SOCIEDADE COMERCIAL
DIREITO À INFORMAÇÃO
INQUÉRITO JUDICIAL
CÔNJUGE DO SÓCIO
Sumário

I – O exercício do direito à informação sobre a Sociedade Comercial e o recurso do inquérito judicial advém da qualidade de sócio dessa mesma sociedade, sendo indissociável dessa posição societária.
II – O cônjuge do sócio de uma sociedade não tem o direito a obter informações societárias nem legitimidade para instaurar o correspondente inquérito social à sociedade com vista a obter tais informações, mesmo que a participação social do seu cônjuge seja um bem comum do casal, por força do regime matrimonial de comunhão de bens.

Texto Integral

P325/18.9T8VNG.P1

SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
O Requerente B…, casado, NIF ………, residente na Avenida …, n.º …, 5.º andar, ….-… Vila Nova de Gaia, veio instaurar ao abrigo do disposto nos artºs. 216º e 292º do CSC e 1048º e ss. do CPC, Ação Especial de Inquérito Judicial, contra a sociedade “C…, Lda.”, NIPC ………, com sede na Rua …, .., Porto, D…, casada, NIF ………, residente na Avenida …, n.º …, 6.º CD, ….-… Porto, e domicílio profissional na E… sita na Rua …, n.º …, ….-… Baião, F…, casado, NIF ………, residente na Rua …, n.º .., ….-… Porto e G…, casada com o 3º requerido, NIF ………, residente na Rua …, n.º .., ….-… Porto, concluindo pedindo que os requeridos prestem a seguinte informação:
1. Todas as atas e deliberações dos sócios, da Assembleia Geral, desde a constituição em 2013 até à presente data;
2. Detalhe contabilístico de todas as operações que resultam da distribuição e/ou aplicação dos resultados líquidos desde 2013 até 2017, acompanhada pelos respetivos documentos de suporte;
3. Detalhe contabilístico de todas as formas de remuneração do trabalho, ou outras, da sócia, 2ª requerida D… e respetivos documentos de suporte;
4. Detalhe contabilístico de todos os fluxos da conta de suprimentos e da conta dos sócios, declarações de dívida assinadas pelos sócios e demais documentos de suporte;
5. Detalhe contabilístico de todas as operações de aquisição ou alienação de ativos fixos tangíveis;
6. Identificação de todas as contas de D.O. tituladas pela sociedade e ainda com a clarificação dos efetivos representantes de cada uma delas;
7. Qual a origem dos saldos devedores que os sócios apresentam em 31.12.2014, em 31.12.2015 e em 31.12.2016 e os respetivos documentos de suporte;
8. O balancete reportado a 12.10.2017 (data da separação de facto), a fim de aferir o valor da quota à data da retroação dos efeitos do divórcio.
Regularmente citados, os Requeridos “C…, Lda.”, D…, F… e G…, vieram deduzir oposição a fls. 72 e ss., invocando a ilegitimidade ativa do requerente por não ser sócio da sociedade Requerida e, assim, não lhe assistir o pretendido direito às Informações solicitadas. Mais pugnam pela improcedência da ação.
Veio a ser proferido despacho saneador, que conheceu da exceção da ilegitimidade ativa do autor, tendo decidido da seguinte forma:
“Atento todo o exposto, julgo procedente a exceção de ilegitimidade ativa do Requerente B… e, em consequência, absolvo da instância os Requeridos “D…, Lda.”, D…, F… e G….
Custas a cargo do Requerente, B….”
Inconformado, o Autor B…, interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
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C…, Lda, D…, F… e G…, Requeridos apresentaram as suas Contra-Alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido, pelo que cumpre decidir.

II - OBJETO DO RECURSO
A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o Autor tem legitimidade ativa para a ação de Inquérito Judicial a sociedade, em que é titular da quota social o seu cônjuge.

III-FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão, foram alegados os seguintes factos na p.i:
1-O Autor casou com a 2ª Ré D… em 30 de Abril de 1998, no regime de comunhão de adquiridos.
2-Em 18.07.2013, a sua mulher D… constituiu juntamente com duas outras pessoas – F… e G…, aqui 3º e 4ª Réus - a sociedade C…, Lda., tendo subscrito uma quota correspondente a 30% do capital social.
3-De acordo com a certidão do registo comercial junta a fls. 14, são sócios da referida sociedade “C…, Lda.”, os Requeridos D…, F… e G….
4-Em 13.10.2017 a 1ª Ré instaurou ação especial de divórcio contra o Autor, que corre termos com o n.º 21097/17.9T8PRT no Juiz 3 do Juízo de Família e Menores do Porto e em 18.10.2017 o Autor instaurou ação de divórcio contra a 1ª Ré que corre termos com o n.º 8402/17.7T8VNG, no Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia.
5-O Autor solicitou à sociedade, aqui 1ª Ré por carta datada de 31.7.2017, “ao abrigo do regime previsto no art. 214º do Código das Sociedades Comerciais, requer a V.Exas, a consulta da escrituração, livros e documentos da referida sociedade (…)”.
6-O Autor solicitou á aqui 1ª Ré por carta datada de 26.9.2017, “o acesso á escrituração, livros e documentos ou o envio de toda a informação contabilística (actas das sociedades dos últimos 5 anos, dossiers de prestação de contas, nomeadamente relatórios de gestão, balanços, demonstrações de resultados e anexos, relativos aos últimos 5 anos das empresas que nos pertencem, mas das quais tu és a socia (…)”
7-Tais informações foram-lhe recusadas com o fundamento de ele, Autor, não ter a qualidade de sócio, tudo conforme teor dos documentos juntos como Docs. 6 e 7 da p.i.
