SEGURO DE VIDA
TOMADOR
CÔNJUGE
RESOLUÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I - A resolução do contrato de seguro do ramo vida celebrado em 2001, com fundamento na falta de pagamento dos prémios, deve ser comunicada a ambos os cônjuges aderentes.

II - A resolução comunicada a um não opera relativamente ao outro dos cônjuges.

III - A parte relativamente ao qual a resolução operou não litiga com abuso do direito quando acciona o contrato de seguro do ramo vida com base na respectiva vigência e cobertura do risco ocorrido.

Texto Integral


Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Central Cível de Coimbra – Juiz 1.


***

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1- AA intentou no Juízo Central de Coimbra, Comarca de Coimbra, uma ação sob a forma de processo comum contra BB, S.A., e CC,S.A., pedindo a condenação da primeira Ré a pagar-lhe € 53.045,80, por ser esse o montante em dívida à segunda Ré, em 05.03.2015, data em que teve lugar o óbito de DD, com quem o A. foi casado; da segunda Ré a restituir-lhe todos os valores pagos como prestações do contrato de mútuo com ela celebrado, a contar da mesma data de 05.03.2015, acrescidos de juros à taxa legal até integral pagamento, computando-se em € 8.289,00, os vencidos na data da propositura da ação; de ambas as Rés a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00 por danos não patrimoniais ocasionados.

Alega, para tanto, que em Maio de 2001, ele e sua falecida mulher, contraíram junto da Ré CC um empréstimo de € 76.814,99 destinado a aquisição e reconstrução de um prédio urbano para habitação permanente do casal; ao mesmo tempo celebraram um contrato de seguro com a Ré BB, para garantia do capital do mutuado em caso de morte ou invalidez total e permanente de qualquer dos mutuários, no qual ficou beneficiária a Ré CC; sucedeu que, pretextando com a anulação da apólice por falta de pagamento dos prémios, a Ré BB se recusou a pagar ao A. o capital seguro quando lhe foi participado o óbito da segurada mulher verificado em 05.03.2015; todavia, nunca o A. ou a sua falecida mulher receberam qualquer comunicação atinente à cessação do contrato com tal fundamento, pelo que à data do sinistro o seguro continuava válido e exigível.

Contestando a Ré CC defendeu-se alegando que já em 2009 alertara o A. e sua falecida mulher - os mutuários - para os efeitos da falta de pagamento dos prémios do seguro contratado com a Ré BB, vindo, no entanto, esta seguradora a aceitar o reinício do seguro em 15.03.2010; voltaram o A. e sua falecida mulher a deixar de pagar os prémios relativos a Fevereiro e Abril de 2011, incumprimento comunicado à Ré contestante pela Ré seguradora; tendo a Ré CC, uma vez mais, chamado a atenção dos mutuários para a gravidade das consequências de tal facto, nem assim estes regularizaram os valores em débito; de sorte que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada na cessação do seguro em apreço, pelo que deve ser integralmente absolvida do pedido.

Terminando com a improcedência da ação, requereu igualmente a intervenção principal provocada de EE, para assegurar o litisconsórcio necessário ativo da herança da falecida segurada e mulher do A. DD.

Contestou igualmente a Ré BB excecionando a resolução do contrato de seguro, oportunamente dada a conhecer ao A. em carta registada que para o efeito lhe foi enviada em 18.04.2011 por se encontrarem em dívida os meses de Fevereiro e Abril de 2011, no montante de € 93,04. Terminou pedindo a improcedência da ação.

Admitida a intervenção principal requerida e citado o interveniente este apresentou contestação que viria a ser desentranhada.

A final foi a ação julgada parcialmente procedente em função do que foi a Ré BB condenada a pagar o capital em dívida pelo Autor e Interveniente, na qualidade de únicos herdeiros de DD, à Ré CC, em liquidação a efetuar ulteriormente, e, bem assim, a restituir ao A. as prestações por este pagas à Ré CC desde 5 de Março de 2015, de € 8.829,00 em Maio de 2017, descontados os prémios em dívida desde Fevereiro de 2011 até àquela data de 5 de Março de 2015, a liquidar ulteriormente; do mais peticionado foram as Rés absolvidas.

Inconformada, da sentença recorreu a Ré BB, vindo a ser julgada procedente a apelação, revogada a sentença recorrida nos segmentos em que condenou a Ré/apelante, e em consequência foram absolvidas ambas as Rés de todos os pedidos formulados.

Agora inconformado veio interpor Recurso de Revista o autor AA, concluindo:

DO ABUSO DE DIREITO 

A - O contrato de seguro era válido e eficaz em relação à pessoa segura mulher do Autor.

  B - “A pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso, ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada”

 C - “A pessoa que viole uma situação jurídica perturba o equilíbrio material subjacente. Nessas condições, exigir à contraparte um procedimento equivalente ao que se seguiria se nada tivesse acontecido, equivaleria ao predomínio do formal: substancialmente, a situação está alterada, pelo que a conduta requerida já não poderá ser a mesma.”

  D - O seguro devia ser pago por débito directo através de uma conta bancária. 

 E - O seguro visava a cobertura de um crédito e o contrato de empréstimo bancário tinha como condição a existência de um seguro.

 F - O abuso de direito, previsto expressamente no art. 334 do CC, apresenta-se como “uma constelação de situações típicas [sem prejuízo do aparecimento de situações atípicas, ocorrências de sobreposição e ocorrências desfocadas em relação ao núcleo duro dos diversos tipos] em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima”. 

G - O que acontece pela concretização do princípio da boa fé através da mediação dos princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente.

 H - Entre diversas situações está a que dá origem ao sub-instituto do to quoque, que “exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso, ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.” 

 I - Do  ponto de vista da seguradora, é esta a situação que resulta do exercício do direito de accionar o seguro pela autora: esta pretende beneficiar do seguro sem ter pago nada em contrapartida durante nove anos (ou seja, encontrando-se numa situação objectiva de violação da posição jurídica que pretende que a seguradora acate).

