceu-se de realidade diversa, tendo em consideração as declarações sinceras pelo mesmo prestadas, tal como se fez constar aquando da motivação dos pontos 26) a 27).
Por fim, não foi feita qualquer prova quanto a diligências com vista à resolução extrajudicial da questão encetadas pela arguida já após a instauração da execução.
Relativamente aos factos respeitantes aos ofendidos RP e JM cumpre referir que a não prova do mencionado em TT) resultou da ausência de suporte probatório. Em primeiro lugar, porque não resultou que os ofendidos tivessem conhecimento do insucesso das negociações, veja-se a surpresa que os mesmos relataram ter tido quando, aquando da conferência de interessados de 20 de Janeiro de 2013, se aperceberam que ainda não havia sido firmado qualquer acordo. Em segundo lugar, porque não foi feita qualquer prova de que os mesmos tivessem autorizado a arguida a manter no seu património mais de €30.000,00, que os mesmos haviam amealhado com dificuldades económicas, para assegurar os honorários devidos. Afigura-se, aliás, contrário às regras da vida que alguém que tenha entregue €15.500,00 para concretização de uma aquisição e que, frustrada a mesma, autorize um terceiro a manter na sua posse tal elevada quantia e ainda proceda à entrega em momento subsequente de mais €10.000,00.
Sobre o mencionado no ponto UU) não foi feita qualquer prova, sendo que sempre se dirá que tendo a renúncia ao mandato ocorrido em 5 de Fevereiro de 2013, não se compreenderia como problemas relacionados com falta de funcionários ou com a restruturação de um escritório de advogados serviriam como fundamento para o atraso em mais de 3 anos (veja-se ponto 65)) na elaboração de uma nota de honorários relativamente a um cliente, quando se detinha mais de €30.000,00 desse mesmo cliente e se pretendia fazer acerto com tal valor.
Apreciando:
A) - da nulidade do acórdão:
Alegando omissão de pronúncia do acórdão, a recorrente suscita a nulidade do mesmo, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
Concretiza que o Tribunal não se pronunciou sobre questões que não poderia deixar de se pronunciar, a saber, as questões suscitadas nos pontos IX., X, XI, XIII., XIV a XXV., XLIV., L., LIII., LXII., do presente Recurso.
Ora, tal como a recorrente refere, citando Paulo Pinto de Albuquerque"o dever de fundamentação da sentença exige: a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respetivas contestações (...), incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação (…)." (Comentário ao CPP, Art 374°, Pág.944).
Em sintonia, só se verificará omissão de pronúncia do tribunal se, dada a relevância da questão, deixe de emitir opinião, o que se prende com a oficiosidade do conhecimento de todas as questões que são pertinentes à decisão da causa e resultante da natureza dos interesses que se visam proteger, relativamente ao que a expressão «devesse», constante daquele art. 379.º, n.º 1, alínea c), comporta o significado literal de injunção (acórdão STJ de 07.12.1999, in CJ Acs. STJ, ano VII, tomo III, pág. 234).
Deste modo, estará sempre subjacente a relevância para a decisão da causa, uma vez que questões que a não tenham não se impõem ao conhecimento do tribunal.
Assim, as questões alegadamente suscitadas no recurso podem ter relevância na perspectiva da recorrente, mas não a terem tido em face do que delimitava o objecto da causa, integrado pela acusação, pela contestação e o mais que resultasse da discussão em julgamento, por que o Tribunal se deveria nortear, sem que, manifestamente, tivesse de conhecer de questões trazidas, afinal, ao recurso.
Tanto mais que essas questões, pelo que transparece do aduzido pela recorrente, se prendem com considerações acerca da prova atinente a diversos factos, reconduzindo-se propriamente a motivos de divergência, relativamente aos quais, eventualmente, se analisará o necessário aquando da apreciação desses factos, mormente da sua importância nessa matéria.
Acresce que, se a recorrente se pretendia referir a matéria de contestação, o que não diz, deve ter-se em conta o que o Tribunal consignou, de que “não obstante a extensão da matéria alegada pela arguida em sua defesa, o Tribunal incidiu a sua apreciação e decisão apenas sobre a que verdadeiramente interessa aos autos, uma vez que nestes não está em causa apurar de todo o trabalho desenvolvido pela arguida enquanto mandatária dos ofendidos nos autos, nem se a mesma actuou, no seu exercício, com o zelo e a diligência exigido à profissão”.
Dada a forma como a recorrente suscita a omissão de pronúncia, constata-se, pois, que a mesma se não verifica, sem prejuízo do que haja a esclarecer em sede de apreciação da impugnação de facto.
B) - dos vícios da decisão:
A recorrente refere que o Tribunal "a quo" efectuou um erro notório na apreciação da prova e resulta da mesma a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, assim como uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão.
Trata-se, assim, dos vícios da decisão, previstos no art. 410.º, n.º 2, que, de comum a todos eles, têm de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, o que significa que, para o efeito, apenas esses parâmetros são válidos, cingindo-se pois ao que a decisão contém e às máximas da experiência do conhecimento do homem de formação média.
Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorreráquando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. III, pág. 325).
Isso acontece, pois, quando o tribunal deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.
Por seu lado, a contradição insanável da fundamentação (ou entre esta e a decisão) supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação.
Segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. III, pág. 325, respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso (…) a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
Verifica-se quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, haverá de ser interpretado como o tem sido o facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).
Consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 2008, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).
Ora, analisando a motivação do recurso, afigura-se que a recorrente descura os parâmetros de apreciação dos vícios.
Além de não concretizar em que se traduzem, acaba por fazê-los equiparar à crítica à valoração das provas, o que, de todo, é alheio ao que se discute nesta problemática de impugnação dos factos.
Tão-só se descortina, em concreto, que aponta contradição nos factos provados em 24, 25, 26, 27 e 61, mas, ainda assim, remetendo para prova documental que indica.
Refere, justificando a alegada contradição, isto porque os primeiros fazem crer que a arguida nada fez relativamente ao incumprimento do crédito bancário por parte de ACR, quando na realidade esta prontamente contactou a mandatária da Caixa de Crédito Agrícola de Monte Trigo, logo em Agosto de 2009, veja-se documentos 14 a 18 juntos com a Contestação, e documentos de Pastas n.º 16 e 18 dos autos.
Reproduzem-se aqui os mencionados factos:
“24. Em data não concretamente apurada, mas seguramente em Agosto de 2009, ACR contactou a arguida para que a mesma diligenciasse pela obtenção de um acordo de pagamento com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL, instituição na qual o ofendido tinha um crédito - garantido por hipoteca sobre a sua habitação - que se encontrava em situação de incumprimento, pretendendo evitar que a hipoteca fosse accionada e perdesse a sua casa de habitação.
25. Não obstante, a 3 de Março de 2010 foi instaurada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL contra ACR e LR a execução comum n.º --/l0.7TBPRL, na Única Secção do Tribunal Judicial de Portel.
26. Nessa sequência, ACR e LR voltaram a contactar a arguida que, fazendo crer ao ofendido que iria diligenciar pela resolução do problema, lhe exigiu, a título de pagamento de custas, a quantia de €1.396,00 (mil trezentos e noventa e seis euros), quantia que lhe foi entregue pelo ofendido.
27. Apesar disso, a arguida fez sua a quantia em causa e não executou qualquer diligência, junto do processo de execução que impendia sobre o ofendido no Tribunal Judicial de Portel, com o n.º --/10.7TBPRL, no qual nunca figurou como mandatária do ofendido, tendo-lhe sido nomeada uma defensora oficiosa, a saber: a Exma. Sra. Dra. NM.
61. Após ter sido contactada por ACR relativamente ao incumprimento do crédito que havia contraído junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL a arguida efectuou diligências junto da referida instituição bancária com vista à resolução extrajudicial do incumprimento.”
E inexiste contradição, não passando, esta, de aparente.
Atenta-se no fundamentado, no essencial, pelo Tribunal:
“No que tange à factualidade referente ao processo n.º --/10.7TBPRL do Tribunal Judicial de Portel onde era executado ACR e que se encontra explanada nos pontos 24) a 27) o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações conjugadas de ACR e LR, que de forma coerente e sincera a atestaram. Em complemento e abono das mesmas veja-se, ainda, a prova documental junta aos autos, a saber: as comunicações efectuadas pela arguida perante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL datadas já de Agosto de 2009 (parte inicial da Pasta n.º 18) e que também permitiram a prova da factualidade alegada pela arguida na contestação e inserta no ponto 61); a declaração/recibo emitido, a 17 de Março de 2010, pela arguida relativamente à quantia entregue especificando que a mesma servirá para liquidação de taxas de justiça no identificado processo (fls. 20); a declaração emitida pelo Tribunal Judicial de Portel de onde resulta que a arguida nunca teve intervenção no processo (fls. 21); o teor do Apenso 7, de onde constam peças processuais do aludido processo, bem como comprovativo de, no âmbito do apoio judiciário concedido, ter sido nomeada, já em Agosto de 2011, uma defensora oficiosa a ACR.”.