8-O Autor intentou ação especial de Inquérito Judicial, em 17.10.2017, pedindo que os requeridos prestem a seguinte informação:
1. Todas as atas e deliberações dos sócios, da Assembleia Geral, desde a constituição em 2013 até à presente data;
2. Detalhe contabilístico de todas as operações que resultam da distribuição e/ou aplicação dos resultados líquidos desde 2013 até 2017, acompanhada pelos respetivos documentos de suporte;
3. Detalhe contabilístico de todas as formas de remuneração do trabalho, ou outras, da sócia, 2ª requerida D… e respetivos documentos de suporte;
4. Detalhe contabilístico de todos os fluxos da conta de suprimentos e da conta dos sócios, declarações de dívida assinadas pelos sócios e demais documentos de suporte;
5. Detalhe contabilístico de todas as operações de aquisição ou alienação de ativos fixos tangíveis;
6. Identificação de todas as contas de D.O. tituladas pela sociedade e ainda com a clarificação dos efetivos representantes de cada uma delas;
7. Qual a origem dos saldos devedores que os sócios apresentam em 31.12.2014, em 31.12.2015 e em 31.12.2016 e os respetivos documentos de suporte;
8. O balancete reportado a 12.10.2017 (data da separação de facto), a fim de aferir o valor da quota à data da retroação dos efeitos do divórcio.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO
O Código das Sociedades Comerciais (a seguir designado por CSC) estabelece que todos os sócios têm o direito a obter informações sobre a vida da sociedade. Este direito geral concretiza-se, entre outros direitos mais específicos, no direito a obter informações sobre a vida da sociedade e no direito de consulta da escrituração, livros e documentos, e o direito de inspeção dos bens sociais.
Consagra, na verdade, o CSC na parte geral, relativamente a todas as sociedades comerciais, o seguinte direito: “todo o sócio tem direito de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato” (artigo 21º nº 1 al c) do CSC).
Este direito potestativo dos sócios é um dos princípios básicos em que assenta o Código das Sociedades Comerciais.
A sua consagração surge desde logo numa norma inserta na parte geral – como direito, status[1] do sócio.
A regulamentação deste direito é depois feita, especificadamente, considerando os vários tipos de sociedade (nas sociedades por quotas e sociedades em nome coletivo regem os arts. 181º a 214º do CSC), nas sociedades anónimas, os arts. 288º a 293º).
No que às sociedades por quotas importa, o art. 214º nº 1 do CSC estabelece o princípio geral que “todos os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe, na sede social a consulta da respetiva escrituração, livros e documentos.”
Este direito á informação exerce-se contra a sociedade.[2] O sujeito da obrigação correspondente ao direito do sócio é a sociedade, que presta a informação através do órgão habilitado para tal, que é, normalmente, o órgão de gestão da sociedade (gerência, administração, direção). O gerente é assim, apenas, o órgão da sociedade a quem compete o dever de prestar a informação.
Nas palavras de Carlos Maria Pinheiro Torres, [3] “o direito à informação, como direito do sócio, desdobra-se, na perspetiva do Código das Sociedades Comerciais, em quatro direções diferentes, podendo nele considerar-se compreendidos: um direito a obter informações, um direito de consulta dos livros e documentos da sociedade, um direito de inspeção de bens sociais e, embora noutro plano, um direito de requerer inquérito judicial”.
O direito à informação tem como objetivo permitir que o sócio conheça e acompanhe a vida da sociedade, designadamente o património, a atividade e os resultados da mesma e o concreto funcionamento da respetiva administração ou gerência.
Permite-lhe tomar conhecimento como é que a sua entrada (sócio enquanto prestador de capital ou de bens) se encontra a ser gerida e os resultados dessa gestão.
Permite-lhe ainda como membro de uma organização, que por força do contrato de sociedade exerce em comum uma atividade, tomar conhecimento de todos os factos necessários para a sua participação na vida societária.
Permite-lhe melhor ficar habilitado para, aquando da sua participação nas assembleias gerais, tomar decisões mais informadas sobre os variados assuntos relacionados com a sociedade (por exemplo, quanto à sua permanência na sociedade, quanto à alteração dos seus estatutos, quanto à escolha da governação, quanto à distribuição dos resultados ou quanto ao sentido do seu voto numa determinada deliberação).
Compreende-se tal direito de obter informações, pois só com a sua concretização, pode o sócio ter conhecimento da situação económica e financeira da empresa e da plena realização dos objetivos societários, votar conscientemente nas assembleias gerais e propor as medidas que entenda convenientes para o bom desempenho da empresa.
Daí que se considere que este direito é um direito instrumental para o exercício de outros direitos, para garantia do exercício de tais direitos.
O direito à informação é na verdade, como ensina o Prof. Luís Brito Correia, “um direito instrumental relativamente a outros direitos (direito aos lucros, de voto, de impugnação de deliberações sociais, de ação de responsabilidade contra os administradores, etc.).”[4]
Para além da consagração deste direito, a lei faculta ao sócio meios extrajudiciais ou judiciais que lhe permitem exercer, efetivamente o direito, mesmo quando os gerentes não cumpram o seu dever de prestar as informações, ou não o façam de forma verdadeira, completa e elucidativa.