 J - Mas, numa perspectiva oposta, chega-se a um resultado muito mais grave: dando provimento à pretensão da seguradora ir-se-ia, contra a lei, retirar à segurada a protecção de um seguro que tem por fim cobrir o risco de perda de rendimentos para pagar o empréstimo bancário, podendo, por isso, levar à perda da habitação própria contraída com esse empréstimo, e isto sem se provar, sequer, que ela sabia que o seguro não estava a ser pago.

L - Ora, contra a solução que a seguradora contesta, ela podia-se ter prevenido simplesmente cumprindo a lei, ou seja, comunicando devidamente a declaração de resolução do contrato, o que simultaneamente permitiria cumprir outro objectivo da mesma lei: dar aos segurados o conhecimento efectivo da declaração da resolução do contrato, para que, querendo, possam celebrar um novo contrato que os ponha a coberto do risco de perda do seguro. 

M - Assim sendo, conclui-se que, para evitar o resultado que a seguradora agora não quer - mas que poderia ter evitado se tivesse actuado com um mínimo de cuidado, de resto como a lei lhe impunha -, se iria cair numa situação muito mais grave de desprotecção da segurada, com a possível consequência da perda do direito desta à própria habitação.  Ora, a aplicação do abuso de direito não se destina a criar este tipo de situações… “[…] tem de se aceitar que o caso dos autos se situa na fronteira entre o uso e o abuso de direito, sendo de propender para um lado ou para outro, conforme seja de realçar o exercício legítimo do direito em face da manutenção em vigor da apólice de seguro, por não resolvido o contrato, ou de sobrelevar o condicionalismo externo ao exercício de tal direito, consistente na falta de pagamento dos prémios de seguro, com a consequência de a seguradora ter de responder nos termos do contrato sem ter usufruído integralmente da contrapartida financeira acordada.

 N - À partida não se pode perder de vista que estamos em face de uma relação contratual em que a parte mais forte é indubitavelmente a seguradora, não só por ser a autora dos termos do contrato como por ser detentora de melhores meios e condições para intervir adequadamente na execução duradoura do mesmo contrato.

 O -  Sendo previsível o exercício do direito por parte dos beneficiários do seguro nos termos acordados na apólice e sendo a seguradora detentora da faculdade de exigir o rigoroso cumprimento do contrato e até de o resolver e não o tendo feito, por opção ou por incúria, não poderá no caso em análise considerar-se a presente demanda como integradora de uma situação de abuso de direito.

 P - Quer dizer a seguradora gozou de tempo bastante, ou mesmo excessivo, para se precaver de qualquer indesejada demanda e apesar disso, não quis, ou não soube, usá-lo na defesa dos direitos que lhe assistiam.

Q - Neste contexto, afigura-se-nos que o direito objecto da presente acção, não se situa fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência, nem em termos abertamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, nem por outro lado, o exercício do direito da apelante veio criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício desse direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado, na medida em que é reclamado conforme tudo o previsto em contrato em vigor, em que a Ré seguradora assumiu o risco que agora lhe é exigido. 

R - Não se pode sancionar como abusivo o direito que a Autora veio exercer através da presente acção.

 DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DO PRÉMIO DE SEGURO

 S - O regime jurídico aplicável a 18 de Maio de 2001 era o ínsito no DecretoLei n.º 176/95, de 26 de Julho, que no seu artigo 1.º alínea b) prescreve: “b) «Tomador de seguro» - entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio;”

 T - É inequívoco que é o tomador do seguro e não o segurado o responsável pelo pagamento do prémio (artigo 1.º alínea b) do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho).

 U – Os segurados estavam obrigados a contribuir para o pagamento dos prémios do seguro de vida, o que significa que o seguro era um seguro de grupo de tipo contributivo (artigo 1, al. b), g) e h) do DL n.º 176/95).

 V - O tomador continuava a ser o responsável pelo pagamento dos prémios. Embora o sacrifício patrimonial do pagamento do prémio fosse suportado, em definitivo, pelo segurado – o que conferia ao seguro o carácter de contributivo – 

 X - O responsável pelo não pagamento foi o tomador, a outra parte do contrato de seguro, o direito de resolução do contrato a exercer pela seguradora, devia ter sido exercido por ela contra a outra parte do contrato, ou seja, contra o tomador.

 Z - Encontram-se, assim, violadas as norma ínsitas no artigo 1.º, al. b), g) e h) e artigo 18.º do DL n.º 176/95, bem como o artigo 334.º do Código Civil.

Deve a decisão SER REVOGADA, procedendo o Recurso.

Responde a R. BB - …, SA., concluindo que deve ser julgada improcedente a alegação do recorrente e deve ser negado provimento ao recurso.


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Foi admitido o recurso.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foram julgados e fixados como provados os seguintes factos:

1-O Autor AA era casado com DD sob o regime de bens de comunhão de adquiridos (art. 1º da petição inicial).

2- Por escritura pública de mútuo com hipoteca e documento complementar à mesma datados de 18 de Maio de 2001, Autor e a sua mulher contraíram um mútuo de esc.15.400.000$00 (€76.814,89) junto da Ré CC, SA para reconstrução do imóvel destinado a sua habitação permanente sito em ..., Freguesia ..., e mediante a qual se obrigaram a proceder a tal empréstimo em prestações mensais e sucessivas num total de 360, pelo prazo de 30 anos, conforme decorre do teor do doc. nº2 junto a fls. 148 e ss. (arts.2o a 4o da petição inicial).

 3-As   prestações   mensais   e   sucessivas   seriam   debitadas   da   conta   bancária   nº ... titulada pelo Autor e sua mulher conforme consta da cláusula 12ª aposta ao contrato de mútuo formalizado por escritura pública e documento complementar junto como doc. nº2 constante de fls. 148 e ss. (art. 5º da petição inicial).