Bem como em que não existe incompatibilidade lógica entre a circunstância de a recorrente ter “efectuadodiligências junto da referida instituição bancária com vista à resolução extrajudicial do incumprimento” e, na sequência da acção instaurada, em Março de 2010, tivesse exigido o pagamento da quantia que lhe foi entregue pelo ofendido, que fez sua e sem realizar diligências.
No mais, ao reportar-se a factos que, na sua perspectiva, deveriam ter sido considerados também como provados, fá-lo aludindo a vários elementos de prova, pelo que, eventualmente aparentando, assim, a alegada insuficiência, esta não surge, contudo, dentro dos mencionados parâmetros de análise do vício.
Ainda, as suas considerações acerca da prova não trazem virtualidade alguma para suportar o erro notório na apreciação da prova.
E sendo os vícios de conhecimento oficioso, caso existam, importa sublinhar que, perante o que ficou vertido no acórdão ao nível da matéria de facto, não padece, o mesmo, de qualquer um deles.
C) - da impugnação ampla da matéria de facto:
Embora constitua princípio geral que as relações conhecem de facto nos termos do art. 428.º do CPP, a modificação da matéria de facto (sem prejuízo do disposto no referido art. 410.º, n.º 2, a que se aludiu) só se poderá verificar se a prova tiver sido impugnada em sintonia com os n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do mesmo diploma.
Esse ónus de especificação, imposto a quem, nesse âmbito, pretenda recorrer, não é, claramente, desproporcionado e, ao invés, apresenta-se justificado, à luz da garantia do efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, para essa intrínseca finalidade, relativamente ao que, pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 08.03.2012, in D.R. I Série, n.º 77, de 18.04.2012, os respectivos contornos ficaram devidamente explicitados.
Como neste se sublinhou: Nestes casos de impugnação da matéria de facto, a apreciação pelo tribunal superior - Relação - não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs3 e 4 do artigo 412.º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal.
Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica -se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
Esta limitação da capacidade cognitiva da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação sempre esteve presente, como desde logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.
A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção «cirúrgica», no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
Tanto mais, é certo, quando, conforme Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.
E ainda, segundo o acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
Na situação em análise, a recorrente indica, por um lado, por referência aos pontos de facto que menciona, que outros factos, no seu entender, também deveriam ter sido dados por provados e, por outro, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, invocando prova documental e oral para o efeito, sendo que, no tocante à prova oral, transcreve excertos de depoimentos.
Afigura-se, dentro do que ficou explicitado, que a impugnação de facto, aqui ampla, visando despistar erros in judicando e/ou erros in procedendo, destinada à reapreciação da prova, se apresenta minimamente adequada, para o efeito pretendido da modificação dos factos.
Passa-se, então, à análise do alegado.
Reportando-se ao provado em 7a9, a recorrente preconiza que, atentando nas Pastas n.ºs 1 a 10 e 15 a 18, deveria também ter dado como provado que a arguida no período temporal em que ocorreram as entregas de quantias monetárias referidas (…), fez vários pagamentos em nome da empresa M… & Irmão Lda.
Acrescenta que a este propósito é de dar especial relevo à Pasta n.º 6, cujo conteúdo se refere a dívidas da empresa à Segurança Social, e em particular o plano de pagamento a prestações alcançado através dos esforços da arguida, e em especial o documento datado de 26/04/2007 (não tem numeração), que corresponde a dois talões de multibanco de pagamento à Segurança Social (entidade 20181), nos montantes de €4.297,52 e €3.838,88, feitos pelo "escritório" da arguida, através da conta bancária titulada por CF, número 0297---.
E aponta que se somarmos as quantias entregues e os pagamentos efectuados (aos trabalhadores e à Segurança Social) encontramos a quantia que supostamente a arguida teria "feito seu" na questão dos trabalhadores.
Conclui que andou mal Tribunal "a quo", ao considerar que a arguida fez suas as quantias dos pontos 7 e 9, quando na realidade existiram outros pagamentos a ser efectuados ao mesmo tempo, em nome da empresa.
No entanto, pese embora a alegada quase correspondência entre os valores indicados, em nada ficam beliscados os referidos factos provados, uma vez que, por um lado, são bem diversos os destinos das quantias, não se podendo afirmar que a recorrente incompreensivelmente o tivesse descurado e, por outro, se sublinha a fundamentação esclarecedora do tribunal, unicamente incidindo nas quantias em discussão, e que aqui relevam, entregues à recorrente pelos legais representantes da empresa e para cumprimento do acordo estabelecido com os trabalhadores.
Com efeito, de forma incisiva, colhe-se do fundamentado no acórdão:
“Relativamente à matéria inscrita sob os pontos 2) a 9) o Tribunal considerou, essencialmente, as declarações do assistente ACR e os depoimentos das testemunhas CR, MP, AC e CC. Com efeito, tais pessoas atestaram com unanimidade o facto de existir uma situação para regularizar entre a sociedade M. & Irmão, Lda e três dos seus trabalhadores decorrente da rescisão dos contratos de trabalho por salários em atraso e o facto de a arguida ter sido contratada pela referida sociedade para tal efeito. Confirmaram, igualmente, que as conversações com vista à resolução do litígio decorreram entre a arguida e o Dr. B., mandatário dos referidos trabalhadores, bem como o facto de terem logrado alcançar acordo quanto a tal matéria. No que respeita ao teor do acordo alcançado, bem como aos valores que deveriam ser entregues a título indemnizatório e para pagamento dos salários em atraso, o Tribunal atentou no relato isento, sincero e objectivo da testemunha CR. Foi, também, com base no depoimento desta mesma testemunha que se apuraram os valores entregues pela sociedade à arguida para que os pagamentos devidos fossem efectuados. Já no que respeita ao valor que foi efectivamente recebido pelos três trabalhadores o Tribunal considerou o depoimento sincero e imparcial de MP, AC e CC. Quanto à titularidade da conta onde foram efectuados os depósitos para pagamento dos referidos valores atendeu-se ao depoimento de CF, que atestou, com seriedade, a realidade vertida no ponto 6).
Complementarmente, valorou o Tribunal a diversa prova documental junta aos autos, senão vejamos. A certidão permanente junta a fls. 35/38 atesta a qualidade de sócios de MR e ACR da empresa. Já os documentos juntos a fls. 135, 136, 138, 139/140, a fls. 141/145 e na Pasta n.º 9 comprovam as entregas de valores monetários efectuadas pela empresa à arguida, destacando-se, entre estes últimos, a rescisão dos trabalhadores, a cópia dos cheques passados pela empresa a cada um dos trabalhadores e posteriormente inutilizados, o talão de depósito no mesmo valor junto a fls. 141/145, e as cartas e o fax de 19 de Abril de 2007, que dão conta de que o valor devido, ao invés de ter sido entregue directamente a cada um dos trabalhadores como inicialmente previsto, foi afinal depositado na conta de FT e CF. Especial destaque se dá também à nota aposta na cópia do cheque junta a fls. 136, relativamente ao pagamento efectuado a 25 de Julho de 2008 e que corrobora o depoimento de CR. Por fim, também os documentos juntos a fls. 533/535 certificam a titularidade da conta onde eram depositados tais valores.”.
Inexiste, pois, razão para infirmar o ali provado, bem como para aditar o invocado, por irrelevante.
Relativamente aos factos não provados em AA e CC, convoca, para defender que devem ser tidos por provados (estes, tal como os que adiante se indicam como não provados), a Pasta n.º 8,10, Apenso 10 e 11, e Documento n.º 11 junto com a Contestação da arguida, referente à empresa Avinobra e Aljep, que a arguida suportou às suas expensas as despesas de taxas de justiça, aquando a representação nos respectivos processos n.º ---/07.9TBEVR, que correu termos no 2º Juízo cível do Tribunal Judicial de Évora, e processo n.º ---/07.5TYL8B que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
Quanto ao não provado em DD, invoca Pasta n.º 2, não numerada, para provar que a arguida, para além de alcançar um acordo de pagamentos para a Assistente, efectuou o pagamento inicial de €3.000,00 no dia 31 de Julho de 2008, através de depósito bancário.
Acerca do não provado em EE, traz à colação documento 12 junto com a Contestação, (Pasta n.º 3), que faz prova de pagamento da quantia de €2.564,16 à Segurança Social, por força do comprovativo de multibanco, com a indicação CT - funcionária da arguida, e respectivo recibo.
Quanto ao facto não provado em FF, convoca Apenso 1, fls 4, que faz prova de pagamento da quantia de €275,00 ao Registo Comercial, referente ao registo de dissolução da empresa M. & Irmão Ida.
