I- O direito da A. é um direito fundamental, com protecção constitucional. A exploração económica dos campos de padel pela Ré é um exercício de actividade económica privada que também goza de protecção na lei fundamental, mas essa protecção não pode ser efectuada de forma desligada dos efeitos colidentes com o direito ao repouso, ao descanso e à qualidade de vida do ser humano, pessoa física, que não pode ter um desenvolvimento sadio e integral sem esse repouso, por força da sua própria natureza humana, que o exige.
II - Para se determinar qual dos direitos deve “ceder”, impõe-se colher aspectos determinantes do valor relativo dos direitos em confronto, do sistema jurídico, nomeadamente da CRP e do CC, o que, in casu, conduz a que o desenvolvimento da actividade de papel da 2ªR fique limitado ao horário 8h00- 22h00.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA intentou acção especial de tutela da personalidade contra BB e CC, Lda, peticionando que sejam reconhecidos à Requerente os seus direitos fundamentais ao repouso, ao sossego e ao sono, sendo:
a) ordenada a cessação imediata da actividade de todos os courts de padel e o levantamento e a remoção dos sete courts e de todas as estruturas associadas, incluindo a cobertura e os painéis laterais sobre o recinto dos courts n.º 5, 6 e 7;
b) ou, caso assim não se entenda, ordenada:
(b.i) a cessação imediata da actividade dos courts de padel n.º 5, 6 e 7 e o levantamento e remoção dos três courts e de todas as estruturas associadas, incluindo a cobertura e os painéis laterais, bem como;
(b.ii) a cessação imediata da actividade dos courts de padel n.º 1, 2, 3 e 4 e o condicionamento da exploração da actividade de padel a uma total insonorização dos mesmos e a uma eliminação do carácter intrusivo da respectiva iluminação;
c) ou ainda, caso assim não se entenda ordenada a cessação imediata da actividade de todos os courts de padel durante o período normal de descanso, ficando o desenvolvimento da actividade desportiva de padel restrita ao horário entre as 8h00 e as 20h00, de segunda a sexta-feira.
d) em qualquer caso, condicionada qualquer exploração da actividade de padel no espaço exterior do BB à comprovação de que o ruído e a iluminação produzidos não violam os direitos fundamentais da Requerente e dos demais residentes na área circundante.
2. Designada data para a realização de Audiência, nos termos do disposto no artigo 879.º do Código de Processo Civil, apenas a Requerida CC, Lda, contestou, ali concluindo pela improcedência da acção.
3. Procedeu-se à produção da prova, tendo sido ordenada a realização de perícia ao nível de ruído produzido nas instalações das Requeridas, com o objecto definido nos despachos de fls. 539/540 e 570 dos autos e que se encontra junto a fls. 603/ss dos mesmos – complementado pelo relatório sobre as medições acústicas efectuadas pelo laboratório ali indicado e constante de fls. 579/ss do processo e do parecer técnico de fls. 614/ss.
Após, foi proferida decisão com o seguinte teor:
“Pelos fundamentos expostos, julgo a acção parcialmente procedente, e em consequência decide-se determinar que o desenvolvimento da actividade desportiva de padel por parte dos RR. seja limitada ao horário entre as 8h00 e as 22h00.
No mais, absolvo os RR. do demais peticionado”.
4. Inconformado com o assim decidido, o 2.º Requerido interpôs recurso de Apelação, impugnando a decisão sobre a matéria de facto e de direito.
Inconformada, também a Requerente recorreu subordinadamente, muito em especial por pretender que as restrições à actividade da 2ªR fossem também aplicadas ao fim de semana.
5. O Tribunal da relação conheceu dos dois recursos e decidiu: “Em face do exposto, julga-se improcedente a Apelação apresentada pelo 2.º Requerido e procedente a Apelação apresentada pela Requerente, alterando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos seguintes termos:
- Restringe-se o período de funcionamento dos sete courts de padel explorados pelos Requeridos ao horário de funcionamento entre as 08.00 e as 20.00 horas nos dias de semana;
- Interdita-se a utilização dos sete courts de padel aos Sábados e Domingos.
No mais, mantém-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.”
6. Novamente inconformado, o 2º R voltou a apresentar recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):
“A. Ao ruído decorrente dos courts de padel objeto dos presentes autos não se aplica o critério de incomodidade definido na alínea b) do n.° 1 do artigo 13.° do RGR, conforme se apurou nas medições acústicas ordenadas pelo Tribunal de l.a instância já na pendência dos presentes autos e feitas na habitação da Recorrida por laboratório independente;
B. Sendo o RGR uma lei geral e abstrata, ele aplica-se, por definição, de igual forma a todos os cidadãos, pelo que tanto é critério para balizar o ruído que os campos explorados pela Recorrente poderão produzir, como para balizar aquele que a Recorrida poderá suportar, não podendo então tal critério ser deixado ao livre arbítrio da Recorrida ou de uns moradores em detrimento de outros, sob pena de se introduzir, desde logo, uma enorme incerteza e insegurança no comércio jurídico;
C. Acresce que se encontra provado nos autos que a atividade dos courts de padel aqui em crise está devidamente licenciada e, bem assim, que a conformidade do ruído produzido pelos courts de padel com o disposto no RGR foi pressuposto desse licenciamento camarário;
D. A circunstância de os courts de padel estarem licenciados não é, de todo, indiferente ou irrelevante, na medida em que é o licenciamento que vem estabelecer, por um lado, que uma determinada atividade está conforme ao direito e é, por isso, lícita e, por outro, criar no seu titular expectativas dignas de tutela pelo Direito;
E. Ao estar comprovada a licitude da atividade desenvolvida no DD, por preencher fica, desde logo, o primeiro requisito a que o 878.° do CPC manda atender para poderem ser decretadas quaisquer providências de tutela de personalidade, isto é,a ilicitude da pretensa ameaça física ou moral;
F. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo nem sequer em abstrato admite a possibilidade de existirem ameaças lícitas à personalidade e, pior ainda, entende que a ilicitude da ameaça dos direitos de personalidade decorre ipso facto de eles terem sido violados;
G. Mais se suscita que a norma constante do artigo 878.° do CPC, quando interpretada - como o Tribunal a quo a interpretou - no sentido de que qualquer ameaça à personalidade é ilícita, mesmo que proveniente de uma atividade lícita ou que decorre dentro de um quadro de legalidade, é inconstitucional, por denegação da iniciativa económica privada prevista no n.° 1 do artigo 61.° da CRP, já que é apta a criar situações, como a dos presentes autos, em que mesmo quem tem a legítima expectativa de poder exercer plenamente uma atividade comercial, em virtude de a mesma se encontrar devidamente licenciada e de o ruído por ela produzido se encontrar abaixo do valor máximo legalmente permitido, vê a sua confiança frustrada pela subjetividade da perceção de uma pessoa;
H. Ainda assim, a decisão recorrida entendeu que o horário de descanso da Recorrida deve ser alvo da mesma proteção que decorre da observância do RGR que, alegadamente, exclui a ocorrência de ruído entre as 20:00 e as 08:00 nos dias úteis e determina a sua eliminação aos sábados, domingos e feriados, sustentando este seu entendimento nos artigos 14.° a 16.° do RGR;
I. Salvo em caso de emissão de licença especial de ruído pelo respetivo município, prevista no artigo 15.° do RGR, as atividades ruidosas temporárias são, nos termos do artigo 14.° do mesmo diploma legal, proibidas junto a edifícios de habitação entre as 20:00 e as 8:00 em dias de semana e interditas aos sábados, domingos e feriados;
J. A alínea b) do artigo 3.° do RGR dispõe que atividade ruidosa temporária é a “actividade que, não constituindo um acto isolado, tenha carácter não permanente e que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído tais como obras de construção civii, competições desportivas, espectáculos, festas ou outros divertimentos, feiras e mercados";
K. Estas normas pretendem abranger atividades de caráter eminentemente efémero, como sejam, por exemplo, espetáculos, festas, feiras, mercados com amplificação sonora, comícios, manifestações religiosas, obras de construção civil, lançamento de fogo-de-artifício, utilização de equipamento eletromecânico ou operações de betonagem, o que não é, seguramente, o caso da situação dos presentes autos, em que temos uma atividade permanente, consubstanciada em courts de padel a funcionar todos os dias da semana, das 08:00 às 24:00 (facto provado n.° 113);
L. Por sua vez, o artigo 16.° do RGR restringe as obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços aos dias úteis entre as 08:00 e as 20:00, o que também não corresponde, de todo, à situação dos presentes autos;
M. Apesar da maioria das famílias tomar as suas refeições e cuidar dos filhos no período do entardecer definido pelo RGR (entre as 20:00 e as 23:00), como sublinha a decisão recorrida, a verdade é que o homem médio dificilmente vai descansar ou dormir antes dessa hora, para que os seus direitos ao repouso, ao sossego e ao sono tenham de ser escrupulosamente salvaguardados ao ponto de coartar os direitos que com eles colidam logo a partir das 20:00;
N. Não existem nos autos quaisquer elementos de facto que permitam afastar esta ideia (pelo contrário, do depoimento de parte prestado peia Recorrida em sede de audiência de julgamento resulta que se costuma deitar, precisamente, às 23:00);
O. É insólito, e até atentatório do princípio da igualdade, que o clube explorado pela Recorrente tenha de encerrar às 20:00, mas depois os vizinhos da Recorrida possam fazer barulho até às 23:00;
P. Mesmo num cenário em que se entenda que a Recorrida deve ser alvo da mesma proteçao que decorre da observância do RGR, verifica-se portanto, da parte do Tribunal a quo, um erro de determinação da norma aplicável, desde logo porque a atividade produtora do ruído incomodativo não é enquadrável em nenhuma das hipóteses dos artigos 14.° a 16.° do RGR;
Q. Dada a natureza dos direitos em presença, acresce que as necessidades de proteçao da Recorrida apenas se fazem sentir a partir do período noturno definido pela subalínea iii) da alínea p) do artigo 3.° do RGR, termos em que deverá ser aplicado o artigo 24.° do RGR, relativo aos ruídos de vizinhança, atendendo à proximidade do DD à habitação da Recorrida, sendo, em consequência, os direitos fundamentais desta ao descanso, ao sono e ao sossego objeto da protecção ali prevista, isto é, eliminando o ruído existente entre as 23:00 e as 7:00;
R. As normas constantes dos artigos 14.° a 16.° do RGR e que acabam por ser a ratio decidendi da decisão recorrida (já que é com base no período horário ali previsto que se determina que o horário de funcionamento dos courts de padel se fixe entre as 08:00 e as 20:00 nos dias de semana e a sua utilização seja interdita aos sábados e domingos), quando interpretadas, como o Tribunal a quo as interpretou, no sentido de abranger o ruído decorrente de uma prática desportiva que funciona, em permanência, na vizinhança são, ademais, inconstitucionais, por denegação da iniciativa económica privada prevista no n.° 1 do artigo 61.° da CRP, porquanto põe em causa a viabilidade financeira de uma atividade lúdico-desportiva essencialmente praticada no horário pós-laboral, o que na prática equivale ao sacrifício total do direito à iniciativa económica privada de quem a explora e à sua consequente denegação;