Para aceder à informação que lhe foi indevidamente sonegada pela sociedade, o sócio tem a possibilidade de lançar mão de diversos mecanismos que a lei expressamente consagra para o efeito, nomeadamente através da interposição de inquérito judicial contra a sociedade e aos seus órgãos sociais a quem sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções.
Com efeito, face a uma recusa ilegítima de prestação de informação, de impedimento do direito do sócio, pode o sócio reagir recorrendo á ação judicial de “inquérito Judicial á Sociedade” especialmente regulada nos artigos 1048º e ss do C.P.C. – art. 216º do CSC que estabelece o seguinte: “O sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumidamente falsa, incompleta ou não elucidativa, pode requerer Inquérito à sociedade.”
É certo que o art. 1048º do CPC se refere ao “interessado” que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade.
Esta norma de caracter adjetivo que se refere á legitimidade ativa para instaurar ação especial de Inquérito Judicial, abarca, para além da recusa, incompletude ou falsidade e informação, outras hipóteses previstas no Código Comercial que permitem o recurso a esta ação:
a) falta de apresentação das contas do exercício – art. 67º ou recusa da sua aprovação – art.68º nº 2;
b) deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios- art. 31º nº 3;
c) redução da remuneração de gerentes-art. 255º nº 2.
Ora, os processos especiais constituem formas excecionais, visto só serem aplicáveis aos casos expressamente previstos na lei, sendo o processo comum a forma adjetiva arvorada em regra pelo sistema (que a considera aplicável a todos os casos - indiscriminadamente referidos - a que não corresponda processo especial.) [5]
O processo especial "é um processo-exceção que só pode aplicar-se aos casos para que foi expressamente criado; o processo comum é um processo-regra, que se aplica a todos os casos não submetidos a processo especial" [6], razão pela qual "cada processo especial só pode ser aplicado aos casos designados na lei que o estabeleceu".
No caso em apreço, por força da norma material aplicável, o Inquérito Judicial tem de ser requerido pelo sócio a quem foi sonegada ou falsificada a informação, nos termos das normas referidas.
Com efeito, o artigo 21º nº 1 al c) do C.S.C refere «todo o sócio»; o artigo 214.º, n.º 1 refere «qualquer sócio»; o artigo 67.º, n.º 1, «qualquer sócio» e o artigo 216.º, n.º 1 «o sócio».
Daqui podemos retirar com toda a segurança a conclusão que, o exercício do direito à informação e o recurso ao inquérito judicial advêm da qualidade de sócio de uma sociedade.
O direito de informação é um direito do sócio, sendo indissociável de tal qualidade.
A questão que ora se coloca é a de saber se o cônjuge do sócio, tem ou não legitimidade para instaurar inquérito social á sociedade com vista a obter informações que lhe foram negadas com o argumento de que não é sócio da sociedade.
Para responder a esta questão importa pois saber se o cônjuge do sócio também deve ser considerado sócio da sociedade, quando a quota social caia sob o regime da comunhão (geral ou de adquiridos).
É esta a questão fulcral que se nos apresenta nesta Apelação.
Para a decisão da questão concreta ora sub judice, importa reter os seguintes factos que resultam da factualidade apurada: no caso em apreço a quota social foi constituída pela 2ª Ré, apenas em seu nome, na constância do casamento com o Autor, casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
Importa também reter que o pedido de informação que o Autor pretende obter foi solicitado (mediante carta datada de 31.7.2017), na constância do casamento com aquela sócia e que a ação de divórcio foi instaurada em 13.10.2017.
Posto isto, o Autor, apresenta-se a exercer o direito de informação sobre a sociedade Ré, através do recurso á ação especial de Inquérito à sociedade arrogando-se ser “cotitular juntamente com a 2ª Ré, sua mulher, de uma quota no valor nominal de €3000,00 na sociedade comercial C…, Ldª, aqui 1ª Ré” [7]
Para a situação de “contitularidade” de quota social, o CSC prevê normas específicas previstas para o exercício dos direitos sociais, nos artigos 222º e ss do CSC., estabelecendo-se logo no nº 1 do art. 222º que “os contitulares da quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum.”
Estas normas porém, aplicam-se apenas às situações de contitularidade de quota, que, no caso dos cônjuges, podem ocorrer, por exemplo na situação em que ambos adquiram/subscrevam uma quota social, passando dessa forma a quota a integrar a comunhão conjugal. Nessa situação aplicam-se as regras societárias sobre o exercício dos direitos e cumprimento dos deveres inerentes a participações sociais detidas em contitularidade.
De realçar, que também neste regime, o legislador teve a preocupação de conferir uma legitimidade singular para o exercício dos direitos sociais, através da figura do “representante comum”.
Porém, no caso em apreço, não estamos perante um regime de “compropriedade”, [8] visto a quota dos autos ter sido adquirida apenas pela Ré.
O que temos é um bem que integra a comunhão conjugal, por força do regime de bens aplicável ao casamento.
Ora, para as situações em que, por força do regime de bens do casamento (comunhão geral ou comunhão de adquiridos) a participação social pertence a ambos os cônjuges, mas está na titularidade de apenas um deles, que participou no processo aquisitivo, não é este o regime aplicável, porquanto o artigo 8º (cuja redação surgiu com o DL n.º 262/86, de 02 de Setembro que aprovou o CSC e se mantem inalterada desde então), contém regulamentação específica nesta matéria.
