OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
AVALISTA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA
PROPORCIONALIDADE
Sumário


1.– O Art. 784.º n.º 1 al. b) do C.P.C. estabelece como fundamento de oposição à penhora o facto de se ter procedido à imediata penhora de bens do executado que só subsidiariamente responderiam pela dívida exequenda. Mas, esta previsão não se aplica às situações dos devedores solidários, como é o caso da responsabilidade entre avalista e avalizada em letras ou livranças.

2.– Estando a dívida exequenda garantida por penhor constituído pela executada principal a favor do exequente, deverá a penhora iniciar-se pelos bens sobre que incide essa garantia real do crédito (Art. 752.º n.º 1 do C.P.C.). Mas tendo esse penhor por objeto um depósito bancário de valor pecuniário claramente inferior ao da dívida exequenda, pode legitimamente o exequente nomear outros bens à penhora para satisfação integral do seu crédito.

3.– A penhora deve iniciar-se pelos bens de mais fácil execução, em respeito pelo princípio da adequação (Art. 751.º n.º 1 do C.P.C.), passando depois para os demais, desde que respeitem os princípios da proporcionalidade e os limites estabelecidos em normas imperativas (Art. 751.º n.º 2 do C.P.C.). Finalmente, ainda que não se adeque, por excesso, é admissível a penhora de imóveis ou estabelecimentos comerciais, respeitados que sejam os limites objetivos estabelecidos nas alíneas do n.º 3 do Art. 751.º do C.P.C..

4.– O princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, é um limite à penhora de bens indicados pelo exequente e tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (Art. 62.º da C.R.P.) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas. A natureza gravosa da penhora deve assim limitar-se ao que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas.

5.– Tendo o exequente nomeado à penhora 3 imóveis que, apesar de terem valor patrimonial superior ao da dívida exequenda, estão todos onerados por hipotecas que garantem o pagamento de créditos de terceiros em valor superior ao valor patrimonial de cada imóvel, não está demostrada a violação do princípio da adequação ou da proporcionalidade, nem a existência de excesso de penhora, para efeitos de proceder a oposição à penhora nos termos do Artº. 784º. Nº1 al. a) do C.P.C.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO:


A [Rui ………], executado nos autos principais, veio deduzir oposição à execução e à penhora, por embargos de executado, contra o exequente, B [……… Banco, S.A.] , pedindo a procedência das oposições, com suspensão da execução sem prestação de caução e condenação do exequente como litigante de má-fé.

Para tanto alega que houve erro na forma de processo, porque a execução principal tem por título executivo uma livrança, no montante de €47.348,48, subscrita por Fonte Mestre – Arte e Decoração, Lda., sociedade igualmente executada, e avalizada por André …… e pelo oponente, a qual foi entregue em branco quanto ao valor, data de emissão e vencimento, tendo sido preenchida pelo exequente depois de assinada, devendo a execução seguir termos como execução ordinária para pagamento de quantia certa (Art.s 296.º n.ºs 1 e 2, 297.º, n.º 1 e 550.º n.º 2 al. d) do CPC), com citação prévia dos executados, nos termos do Art. 726.º n.º 6 do CPC., que no caso não aconteceu, prejudicando a sua defesa e constituindo a situação uma nulidade por falta de citação prévia da execução (Art. 198.º do CPC).

Sustentou ainda a oposição à penhora na violação do disposto no Art. 752.º do CPC, por um lado, e no excesso de penhora, por outro.

Assim, defendeu que a dívida exequenda tinha garantia real e a penhora deveria iniciar-se pelos bens sobre que incida essa garantia, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução. Por isso, a penhora deveria ter-se iniciado pelos bens da executada Fonte Mestre – Arte e Decoração, Lda. e só se se reconhecesse a insuficiência dos bens daquela executada principal é que a execução prosseguiria quanto aos demais, o que no caso não foi observado.