4-Consta da cláusula 18ª aposta ao documento complementar que constitui parte integrante do contrato de mútuo com hipoteca junto como doc. nº2 de fls. 148 e ss. o seguinte:

“A parte devedora obriga-se:

a) a não dar ao imóvel hipotecado destino diferente do que ficou indicado, nem o desvalorizar por qualquer forma.

b) a pagar pontualmente as contribuições por ele devidas;

c) a tê-lo seguro à vontade da credora e a só por intermédio desta e com o seu acordo alterar o referido seguro;

d) a reforçar a garantia prestada se a credora o exigir ” (arts.6º e 7º da petição inicial).

5-Consta da cláusula 19º aposta ao documento complementar que constitui parte integrante do contrato de mútuo com hipoteca junto como doc. nº2 de fls. 148 e ss. o seguinte:

“(Direitos da credora) A credora fica reconhecida o direito de:

a) alterar o seguro referido na cláusula anterior e pagar por conta da parte devedora os respetivos encargos;

b) a receber a indemnização, em caso de sinistro e averbar para tal fim as apólices a seu favor;

c) a debitar na conta do empréstimo quaisquer despesas relativas ao mesmo e cujo reembolso tenha direito;

d) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato.” (art.9º da petição inicial).

6- No dia 18 de Maio de 2001, Autor e sua mulher aderiram ao contrato de seguro ... celebrado entre a Ré BB e a Ré CC, titulado pela apólice nº ..., associado ao empréstimo aludido em 2) para garantia do pagamento do capital seguro de €76.814,89, em débito, em caso de morte e de invalidez total e permanente por doença e por acidente do Autor e/ou sua mulher (pessoas seguras), de que a Demandada CC, SA seria beneficiária/tomador, conforme decorre do teor dos certificados de adesão ao seguro do Autor e da sua falecida mulher constantes de fls. 45 a 47 v.

7-DD faleceu no dia … de … de …, conforme decorre do teor do assento de óbito nº… … junto como doc. nº 5 com a petição inicial (art. 18° da petição inicial).

8- Deixou a sucede-la o Autor e o seu filho EE (art 19° da petição inicial).

9- À data do óbito da mulher do Autor, encontrava-se o remanescente do empréstimo, em débito, ascendia a 53.283,56 (arts.20° da petição inicial e 6º da contestação da Ré CC, SA).

10-Em 23 de Novembro de 2016, o Autor enviou a carta registada, com aviso de receção junta como doc. nº 7, com a petição inicial à Ré “BB ”, e recebida por esta, por via da qual comunicou-lhe a morte da sua esposa com a finalidade de acionar o seguro de vida contratado (arts. 22° e 23° da petição inicial).

11-A Ré “BB”, por missiva junta como doc. nº 8, com a petição inicial, respondeu à missiva aludida em 10), informando-o de que o seguro de vida havia sido anulado, por falta de pagamento dos prémios vencidos, e declinando, assim, a sua responsabilidade (art. 26° da petição inicial).

12- A   esposa   do   Autor   nunca   recebeu   qualquer   comunicação   de   cessação   do seguro/resolução do seguro, por falta de pagamento de prémios, da Ré “BB” (parte do 28° da petição inicial).

13-Face à atitude tida pela Ré “BB” em 11) dos Factos Provados, o Autor viu-se impedido de beneficiar do seguro de vida que garantia o pagamento do remanescente do capital mutuado e garantido, em débito, à data do óbito da esposa (parte do art. 29° da petição inicial).

14-O pagamento dos prémios de seguro de vida à Ré “BB” realizava-se através do Sistema de Débitos Directos a debitar da mesma conta aludida em 3) dos Factos Provados da agência de ... da CC,SA (art. 35° da petição inicial).

15- Após a morte da mulher e até Maio de 2017, o Autor liquidou, mensalmente, a prestação mensal de €307,00 à Ré CC, SA, num total de €8.289,00, por conta do empréstimo aludido em 2) (arts. 43° e 44° da petição inicial).

16-A subscrição do seguro de vida pelo Autor e sua mulher era facultativo (art.  7º da contestação da Ré CC, SA).

17-As cláusulas 18ª e 19º apostas ao documento complementar que faz parte integrante do contrato de mútuo com hipoteca aludido em 2) reporta-se ao seguro multi-riscos (art 10º da contestação da Ré CC, SA).

18-Em 17/03/2009, a Ré “BB” remeteu ao Autor a missiva junta como doc. nº4 da contestação da Ré CC, SA, solicitando o pagamento de prémios em atraso sob pena de se considerar anulado o seguro de vida (art. 12° da contestação da Ré CC, SA).

19-Tendo dessa situação dado conhecimento à Ré CC, SA, na qualidade de tomadora, pela carta de 17/09/2009, junta como doc. nº 5 com a contestação da Ré CC, SA (art. 13° da contestação da Ré CC, SA).

20-Na posse de tal informação, a Ré CC, SA contactou os Mutuários, alertando-os para os benefícios de pagarem os prémios do seguro de vida, que lhes era vantajoso, embora a Ré CC não os tivesse exigido (art. 14° da contestação da Ré CC, SA).

21-Na sequência de diversas conversações, negociações e pagamentos, a Ré “BB” veio a reiniciar o seguro de vida dos Mutuários, em 15/03/2010, conforme decorre do teor da carta junta como doc.  nº 6 junta com a contestação da Ré CC, SA da qual deu conhecimento a esta (art. 15° da contestação da Ré CC, SA).

22-Em 18/04/2011, a Ré “BB expediu carta registada junta como doc. nº 7 com a sua contestação, cujo teor se reproduz aqui para todos os efeitos legais, ao Autor a solicitar o pagamento dos prémios de seguro relativos aos meses de Fevereiro a Abril de 2011 (art. 16° da contestação da Ré CC, SA).

23-Tendo dado conhecimento de tal situação à Ré CC, SA, por carta registada de 19/05/2011 junta como doc. nº 8 com a sua contestação (art. 17° da contestação da Ré CC, SA).

 24- Os prémios aludidos em 22) não foram pagos uma vez que a conta através do qual eram debitados não apresentava saldo disponível para o efeito nas respectivas datas de vencimento (parte do art. 18° e art 19 da contestação da Ré CC, SA).