Sobre o não provado em GG, refere Pasta n.º 2, sem numeração, que faz prova de pagamento da quantia de €3.898,20 à empresa Novinco, da arguida em representação da Assistente.
Acerca do não provado em HH, alega Apenso 2 e 13, e Pasta n.º 3, que faz prova de pagamento da quantia de €153,00 ao IGEFJ, referente a taxas de justiça dos processos instaurados contra os Municípios de Reguengos de Monsaraz e Viana do Alentejo.
Relativamente ao facto não provado em II, invoca documento 13 junto com a Contestação, que faz prova de depósito da quantia de €1.000,00 na conta bancária da sócia LR.
Ora, no tocante aos indicados factos não provados, o tribunal fundamentou que “não foi feita qualquer prova, na medida em que, não se colocando em causa o dispêndio das referidas quantias e até mesmo o depósito referido em II) (ver Pastas n.ºs 2, 8 e 10, Apensos 1, 2 e 13 e fls. 1386/1389), não se apurou que o dinheiro utilizado para o efeito tenha resultado da cobrança de qualquer crédito da empresa por parte da arguida, tanto mais que resultou do depoimento de CR e até de fls. 124/132 que a sociedade foi procedendo aos pagamentos que lhes eram solicitados por aquela não se tendo feito prova em que medida os que aqui se descrevem tenham obtido diferente tratamento”.
Em conformidade, acautelou, e bem, que os pagamentos tivessem tido lugar, mas, identicamente de forma que se afigura consentânea com a prova que mencionou, teve em conta que não se tivesse provado que foram efectuados com o dinheiro cobrado da empresa, o que a prova documental carreada pela recorrente não logra infirmar.
No que tange ao facto não provado em JJ, alega os inúmeros faxes trocados entre a arguida e a sociedade M. & Irmão, SA e vice-versa, em especial através da engenheira CR.
Ao invés, o Tribunal consignou que “resultou claramente do depoimento de ACR e CR, já que estes, sincera e espontaneamente, descreveram ao Tribunal como não só nunca acompanharam as decisões tomadas pela arguida no exercício do seu mandato, como praticamente as desconheciam”.
Note-se que o facto em apreço se apresenta reportado ao conhecimento, pelos sócios da sociedade, de “todos os passos dados pela sua mandatária”, pelo que, embora se aceite os contactos trocados, tal não implica que estivessem ao corrente de tudo o que se passava, sendo certo que a esta asserção não é alheia a circunstância de a recorrente ter feito sua quantia entregue por aqueles.
Ainda, acerca dos referidos factos não provados, a recorrente abona-se no depoimento da mencionada CR, transcrevendo parte do mesmo, no sentido de, como refere, se ter em conta que Apesar dos esforços da sociedade, na pessoa da Sr.ª Eng. CR em tentar fazer passar a ideia ao Tribunal de que em Abril de 2007, a arguida apenas os representava na situação dos trabalhadores, mesmo quando confrontada com um documento de sua autoria (veja-se documento junto a fls. 131 dos autos), em que menciona o depósito de €500,00 referente a despesas e provisão de honorários, a mesma refere que se tratava de dinheiro para pagar aos trabalhadores, entrando em nítida contradição com o escrito no documento e verifica-se nitidamente uma enorme "vontade" em imputar todo e qualquer valor entregue à arguida para pagamento da divida para com os trabalhadores, quando efectivamente resulta o contrário do documento.
Todavia, ouvido o depoimento (a que se procedeu na íntegra), as reservas colocadas pela recorrente não têm sentido.
A testemunha, à data dos factos funcionária de M...& IRMÃO, LDA., sendo directora de obras e, também, tratando das questões administrativas, denotou pormenorizado conhecimento directo dos assuntos relacionados com a actividade da recorrente, tendo prestado, de forma credível, os esclarecimentos que lhe foram pedidos, sem que, para além da manifestação da negativa quebra de confiança que aquela lhe veio a propiciar, tivesse demonstrado parcialidade no modo como explicitou o que sabia.
E a propósito do documento de fls. 131, que reconheceu ter sido por si escrito e assinado, o que se colhe, quer do que foi transcrito ao recurso, quer da audição do depoimento, não é, contrariamente ao alegado, que o ali indicado valor de 500,00 € não se reportasse a honorários relativos ao tratamento do assunto atinente à regularização laboral dos três trabalhadores da empresa, mas sim que outros assuntos pudessem estar também a ser tratados pela recorrente, como sejam os de Aljep e de Avinobra, como a testemunha, para além de ter dito que foi (a quantia) para o processo dos trabalhadores, acabou por admitir, concretamente a instâncias, em julgamento, da mandatária da recorrente.
Não resulta, pois, que tivesse incorrido em contradição, tendo, ainda, aludido a que salvo erro, foi o primeiro pagamento de honorários feito à Dr.ª S, reportando-o a esse processo e, note-se, ainda que assim não tivesse acontecido, não se descortina como esse pormenor pudesse ter relevo para infirmar o que suportou aqueles factos.
A recorrente, apesar de não o enumerar expressamente, vem contestar os factos provados em 12 e 13, ao apelar ao confronto entre os depoimentos de CR e FP, procedendo a transcrição de excerto do último.
Insurge-se, para o efeito, designadamente, contra a circunstância de que se tivesse dado como provado que indicou FP aos representantes da empresa.
Neste âmbito, o Tribunal fundamentou “com base no relato das mencionadas testemunhas (ACR e CR) que o Tribunal logrou apurar como no decurso do processo de liquidação da sociedade a arguida lhes viria a indicar FP como comprador interessado no activo da sociedade, pessoa que só mais tarde viriam a constatar ser seu conhecido e cliente (pontos 12) e 13)). Este último aspecto foi, igualmente, confirmado pela testemunha MTR, sendo que o facto de FP ser cliente da arguida não só foi admitido pelo mesmo, como encontrou sustentação na prova documental junta aos autos, desde logo no teor da documentação que constitui a Pasta n.º 17. A este propósito importa referir que a versão apresentada por FP quanto ao modo como teve conhecimento do negócio e como a arguida não teria tido qualquer participação não convenceu o Tribunal, pois não só a referida testemunha apresentou um depoimento marcadamente comprometido, como entrou em contradição. Com efeito, que motivos teria o mesmo para ficar aborrecido pelo facto de a arguida não lhe ter comunicado a existência de penhoras sobre os veículos, acaso a mesma não lhe tivesse apresentado o negócio”.
Acerca do depoimento de CR, referiu esta que FP teria sido apresentado pela recorrente ao pai e tio (representantes da empresa) e veio a constatar, posteriormente, em visita ao escritório da recorrente, que esse nome figurava numa pasta supostamente como cliente.
Neste último aspecto, a situação é corroborada por documentação constante da referida Pasta n.º 17, ainda que aparentando se reportar a datas posteriores.
Tendo-se procedido à audição (de grande parte) do depoimento de FP, afigura-se, acerca da questão ventilada naqueles factos, que a avaliação crítica efectuada pelo Tribunal não merece reparo, apresentando-se o excerto convocado como eminentemente evasivo, não consentâneo com a normalidade da vida e desmentido pela sintomática circunstância de que tivesse contactado a recorrente por causa das penhoras de que teria tido conhecimento posterior ao acordo, ou seja, desse modo comportando-se como se a recorrente estivesse ao corrente do que se passava.
Quanto ao facto provado em 14, a recorrente alega, quanto ao valor da venda do recheio da empresa, que em face de versões tão contraditórias somos a crer que o Tribunal não poderia ter dado como provado o montante do negócio entre estes intervenientes, invocando o depoimento de FP e corroborado, este, pelo de CR.
Ora, com efeito, o Tribunal, segundo o acórdão, no essencial, “formou a sua convicção mediante a conjugação dos depoimentos das testemunhas ACR, CR, MTR e FP e das declarações de MR com as regras da vida e da experiência comum”, tendo explicitado os montantes indicados pelas primeiras três testemunhas (“€375.000,00, acrescido do valor equivalente ao de quantias exequendas que haviam motivado o registo de diversas penhoras sobre os veículos automóveis objecto do negócio”), por MR (“€385.000,00”) e por FP (“€275.000,00 acrescido de IVA), sendo que “A verdade neste caso concreto encontrou-se a meio”.
E explicou a razão de assim ter concluído, não numa visão meramente arbitrária, que não seria admissível, mas, como esclareceu, assente na ponderação conjunta do que relataram ACR, CR e MTR, abonado pela prova documental que assinalou, no confronto da versão de FP.