S. O tipo de atividades lúdico-desportivas como a que aqui está em causa nos presentes autos é, essencialmente, praticada no horário pós-laboral, quando as pessoas saem dos seus empregos, pelo que a decisão de limitar a atividade dos courts de padel ao horário entre as 8:00 e as 20:00 revela-se ainda desproporcionada face ao prejuízo ocasionado à Recorrente;
T. É desproporcionado limitar de tal forma o horário de funcionamento do clube que isso faça perigar a sua viabilidade financeira e, consequentemente, a do próprio BB, atentando contra os direitos fundamentais dos seus trabalhadores, já que a cafetaria afeta aos courts terá de ser encerrada e com ela extintos 15 postos de trabalho, bem como da comunidade que ele serve, composta por milhares de associados, que ficará sem esta valência desportiva, por causa da ameaça alegada por uma só pessoa (com toda a subjetividade que isso encerra) e que, em todo o caso, até poderia ser mitigada com uma medida tão simples como a colocação de janelas de vidros duplos na sua habitação;
U. Regras de proporcionalidade e de justa composição impõem que mesmo o direito inferior (v.g. o direito à iniciativa privada da Recorrente) tenha de ser respeitado até onde for possível e que a sua limitação se circunscreva à exata proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses;
V. Não se vê que o meio escolhido pelo Tribunal a quo (a limitação da atividade de padel entre as 8:00 e as 20:00) tenha respeitado os direitos da Recorrente até onde seria possível respeitá-los e, muito menos, que esse meio seja necessário e adequado em relação ao fim (a salvaguarda dos direitos ao repouso, ao sossego e ao sono da Recorrida), até porque a Recorrida dificilmente vai descansar ou dormir antes das 23:00 e, muito menos, às 20:00, para que os seus direitos ao repouso, ao sossego e ao sono tenham de ser escrupulosamente salvaguardados ao ponto de coartar os direitos que com eles colidam logo a partir desta hora;
W. A única restrição horária admissível seria a partir das 23:00, não só porque, sendo uma limitação que salvaguarda ainda o núcleo essencial dos direitos da Recorrente, é aquela que é estritamente indispensável para assegurar a integridade dos direitos da Recorrida aqui em causa, além de que é a única que tem cabimento legal no RGR;
X. Não se afigura necessário e proporcional que a limitação da atividade de padel ao horário entre as 8:00 e as 20:00 se aplique, indiscriminadamente, a todos os sete courts existentes no DD, quando só três deles (os courts 5, 6 e 7) é que se encontram junto à residência da Recorrida;
Y. A Recorrida não peticionou a interdição de utilização dos sete courts de padel aos sábados e domingos ora decidida pelo Tribunal a quo;
Z. Ainda que se entenda que o pedido de interdição de utilização dos sete courts de padel aos sábados e domingos decorre das conclusões de recurso subordinado, isso corresponderia a uma ampliação do pedido que é vedada pelo n.° 2 do artigo 265.° do CPC, que apenas permite ao Autor ampliar o seu pedido até ao encerramento da discussão em l.a instância;
AA. Ao sobrepor-se à vontade manifestada pela aqui Recorrida, o Tribunal a quo violou os limites do seu poder decisório, sendo por isso o acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 615.°, n.° 1, alínea e) do CPC, nulo, por excesso de pronúncia, na parte em que interdita a utilização dos sete courts de padei aos sábados e domingos.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedida a revista e, em consequência, decidido que:
a) O período de funcionamento dos sete courts de padel explorados pela Recorrente decorra entre as 08:00 e as 23:00 ou, caso assim não se entenda, o horário de funcionamento entre as 08:00 e as 20:00 determinado pelo Tribunal a quo apenas tenha aplicação relativamente aos courts 5, 6 e 7; e, em qualquer dos casos,
b) Qualquer restrição do horário de funcionamento apenas tenha aplicação quanto aos dias úteis, mantendo-se, quanto aos fins-de-semana, o horário das 08:00 às 24:00 até aqui em vigor; e
c) As custas da causa sejam repartidas pelas partes, na proporção do decaimento que vier a ser fixado.
Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Conselheiros, estareis, uma vez mais, a fazer a ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
7. A recorrida (A.) contra-alegou, culminando com as seguintes conclusões (transcrição):
“A. A Recorrente interpõe Recurso de Revista tendo por base duas decisões
judiciais anteriormente proferidas coincidentes, sem voto vencido e sem que
delas resulte uma fundamentação essencialmente diferente, i.e., inexiste uma
"fundamentação essencialmente diferente" entre a Sentença proferida pela 1.a
Instância e o douto Acórdão da Relação ora recorrido,
B. O concluído em A) configura a existência de uma dupla conformidade de
julgados que opera como um limite objetivo à interposição de recurso de revista
decorrente da coincidência das decisões sem voto de vencido, com
convergência na respetiva fundamentação.
C. Donde, será processualmente inadmissível o recurso de revista;
D. Em teoria, que apenas por hipótese se coloca, restaria à Recorrente a
possibilidade de lançar mão da figura do recurso excecional de revista [que não
fez] desde que verificado um dos requisitos consagrados no art. 672°, n° 1, do
CPC e desde que a Recorrente demonstrasse, com êxito, concorrer alguma das
três exceções ou pressupostos acolhidos pelas alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art.
672° que legitimasse a interposição de recurso excecional de revista, i.e., desde
que a Recorrente mencionasse as razões objetivas e concretas pelas quais a
relevância da questão, identificando-a, se revela, e a sua apreciação, a título
excecional, seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito [o
que a Recorrente não fez!]
E. Assim, a Recorrente apresenta um Recurso de Revista que deverá ser
indeferido, por verificação de um limite objetivo que é a dupla conformidade entre
a decisão de primeira Instância e o douto Acórdão da Relação, ora recorrido,
sem voto vencido e convergentes na respetiva fundamentação.
F. E, ainda que por hipótese que aqui se coloca sem nela conceder, pretendesse a
Recorrente interpor Recurso Excecional de Revista, também padeceria por
incumprimento da obrigação de indicação das razões objetivas e concretas pelas
quais, hipoteticamente, se justificaria a excecional reapreciação da causa pelo
Tribunal de Revista.
G. Sem prejuízo do concluído em A) a F), na hipótese que se coloca sem conceder,
de admissão do presente recurso, não deverá ser admitido o requerido efeito
suspensivo do mesmo, porquanto: i) de acordo com o disposto no artigo 676.°
do CPC o recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o
estado das pessoas, não sendo aqui o caso; ii) admitir-se a suspensão do
Acórdão recorrido é elevar-se o direito económico da Recorrente em detrimento
dos direitos fundamentais da Recorrida.
H. Quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação feita do artigo 878.° do CPC, não tem a Recorrente qualquer razão, porquanto teima a mesma a confundir o licenciamento de uma atividade de explicação com ameaça ilícita a direitos. Desde logo, perfilhando-se o entendimento do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de janeiro de 1996 (FERNANDO FABIÃO), não deixa de ofender o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, o facto de o ruído em pouco ultrapassar o máximo legal, pelo que, não afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído estar contida nos limites legalmente fixados e de tal atividade ter sido autorizada administrativamente;
I. No mesmo sentido, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de março de 1996 (MÁRIO CRUZ), nos termos do qual "Mesmo que devidamente licenciado, um estabelecimento continua adstrito à obrigação de respeitar todos os direitos de personalidade que são juridicamente mais importantes";
J. Mesmo nos casos de licenciamento administrativo de uma atividade industrial, tal apenas significa a permissão pela competente autoridade administrativa dessa atividade, não autorizando o respetivo agente a violar o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono de outrem, não resultando daqui qualquer denegação da iniciativa económica privada prevista no n° 1 do artigo 61° da CRP - neste sentido vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1 de outubro de 1996 (PEREIRA DA SILVA)
K. A Recorrente alega, no ponto 2 do recurso apresentado, um erro de determinação da norma aplicável, porém, logo no preâmbulo do Regulamento Geral do Ruido [doravante RGR] é referida a necessidade de prevenção do ruído e do controlo da poluição sonora como meios de "salvaguarda da saúde humana e do bem estar das populações" e embora do RGR não resulte a definição de período de descanso, não obstante, por referência a um dia com 24 horas, indicar 3 (três) períodos, a ponderação do douto Tribunal a quo foi feita enquanto garante de defesa do direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado [que não foi] pela atividade regulamentar ou de polícia da Administração.
L. Pelo que, ponderada a atuação da Recorrente - Cf. factos provados - bem andou o Tribunal a quo ao salvaguardar a tutela prioritária do direito fundamental lesado;
M. Assim, a Recorrente pretende apenas lançar confusão quando alega que o entendimento do Tribunal a quo deveria resultar de uma aplicação literal dos artigos 14.° a 16.° do RGR, fazendo passar despercebida a necessária e devidamente sustentada ponderação subjetiva e aplicação dos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação, necessários à resolução de um problema que se fixou no âmbito do conflito de direitos.
N. Alega ainda a Recorrente uma interpretação inconstitucional do Tribunal a quo sobre os artigos 14.° a 16.° do RGR. Sucede que, secundando a própria fundamentação presente no Acórdão recorrido que perfilha igual entendimento do Tribunal de 1 .a Instância, contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer passar, inexiste qualquer situação de denegação da iniciativa privada prevista pelo artigo 61°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, mas sim uma ponderação de tais direitos de forma distinta daquela que é realizada, convenientemente, pela Recorrente. A interpretação feita pelo Tribuna! a quo e Tribunal de 1,a instância nada tem de inconstitucional, antes se baseia na mencionada ponderação de interesses que se encontra justificada e amplamente apoiada em termos doutrinais e jurisprudenciais.
O. Quanto à alegada violação da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, havendo colisão de direitos de espécies diferentes prevalece o que deva considerar-se superior, nos termos do n.° 2 do art.° 335 do CC, inexistindo dúvidas que o direito ao repouso é de valor superior ao direito ao exercício de uma atividade comercial de fins lúdicos.
P. Não sendo por isso legítimo nem defensável comprimir o direito da Recorrida a um período de descanso das 23:00 às 8:00 de segunda a domingo, ininterruptamente, como o requer a Recorrente, o que desde logo desconsideraria a totalidade dos factos dados como provados e que deverão ser lidos de forma conjuntamente, designadamente, facto 86) 87) 111) 112)113) 114) 116) 117) a 126), os depoimentos prestados e os relatórios/pareceres técnicos juntos aos autos.
Q. Assim e contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo teve em consideração e procedeu à aplicação dos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação, procedendo a clara e justificada fundamentação do seu entendimento e ponderação que, aliás, é consonante com extensa doutrina e jurisprudência existente e que pelo mesmo foi, aliás, enunciada.
R. Alega ainda a Recorrente a violação, pelo douto Tribunal a quo, do princípio do dispositivo por, no seu entendimento, a Recorrida nunca ter pedido a interdição de funcionamento dos campos de Padel aos fins de semana.