25- As prestações do mútuo concedido ao Autor e sua mulher não eram pontualmente cumpridas nas respectivas datas de vencimento, sendo que, em todos os meses, foram cobradas comissões, por falta de provisão e juros de mora relativos a cada uma das prestações (arts. 22° e 23° da contestação da Ré CC, SA).

26-Após a rescisão do contrato de seguro com a Ré “BB”, o Autor deixou de ver debitados os respectivos prémios na sua conta (parte do art. 28° da contestação da Ré CC, SA).

27-Desde 2001, o Autor sabia que mensalmente tinha de ter a sua conta provisionada para pagamento do prémio de seguro e da prestação do crédito da CC,  SA  (art   7º da contestação da Ré “BB”).

28-Em 18/04/2011 foi enviada pela Ré BB ao Autor a carta registada com o nº ...PT junta como doc. nº1 com a sua contestação na qual se informava de que não tinham sido cobrados os prémios de seguro dos meses de Fevereiro a Abril de 2011, no valor mensal de €31,02, e se interpelava o Autor para proceder ao seu pagamento no prazo de 30 dias sob pena de anulação da adesão ao contrato de seguro em questão (arts. 10° a 12° da contestação da Ré “BB”).

29-Em 19/05/2011, a Ré “BB” remeteu a carta registada à Ré CC, SA junta como doc. nº 2 com a contestação da Ré “BB”, e recebida pela CC, SA, enquanto tomador do seguro, a informar de que se encontravam em dívida os prémios de seguro devidos pelo Autor no valor de €124, 08, por, entretanto, já se ter vencido o prémio do mês de Maio de 2011 e se no prazo de 15 dias tais prémios não fossem pagos, procederia à anulação das adesões ao seguro de vida (art. 13° da contestação da Ré “BB”).

30- De acordo com os documentos “...-Boletim de Adesão” constantes de fls.69 e vº subscritos entre o Autor, a falecida mulher e a CC, SA, o Autor e sua falecida mulher na sua adesão ao seguro de vida assumiram-se como pessoa segura principal e sua mulher como pessoa segura relacionada, respectivamente (art. 14° da contestação da Ré “BB”).

 31-Na carta aludida em 28) endereçada ao Autor consta aí o Autor como pessoa segura principal e o nome da sua falecida mulher como pessoa segura relacionada (parte do art.l5° da contestação da Ré “BB”).

32-Desde o envio da carta pela Ré “BB” ao Autor até ao falecimento da mulher o Autor não pagou qualquer prémio respeitante ao seguro de vida (art. 21° da contestação da Ré “BB).

33-Desde 2002, o casal formado pelo Autor e falecida mulher não residem na Rua da ..., ... (facto instrumental,  cujo aditamento a Ré “BB” requereu, em sede da 2ª sessão da audiência a), e por nós aqui considerado, por resultar da instrução da causa, nos termos do disposto no art. 5º, n°2, al a), do CPC).

34-O casal nunca avisou a Ré “BB” da mudança de residência (facto instrumental, cujo aditamento a Ré “BB” requereu, em sede da 2ª sessão da audiência e por nós aqui considerado, por resultar da instrução da causa, nos termos do disposto no art. 5°, n°2, al. a), do CPC).

35-Era a falecida mulher do Autor que abria a correspondência dele, nas suas ausências, como motorista de transportes internacionais (facto instrumental, cujo aditamento a Ré “BB” requereu, em sede da 2asessão da audiência e por nós aqui considerado, por resultar da instrução da causa, nos termos do disposto no art. 5°, n°2, al. a), do CPC).


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Face à matéria de facto assim alinhada temos que a mesma se mostra bastante confusa, sem uma sequência lógica ou cronológica. No entanto, apesar de obrigar a um esforço acrescido para compreensão dos factos, entendemos que não se torna necessário reenviar o processo à Relação, ao abrigo do disposto no art. 682, nº 3 do CPC.

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.      

Questiona-se:

- Do abuso de direito;

- Da obrigação de pagamento do prémio de seguro.


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Conhecendo:

No acórdão recorrido entendeu-se que, “não se operou válida e eficazmente a resolução contratual perante os dois aderentes, e, no que ora interessa, perante a falecida mulher do A., como vem pretendido pela recorrente”.

Apesar de não resolvido o contrato, entendeu-se que a apelação devia ser julgada procedente face à verificação da exceção do abuso de direito.

Neste segmento, é a seguinte a fundamentação do acórdão recorrido:

“Sobre o abuso do direito.

Por último, suscita a apelante seguradora a questão do abuso do direito.

Aqui cremos que lhe assiste razão, uma vez que o exercício do direito à exigência da prestação da seguradora atenta clamorosamente contra a boa-fé, integrando, por isso, uma das vertentes possíveis do abuso do direito do art.º 334 do CC.

Na verdade, o A., como segurado, e sua falecida mulher, também segurada, negligenciaram o pagamento dos prémios vencidos mediante o provisionamento da conta aberta na Ré CC durante por um período superior a quatro anos, desde Fevereiro de 2011 até ao falecimento da segurada em Março de 2015, sem que para tal haja sido fornecida qualquer explicação ou justificação. Pelo que é de concluir que, os segurados e, nomeadamente, o segurado A., se desinteressaram do cumprimento de uma obrigação contratual, por sua exclusiva culpa deixando arrastar por tão longo período a falta de pagamento dos montantes dos prémios mensais a que sabiam estar vinculados (que não era inédito), pretendendo, agora, o segurado A., após o falecimento do seu cônjuge também segurado, prevalecer-se de um contrato que ele próprio enquanto segurado não respeitou.