Sobre esta versão, fundadamente se afirmou no acórdão:
“Já a versão de FP quanto ao valor do negócio não convenceu porquanto não só não encontrou qualquer sustentação, como foi contraditada pela relação dos valores entregues à empresa por conta do negócio elaborada pelo próprio e junta a fls. 1880/1881, de onde se extrai que o mesmo pagou €291.991,17, o que não se compreenderia se o negócio apenas tivesse sido celebrado por €275.000,00 mais IVA e ainda desse o prejuízo que o mesmo apontou e que terá motivado da sua parte uma recusa no pagamento do preço remanescente. Por outro lado, sempre se dirá que o mesmo apresentou um discurso desprovido de lógica e razoabilidade, senão vejamos. Quis o mesmo convencer o Tribunal que não procedeu ao pagamento do preço acordado por também não ter recebido dos terceiros, a quem posteriormente vendeu os veículos automóveis, devido à existência de diversas penhoras e até arrestos. Porém instado a explicitar quais os concretos ónus a que se estava a referir o mesmo tomou-se evasivo e pouco coerente, acabando por afirmar que não confirmou a sua existência e se limitou a confiar nos seus clientes. Ora, tal comportamento não se revela conforme com o comportamento de qualquer homem médio colocado na sua posição, pois dificilmente uma pessoa aceitaria tal justificação para não cumprimento de um negócio sem confirmar efectivamente a sua veracidade. Por outro lado, sempre se dirá que as penhoras podiam ser levantadas conforme o vieram a ser e não existiu qualquer arresto sobre os bens da M… & Irmão, Lda, tal como resulta dos documentos juntos a fls. 1921/2028, 2097/2105 e 2109/2126 e a fls. 2029”.
A cuidada análise valorativa deste depoimento consente plenamente que não tivesse suscitado credibilidade, sendo que a diversidade de valores apontada não se revela como incompatível com a posição, justificada, por que o Tribunal enveredou.
Isto independentemente de que FP quisesse ter colocado a tónica em que o pagamento acordado fosse efectuado em dinheiro e conforme ia vendendo o material adquirido, o que, aliás, contende com as dificuldades financeiras da empresa e dos sócios que Célia Rodrigues transmitiu e, assim, a inevitável celeridade que o negócio visava, havendo ainda a considerar que o valor atribuído ao material era, segundo a testemunha e a prova documental indicada, bem superior, não se reputando razoável que viesse a ser reduzido ao ponto de suportar o valor referido pelo mesmo FP.
Para o efeito, o alegado depoimento de CR, designadamente no excerto trazido ao recurso, não impõe diferente perspectiva, sendo que, por um lado, nem o Tribunal o mencionou como relevante e, por outro, ouvido, decorre que a testemunha não denotou conhecimento directo dos pormenores do negócio, mas apenas transmitiu a ideia de que o pai, ACR, lhe falou, aparentemente em momento em que ainda não se mostrava concretizado, no valor que referiu.
Sobre o facto provado em 15, invoca, a recorrente, que nem foi possível apurar data para o suposto "engano" perpetuado pela arguida e que levou ao levantamento das máquinas por parte de FP.
Mais apela, reportando-se implicitamente também ao provado em 16, 17 e 18, às versões contraditórias e à documentação que indica.
Já se vê que a versão de FP, por ser contraditória com o que se veio a considerar provado, não significa que se devesse impor ao Tribunal, tanto mais que se justificou amplamente por que assim sucedeu.
Também, da circunstância de ali não se ter apurado data concreta, não resulta ilação de que a realidade vertida não tivesse ocorrido.
Relativamente à convocada prova documental, oferece-se dizer, no essencial:
- documento de fls. 1367, junto com a contestação, que a recorrente alega tratar-se de "Acordo de Pagamento" que foi celebrado pelas partes e posteriormente dado conhecimento à arguida, não corresponde, no seu teor, ao que FP declarou, na medida em que aponta para entregas concretas de valores, diferentemente de que iria entregando dinheiro conforme fosse vendendo o material, além de que não se mostra sequer assinado e menciona que teria sido feito com o conhecimento da recorrente, não se descurando os esclarecimentos das testemunhas indicadas pelo Tribunal, nem os documentos de fls. 157 e 158;
- os cheques, com cópias de fls. 73, cuja existência e ausência de pagamento não se discute, não se encontram integralmente preenchidos e, assim, não se pondo de parte que pudessem apenas funcionar como garantia, quiçá no interesse de FP para viabilizar o levantamento do material, mas, de acordo com os depoimentos das testemunhas, como salientado na motivação do Tribunal, “atestaram como a arguida os informou da urgência no levantamento dos bens por parte de FP e como lhes assegurou que tinha em seu poder os meios de pagamento do preço devido, facto que os convenceu na entrega do material. Em sentido consonante vejam-se também as declarações de MR prestadas a fls. 44/46.Confirmaram, igualmente, as duas primeiras testemunhas como só muito depois lhes foram entregues os cheques, bem como as condições impostas quanto à sua apresentação ao banco e o que sucedeu quando os depositaram na sua conta”, o que, em nada, surge contrariado pelo suposto destino desses cheques.
No tocante à manifestada estranheza da recorrente relativamente a que o pagamento das penhoras tivesse integrado o acordo com FP, por referência ao documento DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO E ASSUNÇÃO DE DÍVIDA, na Pasta 2, que não se encontra assinado, basta atentar em que, segundo o acórdão, “resultou dos documentos juntos aos autos - em concreto, dos juntos a fls. 169, 601/637, ao Apenso 6, à Pasta n.º 2 e ao Apenso 12 - que correu termos um processo executivo contra a sociedade comercial (Processo n.º ---/06.6TBSSB), no âmbito do qual foram efectuadas diversas penhoras sobre os veículos automóveis de sua propriedade, mas que tal execução viria a ser extinta na sequência de um acordo de pagamento da quantia exequenda, acompanhado da emissão de cheques pré-datados e da assunção pessoal da dívida por parte dos sócios (datada de 30 de Julho de 2008, mas precedido de acordo nesse sentido datado de Maio desse ano), documento esse que, aliás, viria a servir de título executivo a um novo processo, desta feita contra os sócios (Processo n.º ---/09.3TBPRL). Ora, atendendo a que na data em que o negócio de compra e venda foi efectuado, o referido processo já se encontrava para ser extinto, podendo, por conseguinte, as penhoras ser levantadas (como aliás veio a ocorrer, conforme resulta de fls. 1921/2028, 2097/2105 e 2109/2126), não se compreende por que motivo teriam os legais representantes da empresa acordado com FP que a acrescer aos €375.000,00 caberia àquele a obrigação de proceder ao pagamento perante terceiros da dívida que estariam na origem de tais ónus”.
Quanto aos factos provados em 19, 20, 21 e 22, insurge-se contra a provada indignação dos ofendidos, baseada unicamente em que tal perspectiva será contraditória com terem voltado a recorrer aos seus serviços em Agosto de 2009.
Ora, a indignação, no contexto, não surpreende e reflecte estado de alma que os ofendidos retrataram ao afirmarem-se enganados pela confiança depositada na recorrente.
Mas se assim é, não decorre, porém, que, atentando em que FP ainda foi procedendo a pagamentos conforme provado em 23 e, confrontados com problemas pessoais em período idêntico, afastassem qualquer colaboração da recorrente, para assunto diverso, já que seria a advogada que, “bem ou mal”, conheciam e alguma disponibilidade demonstrara como se provou em 22.
Redunda precipitada a conclusão da recorrente de que os ofendidos não se sentiram "enganados".
No tocante aos factos provados em 24, 25, 26, 27 e 61, para além de que não se descortina qualquer contradição entre eles conforme já explicitado, a documentação invocada pela recorrente, de fls. 1390 a 1399, junta com a contestação e, o constante das Pastas n.ºs 16 e 18, é consentânea com o provado em 61, não se podendo dizer, como a recorrente o faz, que, relativamente aos restantes factos, nada fez, mas também, é certo, não mais, nem menos, do que ali se verteu.
Aliás, a fundamentação do Tribunal está em sintonia, ao reportar-se a “com base nas declarações conjugadas de AR e LR, que de forma coerente e sincera a atestaram. Em complemento e abono das mesmas veja-se, ainda, a prova documental junta aos autos, a saber: as comunicações efectuadas pela arguida perante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL datadas já de Agosto de 2009 (parte inicial da Pasta n.º 18) e que também permitiram a prova da factualidade alegada pela arguida na contestação e inserta no ponto 61).
Quanto aos factos não provados em KKaSS, que a recorrente entende que deveriam ter sido considerados dados como provados pelo Tribunal "a quo", visto que resulta directamente de documentação junta aos autos não contestada.
Por seu lado, o Tribunal fundamentou “a sua não prova resultou não só da ausência de suporte probatório bastante, mas também de prova em sentido contrário”.
Ora, a recorrente limita-se a invocar o documento n.º 16 junto com a contestação, de fls. 1395/1396, donde consta, pedido, com data de 17.12.2009, por si formulado, dirigido a Caixa de Crédito Agrícola de Monte do Trigo, para prorrogação de prazo para regularização do débito pendente de € 37.000,00, em nome de ACR.