S. Sucede que, contrariamente ao que alega, a Recorrida, com a sua petição inicial expressamente requereu a limitação do funcionamento dos 7 (sete) courts de Padel aos dias de semana (de segunda a sexta-feira) com um horário de funcionamento das 8h00 às 20h00, logo, interditando-se o seu funcionamento aos fins de semana.
T. À semelhança do que havia já sido requerido com a petição inicial, a Recorrida, em sede de recurso subordinado, peticiona a prolação de decisão que declare a restrição do período de funcionamento da aqui Recorrente ao período diurno das 08:00 às 20:00, de segunda a sexta feira, o que significa que os 7 (sete) courts de Padel deveriam limitar o seu funcionamento a um período semanal (de segunda a sexta-feira) das 8h00 às 20h00,
U. Assim, e no mesmo sentido, em sede de recurso subordinado, a Recorrida peticionou que seja "a sentença substituída por decisão que declare a restrição do período de funcionamento da Requerida ao período diurno das 08:00 às 20:00, de segunda a sexta feira", donde, não corresponde à verdade a interpretação da Recorrente, a qual apenas se revela conveniente à mesma, não obstante errada.
V. Assim, o douto Tribunal a quo não violou os limites do seu poder decisório, não estando por isso o acórdão em apreço inquinado de qualquer nulidade por excesso de pronúncia de corrente da alegada violação do princípio do dispositivo.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, não deverá ser concedida Revista e nesse sentido se requer: Que seja indeferido o requerimento de interposição de recurso de revista, porquanto verificada uma dupla conformidade de julgados que opera como um limite objetivo à interposição de recurso de revista decorrente da coincidência das decisões sem voto de vencido, com convergência na respetiva fundamentação. Assim não se entendendo,
A) que seja indeferido o requerido efeito suspensivo, porquanto o recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado das pessoas, o que, manifestamente, não é o caso.
B) Que seja negado provimento ao Recurso, mantendo-se o Douto Acórdão recorrido nos exatos termos em que se encontra proferido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
8. Vieram provados das instâncias os seguintes factos:
1. Em Março de 2012, o BB, associado à estrutura DD (que, entretanto passou a ser explorada directamente pela empresa EE, instalou três courts de padel no seu espaço exterior, no local onde antes figurava um campo de basquetebol (actuais courts n.º 5, 6 e 7, cota 53.38), tendo iniciado a sua exploração no dia 16 de Abril.
2. Tendo ocorrido a inauguração e torneio de abertura oficial do Padel FF, no dia 05.05.2012 às 11h00 até ao dia 06.05.2012 às 14h00.
3. A modalidade de padel, no início, era praticada nos courts n.º 5, 6 e 7, com um horário com termo às 20h00 nos dias úteis e limitado nos fins de semana, até às 19h00 no sábado e às 14h00 no domingo.
4. Entre Maio e Junho de 2013, o BB/DD/EE desactivou e cobriu a piscina exterior, sobre o aterro da qual fez instalar, a acrescer aos três courts já existentes, quatro courts adicionais de padel (atuais courts n.º 1 a 4, cota 47.50), tendo iniciado a sua exploração na última semana de Junho.
5. Os sete courts de padel, dada a sua localização, estão instalados ao ar livre no interior de um quarteirão maioritariamente residencial, muito próximos das traseiras de parte da Rua de ..., parte da Rua ... e parte da Travessa ....
6. Na sequência da instalação dos últimos quatro courts verificou-se, à data, um aumento do horário de actividade até às 24h00 nos courts n.º 1 a 4, em todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos.
7. Bem como um aumento do horário de actividade até ao período entre as 21h00 e as 22h00, consoante o court, nos courts n.º 5, 6 e 7, em todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos.
8. Entre os anos de 2012 e 2013 foram dirigidas diversas queixas pelos moradores da Travessa ... ao BB/DD/EE pelo ruído provocado pela actividade, bem como pelos horários que se encontravam a ser praticados.
9. Nos contactos e nas queixas dirigidas pela Requerente e por outros moradores da Travessa ... ao BB/DD/EE, foi-lhes comunicado que os horários reduzidos nos courts mais próximos das traseiras da Travessa ... (a saber, courts n.º 5, 6 e 7) representavam, em resultado das queixas dos residentes, uma cortesia do BB/DD/EE para com os mesmos.
10. Nesta sequência, numa reunião em que estiveram presentes GG e JJ, proprietários e residentes no prédio sito no n.º ... da Travessa ..., prédio este adjacente ao prédio da Requerente), o BB/DD/EE afirmou que se encontrava devidamente licenciado para a exploração de courts de padel no exterior, com um horário de funcionamento entre as 6h00 e as 24h00, conforme licença então exibida, com a referência n.º 10/UT/2007, de 21 de agosto de 2012.
11. Não obstante os contactos realizados com o BB/DD/EE, era frequente a falta de cumprimento dos horários estipulados pelo próprio clube, diversas vezes alargando as suas atividades para além do seu termo, ou tendo as mesmas início antes da abertura dos courts.
12. Tendo o BB/DD/EE, na sequência de queixas apresentadas, justificado com a impossibilidade de controlo do acesso ao espaço antes do horário de funcionamento e na tolerância dada aos jogadores no fim dos jogos.
13. Na mesma altura e motivados pelo alargamento dos horários e por frequentes violações dos mesmos, um conjunto de residentes dirigiu-se aos serviços de atendimento da Câmara Municipal de Lisboa, junto dos quais, e ao contrário da informação transmitida pelo BB/DD/EE, constataram:
(i) a falta de licença para a instalação dos courts de padel ao ar livre e para o exercício de actividade, e
(ii) a apresentação, apenas em 14 Junho de 2013 e mais de um ano depois do início da actividade de exploração do padel, de pedido pelo BB para efeitos de licenciamento (correspondente ao Processo n.º 636/EDI/2013), junto da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística.
14. Veio a Requerente a apurar que a licença mostrada pelo BB/DD/EE na reunião realizada dizia respeito às piscinas interiores, em pavilhão, e respectivo horário de funcionamento e não aos courts de padel, os quais não dispunham de qualquer licença para o efeito, seja para a instalação dos courts, seja para a exploração da actividade.
15. A 12.08.2013, alguns proprietários e residentes no prédio sito no n.º 42 da Travessa ..., prédio este adjacente ao da Requerente, entregaram uma exposição na CM Lisboa, associada ao Processo n.º 636/EDI/2013, referente a actividade desportiva não licenciada, tendo a mesma ficado registada sob o n.º 5873/OTR/2013.
16. No âmbito desta exposição entregue na CM Lisboa, foi requerido, a final, que:
“a) a Câmara Municipal de Lisboa, em conjunto com a Autoridade para a Segurança Alimentar Económica, proceda a uma urgente fiscalização do cumprimento da lei em matéria de licenciamento de instalações desportivas e em matéria de urbanismo e de ambiente por parte do BB/DD no que respeita à instalação e exploração das respectivas instalações de padel;
b) a Câmara Municipal de Lisboa, em conjunto com a Autoridade para a Segurança Alimentar Económica, determine, se necessário por via cautelar, a imediata reposição das normais condições de sossego, de repouso e de sono na área residencial circundante das instalações do BB/DD, incluindo no prédio dos requerentes; e
c) os requerentes sejam constituídos contra-interessados no processo n.º 636EDI2013 e em todos os demais procedimentos administrativos em curso na Câmara Municipal de Lisboa relativos à actividade de exploração de padel pelo BB/DD, com vista a que possam os mesmos ser ouvidos e proceder a uma oportuna defesa dos seus legítimos interesses na qualidade de residentes e proprietários das fracções do prédio sito no n.º 42 da Travessa ....”.
17. A 16.08.2013, foi dado conhecimento à Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica da supra mencionada exposição, tendo a comunicação ficado registada sob o n.º E/173086/13SC.
18. A 16.08.2013, GG, em seu nome e em nome dos restantes autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013, remeteu uma mensagem de correio electrónico para o Arqº XX, da CM Lisboa, requerendo autorização para a consulta do Processo n.º 636/EDI/2013 e indicando a disponibilidade para marcação de uma reunião.
19. A 30.08.2013, foram igualmente enviadas cartas aos vários órgãos do BB/... de Padel – Presidente da Direção, Presidente do Conselho Fiscal e Presidente da Assembleia Geral – pelas quais foi dado conhecimento do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 entregue na CM Lisboa.
20. A 26.08.2013, HH remeteu uma mensagem de correio electrónico à CM Lisboa, solicitando esclarecimentos sobre a instalação dos courts de padel junto dos edifícios de habitação, bem como da existência ou não de autorização do BB/DD/EE para a prática da actividade, todos os dias, das 7h30 às 24h00.
21. Tendo sido respondido pela CM Lisboa por correio electrónico, a 17.09.2013, que o pedido tinha dado entrada e tinha sido enviado para o serviço responsável.
22. A 25.09.2013, foi realizada uma reunião nas instalações da CM Lisboa, no âmbito da qual os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 tiveram oportunidade de expor a sua posição, tendo-lhes sido comunicado que o mesmo seria encaminhado para as áreas municipais responsáveis pelo ambiente, para a verificação do cumprimento das regras do ruído e realização das necessárias medições, e pela fiscalização, para reagir contra a actividade não licenciada em curso, bem como que o processo de licenciamento ficaria condicionado.
23. A 25.09.2013 e tendo tido conhecimento do mesmo, associaram-se ao Requerimento n.º 5873/OTR/2013 a ora Requerente, bem como II, LL e MM, também estes proprietários e/ou residentes em fracções do prédio sito no n.º... da Travessa ..., tendo o seu pedido ficado registado sob o n.º 3691/DOC/2013.
24. A 06.10.2013, HH remeteu mensagem de correio electrónico para a CM Lisboa informando da ocorrência de jogos nos courts de padel, sem interrupção, desde a manhã desse dia, solicitando uma tomada de posição quanto à situação descrita.
25. A 20.10.2013, HH remeteu mensagem de correio electrónico ao cuidado do Arq.º NN (Chefe de Divisão do ... de ...), questionando sobre o andamento da queixa efectuada quanto ao ruído gerado pela utilização dos courts de padel do BB/DD/EE.
26. A 29.10.2013, na sequência dos emails de HH, o Arq.º NN remeteu mensagem de correio electrónico para o Eng.º OO, da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da CM Lisboa (com conhecimento de HH) solicitando a realização de uma medição de ruído.
27. A 29.10.2013, o Arq.º NN remeteu mensagem de correio electrónico para HH (entre outros) informando que havia sido solicitado a colaboração da DMPO/DA para se proceder à medição do ruído no local.
28. A 31.10.2013, HH enviou para a CM Lisboa, por mensagem de correio eletrónico e associado ao Processo n.º 636/EDI/2013, um abaixo-assinado de um conjunto de moradores da Travessa ..., em prédios cujas traseiras confinam para o BB/DD/EE, num total de 22 assinaturas:
1) HH -Travessa ..., ...;
2) PP -Travessa ..., ...;
3) QQ -Travessa ..., ...;
4) ... -Travessa ..., ...;
5) ... -Travessa ..., ...;
6) ... -Travessa ..., ....º;
7) ... -Travessa ..., ...