Com efeito, para sabermos como é que o legislador conciliou as regras decorrentes dos efeitos patrimoniais do regime matrimonial, com a vida societária, há que recorrer ao art. 8º do C.S.C. que dispõe sobre a forma da administração da participação social, nesta situação.
Concretamente para a questão sub judice importa a disposição dos seus números 2 e 3 que estabelecem o seguinte:
“(…)
Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade, ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal.
3 O disposto no número anterior não impede o exercício dos poderes de administração atribuídos pela lei civil ao cônjuge do sócio que se encontrar impossibilitado por qualquer causa, de a exercer nem prejudica os direitos que, no caso de morte daquele que figurar como sócio, o cônjuge tenha á participação.(…)”
As partes nos presentes autos sustentam diferentes interpretações desta norma, tendo cada uma, juntado aos autos, ao abrigo do disposto no art. 426º do C.P.C., Pareceres Jurídicos [9], que sustentam as respetivas posições e, aos quais nos referiremos mais tarde.
Está em causa antes de mais, a interpretação da norma legal em referência.
Quanto á interpretação da lei, o art. 9º do Código Civil, fornece ao intérprete importantes fatores a considerar na tarefa de interpretação das leis.
Assim dispõe o nº 1 que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
E o nº 2 dispõe que “Não pode porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”
Finalmente o nº 3, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
A formulação legal contempla os elementos tradicionalmente apontados como os fatores a considerar na interpretação da lei[10]: o elemento gramatical (a “letra da lei”) e o elemento lógico (o “espírito da lei”), onde se integram o elemento racional ou teleológico (ratio legis, o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma), o elemento sistemático (consideração das outras disposições que integram o instituto em que se insere a norma interpretanda e bem assim as disposições que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins, pressupondo-se que o conjunto normativo compõe um todo coerente) e o elemento histórico (a história evolutiva do instituto, os textos legais e doutrinais, nomeadamente estrangeiros, que inspiraram a norma interpretanda, os trabalhos preparatórios).
Comecemos pelo elemento histórico, por no caso o mesmo se mostrar extremamente relevante para a compreensão e interpretação da norma em causa, dado o seu inegável carater inovador, aquando do seu surgimento.
Esta norma surge consagrada no Código das Sociedades Comerciais aprovado pelo DL n.º 262/86, de 02 de Setembro que substituiu a anterior Lei das Sociedades por Quotas de 1901 (a seguir designada LSQ).
No domínio da lei anterior, (LSQ) apresentava-se controvertida na doutrina e na jurisprudência, a questão de saber se o cônjuge de um sócio se tornava, ele próprio, só por via das regras respeitantes ao regime de bens, titular da participação social e da qualidade social a ele inerente.
Muito resumidamente, para além da teoria, segundo a qual as quotas de um cônjuge pura e simplesmente não se transmitem ao outro, duas teses se perfilaram então: uma, defendia que a quota adquirida por um cônjuge casado em regime de comunhão geral de bens, constituía um bem comum de que resultava incidir sobre ele o regime de compropriedade estabelecido no art. 9º, concluindo que ambos os cônjuges deviam ser considerados sócios.
Este artigo 9º da LSQ regulava tão só a “compropriedade da quota”. Não se pronunciava sobre a comunicação total ou parcial da quota de uma sociedade entre os cônjuges.[11]
Raúl Ventura[12] a este propósito, defendia no domínio da LSQ que, ambos os cônjuges tem um direito sobre a quota, que por força da comunhão lhes pertence, repudiando a tese da distinção entre a “quota-valor” e a “quota –social”, dizendo em suma que “Não existe uma parte da quota que respeite á personalidade ou individualidade da posição social do sócio e uma parte económica da quota. A quota é constituída por um complexo de direitos, poderes, obrigações, ónus de cuja titularidade resulta a qualidade ou o estado de sócio; a quota não se fraciona em qualidade de sócio, por um lado e, poderes ou vantagens económicas por outro”.
Uma outra tese, defendia a comunicação ao cônjuge por força do regime de bens, apenas da denominada “quota-valor”, não se comunicando ao cônjuge a quota plena do sócio, mas somente certos direitos e uma posição especial.
O Professor Ferrer Correia [13] defendia então, estarmos “perante um contrato de associação á quota tacitamente estipulado, quando estando duas pessoas casadas segundo o regime de comunhão, uma delas adquire uma quota ou parte social numa sociedade de pessoas. Com efeito, dado o intuito personae que preside a tais sociedades, só é comum o valor da parte social, ficando o cônjuge não socio simples agregado á quota adquirida pelo outro”.
Uma e outra posição tiveram acolhimento jurisprudencial, não havendo acordo doutrinal quanto a qual fosse a tese maioritária.[14]
O certo é que, o art. 8 nº 2 do Código das Sociedades Comerciais surge neste contexto, indiscutivelmente com caracter inovador, já que se apresenta como uma norma que veio pela primeira vez regular a matéria das relações dos cônjuges e destes com a sociedade e fê-lo de forma uniforme para todos os tipos de sociedade ao fazer incluir a norma na Parte Geral do Código.
E se a intenção do legislador foi pacificadora, nova polémica surgiu de imediato, passando a discutir-se, para além do que ainda hoje se discute, (disso sendo exemplo esta ação),[15] a natureza da norma, se se tratava de um lei interpretativa stricto sensu, ou se tratava de um preceito de cariz inovador, aplicável apenas às novas situações.