Sobre isso, o Tribunal, e bem, fundamentou que “Quanto ao concreto teor das negociações extrajudiciais encetadas não foi feita prova suficiente, não se considerando bastante as comunicações efectuadas entre a arguida e a referida Instituição Bancária juntas a fls. 1390/1399 e no início da Pasta n.º 18”.
No restante, as considerações aduzidas pela recorrente não encontram respaldo em qualquer prova e, ao invés, o motivado pelo Tribunal, acerca do destino que se pretendia dar aos €1.396,00 entregue pelo ofendido, bem como sobre a ausência de conhecimento quanto à representação no processo, revela-se lógico, enquanto suportado pelas declarações de ACR, “com objectividade e coerência”, e pelas regras da experiência comum, como se deixou salientado no acórdão.
Com respeito aos factos provados em 32a38, a recorrente afirma que não teve qualquer intenção de fazer suas as quantias entregues pelos Assistentes, uma vez que no âmbito deste patrocínio foi tentado por diversas vezes o acordo extrajudicial entre as partes, e as quantias solicitadas têm sustentabilidade na prova documental existente nos autos nas Pastas n.º 11,12,13 e 14.
A sua versão assenta em que interveio em diligências nesse processo, com várias tentativas de acordos, ainda que frustradas, indicando diligências, em que esteve presente, efectuadas em 11.03.2008, em 06.12.2011 e em 30.01.2013, na sequência das quais, e justificadamente, teriam sido entregues as quantias que solicitou, para efeitos de depósito de valores acordados e de provisão para despesas e honorários.
Concretiza que não se conseguiram ultrapassar algumas questões formais que inquinavam o processo e não se conseguiu proceder ao registo da verba, sendo que tão depressa conseguiam chegar a acordo quanto aos valores, como depois surgiam, novamente, dúvidas quanto à avaliação dos prédios.
Para além da prova documental, ainda que apenas por genérica menção às referidas Pastas, traz à colação o depoimento de MG, advogada, que, segundo refere, confirma que o processo foi moroso, com várias conferências de interessados, que foram várias as tentativas de acordo, sendo que por diversas vezes as mandatárias das partes consideraram que havia sérias possibilidades de acordo, mas todas frustradas.
O excerto do depoimento convocado ao recurso abona tal perspectiva.
Contudo, se é certo que as entregas e nos montantes indicados, para as finalidades que iam sendo mencionadas pela recorrente, não se apresentam controvertidos, não é menos verdade que, ainda que admitindo-se algum trabalho desenvolvido no assunto em apreço, a ilação extraída pelo Tribunal no tocante ao que veio a considerar como provado em 38 não merece reparo.
Deste modo, de forma esclarecedora, suportado nas provas que analisou, o Tribunal consignou, no essencial, que valorou: “não só as isentas declarações prestadas pelos ofendidos, que mereceram credibilidade, mas também a demais prova junta aos autos, em cotejo com as regras da vida e da experiência comum…Por outro lado, não foi feita qualquer prova de que efectivamente tais valores fossem efectivamente devidos nos momentos em que foram solicitados pois da análise da diversa documentação junta aos autos, em concreto das Pastas n.ºs 11 a 14 apreendidas no escritório da arguida resulta que nunca se chegou efectivamente a qualquer acordo. O mais próximo que se esteve de tal desiderato relacionou-se com a adjudicação da verba n.º 11 à assistente, mas mesmo neste caso o acordo passava pelo pagamento do valor devido (€15.000,00) apenas no momento da escritura, o que nunca veio a acontecer. Acresce que não se compreende o montante das verbas solicitadas a título de registos provisórios, pois nunca os mesmos poderiam ascender aos valores solicitados. Comprovando que, efectivamente, em 2013 ainda não se havia logrado obter qualquer acordo, veja-se o teor da conferência de interessados de 30 de Janeiro, de onde resulta que os interessados ainda não haviam sequer acordado no valor das verbas (ver acta de conferência junta a fls. 158/159 do processo de inquérito n.º ---/13.9TDEVR)”
Mais acrescentando que “qualquer cidadão tem consciência da ilicitude penal do comportamento de quem, aproveitando-se da confiança existente, cria num terceiro a convicção de que se toma necessário assegurar o pagamento de uma determinada quantia num processo judicial, quando tal não corresponde à verdade e recebe o valor correspondente integrando-o no seu património”.
Assim, revelou raciocínio lógico e congruente, estabelecido, designadamente, através de presunção (art. 349.º do Código Civil), reconduzindo-se, afinal, ao produto das regras da experiência, através das quais o julgador conclui que a existência de certo(s) facto(s) conhecido(s) denuncia a verificação de outro(s).
Já Vaz Serra salientava, in “Provas (Direito Probatório Material)” (BMJ n.º 110), que Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência.
Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir (Conselheiro Santos Cabral, ”A Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, inEstudos Jurídicos/Direito e Processo Penal, inwww.stj.pt).
E entre muitos, sublinhou-se no acórdão do STJ de 21.10.2004, in CJ Acs. STJ ano XII, tomo III, pág. 199, que as presunções simples ou naturais (…) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz através desta espécie de presunções.
Dir-se-á, pois, que na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido intervêm juízos de avaliação, produzidos através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
Adequada, por que assim se exige, aos limites da livre apreciação probatória (art. 127.º do CPP), a análise do Tribunal tem-se por criteriosa, denotando percurso intelectual lógico e sem soluções de descontinuidade, tanto mais tratando-se, a recorrente, de advogada.
Analisada, pois, a impugnação de facto, decorre que a mesma não pode proceder.
A motivação da convicção alcançada pelo Tribunal reflecte acertada avaliação das provas, consentânea com ponderação equilibrada, plenamente suportada pelas regras da normalidade.
Ou seja, em sintonia com os parâmetros sublinhados por Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º volume, págs. 204 e seg.: Se a verdade que se procura é (…) uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (…) -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros (…) Não se tratará, pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.
Deste modo, também, o apelo ao invocado princípio in dubio pro reo não se revela justificado, uma vez que não se vislumbra, de todo, que o Tribunal tivesse tido alguma dúvida quanto ao que entendeu por apurado ou que alguma dúvida se devesse ter imposto nas circunstâncias e, assim, de modo algum foi preterido o alegado art. 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Outras considerações, neste âmbito, não se justificam, devendo, pois, a matéria de facto fixada ter-se como assente.
D) -da absolvição:
A recorrente preconiza a sua absolvição sustentada, em grande parte, em que não se teriam provado os factos, o que, de acordo com o antes analisado, redunda em que a alegação, nessa vertente, fique, implicitamente, prejudicada.
Ainda assim, tecem-se alguns esclarecimentos, no confronto do que a recorrente aduziu e do que no acórdão se consignou.
Relativamente ao crime de abuso de confiança, para além da diversa perspectiva quanto à prova dos factos e que não releva, a recorrente refere que Não é pelo mero facto de terem sido feitos depósitos em contas bancárias que se pode considerar por praticado o crime de abuso de confiança … pois não pode considerar-se que tal depósito constitua necessariamente acto concludente de apropriação e, ainda, nem teve na posse das quantias tempo suficiente na sua esfera jurídica.
Neste âmbito, resulta do acórdão:
«Passemos agora à análise do elemento típico que exprime por excelência o bem jurídico protegido, a saber: a apropriação.
A diferença em relação ao furto está em que a apropriação no crime de abuso de confiança não se concretiza através de um acto material de subtracção (não há, portanto, quebra de posse ou detenção de coisa móvel). O agente recebe validamente a coisa por título que não implica a transferência de propriedade, antes ficando obrigado a afectá-la a um uso ou fim determinado ou a restituí-la, e por isso a sua posse, embora precária e temporária, é lícita. O crime consuma-se quando o agente se recusa a devolver a coisa e a integra no seu património, passando a dispor dela ut dominus. Não estamos perante um puro fenómeno interior, exigindo-se que o animus que lhe corresponde se exteriorize, através de um comportamento, que o revele e execute.
A apropriação traduz-se sempre na inversão do título de posse ou detenção: o agente que recebe a coisa uti alieno passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela uti dominus. Esta inversão do título de posse deve manifestar-se por actos objectivos e concludentes, designadamente a venda da coisa, a doação, o consumo, a dissipação, etc.