Por outro lado, a penhora efetuada nos autos seria manifestamente excessiva, na medida em que o valor dos bens penhorados excede largamente a quantia necessária para garantir o pagamento da quantia exequenda e das despesas prováveis com a execução, que perfazem um total de €52.154,56, considerando que foram penhorados 3 imóveis no valor de €51.527,57, €115.670,00 e € 115.860,00, num total de €283.057,57, equivalente ao quíntuplo da quantia exequenda e das despesas prováveis, de acordo com o critério de cálculo enunciado no artigo 735.º n.º 3 do CPC. Pelo que, foi violado princípio da proporcionalidade, impondo-se a redução da penhora ao imóvel descrito da verba 1. do auto de penhora.

No mais, impugnou a generalidade do requerimento executivo e, pugnando pela procedência da oposição e pela suspensão da execução, sem prestação de caução, sustentou ainda dever o exequente ser condenado como litigante de má-fé.

Admitida a oposição, veio o exequente contestar sustentando que a execução deveria seguir termos sob a forma de processo sumária, nos termos do disposto no Art. 550.º n.º 2 al. c) do C.P.C., uma vez que o crédito subjacente ao pagamento da livrança dada à execução se encontrava garantido por penhor, pelo que a penhora é prévia à citação, não se verificando a exceção do erro na forma do processo, nem a nulidade do atos nos termos invocados pelo executado/opoente.

Quanto à oposição à penhora, sustentou que, embora o Art. 752.º do C.P.C. imponha que a execução se inicie com a penhora dos bens ou direitos pertencentes ao devedor principal e onerados com garantia real a favor do credor, o mesmo não impede que se proceda à penhora de outros bens pertencentes aos demais executados que respondam solidariamente pela dívida, considerando que no caso valor do bem dado em penhor é inferior ao valor da dívida exequenda.

Relativamente ao excesso de penhora, sustentou que os bens imóveis penhorados estão onerados com hipotecas constituídas a favor de outros credores, pelo que em face dos valores garantidos por tais hipotecas não se verifica qualquer excesso.

Em conformidade, concluiu pela improcedência da oposição, pelo indeferimento do pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, bem como pela absolvição do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Findos os articulados, foi designada e realizada audiência prévia no âmbito da qual as partes não lograram alcançar acordo, tendo mantido as posições já expostas nos respetivos articulados.

De seguida, veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a oposição à execução e à penhora e absolveu o exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé.