É para nós inegável que o sentimento jurídico – a percepção comum do que é “justo” – sairia gravemente ferido se alguém que deixou desacautelado ou abandonado o interesse seguradora durante um tão extenso lapso temporal, não se preocupando com a retribuição do risco que esta se encontrava a suportar, pudesse agora, numa acção proposta seis anos mais tarde, vir reclamar e obter para si o benefício/vantagem inerente à toda a prestação a que esta se comprometeu. Diferente seria, obviamente, a situação se a mora dos segurados tivesse cessado ao fim de três ou quatro meses. Mas quatro anos de total desprezo dos segurados dos respectivos compromissos não são compagináveis com a invocação da irregularidade de uma resolução declarada seis anos antes da propositura da acção. O comportamento dos segurados  - para o caso do A., mas também dos herdeiros da falecida segurada - deve, a nosso ver, ser subsumido à modalidade de abuso do direito designada por “tu quoque”[Esta   modalidade,   segundo   Menezes   Cordeiro   (“Da   boa   fé   no   direito   civil”)   sanciona   com   a   ilegitimidade, designadamente, o exercício de uma “posição jurídica violada pelo próprio”], paralisando a pretensão daquele que quer obter para si a vantagem de uma prestação contratual que desrespeitou no seu adversário (o hoje bem conhecido “benefício do infractor”). Afinal, do que pura e simplesmente se trata é de evitar um clamoroso desequilíbrio ente as prestações de segurador e segurados, desequilíbrio que se traduziria num tão ostensivo quanto afrontoso enriquecimento dos segurados à custa seguradora.

Em suma, por força da procedência da excepção do abuso do direito, a sentença recorrida, na parte em que é condenatória da apelante, não pode ser mantida”.

Como se constata e face aos factos provados, a seguradora não operou válida e eficazmente a resolução contratual perante os dois aderentes (autor e falecida esposa).

É prática bancária, em contratos de mútuo para aquisição de casa própria, o mutuante –banco se precaver com garantias para proteger o crédito que vai conceder, por norma com a hipoteca sobre o imóvel e, ainda, a celebração de contrato de seguro de vida, cobrindo, além do mais, o risco morte e incapacidade total e permanente dos mutuários.

Em causa nos autos, o contrato de seguro celebrado entre o autor e sua falecida esposa como segurados (ele pessoa segura principal e ela como pessoa segura relacionada), o réu banco –CC como beneficiário/tomador e a ré BB como seguradora – facto 6.

Tendo em conta a data da celebração do contrato, 18 de maio de 2001, é aplicável o regime jurídico decorrente do DL. 176/95, de 26-7 cujo propósito foi introduzir regras de transparência na atividade seguradora, salientando-se que a proteção do consumidor era, já naquele diploma, preocupação do legislador, devendo o mesmo ser informado.

O art. 18, nº1, impunha, no caso de resolução do contrato, a comunicação por escrito por uma das partes à outra, com antecedência mínima de 30 dias, a data da resolução.

No caso em apreço, a comunicação foi feita pela seguradora BB, por carta dirigida ao segurado autor e ao banco tomador do seguro – factos 22, 28 e 23.

A mora quanto ao pagamento dos prémios de seguro não implicava, automaticamente, no seguro de vida, a resolução do contrato. Haveria a mora de ser convertida em incumprimento definitivo pela via da interpelação admonitória – art. 808 do Código Civil.

A resolução automática ligada à mora, no que respeita ao pagamento do prémio do seguro, foi introduzida pelo DL. 142/00, de 15-7, mas excecionou, no art. 1 nºs 1 e 2, do seu regime os seguros do ramo vida, pelo que não tem aplicação no caso concreto.

Se em relação ao autor, o mesmo foi interpelado para pagar “no prazo de 30 dias sob pena de anulação da adesão ao contrato de seguro em questão”, o mesmo não aconteceu em relação à segurada esposa do autor.

Como refere o sumário do Ac. do STJ de 11-12-18, no Proc. nº: 3049/15.5T8STB-B.E1.S1, “No contrato de seguro do ramo vida, sendo aderentes os mutuários de financiamento bancário para aquisição de casa própria, a resolução do contrato pela seguradora, por alegado incumprimento do pagamento dos prémios do seguro, deve ser comunicada a ambos os cônjuges”.

Acrescentando: “Para que a resolução com o fundamento no não pagamento dos prémios do contrato de seguro pudesse espoletar a resolução do contrato, sendo a resolução contratual a destruição retroativa dos seus efeitos, baseada no incumprimento definitivo, e sendo uma declaração receptícia – art. 436, nº1, do Código Civil – não bastava que, sendo partes aderentes do contrato de seguro do ramo vida duas pessoas casadas entre si – a comunicação da resolução, feita apenas a um dos cônjuges, surtisse a sua eficácia em relação ao outro” e, “Não se pode sequer admitir que sendo o mesmo o domicílio uma carta dirigida a um dos cônjuges fosse, necessariamente, do conhecimento do outro. Era imprescindível que a comunicação se fizesse às partes contratuais, destinatárias da declaração resolutiva, com as formalidades exigidas pelo contrato e pela lei”.

E salienta o Ac. deste STJ de 28-02-2018, no Proc. nº 10942/14.0T8LSB.L1.S2 que, “e bem se compreende a obrigatoriedade de a seguradora comunicar a intenção de fazer cessar o contrato de seguro vida, quer ao beneficiário irrevogável, quer às demais pessoas seguras.

Desde logo, porque estamos perante uma resolução convencional, baseada uma cláusula inserta no contrato, associada ao incumprimento (falta de pagamento do prémio) e que, fixando um termo essencial para o pagamento do prémio ou prémios em atraso, permite à seguradora, findo esse prazo, resolver, de imediato, o contrato de seguro (cfr. art. 432, nº 1 do C. Civil).

Depois, porque, não só a resolução do contrato de seguro afeta qualquer um deles, como a consequência da inércia do tomador do seguro face à notificação admonitória efetuada pela seguradora é suscetível de ser sanada quer pelo beneficiário irrevogável do seguro, quer pela outra pessoa segura, que só poderão ter a oportunidade de prevenir e obstar à participada intenção de resolução do contrato se tiverem o conhecimento daquela comunicação”.