8) ... -Travessa ..., ...;
9) ... -Travessa ..., ...;
10) ... -Travessa ..., ...;
11) ... -Travessa ..., ...;
12) ... -Travessa ..., ...;
13) AA -Travessa ...,
14) II -Travessa ..., ...;
15) ... -Travessa ..., ...;
16) ... -Travessa ..., ...;
17) ... -Travessa ..., ...;
18) ... -Travessa ..., ...;
19) ... -Travessa ..., ...;
20) ... -Travessa ..., ...;
21) ... -Travessa ..., ....;
22) ... -Travessa ..., ....
29. No mesmo dia, associou-se ainda ao Requerimento n.º 5873/OTR/2013, em conjunto com PP, proprietário e residente na mesma fracção do prédio sito no n.º ... da Travessa ..., tendo o seu pedido sido registado sob o n.º 8336/OTR/2013.
30. A 06.11.2013, os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013, tantos os originais, como os que entretanto se lhes associaram – incluindo a Requerente -, motivados pelo atraso na reacção da CM de Lisboa e pelo desgaste crescente provocado pela actividade do BB/DD/EE, expuseram a situação in casu mediante mensagem de correio eletrónico dirigido à Provedoria de Justiça, requerendo a adopção das medidas necessárias para a resolução do assunto, uma vez que quer por parte da CM Lisboa, quer por parte da ASAE não tinham ainda sido tomadas quaisquer decisões.
31. A 20.11.2013, o BB respondeu às cartas remetidas em 30.08.2013, dizendo que o clube pauta a sua conduta por critérios de rigor e legalidade.
32. Na sequência da entrada do pedido de licenciamento por parte do BB, a 26.12.2013, mediante ofício com a referência n.º 13066/EXP/2013, da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa, foi solicitado parecer ao Departamento de Desporto, sobre o projecto de obras para a construção dos courts de padel nas instalações do BB.
33. No âmbito do procedimento de licenciamento dos courts de padel e da sua actividade foram elaboradas várias medições de ruído por entidades diferentes, tendo sido alcançados resultados distintos.
34. Numa primeira medição solicitada à empresa RR a pedido da entidade EE, Lda., foram feitas medições a 10.01.2014, 14.01.2014 e a 23.01.2014, tendo sido emitido o correspondente relatório de avaliação acústica a 24.01.2014, para efeitos de instruir o respectivo pedido de licenciamento apresentado pelo BB.
35. No âmbito deste relatório solicitado pela entidade exploradora da actividade de padel no BB/DD/EE, concluiu-se que:
“(...) nos Períodos Diurno, Entardecer e Nocturno (onde ocorre a actividade), não foram excedidos os limites descritos no ponto 1-b) do ponto 13, do Regulamento Geral do Ruído, no que respeita ao Critério de incomodidade, no receptor sensível mais próximo localizado na Rua de FF, n.º 209, Lisboa”.
36. Sendo que no aludido relatório acústico se refere um horário de funcionamento das 7h30 às 00h00.
37. Por seu turno, em Janeiro de 2014 e já no âmbito da acção de fiscalização da CM Lisboa despoletada pelo Requerimento n.º 5873/OTR/2013, foram igualmente realizadas pré medições, por parte do Laboratório de Ensaios Acústicos da CM Lisboa e a pedido desta, nos três edifícios em causa: no n.º 44 (na residência da ora Requerente), no n.º 42 (na residência de GG) e no n.º 36 (na residência de HH), com vista a aferir qual das residências se encontrava mais afectada pelo ruído.
38. Tendo por base os resultados destas pré medições realizadas pelo Laboratório de Ensaios Acústicos da CM Lisboa, foi seleccionada a residência de HH, no prédio sito no n.º ..., da Travessa ....
39. A CM Lisboa entendeu que as medições seriam realizadas apenas numa residência.
40. Nesta sequência, em 22.01.2014, 30.01.2014, 18.02.2014, 18.03.2014, 20.03.2014, 08.05.2014 e 13.05.2014, foram realizadas medições do ruído (no âmbito da inspecção ordenada pela CM Lisboa) pelo Laboratório de Ensaios Acústicos da CM Lisboa, na residência de HH, no prédio sito no n.º ..., da Travessa ....
41. Entretanto e no âmbito do procedimento de licenciamento dos courts de padel, a 26.03.2014, foi elaborada a informação n.º INF/171/DMEJD/DD/DAPD/14, do Departamento do Desporto da CM Lisboa, no âmbito da qual se alerta “(...) para o cumprimento da Lei Geral do Ruído – Decreto-Lei n.º 9 de 2007 de 17 de Janeiro, uma vez que as actividades desportivas a desenvolver nas instalações propostas são ruidosas e poderão gerar algum incómodo”.
42. A 27.03.2014, mediante ofício com a referência n.º 3713/OFI/DIVPE/GESTURBE/2014, da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa, foi solicitado parecer à Direcção Municipal de Ambiente Urbano, sobre a avaliação acústica do projecto de obras para a construção de courts de padel nas instalações do BB.
43. A 13.05.2014, mediante ofício n.º OF/339/DMAU/DAEP/DA/14, o Departamento de Ambiente e Espaço Urbano da CM Lisboa respondeu, informando que se encontrava em análise um processo de reclamação sobre o ruído proveniente dos courts de padel do qual constava um abaixo-assinado de diversos moradores da Travessa ..., diferindo a emissão do parecer solicitado para aquando da conclusão da análise da inconformidade.
44. A 26.05.2014, foi elaborado o Relatório de Ensaios Acústicos, Processo n.º 03-LEA-2014, relativo às medições realizadas nos dias 22.01.2014, 30.01.2014, 18.02.2014, 18.03.2014, 20.03.2014, 08.05.2014 e 13.05.2014 pelo Laboratório de Ensaios Acústicos da CM Lisboa, tendo-se concluído que:
“De acordo com a NP ISSO 1996:2011 e legislação referida e aplicável à presente situação, os resultados identificam em ambas as situações (A e B), na sala de habitação da reclamante, uma situação de não conformidade, que resulta do funcionamento dos campos de padel, instalados em espaço aberto, no recinto exterior do BB, sito na Rua de FF, 209”.
45. A 28.05.2014, o Eng.º OO, da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da CM Lisboa, remeteu para o Arq.º NN cópia do relatório de ensaios acústicos e respectiva informação, referente ao Processo n.º 5873/OTR/2013.
46. A 28.05.2014, o Eng.º OO remeteu cópia do relatório de ensaios acústicos e respectiva informação em resposta ao parecer solicitado em 27.12.2013, pela Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa.
47. Ainda, a 28.05.2014 – tendo por base o Relatório de Ensaios Acústicos, Processo n.º 03-LEA2014, relativo às medições realizadas nos dias 22.01.2014, 30.01.2014, 18.02.2014, 18.03.2014, 20.03.2014, 08.05.2014 e 13.05.2014 pelo Laboratório de Ensaios Acústicos da CM Lisboa – foi elaborada a informação n.º INF/171/DMAU/DAEP/DA/14, referente à reclamação sobre o ruído proveniente de courts de padel instalados no BB, tendo-se concluído que:
“O resultado das avaliações identifica uma situação de não conformidade legal, tendo sido registado um diferencial de 7* dB (A) e 5* dB (A) entre o valor do Nível de Avaliação e do Ruído Residual, para duas situações distintas de funcionamento dos campos de padel, sendo o limite legal previsto em função do tempo de ocorrência do ruído particular para o período de referência de 4 dB (A)”. (...)
Dado o exposto, propõe-se:
Abertura de PCO;
Notificar a empresa EE para implementar as medidas de controlo de ruído que garantam que o funcionamento dos referidos campos esteja de acordo com o estipulado no artigo 13.º do RGR (...)”.
48. A 11.06.2014, foram os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 – neles se incluindo a Requerente, notificados mediante ofício com a referência n.º 6675/OFI/DUCU/GESTURBE/2014, datado de 06.06.2014, da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa, do seguinte:
1) que a 19.12.2013 e na sequência do Requerimento n.º 5873/OTR/2013, foi realizada uma fiscalização ao BB/DD/EE, tendo-se constatado que o espaço estava a ser utilizado sem a respectiva licença de utilização, conforme informação n.º 55841/INF/DUCU/GESTURBE/2013, da CM Lisboa;
2) da decisão que determinou a cessação da utilização dos courts de padel, nos termos do artigo 109.º/1 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação e com a informação n.º 23538/INF/DUCU/GESTURBE/2014.
49. A referida informação n.º 23538/INF/DUCU/GESTURBE/2014 concluiu que:
“1. A construção dos campos de Padel não tem licença de obras de construção, nem tão pouco o seu actual funcionamento goza de licença de utilização.
2. As constantes queixas dos moradores circundantes aos campos de Padel devido ao ruído intenso, a par com os pedidos de informação por parte da Provedoria de Justiça, remontam a Agosto de 2013.
Propõe-se, à consideração superior, a determinação da cessação da utilização dos campos de Padel, no prazo de 15 úteis, nos termos do n.º 1 do artigo 109.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.”
50. A 20.06.2014, o Eng.º OO em resposta ao solicitado pedido de 27.03.2014, remeteu mensagem de correio electrónico para a Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa, relativo ao relatório acústico da empresa RR a pedido da entidade EE, Lda. referindo que:
“(...) não pode o estudo entregue ser considerado actual para a actividade desenvolvida, devendo ser equacionadas as necessárias medidas de minimização de ruído, para garantir o cumprimento do critério de incomodidade, conforme estabelecido no Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro”.
51. No âmbito do processo de licenciamento, em sede de especialidades e em reacção à posição da CM Lisboa de ordenar a cessação da actividade dos courts de padel, foi apresentado parecer técnico, datado de 26.06.2014 e elaborado pelo Eng.º Acústico ..., da UU, no qual se propõe a adopção de medidas mitigadoras do ruído.
52. A 26.06.2014, foi HH notificada mediante ofício n.º OF/452/DMAU/DAEP/DA14, da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da CM Lisboa, que a reclamação sobre a poluição sonora provocada pelo funcionamento dos courts de padel foi considerada procedente, tendo sido solicitado à Divisão de Contra Ordenações a abertura de processo de contra ordenação.
53. Sendo que, no âmbito do Processo contraordenacional n.º 2-2584-2014, da Divisão de Contra ordenações da CM Lisboa, foi elaborado o Auto de Noticia n.º PI-2341-2014, dando conta da verificação de duas situações de não conformidade legal, face ao resultado das medições realizadas nos dias 22.01.2014, 30.01.2014, 18.02.2014, 18.03.2014, 20.03.2014, 08.05.2014 e 13.05.2014, pelo Laboratório de Ensaios Acústicos da CM Lisboa.
54. A 30.06.2014, foi elaborada a informação n.º
INF/205/DMAU/DAEO/DA/14, do Departamento de Ambiente e Espaço Público, tendo sido referido que:
“No que respeita às medidas mitigadoras apresentadas, nomeadamente a cobertura dos três campos de padel, em chapa metálica perfilada, do tipo autoportante, assente numa estrutura metálica em aço, com as características mencionadas, parece-nos suficiente para colmatar o diferencial do excesso regulamentar, então obtido na referida habitação.