É dessa sentença que o executado-oponente veio interpor recurso de apelação, tendo apresentado no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1.– O presente recurso incide sobre a douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou improcedente a oposição à execução e penhora apresentada pelo oponente/ ora recorrente
2.– Não pode o recorrente concordar com a decisão proferida.
3.– O Tribunal a quo entendeu que nada impede a penhora imediata dos bens dos executados avalistas que, enquanto obrigados cambiários, respondem da mesma forma que o obrigado principal.
4.– Ora, atendendo à "natureza da dívida do executado que resulta de uma obrigação acessória, o aval", à "circunstância de existirem outros obrigados cambiários" e ao "facto de o exequente ser uma instituição financeira das maiores do país".
5.– Trata-se da introdução de critérios de equidade, em abrandamento da rigidez dos critérios matemáticos legais.".
6.– Ora, um critério de equidade implica uma ponderação equilibrada dos interesses das partes.
7.– Parece ficar claro que há uma notória desatenção à posição do aqui recorrente, ficando em desvantagem injusta e injustificada perante os outros só porque tem bens.
8.– Decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz "a quo" fez uma errónea interpretação e aplicação das normas legais, maxime o disposto nos artigos 738º do C.P.C..
9.– Se a natureza da dívida do executado — tratar-se de um aval — e o facto de existirem outros obrigados cambiários (coavalistas), além do recorrente seria também motivo para isenção da penhora.
10.– A penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução. O que não foi demonstrado!
11.– A penhora efetuada nos presentes autos é manifestamente excessiva, na medida em que o valor dos bens penhorados excede largamente a quantia necessária para garantir o pagamento da quantia exequenda e das despesas prováveis com a execução.
12.– Entendemos assim que com a decisão do tribunal a quo foram violados os artigos 784º n.º 1 al. a) e n.º 3 do artigo 735º do CPC, pois estamos perante um caso de excesso de penhora que se traduz na violação do princípio da proporcionalidade.
13.– Imponha-se assim ao tribunal a quo a redução da penhora aos bens estritamente necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, o que não foi decidido.
14.– O aval tem a natureza de uma garantia autónoma e pessoal, sendo que a obrigação do avalista, além de materialmente autónoma, não subsidiária, só imperfeitamente se pode considerar uma obrigação acessória relativamente ao avalizado.
15.– A razão da impenhorabilidade parcial prevista no artº 738 º do CPC baseia-se em razões que se prendem com o princípio da dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos de Portugal como República soberana) contido no princípio do Estado de direito que resulta das disposições conjugadas dos arts. 1º, 59º-2-a) e 63º-1 e 2, da CRP.
16.– Nestes termos, deverá revogar-se a douta decisão em crise, substituindo-se por outra que considere a Oposição à execução e penhora procedente.
17.– A decisão sob censura violou entre outros preceitos legais e já referidos, o Art 738º do CPC.
Pede assim que seja concedido integral provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que julgue procedente por provada a oposição à execução e penhora apresentada.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos as questões a decidir são as de saber se houve excesso de penhora e foi violado o princípio da proporcionalidade e se no caso era possível a penhora de bens do oponente, enquanto avalista, sem que o exequente obtivesse satisfação do seu crédito pelas forças do património do devedor principal e pelos bens sobre que incidia a garantia real do crédito.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida deu por provados nos seguintes factos:

1.–Em 26 de Outubro de 2012 foi celebrado entre a sociedade executada e o BES um contrato de financiamento em regime multiusos BES Express Bill n.º 001612000053763, nos termos do qual, para além do mais, o BES concedeu à sociedade executada um empréstimo até ao montante máximo de €40.000,00 (quarenta mil euros), destinado a Apoio de Tesouraria, quantia essa que foi integralmente mutuada.
2.–Para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do mencionado contrato advinham para a sociedade agora executada, esta entregou ao BES uma livrança subscrita pela mesma e avalizada pelos executados André …. e A (ora opoente).
3.–Também para garantia do cumprimento do referido empréstimo, a sociedade executada constituiu penhor sobre depósito bancário, no montante de €15.000,00, depositado na conta n.º 1003 0600 0076, titulado pela sociedade executada.

4.–Na execução de que dependem estes autos foram penhorados, em 14.12.2017, os seguintes direito e bens imóveis:
-Verba 1: Fração autónoma designada pelas letras BN, correspondente ao ....ª andar B, ala ..., destinado a habitação, do prédio urbano sito na Praça N..., n.º  , freguesia da Ericeira, concelho de Mafra (pertencente ao executado/opoente A);
-Verba 2: Metade da fração autónoma designada pela letra correspondente ao 1.º andar direito, composto de estacionamento e arrecadação na cave, ambos com a letra D, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua V. C..., n.º …, freguesia da Ericeira e concelho de Mafra (pertencente ao executado/opoente A;
-Verba 3: Prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na Urbanização Vale Carneiro, n.º…., freguesia da Ericeira e concelho de Mafra (pertencente ao executado André ……..).
5.– O imóvel descrito sob a verba 1 tem o valor patrimonial tributário de €51.527,57.
6.– O imóvel descrito sob a verba 2 tem o valor patrimonial tributário de €115.670,00.
7.– O imóvel descrito sob a verba 3 tem o valor patrimonial tributário de €115.860,00.
8.– Sobre o imóvel descrito sob a verba 1 recai hipoteca constituída a favor do Banco Internacional de Crédito, S.A., para garantia do montante máximo de €137.144,00, cujo registo é anterior ao da penhora efetuada nestes autos.
9.– Sobre o imóvel descrito sob a verba 2 recaem duas hipotecas constituídas a favor do B., para garantia do montante máximo de €176.789,82, cujos registos são anteriores ao da penhora efetuada nestes autos.
10.– Sobre o imóvel descrito sob a verba 3 recai hipoteca constituída a favor do B, para garantia do montante máximo de €91.101,00, cujo registo é anterior ao da penhora efetuada nestes autos.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A presente apelação sustenta-se na alegada violação pela sentença recorrida do disposto nos Art.s 738.º do C.P.C. e 784.º n.º 1 al. a), conjugado com o Art. 735.º do C.P.C..