(…) In casu, resultou provado que a arguida, advogada de profissão, foi encarregue pelos legais representantes da empresa M...& IRMÃO, LDA de regularizar a situação laboral de três trabalhadores que haviam cessado a sua relação laboral na sequência da existência de salários em atraso. Obtido acordo com o mandatário dos trabalhadores estabeleceu-se que a empresa entregaria a cada trabalhador a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização devida pela cessação da relação laboral, a que acresceria o valor dos salários em atraso. Nessa sequência, a arguida, com o intuito concretizado de fazer suas quantias que lhe fossem entregues, solicitou aos representantes da empresa que os valores a pagar aos trabalhadores lhe fossem entregues, mediante depósito na conta do marido da sua secretária. Atendendo à solicitação que lhes foi feita pela arguida, os legais representantes da empresa, convictos que estariam a entregar uma quantia monetária para o fim que lhes foi transmitido pela arguida, entregaram as quantias melhor descritas nos pontos 7) e 8) num total de €12.675,82, sendo que a arguida apenas procedeu à entrega aos trabalhadores da quantia de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), apropriando-se do remanescente, no valor de €8.175,82 (oito mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos).
Ao actuar da forma descrita a arguida conseguiu obter para si e integrar no seu património quantias monetárias pertença de terceiros, obtendo, portanto, um benefício patrimonial ilegítimo, em prejuízo do património daqueles. Agiu de forma livre deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Ora, se por um lado não temos provado que a arguida tenha, por meio de engano ou factos astuciosamente provocados, determinado a identificada sociedade à entrega das referidas quantias, uma vez que as mesmas eram efectivamente devidas aos trabalhadores - não se considerando bastante à integração do conceito de engano e astúcia exigido por lei a mera indicação da forma de pagamento -, temos que a arguida, de forma livre e consciente, se apropriou ilegitimamente de coisa móvel que lhe havia sido entregue por título não translativo da propriedade».
Em conformidade, não se descortina que a argumentação da recorrente possa infirmar o que se entendeu quanto à prática do crime de abuso de confiança, tipificado no art. 205.º do CP.
Na verdade, a conduta apurada não se quedou pela solicitação concretizada dos depósitos bancários e para a finalidade de entrega aos trabalhadores, uma vez que, ainda, se manifestou em ficar com a indicada quantia de €8.175,82, sem justificação para tanto, o que traduz comportamento concludente de apropriação, por que se norteou nessa matéria.
Acresce que não se demonstrou sequer que essa quantia, embora sendo apenas parte do que lhe havia sido entregue pelos representantes da empresa, tivesse estado temporariamente em seu poder.
Por seu lado, no tocante aos crimes de burla, alega, no que aqui interessa, que Não se logrou provar que astúcia utilizou a arguida para "enganar" os Assistentes, seja, o Assistente ACR, seja, os Assistentes RP e JM, uma vez que a arguida teve em ambas as situações envolvimento directo na tentativa de resolução dos seus problemas jurídicos e Não se pode confundir as expectativas que os clientes criam em relação à de resolução do seu problema e o que efectivamente pode ser efectuado dentro de processos de difícil acordo.
Contesta, pois, a existência de astúcia na sua acção relativamente aos ofendidos, concretizando, quanto a ACR, que nunca poderia o mesmo, sabendo da existência do contrato de mútuo acreditar que sem dinheiro para fazer face a esta responsabilidade iria poder manter a sua habitação e, acerca de RP e JM, que tinham pleno conhecimento das variadíssimas tentativas de acordo, e o tempo despendido pela arguida no âmbito do seu processo de inventário que durou mais de 12 anos em litígio.
Designadamente decorre do acórdão:
«Com efeito, a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento, traduzindo-se na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios (COSTA, A. M. Almeida; op. cit. (Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial- Artigos 202.º a 307.ºo; Tomo II, dirigido por: Jorge de Figueiredo Dias; Coimbra Editora, Março de 2001) pág. 293).
No âmbito do tipo objectivo distinguem-se três modalidades de conduta: a primeira ocorre quando o agente provoca o erro de outrem descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade; a segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de actos concludentes, isto é, de condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas que se mostram adequadas a criar uma falsa convicção sobre certo facto (uma visão falsa ou deturpada da realidade); e a terceira (mais duvidosa, porquanto estamos perante um delito de "execução vinculada") verifica-se quando o agente não provoca o engano do sujeito passivo, mas limita-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra.
A idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se não só tomando em consideração as características do concreto burlado, mas também com recurso a critérios objectivos, isto é, haverá de ser reconstituída a partir de factos materiais que a revelem e evidenciem e não por mera referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente (a este propósito veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1997, processo n.º 97P916, relator: Lopes Rocha, www.dgsi.pt).
Como pressuposto da responsabilização do agente pelo crime consumado exige-se a verificação de um genuíno domínio do erro jurídico-penalmente relevante, ou seja, que se violem os ditames da boa-fé, apreciados em função das circunstâncias do caso concreto. O erro do sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente. Tal significa que, no plano dos factos, a conduta do agente deve comportar a manipulação de outra pessoa, caracterizada por uma sagacidade ou penetração psicológica, que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista, ou seja, para conseguir criar e obter uma representação distorcida e desfocada da realidade. Haverá, pois, para que de astúcia se possa falar, de ocorrer uma actuação engenhosa por parte do agente do crime, algo ao nível do estratagema ardiloso, da encenação orientada a ludibriar (conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Setembro de 2008, processo n.º 90l/03.4PAMGR.C1, relator: Barreto do Carmo, www.dgsi.pt).
Tendo em conta que o processo enganatório (a colocação sob erro ou engano) relevante para efeitos penais é o que se efective através de astúcia, há que distingui-lo de outros erros jurídicos, mas não penalmente, relevantes, devido à inexistência de astúcia.
Determinemos, então, onde está o plus que caracteriza a astúcia.
Atentemos, para tanto, no direito civil, onde encontramos sistematizadas algumas das figuras relativas ao erro, nomeadamente nas normas jurídicas atinentes à divergência entre a declaração e a vontade real do declarante no quadro da teoria geral do negócio jurídico. Percorrendo as figuras civilísticas pelas quais se concretiza o erro ou engano - a reserva mental, o dolo, a simulação - somos, necessariamente, levados a concluir que o processo enganatório penal - o astucioso - só surgirá muito para além dos limites do processo enganatório civil.
O que neste raciocínio se faz é considerar que a ilicitude penal é um desvalor acrescentado em relação à ilicitude civil; é, no fundo, entender que aquela só começa, como ultima ratio, onde esta termina. O mesmo é dizer que o ilícito penal, enquanto ultima ratio da censurabilidade social, começa onde existe algo mais do que o que se encontra no ilícito civil.
Na sua formulação comum, a astúcia corresponde à habilidade para enganar, ao estratagema, ardil, maquinação. Para caracterizar a conduta astuciosa, não bastará qualquer mentira: terá de haver uma actuação sofisticada, um artificio ou mentira envolta num enredo que dê substrato à realidade apresentada.
A astúcia caracteriza-se pelo seu recorte objectivo, que haverá de ser reconstituído a partir de actos materiais que a revelem e não por referência a estados de espírito ao nível da motivação do agente, isto é, não basta que a atitude psicológica do agente seja astuciosa, é necessário antes que seja a conduta exterior deste que revele um quid de astúcia.
Por outro lado, para que um facto seja astucioso não basta qualquer mentira. É necessário um "especial requinte fraudulento" ou de uma "mentira qualificada". A astúcia significa, pois, manha ou ardil.
É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa-fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
Poderá, assim, afirmar-se que a astúcia consiste no aproveitamento de uma vantagem cognitiva do agente sobre o burlado, que lhe permite manipular a vontade deste. No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista. Na burla assiste-se, pois, a um dispositivo de estratagemas, à organização de enganos, a um certo cenário (mise-en-scène) que tem por fim dar crédito à mentira e enganar terceiros.
O que verdadeiramente distingue o dolo civil do dolo criminal é que no dolo civil se compreendem as manhas e artificias que, embora, de per si, censuráveis, são no entanto empregados, menos com o intuito de prejudicar outrem, do que no interesse de quem faz uso deles. É nessa categoria que se vêm a integrar os actos mentirosos nos contratos, o exagero do preço ou das qualidades do objecto da venda. A astúcia é algo que acresce à mentira, à dissimulação, ao silêncio, com carácter artificioso, reforçado habilmente com factos, atitudes e aproveitamento de circunstâncias que a tornem particularmente credível (veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2006, processo n.º 06P3383, relator: Armindo Monteiro, www.dgsi.pt).
Para que se esteja perante um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso, toma-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo e, bem assim, que a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais resida nesse engano.
A consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre tais actos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.
O referido nexo de adequação deve ser aferido nos termos gerais, tendo em conta as características da vítima, como a sua fragilidade, debilidade intelectual, doença, inexperiência ou relação de confiança com o agente.
(…)
No caso dos autos resultou igualmente provado que, na sequência de um incumprimento de um crédito garantido por hipoteca sobre a sua habitação ACR recorreu aos serviços da arguida, enquanto advogada. A arguida, fazendo crer que iria diligenciar pela resolução do problema, exigiu então ao ofendido a entrega da quantia de €1.396,00 (mil trezentos e noventa e seis euros) para pagamento das custas que seriam devidas na execução comum n.º --/10.7TBPRL.