Fica no entanto salvaguardada, a necessidade de após uma segunda avaliação, poderem ainda vir a ser complementadas, de modo a assegurar uma maior eficácia na redução de ruído dos campos de padel, para as habitações vizinhas”.
55. A 02.07.2014, no âmbito do procedimento de licenciamento, foi apresentado pelo BB, na CM Lisboa, a ficha de elementos estatísticos – edificação, bem como a memória descritiva e justificativa do projecto de arquitectura.
56. A 03.07.2014, foi elaborada informação.ºº28564/INF/DIVPE/GESTURBE/2014, da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística, sobre a apreciação técnica do projecto de arquitectura.
57. A 04.07.2014, exarado sob a informação n.28564/INF/DIVPE/GESTURBE/2014, foi proferido despacho do Senhor Vereador Arqº XX de aprovação do projecto de arquitectura por referência à delegação de competências no Despacho n.º 79/P/2013, de 13.11.2013, no Boletim Municipal n.º 1030, de 14.11.2013.
58. No âmbito do processo de licenciamento, foi o contra interessado BB, a 10.07.2014, notificado mediante ofício n.º 23513/NOT/DIVPE/GESTURBE/2014, de que o projecto de arquitectura tinha sido aprovado.
59. Depois de, no início do mês de Julho, ter entrado em vigor a ordem de cessação da actividade, o BB/DD/EE continuou a desenvolver a actividade, limitado a um horário até às 20h00.
60. A 10.07.2014, em reacção a este incumprimento por parte do BB/DD/EE foi apresentada queixa por SS (residente no prédio sito no n.º 42 da Travessa ...) junto da Polícia Municipal, a qual no portal da CM Lisboa “Na minha rua”, gerou a ocorrência OCO/54702/2014, mas não logrou obter sucesso.
61. Foram apresentadas diversas queixas junto da PSP, por SS, tendo as mesmas dado origem a ordens imediatas de encerramento e à passagem de autos de notícia nos dias 10.07.2014, 19.07.2014 e 20.07.2014.
62. Em todos os casos referidos no artigo anterior, a ordem imediata de encerramento emitida pela PSP era cumprida no momento, para no dia seguinte ser desconsiderada, com a reabertura da actividade nos courts de padel.
63. A 22.07.2014, foram os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 notificados, mediante ofício com a referência n.º 24280/NOT/DIVPE/GESTURBE/2014, datado de 17.07.2014, da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa, da decisão de aprovação do projecto de arquitectura.
64. Ainda, a 22.07.2014, exarado sob a informação emitida no controlo final para deferimento do pedido de edificação, foi proferido Despacho do Senhor Vereador Arqº XX de aprovação do projecto de edificação por referência à delegação de competências no Despacho n.º 79/P/2013, de 13.11.2013, no Boletim Municipal n.º 1030, de 14.11.2013.
65. Tendo ficado mencionado no controlo final para deferimento do pedido de edificação no campo de transcrições para o alvará de obra que:
“Deverá a avaliação acústica a entregar com o pedido de autorização demonstrar a verificação dos níveis regulamentares de ruído nos campos de Padel e a eficácia das medida correctivas para redução nomeadamente ao nível de incomodidade das habitações vizinhas”.
66. Bem como em sede de observações que:
“(...) propõe o deferimento do presente processo nas condições desta informação, com o condicionamento de após a execução da cobertura dos campos de Padel, mediante uma avaliação acústica, e caso se verifique necessário, deverão ser implementadas medidas complementares correctivas para se atingir os níveis sonoros regulamentares dos campos de Padel nomeadamente ao nível da incomodidade relativamente às habitações vizinhas”.
67. A 24.07.2014, deu entrada na CM Lisboa pedido apresentado pelo BB de emissão de alvará da licença de operações urbanísticas, referente a obras de alteração.
68. A 26.07.2014, foi elaborada nova participação junto da PSP referente à continuidade da actividade.
69. A 28.07.2014, foi elaborada a informação n.º
32303/INF/DIVPE/GESTURBE/2014, mediante a qual, uma vez verificada a entrega dos elementos de acordo com o solicitado na folha de controlo para deferimento do Processo n.º 636/EDI/2013, se propôs o deferimento do pedido de emissão do respectivo alvará, nos termos do previsto no artigo 76.º/ 1 do RJUE.
70. A 07.08.2014, foram os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 – neles incluindo a Requerente – notificados, mediante ofício com a referência n.º 24957/NOT/DIVPE/GESTURBE/2014, da Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística da CM Lisboa, da decisão de deferimento do pedido de edificação.
71. Após o deferimento do pedido de edificação, o BB/DD/EE encerrou os courts n.º 5, 6 e 7, com vista ao respectivo desmantelamento e à construção da cobertura, mantendo, porém, a actividade dos restantes courts n.º 1 a 4.
72. Em 23.09.2014, foi dirigida carta ao BB via fax assinada pelos mandatários da ora Requerente no sentido de resolver a situação da colisão de interesses e uma vez que das decisões entretanto emitidas da CM Lisboa resultava já claramente que as suas pretensões, tal como apresentadas no Requerimento n.º 5873/OTR/2013, não seriam atendidas e que os seus direitos fundamentais não seriam, assim, objecto de uma adequada defesa.
73. Em 24.09.2014, os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 – neles se incluindo a Requerente –, a seu pedido, intervieram na sessão pública do executivo da CM Lisboa, expondo o conflito que os opunha, desde 2012, ao BB/DD/EE e apresentando as razões com base nas quais entendiam que as decisões já emitidas pela CM Lisboa não defendiam cabalmente os seus direitos fundamentais.
74. Das respostas então dadas oralmente pelos membros presentes do executivo da CM Lisboa, puderam os autores do Requerimento n.º 5873/OTR/2013 – neles se incluindo a Requerente – concluir que a posição do município acabaria sempre por se limitar a uma verificação do cumprimento das normas regulamentares do ruído.
75. Após a intervenção na sessão pública da CM Lisboa, o BB/DD/EE – com representantes também presentes nessa sessão – encerrou em definitivo as suas actividades nos courts n.º 1 a 4.
76. Em 26.09.2014, o BB respondeu à carta enviada pelos mandatários da Requerente, nada mais afirmando para além da solicitação da identificação dos moradores ou proprietários da área residencial circundante em cuja representação foi remetida a carta e das respectivas moradas.
77. Posteriormente e após a implementação das alegadas medidas de mitigação e controlo do ruído enunciadas no parecer técnico do Eng.º ...– ou seja, após a instalação da pala metálica – foram realizadas, a 30.09.2014 e a 03.10.2014, novas medições acústicas na residência de HH pela empresa TT, contratada pelo BB/DD/EE.
78. As medições foram acompanhadas, no interior da habitação, pelo Eng.º ... (da DMAU – CM Lisboa) e pelo Eng.º ... (responsável pelo parecer com base no qual o projeto do BB foi aprovado na especialidade) e dentro do próprio recinto do BB/DD/EE, pela Eng.ª ... (da DMAU – CM Lisboa).
79. A 07.10.2014 foi elaborado o relatório de avaliação da TT quanto àquelas medições tendo-se concluído que, naquela fracção e no período do entardecer, não foi ultrapassado o valor limite de 27 dB(A) acima do qual o critério de incomodidade seria aplicado, nos termos do previsto no artigo 13.º/5 do Regulamento Geral do Ruído.
80. A 14.10.2014, deu entrada nas instalações da CM Lisboa um pedido do BB/DD/EE de alteração durante a execução da obra, com a correspondente memória descritiva, referente à cobertura instalada sobre os courts n.º 5, 6 e 7, que consistia na colocação de paredes de revestimento metálico no topo sul e poente, a que foi atribuído o Processo n.º 1186/EDI/2014.
81. Com esta alteração a cobertura metálica vedou, quase na totalidade, o acesso visual directo dos prédios sitos nos n.ºs 42 e 44 aos courts n.º 5, 6 e 7.
82. A 14.10.2014, SS remeteu mensagem de correio eletrónico para os gabinetes dos vereadores da CM Lisboa informando que foi recebida confirmação de interesse de agendamento e visita ao local por parte de uma das vereações bem como por parte da Agência Lusa, para dar início à investigação e acompanhamento do processo.
83. A 14.10.2014, a mensagem de correio electrónico mencionada supra foi reencaminhada para ... da CM Lisboa, em ordem a fazer chegar ao conhecimento do Senhor Vereador Arqº XX.
84. A 17.10.2014 e a 22.10.2014, foram realizadas novas medições acústicas na residência da ora Requerente pela empresa TT, contratada pelo BB/DD/EE.
85. A 27.10.2014 foi elaborado o relatório de avaliação da TT quanto àquelas medições tendo-se igualmente concluído que, naquela fracção e no período do entardecer, não foi ultrapassado o valor limite de 27 dB(A) acima do qual o critério de incomodidade seria aplicado, nos termos do previsto no artigo 13.º/5 do Regulamento Geral do Ruído.
86. Com as alterações realizadas na estrutura, cobertura dos courts n.º 5, 6 e 7 e à colocação de painéis laterais nos dois lados adjacentes às traseiras da Travessa ..., não impedem a propagação do ruído e não alteram o seu carácter impulsivo e repetitivo, ao mesmo acrescentando um efeito de eco que o prolonga.
87. A cobertura metálica e os painéis laterais não impedem a percepção dos diálogos e interjeições dos jogadores nos courts cobertos.
88. Na sequência das medições realizadas pela TT, foram apresentados dois novos pareceres técnicos, datados de 09.10.2014 e a 27.10.2014, elaborados pelo Eng.º Acústico ..., da UU, nos quais declara que as instalações desportivas em avaliação reúnem as condições necessárias para a verificação da conformidade com as disposições regulamentares aplicáveis pelo Regulamento Geral do Ruído.
89. A 24.10.2014, mediante informação n.º 45014/INF/DIVPE/GESTURBE/2014, da Divisão de Projectos Estruturantes foi proposta a admissão da alteração ao processo de arquitectura – alterações durante a execução –, o qual mereceu despacho concordante, no mesmo dia, 24.10.2014, do Director do Departamento Arqº XX.
90. Nesta sequência, no âmbito do controlo para admissão da comunicação prévia foi indicado em sede de observações que:
“1) Relativamente aos elementos a entregar para efeitos de execução de obra, por se tratar de uma alteração durante a execução de obra licenciada, considera-se manterem-se válidos todos os elementos inicialmente entregues associados ao alvará de licença de obras inicial.
2) Com o pedido de Autorização de Utilização, deverá ser dado cumprimento à apresentação de todos os elementos anotados no alvará de licença de obras inicial n.º 290/EO/2014 bem como o cumprimento de todas as condições e condicionamentos do mesmo. (...)”.
91. A 24.10.2014, exarado sob a informação exarada no controlo para admissão da comunicação prévia, foi proferido Despacho do Senhor Vereador Arqº XX de aprovação do projecto de alterações por referência à delegação de competências no Despacho n.º 79/P/2013, de 13.11.2013, no Boletim Municipal n.º 1030, de 14.11.2013.