Relembre-se que o Apelante é executado no processo de execução principal que tem por título executivo uma livrança, no montante de €47.348,48, subscrita pela sociedade “Fonte Mestre – Arte e Decoração, Lda.”, a qual se mostra avalizada, entre outros, pelo ora Recorrente. Nesse pressuposto, o mesmo deduziu embargos de executado que se sustentavam substantivamente em dois argumentos centrais: Por um lado, a dívida exequenda tinha garantia real e a penhora deveria iniciar-se pelos bens sobre que incida essa garantia, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência daqueles; e, por outro lado, a penhora efetuada nos autos seria manifestamente excessiva, na medida em que o valor dos bens penhorados excede largamente a quantia necessária para garantir o pagamento da quantia exequenda e das despesas prováveis com a execução.

São esses dois argumentos que agora se repetem nas alegações de recursos como fundamento para sustentar a revogação da sentença recorrida.

Nos termos do Art. 784.º n.º 1 al. a) do C.P.C. é fundamento de oposição à penhora: «a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada.».

Por regra todos os bens do devedor, suscetíveis de penhora, respondem pela dívida exequenda (Art. 735.º n.º 1 do C.P.C. e Art. 601.º do C.C.), embora a penhora se deva limitar aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para efeitos de realização da penhora, e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante este caiba na alçada do tribunal de comarca, a exceda até ao limite de quatro vezes esse valor, ou seja ainda superior a quatro vezes o valor da alçada do tribunal de comarca, respetivamente (Art. 735.º n.º 3 do C.P.C.).

A estes normativos acresce o disposto no Art. 752.º n.º 1 do C.P.C., que estabelece a regra segundo a qual: «1. Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para prosseguir o fim da execução.».

Ora, no caso, a dívida exequenda tinha por garantia real um penhor constituído sobre um depósito bancário no valor de €15.000,00 pela sociedade devedora principal a favor do banco exequente (cfr. facto provado 3). No entanto, a dívida exequenda, titulada por livrança, como já referido, ascende a €47.348,48, mais juros, para além das despesas ou encargos com a execução. Pelo que é por demais evidente que a garantia real constituída por penhor era insuficiente para satisfazer integralmente o crédito do exequente. Nessa medida poderiam ser nomeados à penhora outros bens dos demais devedores.

A sentença recorrida vogou particularmente pela questão de não ser aplicável ao caso o disposto no Art. 784.º n.º 1 al. b) do C.P.C., por não estar em causa uma situação de responsabilidade subsidiária pela dívida exequenda.

De facto, o Art. 784.º n.º 1 al. b) do C.P.C. estabelece como fundamento de oposição à penhora o facto de se ter procedido à imediata penhora de bens do executado que só subsidiariamente responderiam pela dívida exequenda.

Conforme realça Rui Pinto (in “A Ação Executiva”, 2018, pág. 678) estão aqui em causa a penhora de bens em responsabilidade subsidiária objetiva e casos de responsabilidade subsidiária subjetiva. Do primeiro caso são exemplos a penhora de bens próprios do executado por dívida comum do casal, em ação executiva movida contra ambos os cônjuges, ou a penhora de bens comuns em execução por dívida própria de apenas um dos cônjuges que é executado na ação que esteja em causa. Do segundo caso é exemplo a penhora de bens do fiador que não tenha prescindido do benefício de excussão prévia, estando a execução subordinada à disciplina do Art. 745.º do C.P.C.. Mas, de fora desta previsão ficam as situações dos devedores solidários, como é exemplo a responsabilidade entre avalista e avalizada em letras ou livranças.