Apesar disso, a arguida fez sua a quantia em causa e não executou qualquer diligência, junto do referido processo de execução, no qual nunca figurou como mandatária do ofendido, tanto mais que nesse mesmo processo foi nomeada uma defensora oficiosa.
A arguida criou em ACR a falsa expectativa sobre estar a diligenciar pela resolução de problemas jurídicos, que nunca foi sua intenção solucionar, convencendo-o, face à forma como o abordava, e à profissão de advogada que exerce, de que estava na presença de uma profissional habilitada e diligente, tendo em vista a resolução dos seus problemas. Ao actuar da forma descrita a arguida conseguiu obter para si e integrar no seu património quantia monetária pertença de ACR, obtendo portanto um beneficio patrimonial ilegítimo, em prejuízo do património daquele. Agiu a arguida de forma livre deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
(…)
Por fim, resultou provado que RP e JMM contrataram os serviços de advogada da arguida em Novembro de 2006 para que a mesma os representasse no processo de inventário n.º --/04.9TBRDD, em que eram interessados, tendo-lhe logo entregue a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de provisão de despesas e honorários.
No âmbito dessa relação, os ofendidos entregaram à arguida, a pedido desta já com o desiderato de se apropriar dos valores entregues, as seguintes quantias:
- no dia 11 de Março de 2008, com a indicação de que serviria para provisão para despesas no âmbito do referido processo, a quantia de €15.500,00 (quinze mil e quinhentos euros);
- no dia 17 de Março de 2010, com a indicação de que serviria para pagamento de tornas -"compromisso de adjudicação de verba" - no processo supra referido, o montante de €2.000,00 (dois mil euros);
- no dia 3 de Março de 2011, com a indicação de que serviria para pagamento de "registos provisórios", o montante de €2.043,15 (dois mil, quarenta e três euros e quinze cêntimos); e
- no dia 22 de Março de 2011, sob pretexto de ser necessário reforçar a provisão para registos, a quantia de €9.175,84 (nove mil, cento e setenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).
Não obstante, a arguida não efectuou os pagamentos a que as quantias entregues pelos ofendidos se destinavam e integrou-as, ao invés, no seu património, fazendo-as suas.
A arguida criou em RP e JM a falsa expectativa sobre estar a diligenciar pela resolução de problemas jurídicos, que nunca foi sua intenção solucionar, convencendo-os, face à forma como os abordava, e à profissão de advogada que exerce, de que estavam na presença de uma profissional habilitada e diligente, tendo em vista a resolução dos seus problemas. Ao actuar da forma descrita a arguida conseguiu obter para si e integrar no seu património quantias monetáriaspertença de terceiros, obtendo portanto um benefício patrimonial ilegítimo, em prejuízo do património daqueles. Agiu a arguida de forma livre deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal».
Ora, olhando para a desenvolvida fundamentação do Tribunal, tendo em conta o que se provou, pouco resta a acrescentar.
Na situação atinente a ACR, as reservas suscitadas pela recorrente não têm virtualidade para duvidar do que ficou decidido.
Com efeito, não releva, nem se provou aliás, que o ofendido não tivesse possibilidade de inviabilizar a consequência do accionamento da hipoteca sobre a sua habitação e, mesmo que assim não fosse, a razão de recorrer aos serviços da recorrente era a de que esta diligenciasse, face ao incumprimento, pela resolução do problema.
E se a recorrente mais não fez senão exigir a entrega da quantia apurada para pagamento de custas, fazendo crer ao ofendido que tal correspondia à realidade, sem que alguma intervenção tivesse tido em qualquer diligência processual, decorre sem esforço que enveredou por actuar de modo enganoso, adequado à circunstância de a integrar no seu património, à custa do empobrecimento do património do ofendido.
Por sua vez, no que respeita a RP e JM, sem prejuízo de que o processo de inventário tivesse sido complexo e moroso, a exigência das indicadas quantias, e para as específicas finalidades de que a recorrente os informou, não se traduziram em efectivos serviços prestados e, ao invés, integraram o património da recorrente, em seu único benefício.
Deste modo, identicamente, a situação criada pela recorrente não deixou de haver-se como astuciosa.
Para tanto, quer num caso, quer noutro, não seria exigível, para o preenchimento da astúcia, que a recorrente se tivesse pautado por comportamento especialmente elaborado, já que a sua condição de advogada facilmente consentia a implícita confiança dos clientes, tendente a que, através desse condicionalismo, que lhe conferia particular credibilidade, se aproveitar, como sucedeu, para ofender o património dos ofendidos.
Tanto mais que lhe assistia, nas circunstâncias, pleno domínio do erro em que os ofendidos foram levados a acreditarem.
A sua actuação revestiu-se da astúcia necessária ao preenchimento dos crimes de burla.
Já se vê que a sua condenação pela prática dos mencionados crimes tem de subsistir.
E) - da escolha e medida da pena:
Em sede de medida da pena, a recorrente alega que a medida concreta da pena aplicada foi excessiva atendendo as circunstâncias atenuantes de se encontrar inserida familiar, social e profissionalmente, não ter antecedentes criminais, o que levaria à ponderação de condenação em pena de multa, no crime que a mesma admitia e até de concluir que as exigências de prevenção geral, são diminutas, atendendo ao lapso temporal da suposta prática dos factos, e a condenação, não existindo necessidade de "aplacar" a sociedade, o mesmo se diga quanto à necessidade de prevenção especial, atenta a ausência de antecedentes criminais.
O Tribunal fundamentou:
«O crime de abuso de confiança agravado, previsto no artigo 205.º n.ºs 1 e 4 alínea a) do Código Penal, é punido com uma pena de prisão até 5 (cinco) anos ou com pena de multa até 600 (seiscentos) dias.
Já o crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217.º e 218.º n.º 2 alínea a) do CP é punido com uma pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão.
Por fim, o crime de burla simples, previsto pelo artigo 217.º n.º 1 do CP, é punido com uma pena até 3 (três) anos de prisão ou com pena de multa.
Saliente-se, ainda, que mesmo perante a prática de tal ilícito na forma qualificada será de aplicar o regime previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 206.º do CP, que implicam e permitem, respectivamente, uma atenuação especial da pena acaso haja lugar à reparação integral ou parcial, respectivamente, dos prejuízos causados, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância.
Na fixação da medida concreta da pena é tida em conta e medida da culpa do arguido e, bem assim, são consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte integrante do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, as necessidades de prevenção e o grau de culpa (conforme resulta do referido artigo 71.° n." 1 do Código Penal).
No caso sub judice cabe ponderar globalmente:
- o modo de execução dos ilícitos, que revela premeditação, engenho, habilidade, perseverança e à vontade;
- a gravidade das consequências dos ilícitos praticados que, no caso concreto, foram de grau elevado considerando os valores apropriados e a dificuldade com que os mesmos foram amealhados pelos ofendidos, salientando-se as dificuldades económicas por que passavam quer a sociedade comercial, quer ACR e os interesses que se pretendiam salvaguardar com os valores de que a arguida se apropriou;
- a intensidade do dolo da arguida, que no caso em apreço é elevado, porquanto directo e revelador de uma grande capacidade para idealizar e concretizar planos criminosos susceptíveis de enganar a generalidade das pessoas, ficando, por conseguinte, afastada a possibilidade de atenuação da pena por via do ressarcimento parcial a algumas das suas vítimas;
- as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se apresentam elevadas atentas as perturbações e danos que condutas como a da arguida provocam na justiça; e
- as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas em face da personalidade criminógena da arguida, pois pese embora a mesma não possua antecedentes criminais e tenha capacidade crítica quanto à ilicitude dos comportamentos que lhe são imputadas, o certo é que continua a exercer a advocacia e não se revê nas condutas em causa.
Em face do exposto e considerando as finalidades de punição que ao caso se impõem afasta-se a possibilidade de punir o comportamento da arguida com a pena de multa admitida em dois dos ilícitos imputados. Nessa conformidade e sob ponderação dos aludidos factores considerando-se, pois, adequado condenar a arguida nas seguintes penas:
- numa pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de abuso de confiança agravado;
- numa pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática do crime de burla simples; e
- numa pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática do crime de burla qualificada.
Estabelece o artigo 77.º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A pena a aplicar tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Porque a arguida cometeu vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, deve ser condenada numa única pena.
Assim sendo, a pena única a aplicar à arguida tem como limite máximo 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão e como limite mínimo 4 (quatro) anos de prisão. Nestes termos, considerando todos os factos supra enunciados no que se refere à medida das penas parcelares aplicadas e que aqui damos por reproduzidos, considera-se ser de aplicar a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão».
Vejamos.