92. A 29.10.2014, SS, remeteu mensagem de correio electrónico ao Gabinete do Senhor Vereador Arqº XX, dando conta do agendamento de um torneio no BB/DD/EE para dia 30.11.2014, desconhecendo se existira autorização de utilização para o efeito e solicitando informações.
93. Igualmente, a 29.10.2014, SS remeteu mensagem de correio eletrónico aos gabinetes dos vereadores da CM Lisboa no sentido de convidar todos os vereadores a visitarem as casas dos residentes na Travessa ....
94. A 30.10.2014, mediante informação n.º
45868/INF/DIVPE/GESTURBE/2014, da Divisão de Projectos Estruturantes foi proposta a concessão de autorização de utilização, a qual mereceu despacho concordante, no mesmo dia, a 30.10.2014, do Director Municipal Arqº XX.
95. A 31.10.2014, foi recebida por SS, mensagem de correio electrónico de VV, da DMPRGU, em resposta ao pedido de informação efectuado no dia 29.10.2014
96. A 31.10.2014, foi emitido pela CM Lisboa o Alvará de Utilização n.º 497/UT/2014 em nome do BB.
97. A 01.11.2014, SS remeteu mensagem de correio electrónico de resposta para VV, da CM Lisboa, referindo que acabava de chegar a casa e que os campos ainda se encontravam em funcionamento às 23h30, bem como colocando em causa as condições em que foram realizadas as medições e solicitando reunião urgente.
98. A 02.11.2014, SS remeteu mensagem de correio electrónico para os Senhores Vereadores da CM Lisboa, dando conta de que aquando da realização do torneio no BB/DD/EE, o ruído provocado pela actividade de jogo era audível nas residências mesmo com as janelas de vidro duplo fechadas e num intervalo de tempo das 8h00 às 24h00.
99. A 06.11.2014, foi dada resposta pelo Gabinete ao email supra mencionado de 02.11.2014, remetido por SS, referindo que os serviços municipais adoptaram as diligências na conformidade da operação urbanística.
100. Igualmente, em 06.11.2014, SS remeteu mensagem de correio electrónico para o Senhor Vereador Arqº XX solicitando a realização de novas medições com total ocupação dos campos e sem prévio aviso do BB/DD/EE, de forma a garantir a veracidade dos dados recolhidos.
101. Ainda, em 06.11.2014, SS remeteu mensagem de correio electrónico para os Senhores Vereadores da CM Lisboa anexando reproduções cinematográficas demonstrando a situação existente em contexto de jogo posteriormente à instalação da cobertura.
102. A 06.11.2014, foram os autores do Requerimento n.º
5873/OTR/2013 notificados – neles incluindo a Requerente –, mediante o ofício n.º 36438/NOT/DIVPE/GESTURBE/2014, da CM Lisboa, de que o pedido de alteração durante a execução da obra (Processo n.º 11186/EDI/2014) relativo aos courts de padel do BB/DD/EE foi deferido por Despacho do Senhor Vereador Arqº XX, proferido em 24.10.2014.
103. Na mesma data, foram os autores do requerimento n.º 5873/OTR/2013 notificados, mediante o ofício n.º 36439/NOT/DIVPE/GESTURBE/2014, da CM Lisboa, de que o pedido de autorização de utilização dos courts de padel do BB/DD/EE (Processo n.º 1307/POL/2014) foi deferido por Despacho do Senhor Director Municipal Arq.º VV, proferido em 30.10.2014.
104. A 10.11.2014, SS remeteu mensagem de correio electrónico para o gabinete do Senhor Vereador Arq.º XX dando conta que apesar de o despacho camarário autorizar o funcionamento dos campos de padel a partir das 8h00, aquele havia acordado pelas 7h20 com a intensidade das pancadas nos campos de padel e renovando o convite para se deslocar à sua habitação, convite este que havia ficado sem resposta.
105. A 11.11.2014, a queixa supra mencionada apresentada por SS, foi reencaminhada para os restantes gabinetes dos Senhores Vereadores da CM Lisboa para conhecimento.
106. A 11.11.2014, foi recebida por SS
mensagem de correio eletrónico do Eng.º YY da CM Lisboa, no sentido de que uma vez recebida a reclamação estariam disponíveis para a realização de medições acústicas na residência do reclamante, na data e hora em que o incómodo for mais visível.
107. Nesta sequência, a 11.11.2014, SS
respondeu à mensagem de correio electrónico enviada pelo Eng.º YY indicando que as medições deveriam ser realizadas na casa de uma vizinha e em circunstâncias que garantissem a ocupação total dos campos bem com a realização de medições em regime real de competição.
108. Essa mesma resposta foi reencaminhada, a 11.11.2014, para os restantes gabinetes dos Senhores Vereadores da CM Lisboa para conhecimento.
109. A 11.11.2014, SS remeteu mensagem de correio electrónico ao gabinete do Senhor Vereador Arq.º XX, renovando o convite, ainda sem resposta, de visita às habitações de um dos residentes na Travessa ..., em ordem a verificar no local a realidade que tem sido descrita.
110. A 11.11.2014, foi recebida por SS mensagem de correio electrónico do gabinete do Senhor Vereador Arq.º XX, acusando a recepção do email e que o assunto iria ser reencaminhado para os serviços de urbanismo e para a Polícia Municipal para serem tomadas as devidas diligências.
111. A 27.11.2014, foi elaborado um parecer preliminar de avaliação das condições acústicas pela empresa ZZ, a pedido de um grupo de proprietários residentes na Travessa ..., nos prédios sitos nos nºs 36, 42 e 44, por referência a uma primeira bateria de medições entretanto realizadas a 7.11.2014, 12.11.2014 e a 25.11.2014 (na residência de HH, no prédio sito no n.º 36, para manter a coerência com o histórico de medições realizadas), onde se concluiu que:
“Todavia, não obstante o cumprimento dos critérios regulamentares, cumpre referir que os estímulos sonoros apercebidos actualmente no interior da habitação caracterizada e que decorrem da actividade desportiva ruidosa, que se mantem objecto de reclamação por grupo de residentes da Travessa ..., em Lisboa, apresentam-se facilmente perceptíveis e de carácter incomodativo, sendo notória a sua natureza impulsiva e conspícua, emergindo significativamente sobre as condições de ruído residual, ainda que a mesma não seja confirmada formalmente pelos procedimentos quantitativos inerentes a este tipo de avaliação técnica.
De notar que a obra de correcção acústica levada a efeito pela entidade objecto de reclamação, passando pela instalação de cobertura condicionando uma parte dos recintos desportivos, com desempenho acústico que permitiu uma redução marginal dos níveis sonoros para condições cumprindo os limites regulamentares aplicáveis, não permitiu conferir padrões de conforto acústico suficientemente aceitáveis para os residentes expostos e que seria expectável poder usufruir, em espaços interiores de habitações próprias”.
112. A 13.06.2016 foi elaborado um segundo parecer pela empresa ZZ, o qual, tendo por referência medições realizadas na residência da Requerente em 2014, prévias às avaliações então realizadas na residência de HH, conclui por uma idêntica avaliação qualititativa, nos seguintes termos:
“Neste sentido, entende-se lícito concluir que a apreciação qualitativa que traduziu as condições em que era apercebido o ruído resultante da actividade desportiva, desenvolvida pela empresa EE, Lda. na habitação de HH, constante do Parecer da ZZ Lda, de 27/11/2014, acima referido, é extrapolável para as condições acústicas que se verificavam na habitação de AA, nessa mesma data.
Mantinha-se então também o seu carácter incomodativo, por força da natureza impulsiva e com percepção conspícua dos estímulos sonoros em presença (...)”
113. Na data da entrada em juízo da acção os courts funcionavam todos os dias das 8h00 até às 24h00.
114. Na mesma data, os courts tinham a seguinte configuração:
(i) Três semi-cobertos por uma estrutura metálica superior e com painéis nos dois lados adjacentes às traseiras da Travessa ... (courts n.º 5, 6 e 7);
(ii) Quatro ao ar livre (courts n.º 1, 2, 3 e 4).
115. Coincidindo o período de funcionamento intensivo dos courts, por um lado, com os normais períodos de descanso pós-laboral nos dias úteis e, por outro, com os fins-de-semana, por ser esse também o período de normal disponibilidade dos respectivos praticantes.
116. O ruído produzido pelos jogos de padel é detectável no interior de fracções do prédio da ora Requerente e dos prédios adjacentes, com as janelas fechadas.
117. O ruído é incomodativo, com natureza impulsiva e conspícua, emergindo significativamente sobre as condições de ruído residual.
118. O ruído perturba o sossego e o repouso dos residentes.
119. Atenta a maior proximidade em relação aos courts de padel, o nível de perturbação é crescente dos pisos superiores até aos pisos inferiores, assumindo o seu nível de máxima expressão nas fracções sitas no rés-do-chão e na cave, precisamente onde reside a Requerente.
120. O ruído produzido consiste não apenas nos diálogos e interjeições dos jogadores, nos courts n.º 5, 6 e 7, como também nos impactos na bola, atentas as características do court, as regras do padel e as propriedades da raquete, em qualquer um dos courts n.º 1 a 7.
121. Nos courts n.º 5, 6 e 7, acrescem, ainda que com menor frequência, os impactos da bola acidentais na cobertura metálica superior e lateral.
122. A distância entre os prédios adjacentes e o recinto desportivo
mais próximo foi reduzida com as obras para instalação dos courts de padel, tendo diversas bancadas do anterior campo de basquetebol sido eliminadas para que o espaço em questão comportasse três courts, daí resultando a distância que agora dista entre os mesmos e o court n.º 7, actualmente menor do que 10 metros.
123. No caso da residência da Requerente, as janelas que confrontam com o recinto dos courts n.º 5, 6 e 7 correspondem às únicas janelas disponíveis na habitação.
124. Ao ruído produzido pelos jogos de padel acresce ainda o ruído
produzido pelos clientes do bar de apoio ao BB/DD/EE, funcionando em esplanada, com um horário de funcionamento coincidente com o horário do recinto, das 8h00 às 24h00 todos os dias da semana, o que motivou algumas queixas telefónicas por parte da Requerente e de outros residentes da área circundante.
125. Bem como o sistema de iluminação dos courts, de uma intensidade muito significativa e que se encontra ligado durante todo o período nocturno de funcionamento dos mesmos, ou seja, até às 24h00, várias vezes não sendo imediatamente desligado a essa hora, mantendo-se ligado madrugada adentro, com excepção dos courts que agora se encontram cobertos (courts n.º 5, 6 e 7).
126. O ruido produzido pelo exercício da actividade desportiva de padel, bem como pela iluminação causa impede o descanso da Requerente provoca, entre outros, ansiedade, dificuldade em adormecer, irritação e cansaço.