E acrescenta: “e é neste sentido que se firmou a jurisprudência deste Supremo Tribunal relativa à resolução do contrato de seguro de vida conexo com o contrato de mútuo bancário tendo como aderentes ambos os cônjuges, tendo vindo a exigir (mesmo na vigência do DL nº 176/95, de 26 de julho) que a declaração de resolução enquanto declaração receptícia (art. 436, nº1 do C. Civil) seja dirigida a ambos os segurados, não bastando que a declaração de resolução seja dirigida a um dos cônjuges segurados para que o outro cônjuge se considere automaticamente notificado”.

No caso dos autos, a comunicação à esposa do autor apresentava-se como essencial uma vez que esta contratou o seguro juntamente com o seu marido, sendo ambos pessoas obrigadas, em primeira linha, ao pagamento dos prémios de seguro.  Associado ao empréstimo referido no facto 2, o autor e esposa aderiram a contrato de seguro ..., titulado por uma única apólice –facto 6, pelo que não se podia dividir o contrato e julga-lo válido em relação a um dos contraentes e resolvido em relação ao outro.

Refere o Ac. da Rel. de Lx, de 08-11-2012, no proc. nº 428/11.0TVLSB.L1-2 que, estamos perante um contrato indivisível, ou seja, uma vez que ambos os cônjuges eram segurados na mesma apólice, não era possível resolver o contrato apenas em relação a um deles. Neste conspecto haveria a ré de enviar uma carta de interpelação com a comunicação de resolução, também à autora. Ora, a ré não alegou que tivesse feito, pelo que a resolução do contrato nunca operaria”.

E como ensina o Prof. A. Varela in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed. , pág. 121, nota 2, “a resolução do contrato, quando a obrigação do faltoso se integre num contrato bilateral, não é um efeito da mora”, emergindo para o credor tão somente “quando a mora se converta, por qualquer das vias já apontadas (e entre estas, justamente, a notificação admonitória a que aludimos), em não cumprimento definitivo da obrigação”. Ou seja, a simples falta de pagamento de prémio de contrato de seguro de vida não confere só por si à instituição seguradora o direito de resolução do contrato, o qual depende ainda da conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória nos termos do art. 808 do CC.

Assim que, neste segmento, concordamos com o acórdão recorrido, que considerou, “não se operou válida e eficazmente a resolução contratual perante os dois aderentes e, no que ora interessa, perante a falecida mulher do A., como vem pretendido pela recorrente”, mas já não concordamos com a consideração de que a alegação da ineficácia da resolução do contrato, por parte do autor, consubstanciava abuso de direito nos termos do art. 334 do CC.

Mas ainda que se considerasse ser possível cindir-se o contrato de seguro em relação ao autor e à sua esposa, temos que a resolução do contrato apenas teria operado em relação ao autor, mantendo-se o contrato de seguro válido em relação à esposa do autor por falta de eficácia da declaração resolutiva em relação a esta e, por conseguinte, face ao seu decesso podia ser acionado o seguro, devendo a seguradora cumprir a sua obrigação.

Há que analisar da eventual verificação do abuso de direito:

Nesta questão seguimos de perto o teor do ac. do STJ de 28-02-2018, no proc. nº 10942/14.0T8LSB.L1.S2, com cuja solução concordamos, e o qual concluiu: “I. Decretada a resolução do contrato de seguro de grupo do ramo vida conexo com um contrato de mútuo bancário, com base na falta de pagamento dos respetivos prémios, a invocação da ineficácia da resolução do contrato pelo cônjuge do tomador de seguro, enquanto pessoa segura, por tal declaração rescisória não lhe ter sido dirigida, não integra uma situação de exercício abusivo do direito, uma vez que foi a seguradora que se colocou na situação de manter o contrato de seguro como subsistente em relação àquela segurada, quer por falta de notificação admonitória para efetuar o pagamento dos prémios em dívida, quer por falta da comunicação da decisão rescisória”.

O acionamento do seguro por parte do autor, nas circunstancias referidas integra uma situação de exercício abusivo do direito, por exceder manifestamente os limites que a boa fé no caso exige?

O acórdão recorrido entendeu que sim, nos termos da fundamentação supratranscrita.

Mas, dos factos provados não se retira que a falecida esposa do autor tivesse conhecimento efetivo da falta de pagamento de prémios e se tivesse conformado com isso.

O artigo 334 do CC com a epigrafe (Abuso do direito) estatui: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

 E o art. 762 do mesmo código estipula, no seu nº 2 que, “2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.

No caso dos autos, o autor ultrapassou “manifestamente” os limites impostos pela boa fé que deve existir, quer na fase negocial dos contratos, quer no cumprimento destes?

O princípio da boa fé exprime a relevância que a ordem jurídica confere às considerações éticas e diretrizes morais presentes numa sociedade, sendo transversal a todas as áreas do Direito, revela-se essencialmente no âmbito dos contratos.

Como é referido no Ac. do STJ de 17-05-2012, proferido no Proc. nº 2841/03.8TCSNT.L1.S1, “O conceito normativo de boa fé é utilizado pelo legislador em dois sentidos distintos: no sentido de boa fé objetiva, enquanto norma de conduta, ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efetivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos Tribunais desta cláusula geral; e no sentido de boa fé subjetiva ou psicológica, isto é, como consciência ou convicção justificada de se adotar um comportamento conforme ao direito e respetivas exigências éticas”.

Importa decidir se excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé o autor que veio acionar um contrato de seguro de vida (em que figuravam como segurados o autor e a falecida esposa, tomadora do seguro a CC, e como seguradora a BB), na sequência do falecimento da esposa em 5-03-2015, quando se apurou que:

18- Em 17/03/2009, a Ré “BB” remeteu ao Autor a missiva junta como doc. nº4 da contestação da Ré CC, SA, solicitando o pagamento de prémios em atraso sob pena de se considerar anulado o seguro de vida (art. 12° da contestação da Ré CC, SA).

19-Tendo dessa situação dado conhecimento à Ré CC, SA, na qualidade de tomadora, pela carta de 17/09/2009, junta como doc. nº 5 com a contestação da Ré CC, SA (art. 13° da contestação da Ré CC, SA).