Esta polémica á parte,[16] entende-se que o art. 8º nº 2 do CSC incluído na parte geral pretendeu sim por termo às controvérsias ocorridas na doutrina e jurisprudência dos tribunais a este respeito. O seu caráter inovador, é também ele, inegável.
Ela surge desde logo incluída na parte geral do código, sendo por isso aplicável a todos os tipos de sociedades, independentemente de quaisquer estipulações que possam existir.
O preceito mostra ainda claramente que a participação social se torna comum aos dois cônjuges quando o regime matrimonial assim o determine.
Mas contém uma especialidade importante - manda considerar como sócio nas relações com a sociedade apenas um dos cônjuges.
A questão que se coloca, a nosso ver, é a de saber se esse cônjuge terá apenas o papel do “representante comum” perante a sociedade, tal como na contitularidade prevista nos artigos 222º e ss do CSC, a quem é conferida legitimidade singular para o exercício dos direitos sociais, nos termos aí regulados, ou se estamos perante uma situação diversa.
Parece-nos algo evidente que o legislador pretendeu efetivamente regular especificamente uma situação diversa que não se confunde com a situação da contitularidade da quota. Se assim não fosse, na esteira da anterior lei (LSQ), ter-se-ia limitado a regulamentar a situação nos citados artigos 222º e ss.
Parece-nos também indubitável que, o legislador, antes de mais, teve em consideração, ao regular esta matéria, a inexistência de identidade ou analogia entre o regime dos bens comuns, em matéria de casamento, e o regime dos bens em compropriedade, que vem sendo apontada pela doutrina.
Na compropriedade [17], está em causa o simples interesse individual dos comproprietários e qualquer dos contitulares pode, a todo o tempo, exigir a divisão da coisa comum, salvo se houver cláusula de indivisão (artigo 1412º do Código Civil). É que o legislador entende que a contitularidade dos direitos reais não corresponde, à melhor forma de exploração económica dos bens. Donde a afirmação: “Dos bens comuns, pelo contrário, nenhum dos cônjuges pode, em princípio, requerer a divisão.” E a comunhão mantém-se, por imperativo da lei, enquanto persistir a sociedade conjugal, a cuja sustentação económica os bens comuns se encontram adstritos (art. 1689.º, nº 1 do C.C.). Por outro lado, cada comproprietário pode dispor livremente da quota que representa a medida da sua participação no direito comum (...). Quanto aos cônjuges, nenhum deles pode alienar ou onerar bens determinados, nem parte especificada de qualquer dos bens comuns, nem dispor sequer de qualquer quota ideal de participação no direito comum (...)»[18]. Nessa medida, os bens comuns são tidos como uma massa patrimonial com certo grau de autonomia, que pertence aos dois cônjuges, mas sendo os dois titulares de um único direito. É o conceito da propriedade coletiva, que corresponde a um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade. É uma comunhão sem quotas, em que os vários titulares do património coletivo são sujeitos de um único direito, de um direito uno, que não consente divisão. “Esta particular fisionomia do património coletivo radica no vínculo pessoal que liga entre si os membros da coletividade e que exige que o património coletivo subsista enquanto esse vínculo perdurar”.[19]
O artigo 8º nº 2 do CSC diz-nos que no caso de contitularidade de quota - bem comum do casal por força do regime de bens - o cônjuge que celebrou o contrato de sociedade, ou o cônjuge que adquiriu a quota – ou seja o cônjuge que teve intervenção no ato jurídico através do qual tal bem foi integrado no património comum do casal – é considerado como sócio nas relações com a sociedade.
Pretende-se saber se desta norma decorre uma transmissão da qualidade de sócio ao cônjuge, acompanhada dos direitos que lhe são inerentes, ou se apenas é comunicável ao cônjuge a vertente patrimonial inerente á qualidade de sócio, já não vertente associativo-institucional.
O aqui Apelante, defende no presente recurso, apoiando-se no Parecer Jurídico que oportunamente juntou aos autos [20], a legitimidade do cônjuge a requerer Inquérito Judicial á sociedade. Nesse Parecer, a sua autora reconhece ser “indispensável à tutela dos direitos do ex-cônjuge (que não seja representante comum da quota, mas que é igualmente sócio daquela sociedade), o exercício do direito á informação” para concluir que “o art. 8º nº 2 CSC não deve ser aplicado de forma absoluta àqueles casos em que, embora ainda exista formalmente um casamento, por já ter sido intentada ação judicial tendente á declaração da dissolução do mesmo, se saiba, que, com elevado grau de probabilidade a relação matrimonial vai cessar e inclusivamente já seja conhecida a data da produção dos efeitos patrimoniais entre os cônjuges e que será anterior ao momento da discussão sobre a sua aplicação, pois retroagirá á data da propositura da ação.
A Apelante afirma assim que, “os bens comuns – quaisquer bens e, portanto, também as participações sociais (que são bens móveis, sujeitos a registo) - pertencem “aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela”.
Para concluir que, quem for titular de uma participação social, é sócio dessa sociedade [21].
Na interpretação que o Apelante faz do art. 8º nº 2 do CSC, “para facilitar e garantir o bom funcionamento das sociedades comerciais a lei ficciona e determina a qualidade de um deles como sócio a fim de determinar quem deve ser convocado para uma assembleia geral, a quem deve ser exigido o pagamento de uma eventual prestação suplementar, a quem devem ser entregues os dividendos, etc.”