Efetivamente, nos termos do Art. 32º “ex vi” Art. 77º, último parágrafo, ambos da L.U.L.L., o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa afiançada. Portanto, a obrigação do avalista é uma obrigação de garantia, ou seja que visa garantir a obrigação do avalizado. Mas, apesar deste traço típico de acessoriedade do vínculo jurídico assim estabelecido, do 2.º parágrafo do Art. 32º da L.U.L.L. decorre que a obrigação do avalista mantém-se mesmo no caso da obrigação que ele garantia ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, embora fique depois na posição de sub-rogado nos direitos emergentes do título de crédito contra a pessoa a quem deu o aval, em caso de pagamento (Art. 32º, 3.º parágrafo, da L.U.L.L.). É com base neste normativo que se tem sustentado que o avalista não assume uma responsabilidade subsidiária, mas sim direta da obrigação emergente da letra ou da livrança. Pelo que, o aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança e a acessoriedade não esgota a sua natureza jurídica (vide, a propósito: Ferrer Correia in “Lições de Direito Comercial” Reprint, LEX, 199, pág.s 522 e 523).

Pinto Furtado (in “Títulos de Crédito” Reimpressão de outubro de 2000, pág. 154) refere também que: «o aval integra (…) uma obrigação de garantia (…) obrigação que ela [a pessoa do avalista] pode ser chamada a cumprir independentemente de excussão prévia dos bens da pessoa por quem se vinculou, uma vez que, por expressa disposição do Art. 47º da L.U.L.L. os sacados, aceitantes, endossantes ou avalistas são todos solidariamente responsáveis para com o portador e este tem o direito de acioná-las individual ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigam».

Pedro Paes Vasconcelos (in Direito Comercial. Títulos de Crédito”, pág. 37) defende igualmente esta ideia de que a obrigação do avalista é autónoma, pois, embora se defina pela obrigação do avalizado «vive e subsiste, independentemente desta.» (No mesmo sentido ainda: Vaz Serra RLJ ano 103, pág. 429, nota 2).

É com base nesta mesma ideia que, por exemplo, conjugando o Art. 32º com o 53º da L.U.L.L., tem-se defendido desde há muito, e de forma unânime, que o direito do portador contra o avalista não depende de protesto por falta de pagamento (entre outros: Ac. S.T.J. de 17/3/1988 BMJ 375º, pág. 399). Sendo também inúmeras as decisões judiciais que repetiam a convicção sobre a natureza autónoma da obrigação do avalista (por exemplo: Ac. R.L. de 27/6/1995 C.J.-III, pág. 41 e Ac. R.P. de 2/3/1999 BMJ 485º-485), o que culminou no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. de 11/12/2012.

A este propósito realce-se o Ac. da Relação de Lisboa de 26/2/2015 (relator António Martins – Proc. n.º 516/13.9TBRMR-AE1.L1 disponível em www.dgsi.pt), com o qual se concorda: «(…) o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou da livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante ação cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância da relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente segregando um feixe de obrigações e deveres que, do nosso ponto de vista, não são passíveis de denúncia.»

Em suma, a autonomia da obrigação do avalista implica o reconhecimento de que o crédito, não tendo sido integralmente pago por coobrigado, subsiste na medida em que não tenha sido satisfeito o interesse económico do credor, que fundamenta a existência do vínculo creditório, através da realização integral e pontual da prestação devida (Art.s 762º e 763º do C.C.). Assim, a sociedade avalizada, e devedora principal, pode por qualquer motivo não cumprir integralmente a sua prestação, mas a obrigação cartular do avalista, formalizada na livrança, subsiste, vinculando o seu devedor ao seu cumprimento pontual e integral, nos mesmos termos do devedor principal (Art.s 518.º a 520.º, 762º e 763º do C.C., conjugados com os Art.s 32º, 47º e 77º da L.U.L.L.).