20- Na posse de tal informação, a Ré CC, SA contactou os Mutuários, alertando-os para os benefícios de pagarem os prémios do seguro de vida, que lhes era vantajoso, embora a Ré CC não os tivesse exigido (art. 14° da contestação da Ré CC, SA).

21- Na sequência de diversas conversações, negociações e pagamentos, a Ré “BB” veio a reiniciar o seguro de vida dos Mutuários, em 15/03/2010, conforme decorre do teor da carta junta como doc.  nº 6 junta com a contestação da Ré CC, SA da qual deu conhecimento a esta (art. 15° da contestação da Ré CC, SA).

22- Em 18/04/2011, a Ré “BB expediu carta registada junta como doc. nº 7 com a sua contestação, cujo teor se reproduz aqui para todos os efeitos legais, ao Autor a solicitar o pagamento dos prémios de seguro relativos aos meses de Fevereiro a Abril de 2011 (art. 16° da contestação da Ré CC, SA).

23- Tendo dado conhecimento de tal situação à Ré CC, SA, por carta registada de 19/05/2011 junta como doc. nº 8 com a sua contestação (art. 17° da contestação da Ré CC, SA).

24- Os prémios aludidos em 22) não foram pagos uma vez que a conta através do qual eram debitados não apresentava saldo disponível para o efeito nas respetivas datas de vencimento (parte do art. 18° e art 19 da contestação da Ré CC, SA).

25- As prestações do mútuo concedido ao Autor e sua mulher não eram pontualmente cumpridas nas respetivas datas de vencimento, sendo que, em todos os meses, foram cobradas comissões, por falta de provisão e juros de mora relativos a cada uma das prestações (arts. 22° e 23° da contestação da Ré CC, SA).

26-Após a rescisão do contrato de seguro com a Ré “BB”, o Autor deixou de ver debitados os respetivos prémios na sua conta (parte do art. 28° da contestação da Ré CC, SA).

27-Desde 2001, o Autor sabia que mensalmente tinha de ter a sua conta provisionada para pagamento do prémio de seguro e da prestação do crédito da CC,  SA  (art.  7º da contestação da Ré “BB”).

28- Em 18/04/2011 foi enviada pela Ré BB ao Autor a carta registada com o nº ...PT junta como doc. nº1 com a sua contestação na qual se informava de que não tinham sido cobrados os prémios de seguro dos meses de Fevereiro a Abril de 2011, no valor mensal de €31,02, e se interpelava o Autor para proceder ao seu pagamento no prazo de 30 dias sob pena de anulação da adesão ao contrato de seguro em questão (arts. 10° a 12° da contestação da Ré “BB”).

29-Em 19/05/2011, a Ré “BB” remeteu a carta registada à Ré CC, SA junta como doc. nº 2 com a contestação da Ré  “BB”, e recebida pela CC, SA, enquanto tomador do seguro, a informar de que se encontravam em dívida os prémios de seguro devidos pelo Autor no valor de €124, 08, por, entretanto, já se ter vencido o prémio do mês de Maio de 2011 e se no prazo de 15 dias tais prémios não fossem pagos, procederia à anulação das adesões ao seguro de vida (art. 13° da contestação da Ré “BB”).

30- De acordo com os documentos “...-Boletim de Adesão” constantes de fls.69 e vº subscritos entre o Autor, a falecida mulher e a CC, SA, o Autor e sua falecida mulher na sua adesão ao seguro de vida assumiram-se como pessoa segura principal e sua mulher como pessoa segura relacionada, respetivamente (art. 14° da contestação da Ré “BB”).

31-Na carta aludida em 28) endereçada ao Autor consta aí o Autor como pessoa segura principal e o nome da sua falecida mulher como pessoa segura relacionada (parte do art. 15 da contestação da Ré “BB”).

32-Desde o envio da carta pela Ré “BB” ao Autor até ao falecimento da mulher o Autor não pagou qualquer prémio respeitante ao seguro de vida (art. 21° da contestação da Ré “BB).

A ré seguradora não podia criar expectativas de não ser acionado o seguro, caso viesse a suceder infortúnio aos autores ou a um deles e, o deixar de debitar o valor dos prémios do seguro na conta do autor, apenas à seguradora se pode imputar.

Numa situação anterior, factos 18 a 21, na falta de pagamento dos prémios de seguro, as partes, seguradora e segurados, optaram por conversar, negociar efetuar pagamentos e reiniciar o seguro. Teria sido este iter que espoletou o comportamento posterior dos segurados em não pagar?

O ac. da Rel. de Lx, de 31-05-2007, proferido no processo nº 4560/2007-6, referido pelo recorrente nas alegações, refere no sumário que, “II. A Seguradora que manteve em vigor o contrato de seguro do ramo vida, após se ter verificado a falta de pagamento do respetivo prémio, no primeiro momento e pelo tempo fora, não podia possuir qualquer legítima expectativa de não vir a ser demandada nos termos da apólice, na hipótese de o segurado (no caso também tomador do seguro) vir a sofrer sinistro de que adviesse morte ou invalidez total e definitiva, como se veio a verificar. III. Sendo previsível o exercício do direito por parte dos beneficiários do seguro nos termos acordados na apólice e sendo a Seguradora detentora da faculdade de exigir o rigoroso cumprimento do contrato e até de o resolver e não o tendo feito, por opção ou por incúria, não poderá em tal caso considerar-se a sua demanda como integradora de uma situação de abuso de direito”.

Como refere o prof. Menezes Cordeiro in https://portal.oa.pt, Revista Ano 2005, vol. II, Set. 2005, “I. “Abuso do direito” é, como temos repetido, uma mera designação tradicional, para o que se poderia dizer “exercício disfuncional de posições jurídicas”. Por isso, ele pode reportar-se ao exercício de quaisquer situações e não, apenas, ao de direitos subjetivos. De facto e em boa hora, cada vez menos surgem afirmações de inaplicabilidade do regime do abuso do direito … por não haver um direito subjetivo. Esta figura foi, todavia, paradigmática na elaboração do instituto: donde o discurso sempre usado.