9. Tendo em consideração que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:
a) Saber se o acórdão recorrido é nulo por violação do principio do dispositivo, ao determinar o encerramento dos campos aos sábados e domingos – cf. com a PI (terá a Recorrida peticionado a interdição de utilização dos sete courts de padel aos sábados e domingos?) - artigo 615.°, n.° 1, alínea e) do CPC, nulidade por excesso de pronúncia.
b) Saber se o ruído gerado pela exploração da actividade de prosseguida pelos Requeridos, nos sete courts identificados no processo, constitui uma violação ilícita do direito da A., sabendo que a actividade está licenciada e cumpre os limites de ruído impostos pela Lei – Regime do Ruído;
c) Saber como se concilia o direito da recorrente de explorar a actividade em conformidade com o licenciamento camarário, com o direito ao descanso por parte dos particulares, em zonas residenciais;
d) Saber se a norma constante do artigo 878.° do CPC, quando interpretada -
como o Tribunal a quo a interpretou - no sentido de que qualquer ameaça à
personalidade é ilícita, mesmo que proveniente de uma actividade lícita ou que decorre
dentro de um quadro de legalidade, é inconstitucional, por denegação da iniciativa
económica privada prevista no n.° 1 do artigo 61.° da CR
e) Saber se a decisão recorrida respeitou o principio da proporcionalidade e de justa composição de direitos em confronto;
f) Saber se as normas constantes dos artigos 14.° a 16.° do RGR e que acabam por ser a ratio decidendi da decisão recorrida (já que é com base no período horário ali previsto que se determina que o horário de funcionamento dos courts de padel se fixe entre as 08:00 e as 20:00 nos dias de semana e a sua utilização seja interdita aos sábados e domingos), quando interpretadas, como o Tribunal a quo as interpretou, no sentido de abranger o ruído decorrente de uma prática desportiva que funciona, em permanência, na vizinhança são, ademais, inconstitucionais, por denegação da iniciativa económica privada prevista no n.° 1 do artigo 61.° da CRP, porquanto põe em causa a viabilidade financeira de uma actividade lúdico-desportiva essencialmente praticada no horário pós-laboral, o que na prática equivale ao sacrifício total do direito à iniciativa económica privada de quem a explora e à sua consequente denegação;
g) Saber se a decisão sobre a repartição de custas está correcta.
10. O recorrente invoca nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e violação do princípio dispositivo. No seu entender o tribunal mandou encerrar os campos de padel ao sábado e domingo, o que não havia sido pedido pela A.
Da PI constam os pedidos formulados pela A., que se voltam a reproduzir:
a) ordenada a cessação imediata da actividade de todos os courts de padel e o levantamento e a remoção dos sete courts e de todas as estruturas associadas, incluindo a cobertura e os painéis laterais sobre o recinto dos courts n.º 5, 6 e 7;
b) ou, caso assim não se entenda, ordenada:
(b.i) a cessação imediata da actividade dos courts de padel n.º 5, 6 e 7 e o levantamento e remoção dos três courts e de todas as estruturas associadas, incluindo a cobertura e os painéis laterais, bem como;
(b.ii) a cessação imediata da actividade dos courts de padel n.º 1, 2, 3 e 4 e o condicionamento da exploração da actividade de padel a uma total insonorização dos mesmos e a uma eliminação do carácter intrusivo da respectiva iluminação;
c) ou ainda, caso assim não se entenda ordenada a cessação imediata da actividade de todos os courts de padel durante o período normal de descanso, ficando o desenvolvimento da actividade desportiva de padel restrita ao horário entre as 8h00 e as 20h00, de segunda a sexta-feira.”
Da leitura do pedido subsidiário, nomeadamente da sua alínea c), resulta inequívoco que foi pedido o encerramento aos fins de semana, não procedendo em absoluto a invocada nulidade por excesso de pronúncia.
11. Quanto às questões 2 a 8 suscitadas no recurso, ainda que as mesmas se encontram formuladas em termos que permitam a sua autonomização, optámos por uma análise conjunta, atendendo a que estão interligadas e encadeadas umas nas outras.
Em primeiro lugar, cumpre dizer que tais questões já haviam sido suscitadas na apelação, não tendo os argumentos apresentados em favor das mesmas convencido o tribunal da sua bondade.
Disse-se no Ac Recorrido:
Analisemos, agora, as questões de Direito que foram colocadas e que, na prática, se reconduzem a saber se o ruído gerado pela exploração da atividade de prosseguida pelos Requeridos, e aqui mais concretamente pelo 2.º Requerido/Apelante, nos sete courts identificados no processo, constitui uma violação ilícita do direito da Requerente, no caso, do seu direito de personalidade, mesmo considerando-se que esta actividade se encontre licenciada por organismos administrativos e ambientais.
Prendendo-se a questão colocada nestes autos com o “ruído ambiente”, cumpre antes de mais ter presente o quadro legal que regula esta matéria, no caso, o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, que aprova o Regulamento Geral do Ruído (RGR) [tendo já sido objeto da Declaração de Retificação n.º 18/2007, de 14 de Março e de alteração pelo Decreto-Lei n.º 278/2007, de 01 de Agosto] e o Decreto-Lei n.º 146/2006, de 31 de Julho, que transpõe para a ordem interna a Diretiva n.º 2002/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Junho, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente (DRA) [que também foi já objeto de Declaração de Retificação n.º 57/2006, de 31 de Agosto].
No caso concreto, a questão é também a de se saber se a observância destas disposições legais, devidamente licenciadas, é suficiente para proteger os direitos de terceiros afetados pelo ruído provocado pela exploração do desporto do padel.
Temos, assim, que o que importa verdadeiramente analisar neste recurso é saber se a atividade desenvolvida pelos Requeridos, mais concretamente pelo aqui 2.º Requerido/Apelante [uma vez que o 1.º Requerido não recorreu da decisão aqui em análise], na exploração dos sete courts de padel referidos no processo, acarreta uma “lesão séria e continuada do direito de personalidade” da Requerente, e se daí decorre para a mesma um “dano substancial ao direito ao repouso e sossego e ao gozo e fruição de um mínimo de tranquilidade na sua própria casa”.
Para responder a esta questão tenha-se em atenção alguns dos Pontos da matéria de Facto dada como Provada, no caso, os Pontos 111 a 126 que, por comodidade de análise, se passam a transcrever:
(…)
Para além desta matéria e com interesse para a causa temos ainda que a Requerente reside na Travessa ..., em Lisboa, cujas traseiras confinam com o local onde se situam os courts de padel explorados pelos Requeridos e que, como é fácil de concluir, não pode mudar a configuração daquela sua casa, ao contrário dos campos de padel que ali foram construídos posteriormente à instalação da residência da Requerente - Pontos 23 e 28 dos Factos Provados.
Para melhor analisar esta questão, importa proceder à análise da conduta dos Requeridos no desenrolar de toda esta situação, desde a construção à exploração dos campos de padel aqui em análise até à data da entrada desta ação em Tribunal [09 de Novembro de 2016], data em que aqueles courts funcionavam todos os dias das 08.00 às 24.00 horas – Ponto 113 dos Factos Provados.
Começamos desse logo por assinalar que, não obstante o 1.º Requerido ter afirmado a 20 de Novembro de 2013, em resposta às cartas que lhe foram remetidas pela Câmara Municipal de Lisboa [na sequência das queixas apresentadas pelos moradores ali identificados – entre os quais, se encontra a aqui Requerente], que “pauta a sua conduta por critérios de rigor e legalidade” a verdade é que, tal como iremos comprovar, esta afirmação não tem correspondência com os atos que tinha até então já praticado, nem com aqueles que desde então iria ainda praticar, conjuntamente com o 2.º Requerido/Apelante, sendo que todos eles, objetivamente foram (e são) geradores de danos à aqui Requerente – e aos demais residentes naquela área residencial, pelo menos, àqueles que se encontram devidamente identificados no processo – e que se encontram cobertos por proteção legal - Pontos 19, 28, 29 e 31 dos Factos Provados.
E, ressalvado sempre o respeito devido por distinto entendimento, também não pode deixar de se assinalar que a defesa apresentada pelo aqui 2.º Requerido/Apelante parece pretender reverter a seu favor os valores a atender para a decisão a proferir nesta ação e que devem ser direcionados, num primeiro plano, para a defesa dos direitos da aqui Requerente que, há já mais de sete anos, vive numa situação de sofrimento cuja existência e manutenção consideramos ser humanamente inaceitável e de difícil compreensão.
Constituindo, como constitui, este sofrimento da Requerente e dos demais residentes próximos do court de padel explorado pelos Requeridos, um facto de conhecimento direto dos mesmos – até pela existência das inúmeras queixas apresentadas – sempre se teria de concluir que a defesa destes direitos dos particulares diretamente ofendidos com a sua conduta não lhes mereceu o cuidado devido, nomeadamente, com a correta adoção de medidas que o eliminassem.
Como ilustrativo desta afirmação podemos encontrar vários comportamentos assumidos pelos aqui Requeridos ao longo de todo este processo de luta dos moradores que residem próximo da exploração daqueles campos e que culminou com a instauração de várias ações em Tribunal - entre elas, a presente ação -, e em que os Requeridos demonstraram a sua desconsideração pela adoção de medidas eficazes para a minimização do impacto negativo do exercício da sua atividade de exploração de padel na qualidade de vida dos moradores e, de entre eles, os da aqui Requerente.
(…)
Ora, este comportamento não pode deixar de ser considerado como objetivamente censurável uma vez que se destinou a esconder a verdade a todos os moradores próximos daqueles campos de padel que estavam presentes naquela reunião pretendendo, assim, desmobilizar o movimento de revolta daqueles cidadãos perante a situação concreta do ruído – Pontos 10, 13 e 14 dos Factos Provados.
Outros comportamentos censuráveis foram entretanto sendo assumidos também pelos Requeridos, desde a manifestação de uma pretensa “cortesia” de redução de horário de funcionamento dos courts 5 a 7 (até às 21.00 e as 22.00 horas), que foi apresentada aos moradores em contraposição com os horários dos demais courts (1 a 4), que se estendia até às 24.00 horas quando, na verdade, nem sequer detinham licença para essa exploração, que apenas veio a ser apresentada às autoridades competentes em 14 de Junho de 2013 – Pontos 6 a 9 e 13 dos Factos Provados.
Paralelamente podemos constatar que os Requeridos iniciaram um processo de “avanço” pelas horas de descanso de todos os moradores próximos dos courts de padel, processo que foi paulatinamente ensaiado pelos Requeridos, sendo que o 1.º Requerido começou em 2012 por explorar os campos de padel reportados aos courts 5 a 7, com um horário que se estendia até às 20.00 horas nos dias de semana, até às 19.00 no Sábado e até às 14.00 horas no Domingo, tendo os Requeridos, passado um ano depois, e já com a instalação dos demais courts de padel (também os 1 a 4), a praticarem um horário de atividade nestes últimos até às 24.00 horas, todos os dias [segunda a Domingo, inclusive] e, muitas das vezes, prolongando-se depois deste último horário invocando, como justificação, “a tolerância dada aos jogadores no fim dos jogos” – Pontos 3, 6, 7, 12 e 113 dos Factos Provados.
Certo é que nos parece inquestionável que de maior tolerância necessitavam os moradores que habitavam aquela zona residencial, com necessidades básicas e elementares de descanso, nomeadamente, para poderem enfrentar um novo dia de trabalho e o desgaste próprio da vida em sociedade. Com efeito, é nas suas casas que, maioritariamente, as pessoas buscam o seu ponto de equilíbrio, carregam as suas “baterias” para enfrentarem os seus problemas, procurando na paz e no silêncio a sua própria força para enfrentarem o dia-a-dia.