Por isso, Rui Pinto (in Ob. Loc. Cit., pág. 678), refere que: «há que concluir que o executado, na qualidade de avalista, se apresenta perante o credor – o exequente – como um devedor autónomo, respondendo por uma obrigação própria, sem que perante ele possa invocar a acessoriedade ou outro benefício, designadamente o direito de sub-rogação que o §3.º do Art. 32.º da LULL lhe confere e não pode recusar o cumprimento da sua obrigação, pois não lhe é aplicável o disposto no artigo 638.º, n.º 2 do C.C. [recusa de cumprimento não satisfação do crédito por culpa do credor]; por isso não é lícito ao opoente, invocar que a exequente teria de penhorar em primeiro lugar bens da aceitante – a 1.ª executada – já que, nesta situação, não tem qualquer aplicação o disposto no artigo 745.º», louvando-se aqui no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/6/2009 (Proc. n.º 2811-E/1993.L1-2 - Relatora: Ondina Carmo Alves, disponível em www.dgsi.pt).

Acresce ainda que o fundamento de oposição à penhora constante do Art. 784.º n.º 1 al. b) do C.P.C., só pode merecer provimento se o executado indicar na petição de embargos de executado quais os bens que deveriam ter sido penhorados em primeiro lugar e não o foram (Vide, neste sentido: Marco Carvalho Gonçalves in “lições de Processo Civil Executivo”, 2016, pág. 321 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/9/2012 – Proc. n.º 5088/10.TBBRG.A,G1 - Relatora: Catarina Gonçalves, também disponível em www.dgsi.pt). Ora, no caso, o embargante não cumpriu esse ónus, sendo que se se referia à garantia real decorrente do penhor incidente sobre o saldo bancário de €15.000,00, está demonstrado que esse valor é inferior à dívida exequenda. Pelo que, improcedem todas as conclusões apresentadas no sentido de sustentar a impenhorabilidade dos bens do executado opoente com fundamento na necessária precedência da penhora doutros bens existentes no património da executada, devedora principal.

Interessa ainda ter em conta o que dispõe o Art. 751.º do C.P.C., que reza o seguinte:
«1 A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
«2 O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior.
«3 Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que:
«a)- A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
«b)- A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 18 meses, no caso de a dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
«c)- A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos.

A finalidade prosseguida pela regra estabelecida no n.º 1 do Art. 751.º do C.P.C. é a celeridade da execução, devendo a execução começar pelos bens que permitam a satisfação do crédito exequendo pela via mais rápida e simples, sem prejudicar desnecessariamente o executado (vide: Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in “A Ação Executiva Anotada e Comentada”, 2.ª Ed., 2017, pág. 313).

Na verdade, os princípios subjacentes ao normativo do Art. 751.º não se enquadram tipicamente no âmbito de previsão do Art. 784.º nº 1 al. b) do C.P.C., mas sim, e eventualmente, no da alínea a) do mesmo preceito. O que está em causa não é o princípio da subsidiariedade na penhora de bens, mas sim da proporcionalidade e adequação da penhora e da proibição de excesso. O que se pretende com estes princípios é proteger o executado de eventuais abusos na execução do seu património, impedindo a penhora de bens ou direitos de valor superior ao necessário para o pagamento da dívida exequenda, custas e demais encargos da execução (vide: Marco Carvalho Gonçalves in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, pág.283 a 284).

Nas palavras de Teixeira de Sousa (in “Ação Executiva Singular”, LEX, 1998, pág. 33): «A agressão do património do executado só é permitida numa medida em que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente. A natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode determinar um completo desrespeito dos interesses do executado, pois que a posição jurídica do credor, embora prevalente, não pode ser considerada absoluta.»