II. A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos — salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso devem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal, em virtude do princípio dispositivo.

Verificados tais pressupostos, o abuso do direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso. O Tribunal pode, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica. Além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas das partes.

III. O abuso do direito, nas suas múltiplas manifestações, é um instituto puramente objetivo. Quer isto dizer que ele não depende de culpa do agente nem, sequer, de qualquer específico elemento subjetivo. Evidentemente: a presença ou a ausência de tais elementos poderão, depois, contribuir para a definição das consequências do abuso”.

E acrescenta que, “o abuso do direito e a boa fé a ele subjacente representam, assim, uma válvula do sistema: permitem corrigir soluções que, de outro modo, se apresentam contrárias a vetores elementares”.

E sobre a modalidade de abuso do direito “tu quoque”, seguida no acórdão recorrido, refere no mesmo estudo o prof. Meneses Cordeiro, “Tu quoque (também tu!) exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso:

— ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente;

— ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio;

— ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.

(…) A ordem jurídica postula uma articulação de valores materiais, cuja prossecução pretende ver assegurados. Nesse sentido, ele não se satisfaz com arranjos formais, antes procurando a efetivação da substancialidade. Pois bem: a pessoa que viole uma situação jurídica perturba o equilíbrio material subjacente. Nessas condições, exigir à contraparte um procedimento idêntico ao que se seguiria se nada tivesse acontecido equivaleria ao predomínio do formal: substancialmente, a situação está alterada, pelo que a conduta requerida já não poderá ser a mesma. Digamos que, da materialidade subjacente, se desprendem exigências ético-jurídicas que ditam o comportamento dos envolvidos”.

O prof. Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português, Vol. I, Parte Geral, Tomo I, págs. 196 a 198 defende que a aplicação do instituto do abuso de direito exige a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, sob pena de se tratar de uma remissão genérica e subjetiva para a materialidade da situação.

Como refere o ac. do STJ de 28-02-2018, que vimos seguindo, “na ponderação de saber se houve, ou não, abuso do direito, o tribunal deve atender aos factos na sua globalidade, e não apenas a segmentos dos factos, bem como às características do contrato celebrado entre as partes e a todo o contexto jurídico e sócio económico subjacente à sua celebração”.

Face ao não pagamento atempado dos prémios de seguro, pelo autor e falecida esposa, ou quando a isso solicitado pela seguradora, apenas permitia à seguradora acionar o mecanismo legal e resolver o contrato e, apenas isso. Vir o autor exigir judicialmente que a seguradora cumpra a obrigação contratual não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.

Referia o Cons. Cardona Ferreira no ac. do STJ de 28-10-1997 im Col. Jurisp (Supremo) Vol. 3, que o princípio da boa fé tem de ser algo mais, muito mais do que o idílico verbalismo jurídico.

No acórdão que vimos seguindo se refere poder chocar, à primeira vista, o sentimento jurídico, a circunstância do segurado poder beneficiar de um seguro sem que ele nem o tomador do seguro tenham cumprido integralmente com a satisfação dos prémios que estavam obrigados a pagar, situação que, segundo a doutrina, permitiria enquadrar o seu comportamento na chamada conduta contraditória, integradora do “ venire contra factum proprium”, ou até mesmo no “tu quoque”, mas entende que a questão não pode ser equacionada de forma tão linear.

A ré seguradora, também, colocou-se na situação de manter o contrato de seguro como subsistente em relação aos segurados, pois não fez prova de ter avisado a segurada para satisfazer os prémios em dívida, quer por falta de notificação admonitória para o efeito, quer por falta da comunicação da decisão rescisória.

Assim como o fator temporal também não favorece à ré seguradora na medida em que também se poderá afirmar que a mesma gozou de tempo mais do que suficiente, ou mesmo excessivo, para usar da faculdade de que era detentora de exigir o rigoroso cumprimento do contrato e até de o resolver, quer exigindo à segurada o pagamento dos prémios do seguro, quer comunicando-lhe a decisão de resolução do contrato por falta de tal pagamento.

“Não o tendo feito, por inércia, descuido ou por qualquer outro motivo, só a ré seguradora pode ser responsável pelo facto da declaração rescisória do contrato de seguro de grupo do ramo vida não ter qualquer eficácia resolutiva em relação à segurada, malgrado, durante todo aquele período de tempo, se ter verificado a falta de pagamento dos respetivos prémios”.

Se foi longo o período de tempo em que o autor e esposa não pagaram os prémios de seguro, período igual teve a seguradora para exigir o cumprimento por parte dos autor e esposa, ou resolver o contrato. Além de que deixando de debitar o valor dos prémios na conta dos segurados – facto 26, não é legítimo pressupor que estes sabiam que os deviam.

Assim, só nos resta concluir que o direito que o autor, juntamente com o interveniente principal na qualidade de herdeiro da falecida esposa do autor, pretende fazer valer, “não se situa fora do seu objetivo natural e da razão objetiva da sua existência em termos manifestamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico, inexistindo, por isso, abuso de direito” – (como se concluiu no acórdão que vimos seguindo).

Procedendo as conclusões do recurso referentes ao afastamento, in casu, do abuso de direito.

Obrigação do pagamento do prémio do seguro:

Alega o recorrente que a demandada CC era a beneficiária tomador do seguro e que esta era a responsável pelo pagamento dos prémios/prestações mensais.

Face ao entendimento supra, de afastamento do abuso de direito, exceção invocada pelas rés e fundamento da decisão recorrida, temos por prejudicado o conhecimento do recurso neste segmento.

Decisão:

Face ao exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça e 1ª Secção em, julgar a revista procedente e, consequentemente, repristina-se a decisão da 1ª Instância.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 24 de outubro de 2019

Jorge Dias (Relator)

Paulo Ferreira da Cunha

Maria Clara Sottomayor