Que nada se modifica em tudo o que diga respeito às relações externas à sociedade», nem às relações entre os cônjuges, apoiando-se ainda na interpretação já defendida expressamente pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 30 de outubro de 2001, (in: CJ-STJ, IX, Tomo III, p.100), onde é afirmado: «Compreende-se que à estabilidade da vida social interesse que só um dos cônjuges seja considerado sócio, até para evitar eventuais discordâncias entre cônjuges que não logrem pôr-se de acordo e que pudessem adotar soluções divergentes para a vida da sociedade; mas tal consideração já não pode prevalecer noutros domínios, como seja o das relações entre os próprios cônjuges. No tocante às relações entre estes, não há motivo algum para que a quota não seja considerada inteiramente bem comum, sem qualquer restrição, e portanto sem distinção entre a qualidade de sócio e o valor económico. Nem sequer uma tal restrição fora das relações com a sociedade deriva do citado art. 8º nº2, que repete-se, apenas estabelece a dita restrição no tocante às relações com a sociedade, para efeito de assegurar a estabilidade social, sem deixar de reconhecer a qualificação da participação social como comum do casal do cônjuge que nas relações com a sociedade intervém como sócio nem excluir a qualidade de sócio que, fora dessas relações, cabe também ao outro cônjuge».
Já os Apelados, nas contra-alegações que juntaram, apoiando-se no Parecer Jurídico que oportunamente juntaram aos autos, [22] defendem em suma que, o direito à informação é um direito eminentemente pessoal, indissociável, incindível ou desligável da pessoa do sócio em atenção à relação de confiança gerada entre ele e os demais sócios no momento da celebração do contrato e da formação do ente social, concluindo que: “o artigo 8º, nº 2, resolve expressamente o problema da legitimidade para o exercício dos direitos sociais inerentes a participações sociais qualificáveis como bens comuns, retirando a legitimidade para o exercício desses direitos ao cônjuge daquele por quem a participação tenha vindo ao casal.”[23]
Conclui o Prof. Remédio Marques no referido Parecer que: “Cingindo-me ao caso sub iudice, vale isto por significar que nas sociedades por quotas (antes e depois de 1986), quota entra na comunhão constituída pela massa dos bens comuns, é certo; mas ingressa aí apenas como valor, e não como síntese ou fonte de direitos e deveres corporativos; não entra como título de aquisição da qualidade de sócio.”
E citam os Apelados, em abono desta tese para além de outros autores, o que se escreve no CSC Anotado, coordenado pelo Prof. Meneses Cordeiro [24] e que expressamente aborda esta questão concreta da legitimidade do cônjuge do sócio para requerer Inquérito Judicial, nos seguintes termos: “Mercê do regime de bens pode acontecer que uma participação social seja comum a ambos os cônjuges. Neste caso, por força do art. 8º, nº 2 apenas será considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade, ou, sendo a participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal”.
E faz ainda o mesmo comentário: “apenas é considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade, pelo que a qualidade de sócio não se comunica ao seu cônjuge, mesmo que casado no regime da comunhão de bens (…) não se permite que o cônjuge do sócio tenha o direito de examinar a escrituração e os documentos concernentes às operações sociais, ou ser parte legítima para intentar ação especial de inquérito ou ser titular do direito de participação nas deliberações sociais e de votação ou de exercício de cargos sociais…”.
Citam igualmente o Acórdão do STJ 28-11-2000, recurso n.º 3162/008 [25] com o seguinte sumário: “I —A quota é latu sensu um direito do sócio que se configura, não como um único direito, mas antes como um feixe de direitos de diversa natureza e conteúdo.
II — O direito dos sócios não é um direito real, mas um conjunto de direitos cooperativos ou de socialidade, representando a quota «a unidade formal de tais direitos com os deveres correlativos», expressando a medida da participação do sócio na sociedade a que pertence.
III – Tais direitos são de duas espécies: por um lado, o de participar na administração social, nas suas várias modalidades; por outro, o de quinhoar no dividendo dos lucros a mais e no ativo da liquidação.
IV— Assim, por serem eminentemente pessoais, os direitos de voto, de fazer parte da administração e do conselho fiscal, o de fiscalizar a ação dos administradores ou gerentes e o de impugnar as deliberações, a comunhão que se possa estabelecer, fruto da comunicabilidade resultante do regime de bens, limitar-se-á à mera perceção e fruição dos frutos ou utilidades normais dos bens postos em comum.”
Decidindo.
Sem prejuízo de se reconhecer em situações pontuais a necessidade de tutela dos direitos do ex-cônjuge meeiro, nomeadamente em situações de divórcio do cônjuge sócio, (vertente que se mostra analisada no Parecer Jurídico junto aos autos pelo Autor), entendemos que na situação dos autos, porque o pedido de informação á sociedade, que originou a ação de Inquérito Judicial feito pelo Apelante é prévio á instauração da ação de divórcio, não pode tal entendimento ter desde logo, aqui, colhimento.
O artigo 8º nº 2 do CSC diz-nos que, no caso de contitularidade de quota - bem comum do casal por força do regime de bens - o cônjuge que celebrou o contrato de sociedade, ou o cônjuge que adquiriu a quota – ou seja o cônjuge que teve intervenção no ato jurídico através do qual tal bem foi integrado no património comum do casal – é considerado como sócio nas relações com a sociedade. Daqui se conclui que…., o outro não.