Quanto à invocada aplicação de pena de multa, abstractamente aplicável aos crimes de abuso de confiança agravado e de burla simples, entende-se, em concordância com o Tribunal, que as finalidades concretas da punição, que emergem do art. 40.º, n.º 1, do CP, são incompatíveis com cominação dessa pena, em alternativa legalmente admitida.
Não obstante a previsão do art. 70.º do CP, a aplicação de penas de multa não satisfaz essas finalidades, ainda que a recorrente, como acontece, não tenha antecedentes criminais e se revele relativamente inserida do ponto de vista social.
Contrariamente ao alegado, as exigências de prevenção geral são consideráveis, atentando na inevitável ressonância valorativa negativa que comportamentos como os da recorrente impõem, não só por contenderem, em dimensão elevada, com os bens jurídicos protegidos, como, sobretudo, também por envolverem contornos que se projectam na importante profissão de advogada e na consequente quebra de confiança do seu contributo para a realização da Justiça.
Por seu lado, as exigências de prevenção especial não são insignificantes, bem pelo contrário, desde logo, tal como sublinhado no acórdão, dados os sinais de personalidade que a recorrente manifestou através das suas condutas.
Afastada a aplicação de multas, a medida, da prisão, fixada para cada um dos ilícitos afigura-se adequada, por proporcional.
Os factores referidos pelo Tribunal são de manter.
E para além do que considerou, não se perdem de vista as seguintes considerações gerais:
Conforme Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.
Segundo Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, em Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pp.25-51, e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.
De qualquer modo, por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui limite inultrapassável da medida da pena e, como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A culpa consubstancia, assim, limite e suporte axiológico da medida da pena, deste forma proibindo-se o excesso, sendo que, segundo Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 229, uma tal ultrapassagem (da culpa), mesmo emnome das maisinstantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucionais, inadmissível.
O modelo de determinação da medida da pena comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente (Figueiredo Dias, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs.186/187).
Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 231 e 214.
E o juízo de culpa reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168).
Deste modo, atentando naqueles factores, devidamente sopesados, o grau de culpa da recorrente, visto pela globalidade dos mesmos, revela situar-se a nível acima da média, pelo que as penas relativas aos crimes cometidos se sintonizam com as finalidades punitivas que se exigem, não denotando qualquer excesso.
Já quanto à pena única fixada (5 anos e 6 meses de prisão), que o Tribunal se limitou a fundamentar por reporte aos mesmos factores, entende-se que melhor ponderação permite alguma redução da mesma, além do mais reconhecendo-se que a medida imposta inviabiliza a susceptibilidade de aplicação de pena de substituição.
Adoptado legalmente o modelo de pena única ou, mais rigorosamente, de pena conjunta, decorrendo de uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP), o mesmo caracteriza-se por:
- não prescindir da determinação da medida concreta das penas parcelares, sendo a partir delas que se constrói a moldura penal do concurso;
- a medida da pena do concurso no caso concreto é determinada dentro da moldura penal abstracta, entre um mínimo e um máximo, com a mesma liberdade com que se determina a unicidade de pena – culpa e prevenção, relacionadas com a gravidade do ilícito global em conjugação com a personalidade unitária revelada pelo agente, e não por adição das penas parcelares (ou de uma dada porção ou fracção delas), só sendo de agravar a pena no caso de se concluir pela radicação da multiplicidade delituosa na personalidade daquele, em termos de constituir uma tendência ou carreira criminosa (Conselheiro Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, inwww.stj.pt/estudos jurídicos).
Deste modo, dando acolhimento a um princípio de combinação, abandona-se a perspectiva atomística da determinação das penas parcelares para passar a uma visão de conjunto, detectando a gravidade global do facto referida à personalidade do agente.
Atende aos factores de determinação da pena (art. 71.º do CP), mas reportando-os a uma imagem global que a pena conjunta irá reflectir na medida encontrada.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit., págs. 291/292, Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Importante é, pois, nessa determinação concreta da pena conjunta, a averiguação sobre se ocorre, ou não, ligação ou conexão entre os factos em concurso, da existência, ou não, de qualquer relação entre uns e outros, da natureza ou tipo de relação entre os factos, do número, da natureza e da gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, ponderados com a personalidade do agente referenciada aos factos, para uma visão unitária do conjunto dos mesmos.
Colocados os parâmetros em que a interpretação deve assentar, os factos inserem-se, todos eles, como lesivos do património, relacionados com a actividade profissional da recorrente, de gravidade relevante, quer nos contornos da sua execução, quer nos prejuízos decorrentes, ocorridos entre 2006 e 2011.
Não se dissociam da personalidade da recorrente, mas sem que se possa afirmar especial tendência para reiteração, sendo de assinalar, conforme provado em 66, a restituição parcial do prejuízo sofrido por RP e JM.
As exigências de prevenção, como referido, são assinaláveis.
Por seu lado, na vertente das exigências de socialização, é inegável, dadas as condições pessoais e profissionais da recorrente, que a pena de prisão a aplicar assumirá forte ressonância.
Ponderados, então, todos os factores, entende-se que, perante os limites legais da pena conjunta - mínimo de 4 anos de prisão e máximo de 6 anos e 10 meses de prisão -, se consente seja reduzida para 5 anos de prisão, por mais justa.
Finalmente, reconhece-se que, se as finalidades de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização se puderem alcançar mediante a aplicação de pena diversa da prisão, deve optar-se por pena de substituição, dentro da filosofia que vem presidindo à circunstância de que a prisão constitui ultima ratio, também em sintonia com o subjacente à previsão do art. 18.º, n.º 2, da CRP.
Ou seja, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, as penas de substituição só não serão aplicadas se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit., pág. 333).
A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder em limites que lhe retirem sentido na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, do mesmo modo, constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal.
Assim, essa validade é afirmada pela aplicação das penas adequadas, que traduza a interiorização e o respeito pelo sistema de valores fundamentais reconhecidamente aceites e, por isso, penalmente tutelados; mas, do mesmo modo, a comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal.
Em conformidade, afigura-se, no caso, que ainda se aceita que a prisão possa ser suspensa na sua execução e desde que devidamente condicionada.
Com efeito, a suspensão da execução da prisão, prevista no art. 50.º do CP, consubstancia medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, que tem a virtualidade de, além do mais, dar expressão a que a prisão (e sua execução) constitui aquela ultima ratio da punição.
Do ponto de vista dogmático, é uma pena de substituição, pois é necessariamente aplicada em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, revestindo a natureza de verdadeira pena e com carácter autónomo, de campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios.
A sua aplicação funda-se, pois, em critérios de legalidade, não de moralidade, havendo que respeitar as exigências legais para a sua aplicação, as quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente, sem esquecer todas as circunstâncias que na vertente da medida da pena, em concreto, se coloquem e que não colidam com as necessidades preventivas que se deparem.
Ainda que, na situação, as exigências de prevenção geral se apresentem tendencialmente em sentido negativo à suspensão, afigura-se que a ausência de antecedentes criminais, o tempo decorrido desde os factos, a relativa inserção revelada e a reparação parcial dos prejuízos permitem aquilatar de juízo de prognose em alguma medida favorável, propiciando que a recorrente, em liberdade, possa demonstrar que mereceu o “risco”, que se assume, da suspensão da prisão.
Tal suspensão fixa-se pelo período de 5 anos (n.º 5 daquele art. 50.º).
Todavia, se assim se entende, também não pode deixar de sublinhar-se a necessidade de que a suspensão, como se aludiu, fique condicionada, uma vez que apenas desse modo se mostra viável que por esse “risco” se enverede, o mesmo é dizer, de forma diversa, sem a imposição de deveres/regras de conduta, as finalidades da punição não se realizariam convenientemente.
A suspensão da execução da prisão fica, então, subordinada, ao abrigo do art. 51.º, n.º 1, alínea a), do CP, a que a recorrente proceda ao pagamento das quantias devidas a título de indemnizações atribuídas pelo Tribunal - nos montantes parciais de €8.175,82 em favor de M...& IRMÃO, LDA., de €1.396,00 e €500,00 em favor de ACR e de €17.141,88 e €2.500,00 em favor de RP e JMM, a que corresponde o total de €29.713,70 -, no prazo de 2 anos e 6 meses.
3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida e, em consequência,
- determinar, em substituição, que fique condenada na pena única de 5 (cinco) anos de prisão e suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos sob condição de proceder ao pagamento das quantias devidas a título de indemnizações atribuídas pelo Tribunal - nos montantes parciais de €8.175,82 em favor de M...& IRMÃO, LDA., de €1.396,00 e €500,00 em favor de ACR e de €17.141,88 e €2.500,00 em favor de RP e JMM, a que corresponde o total de €29.713,70 -, no prazo de 2 anos e 6 meses;
- no mais, manter o acórdão recorrido.
Sem custas (art. 513.º, n.º 1, do CPP a contrario sensu).