Conforme refere Rui Pinto (in “A Ação Executiva”, 2018, pág. 536) o princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, é um limite à penhora de bens indicados pelo exequente e tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (Art. 62.º da C.R.P.) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas. A natureza gravosa da penhora deve assim limitar-se ao que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas. Por isso, deve começar a penhora pelos bens de mais fácil execução, em respeito pelo princípio da adequação (Art. 751.º n.º 1 do C.P.C.), passando depois para os demais, desde que respeitem os princípios da proporcionalidade e os limites estabelecidos em normas imperativas (Art. 751.º n.º 2 do C.P.C.) e, finalmente, ainda que não se adeque, por excesso, é admissível a penhora de imóveis ou estabelecimentos comerciais, respeitados os limites objetivos estabelecidos nas alíneas do n.º 3 do Art. 751.º do C.P.C. (idem pág.s 538 a 541).

É esta leitura escalonada que deve ser feita do Art. 751.º do C.P.C., de tal modo que se forem violados os princípios estabelecidos de forma prevalente nos n.º 1 e 2 deste preceito, irrelevam os limites objetivos estabelecidos no n.º 3.

Sucede que, uma vez mais, para chegarmos à conclusão de que foram violados os n.º 1 e n.º 2 do Art. 751.º do C.P.C., necessário seria que resultasse objetivado dos autos factos suficientes que nos permitissem concluir que os demais executados possuíam bens cujo valor pecuniário fosse de fácil realização.

Se a questão se resume ao saldo do depósito dado em penhor para garantia de pagamento da dívida exequenda, já que nada mais foi alegado na petição de embargos, limitar-nos-emos a constatar que o valor desse saldo (€15.000,00) é inferior ao da dívida exequenda (€47.348,48). A tal acresce ainda que o exequente, na sua contestação, também alegou que sobre esse saldo bancário estariam registadas duas outras penhoras de credores públicos (artigo 18.º a fls 24).

Em suma, nem os autos fornecem factos seguros a esse respeito, nem o embargante alegou de forma concretizada factos de onde resultasse que o exequente poderia facilmente obter a satisfação do seu crédito sem ser necessário proceder à penhora de bens dos demais executados, nomeadamente dos bens imóveis em nome do executado que deduziu oposição à penhora.

Finalmente, não existe qualquer fundamento legal para os bens do embargante ficarem isentos de penhora, sendo que os imóveis penhorados, apesar de terem um valor patrimonial superior à divida exequenda, estão todos onerados com hipotecas a favor de terceiros, que gozam assim de preferência no pagamento relativamente ao crédito exequendo (Art 686.º do C.C.), sendo que os valores garantidos por essas hipotecas excedem em muito o valor patrimonial de cada um dos imóveis considerados. Nessa medida, não está demonstrada a existência de excesso de penhora, concordando-se assim com tudo o que a propósito foi expedido na sentença recorrida.

O apelante invoca ainda que foi violado o disposto no Art. 738.º do C.P.C., que estabelece casos concretos de impenhorabilidade parcial de bens relativamente a vencimentos, salários ou prestações periódicas. Ora, esse preceito não tem aplicação ao caso concreto dos autos, em que apenas estão em causa o penhor de depósito bancário da executada sociedade e a penhora de imóveis do executado-embargante, todos onerados com hipotecas.
Julgamos assim que a sentença recorrida não violou o Art. 784.º, n.º 1 al.s a) e b) do C.P.C., nem os Art. 735.º n.º 3 e 738.º do C.P.C., nem põe em causa princípios de dignidade da pessoa humana, nem o princípio do Estado de Direito, consagrados nos Art.s 1.º, 59.º n.º 2 al. a) e 62.º da Constituição, improcedendo todas as conclusões que sustentam o contrário. Nessa medida, mais não resta que confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos.
*

V–DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, por não provada, mantendo-se a sentença recorrida.
- Custas pelo Apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).



Lisboa, 19 de novembro de 2019



(Carlos Oliveira)
(Diogo Ravara)
(Ana Rodrigues da Silva)