Tem aqui necessariamente que ser considerados dois problemas do mesmo género: o da natureza da quota e o da natureza das relações jurídicas da sociedade.
Neste confronto, entendemos que a melhor doutrina é aquela interpreta o nº 2 do art. 8º do CSC no sentido que a comunicabilidade atinge apenas a vertente patrimonial da participação social do sócio.
Isto porque a norma nos diz que o sócio, nas relações com a sociedade é o cônjuge que teve intervenção no ato jurídico através do qual tal bem foi integrado no património comum do casal. O outro, segundo esta norma não é, perante a sociedade considerado sócio.
“O cônjuge do sócio ou acionista, pelo simples facto o regime de bens lhe reconhecer a comunhão em bens adquiridos onerosamente pelo seu cônjuge (ou levados por este para o casamento (regra nos regimes de comunhão geral), não adquire a qualidade de sócio, já que essa qualidade de sócio é sempre indissociável da pessoa do titular da respetiva participação social, sendo esta incomunicável, enquanto permanecer encabeçada na pessoa de um deles. A pessoa do cônjuge é estranha á sociedade de que o outro é sócio; o cônjuge do sócio deve ser qualificado, para a maioria dos efeitos, comum estranho ou terceiro, relativamente á sociedade”.[26]
Sendo um dos cônjuges titular de uma quota numa sociedade comercial constituída na pendência do matrimónio, tal quota constitui um bem comum do casal, mas apenas quanto à sua dimensão patrimonial, não abrangendo a qualidade de sócio com todo o correspondente complexo de direitos e deveres, quando foi o cônjuge quem celebrou o contrato de sociedade ou quem interveio no ato jurídico através do qual tal bem foi integrado no património comum do casal.
Ver neste sentido, os Acórdãos do STJ de 31/3/1998, (processo: 97A791); de 13.12.2000 (relator Salvador da Costa), de 29.06.2004 (Azevedo Ramos) e ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-04-2008 (Processo: 313/2006-2) e do Porto de 12.07.2017 (Rui Moreira) e da RG de 5/11/2015, (proc. nº 3990/14.2TBBRG.G1), todos disponíveis in WWW.dgsi.pt).
Não pode assim o cônjuge do sócio solicitar informações á sociedade como se tivesse intervindo no contrato de sociedade. Como vimos, o direito de informação, é um direito instrumental, é um direito que visa garantir o exercício de outros direitos sociais, que não assistem ao cônjuge do sócio.
Ora, por força do disposto no art. 8º nº 2 do CSC, considerado sócio nas relações com a sociedade, é a segunda Ré, que foi quem celebrou com aquela o contrato de sociedade. O seu cônjuge, o aqui Autor, nas relações com a sociedade, não é considerado sócio por força de tal norma.
E não o sendo, não pode apresentar-se a exercer um direito que o CSC reconhecer apenas aos sócios e que é instrumental ao exercício de outros direitos atribuídos aos sócios.
Seguimos assim, aquela que consideramos ser a melhor jurisprudência, citando-se agora apenas aquela que versou sobre a questão ora em apreço, da legitimidade do cônjuge para requerer Inquérito Judicial: Acórdãos do STJ de 25.11.2000 (relator Lopes Pinto), in BMJ 501, 2000, pg 300 e ss; de 31.3.1998 (relator Garcia Marques); este disponível in www.dgsi.pt e das Relação de Lisboa de 20.3.1997 (relator Luís Fonseca) in CJ, II (1997) pg 86 e ss; da RP de 13.3.2000 (relator Caimoto Jácome) in CJ II (2000), pg 198 e ss e muito recentemente o acórdão desta Relação, datado de 7.12.2018 (relator Filipe Caroço) proferido no processo 165/18.5T8AMT.P1, não publicado, mas junto por cópia aos autos, cujo sumário, por isso, se transcreve: “1-O direito de informação, no âmbito do Código das sociedades Comerciais, é um direito que assiste apenas aos sócios, sendo instrumental para garantir o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente o direito aos lucros, voto, impugnação de deliberações sociais, eleger os membros dos órgãos sociais, sindicar os negócios sociais, ação de responsabilidade contra os gerentes, etc.; 2-O sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido a informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito á sociedade; 3-O cônjuge do sócio titular de uma participação social não pode ser tido como sócio nas relações com a sociedade e, como tal, não lhe assiste o direito á informação, ao menos quando a solicite antes do processo de inventário, mesmo na pendencia do casamento, antes da instauração da ação de divórcio e até antes da data que, nesta ação, veio alegar como sendo a da separação de facto do casal (pedindo que os efeitos do divórcio retroajam a essa mesma data).4-O direito à informação é um direito pessoal do sócio, independentemente do tipo de sociedade a que respeita a participação social em que comunguem ambos os cônjuges;5-Recusada, legitimamente, pela sociedade, a informação ao cônjuge não sócio que a solicitara, não tem ele legitimidade ativa para obter por via de inquérito judicial a sindicância daquela recusa; como tal deve ser julgado parte ilegítima, com a consequente absolvição dos RR da instância.”
À luz do regime exposto, explicitado nos termos que antecedem, temos de concluir que, pela circunstância da 2ª Ré ser sócia da sociedade C…, Ldª, não se comunicou a seu marido a qualidade de sócio. A titularidade da quota manteve-se exclusivamente na esfera jurídica daquela, sem prejuízo de o património conjugal, (o conjunto de bens que integram a “massa patrimonial”), incluir o valor patrimonial dessa quota.
Com efeito, na comunhão de bens patrimonial entra apenas o valor patrimonial da quota, já não a qualidade de sócio com todo o correspondente complexo de direitos e deveres, quando foi o cônjuge quem celebrou o contrato de sociedade, já que essa qualidade de sócio é sempre indissociável da pessoa do titular da respetiva participação social, sendo esta incomunicável, enquanto permanecer encabeçada na pessoa de um deles.
O direito potestativo dos sócios de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”(artigo 21º nº 1 al c) do CSC) é um direito extrapatrimonial, sendo ainda um direito instrumental para o exercício de outros direitos.
Assim sendo, o exercício do direito social de Inquérito Judicial á Sociedade (ação especial regulada nos arts. 1048º e ss do CPC) radicado em violação do direito á informação, está reservado apenas ao cônjuge, sócio da sociedade que constituiu a sociedade na pendência do matrimónio (ou que adquiriu na pendência do casamento a participação social).
Daí que seja de confirmar a sentença recorrida, que em consequência da ilegitimidade ativa do Autor para a ação de Inquérito Judicial, absolveu os Réus da instância.

V-DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta secção cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 22 de Outubro de 2019
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró
________________
[1] António Menezes Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais anotado, 2ª ed.2011, pg 144.
[2] Ver Raúl Ventura in Sociedade por quotas, vol I, 2ª ed. Pg 282.
[3] In “O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, 1998, página 121.
[4] In "Direito Comercial", 2º Vol., pág. 317. Também neste sentido, Raúl Ventura loc cit. pg 282 e ainda Carlos Maria Pinheiro in ob cit, pg 101.
[5] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 68
[6] Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. II, pág. 286.
[7] Artigo 1º da petição inicial.
[8] Raúl Ventura in Sociedade por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol I, 2ª ed, pg 498 explica que “é mais curial designar a situação por contitularidade, como faz o CSC, do que por compropriedade como fazia o art. 9º da Lei de 1901”, Isto porque “a contitularidade não é uma compropriedade em sentido técnico e restrito, mas uma verdadeira contitularidade dos direitos e deveres componentes da quota”.
[9] O Autor juntou a fls. 32 e ss Parecer Jurídico elaborado pela Professora Maria Miguel Carvalho e os Réus juntaram a fls. 253 e ss Parecer Jurídico do Professor João Paulo Remédio Marques.
[10] João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 17.ª reimpressão, 2008, pp. 181-185).
[11] A LSQ continha um artº 9º regulador da compropriedade da quota, mas esse artigo, ocupando-se apenas do regime da compropriedade, nada indicava perante outros preceitos ou princípios (Raúl Ventura, Compropriedade da quota, Scientia Iuridica, 1966, pg 6 da separata- citado no Parecer de Raul Ventura, a seguir referido, pg 40.
[12] Raul Ventura in Parecer publicado na CJ, 1989, IV, pg 38 e ss.
[13] Na suas Lições de Direito Comercial, vol II, pg 28.
[14] A título de curiosidade, tal como nos dá conta o teor do Parecer do Professor Doutor Raúl Ventura in CJ citado, pg 44, (parecer datado de 31.1.1989) também nesta questão particular os Professores Raúl Ventura e Ferrer Correia não estavam de acordo, acusando até o primeiro, o segundo de, e citamos “No seu Parecer, o Prof Ferrer Correia, dentro da linha lógica que adotou, chega á conclusão contrária á minha, porque – salvo o devido respeito – a sua investigação sobre a jurisprudência foi insuficiente; escaparam-lhe os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que ex professo tinham tratado a questão e a tinham decidido em sentido inverso ao da sua teoria”…
[15] Ver o Parecer do Professor Doutor Raul Ventura in CJ citado.
[16] Que deixou de ser relevante, por dificilmente existirem ainda, atento o tempo decorrido, situações a decidir nesta matéria, que se encontrem ainda a coberto da anterior LSQ.
[17] Estas referências á compropriedade versus comunhão de bens, são feitas de forma genérica sem se atentar ao regime particular das sociedades comerciais, onde se sabe existem desde logo regras específicas para a transmissão de quotas e de ações.
[18] Antunes Varela, Direito da Família, Lisboa, 1982, págs. 373 e ss.
[19] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume I, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 507
[20] Da autoria da Professora Maria Miguel Carvalho junto a fls. 32 e ss.
[21] Aqui apoiando a sua posição em JORGE M. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p.209 e RITA LOBO XAVIER, in Reflexões sobre a posição do cônjuge meeiro em sociedades por quotas, separata do Vol. XXXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1993, p. 58 e s.
[22] Junto a fls. 253 e ss da autoria do Professor Remédio Marques.
[23] Pg 18 do Parecer citado.
[24] In CSC Anotado, coordenado pelo Prof. Meneses Cordeiro págs. 103 e 104.
[25] In http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Comercial_a.pdf, http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=55&codarea=1 e CJ/ Supremo, III, 2000, pág. 142, STJ e BMJ 501 (2000), pág. 300 e ss.
[26] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, coordenação Jorge M Coutinho de Abreu, Almedina, volume I, pg 151.