Mas a verdade é que este alheamento pelos verdadeiros problemas dos moradores vizinhos da exploração daqueles campos de padel atinge níveis intoleráveis quando chegam mesmo, como foi o caso do aqui 2.º Requerido/Apelante, a afirmar no âmbito das suas conclusões de recurso que o problema do “ruído” apenas pode ser imputável à Requerente uma vez que não tem vidros duplos, como se essa fosse uma obrigação legal da Requerente e/ou dos demais moradores daquele espaço, e não uma obrigação que impende sobre si, enquanto explorador comercial dos campos de padel – artigos 13.º, n.º 2, alínea c) e 3.º, alínea q), do já citado Decreto-Lei n.º 9/2007.
Para além do que se deixa exposto, parece-nos ser irrazoável que se peça a um cidadão que se mantenha com as janelas da sua própria casa fechadas durante dia e noite, verão e/ou inverno [ainda que as mesmas tenham vidros duplos], quando essas janelas, como é o caso aqui em apreciação, confrontam com o recinto dos courts 5 a 7 explorados pelos Requeridos e correspondem às únicas janelas disponíveis na habitação da Requerente - Ponto 123 dos Factos Provados.
Mas a questão é ainda mais grave quando constatamos que os Requeridos, e no que aqui importa, o 2.º Requerido/Apelante, sabem perfeitamente – porque estiveram presentes e/ou tiveram acesso a todos os relatórios existentes no processo -, que todos os relatórios realizados contemplaram medições com a circunstância de as janelas estarem abertas e/ou fechadas, nos resultados apresentados. Acresce que, também na residência de um dos vizinhos da Requerente, que tinha vidros duplos nas janelas, o barulho provocado pelas “pancadas” próprias do padel, ouvia-se na mesma no interior daquela residência e era incomodativo – Pontos 111 e 112 dos Factos Provados e depoimento do Dr. SS, já acima aludido.
Diga-se, aliás, em resposta às interrogações do 2.º Requerido/Apelante, quanto ao aparente silêncio/desaparecimento desta acima mencionada testemunha, a partir de um determinado momento e que pretende referir como sendo o da sua conformação com o exercício da atividade de padel [silêncio surgido depois de ter dirigido inúmeras reclamações a diversos organismos responsáveis pelo controlo do ruído], que esta testemunha (Dr. SS), à data daquelas reclamações era residente no mesmo local da aqui Requerente mas que, como se comprova pela sua audição como testemunha em Audiência, acabou por mudar de residência para um outro local [sem o barulho do padel, presume-se], o que justifica o facto de não ter continuado a manifestar-se junto daquelas autoridades a quem apresentou inúmeras queixas.
Ou seja, esta testemunha não deixou de fazer reclamações por se ter acomodado ao ruído, mas sim, por ter alterado o seu local de residência, o que lhe terá sido possível em termos económicos, situação que não é a da maioria das pessoas nem tão pouco lhes pode ser exigível esse tipo de sacrifícios – Pontos 60, 61, 82, 92, 97, 98, 100, 101, 104107, 109, assim como o respetivo depoimento prestado por esta testemunha, em Audiência.
Decorre linearmente dos autos que a aqui Requerente – uma de entre muitas das pessoas afetadas pela construção e funcionamento dos campos de padel explorados pelos Requeridos -, já vivia no local que constitui a sua residência [devidamente identificada nos autos], muito tempo antes de serem construídos os campos de padel aqui em análise e que lhe são próximos. Mais concretamente, e tendo em consideração a data de 2018, a Requerente já vivia no local que é a sua residência há cerca de dez anos quando os campos de padel foram instalados há cerca de seis anos, conforme expressamente refere no seu depoimento.
A escolha do local para instalar a sua vida pessoal – lar -, obedeceu, certamente, à ponderação de todo um conjunto de fatores aos quais, seguramente, o silêncio não foi alheio, enquanto direito fundamental ao descanso. Trata-se de observações que um qualquer cidadão comum pode percecionar e que o Tribunal sempre terá de levar em consideração por fazerem parte do quotidiano do homem médio e, assim, se integrarem como factos do conhecimento geral e das regras de experiência comum.
Para confirmarmos a ilicitude da atuação por parte dos Requeridos, na forma como procederam (e procedem) à exploração destes sete campos de padel, bastaria termos em atenção factos que são do conhecimento comum, como é o caso desta exposição ao ruído poder afetar pessoas que trabalhem à noite e que necessitem do dia para descansar, assim como poder afetar crianças e/ou idosos que necessitem de descansar durante o dia, para concluirmos, sem margens para indecisões, que a manutenção desta situação de ruído provocado pelo funcionamento dos sete courts de padel não pode manter-se nos termos em que atualmente se encontram a funcionar.
Certo é que, independentemente da verificação destas situações pessoais, e conforme acima já deixamos expresso, tem-se como inabalável que a casa das pessoas deve constituir um reduto de paz e de retempero de forças depois de um dia de trabalho e, como tal, é um direito inalienável e que goza de proteção legal.
Esta simples constatação determina que analisemos a atuação e o direito dos Requeridos sempre numa perspetiva que tem como limite inultrapassável os direitos fundamentais das pessoas, entre os quais se encontra, o direito ao silêncio.
Do exposto importa reter que, quando o aqui 1.º Requerido decide proceder à construção dos primeiros campos de padel aqui em discussão (5 a 7), bem como quando o 2.º Requerido/Apelante decide proceder à construção do segundos campos de padel (1 a 4) e, em conjunto, à exploração de todos eles, deveriam ter tido um cuidado especial na preservação do ambiente já existente, ou seja, deveriam ter tomado as medidas necessárias para não afetar, negativamente, a qualidade de vida daqueles que já ali residiam, nomeadamente, no que se reporta às condições de saúde dos habitantes próximos daquele local e de entre os quais se encontra a aqui Requerente.
Ora, este efeito negativo do ruído provocado pela exploração dos sete campos de padel pelos aqui Requeridos na vida diária da Requerente é real e atual, como podemos comprovar pelo parecer técnico elaborado e datado de 19 de Fevereiro de 2018, pela ZZ, Lda, constante de fls. 614/618 dos autos – perícia cuja realização foi determinada pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, em Audiência, que se encontra indicada na Motivação apresentada mas que, pelo seu interesse prático, se convoca para esta apreciação com a respetiva transcrição de alguns trechos -, ali se concluindo que:
“(…) As diferenças determinadas entre as componentes instantâneas de “ruído ambiente” e de “ruído residual”, ainda que determinadas sem seguir os procedimentos normalizados adoptados pela regulamentação em vigor -, que atende a níveis sonoros médios integrados durante um período de avaliação -, permitem identificar que os estímulos sonoros em análise são emergentes sobre as condições residuais em ambas as condições de ensaio, sendo coerentes com a percepção auditiva de incomodidade experienciada, traduzindo um tipo de ruído facilmente identificável para o ouvido humano e explicitamente atribuível à actividade desportiva em presença.
Complementarmente e também por análise dos elementos gráficos, pode verificar-se o elevado grau de conspicuidade do ruído resultante das pancadas (ação raquete-bola) e o carácter marcadamente impulsivo, numa apreciação estritamente física dos estímulos sonoros em presença, originando variações instantâneas dos níveis de pressão sonora em frações de segundos, características do tipo de actividade de desportiva caracterizada.
São também de assinalar as condições de repetibilidade dos eventos detectados (pancadas), com carácter incomodativo, ocorrendo ao longo de um período de cerca de 45 a 50 minutos e cessando por períodos de cerca de 10 a 15 minutos, face á programação horária definida pelo Requerido para a utilização dos campos de Padel, com periodicidade de 1 hora.
Analisando os resultados obtidos em cada condição de ensaio, verifica-se que não obstante o número de pancadas, com percepção efectivamente conspícua, seja mais reduzido com a janela fechada, em comparação com o obtido com a janela aberta (o que ocorre por força da redução da intensidade sonora provocada pelo isolamento conferido pela janela), mantém-se uma percepção inequívoca de ruídos produzidos pelo jogo de Padel e interjeições dos jogadores, conformando-se como apresentando carácter incomodativo e potencialmente perturbador das condições de habitabilidade da Requerente, afectando nomeadamente as condições de salubridade necessárias ao conforto e ao repouso dos moradores. (…)”
Sendo indiscutivelmente que o direito ao silêncio é um direito que integra uma vertente da saúde dos cidadãos, qualquer ofensa àquele pode ter, como consequência, danos nesta última. Há diversos estudos médicos que comprovam os efeitos negativos, para a saúde, da exposição das pessoas ao “ruído” (barulho), principalmente quando o mesmo se manifesta de forma continuada, “com natureza impulsiva e conspícua, emergindo significativamente sobre as condições de ruído residual”, como é o caso aqui em apreciação.
Começamos por afirmar que a simples leitura da materialidade acima transcrita é, por si só, elucidativa e esclarecedora da verificação de um facto ilícito, por parte dos Requeridos e violador dos direitos de personalidade da Requerente.
Com efeito, esta sofre, e tem sofrido ao longo dos anos, um dano real, efetivo e consumado, “não apenas ao seu direito ao repouso e tranquilidade no interior do seu domicílio”, mas tem também visto afetado o seu “direito à saúde e integridade física e psicológica”, situação a que, de imediato, importa pôr termo.
(…)
Entendemos que, quer se analise esta questão sob o prisma dos direitos fundamentais de personalidade, como acima deixamos exposto, quer de colisão de direitos, como o fez o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, quer de direito ambiental – ou convocando a sua análise conjunta, como nos parece ser mais razoável -, incontornável é que a atividade desenvolvida pelos Requeridos na exploração destes sete courts de padel, nos moldes em que o fazem, reveste-se como uma atuação ilícita, culposa e desproporcionada em face do direito ao sossego e tranquilidade da Requerente no seu próprio domicílio e, como tal, intolerável.”
Para melhor fundamentar a sua posição o TR socorreu-se da jurisprudência do STJ [todos disponíveis em www.dgsi.jstj.pt], indicando:
- o Ac. do STJ de 29/11/2016, Proc. 7613/09.3TBCSC.L1.S1;
- o Ac. do STJ de 04 de Abril de 2010, Proc. 1715/03.7TBEPS.G1.S1;
- o Ac. do STJ de 29 de Junho de 2017, Proc. 117/13.1TBMLG.S1;
- o Ac. do STJ de 22 de Outubro de 1998, Proc. 97B1024;
- Ac. do STJ de 22 de Março de 2018, Proc. 184/13.8TBTND.C1.S1;
- o Ac. do STJ de 18 de Outubro de 2018, Proc. 3499/11.6TJVNF.G1.S2.
12. O recorrente contesta o acerto da decisão, apresentando, nomeadamente, os seguintes argumentos:
- o RGR é uma lei geral e abstracta, ele aplica-se, por definição, de igual forma a todos os cidadãos, pelo que tanto é critério para balizar o ruído que os campos
explorados pela Recorrente poderão produzir, como para balizar aquele que a Recorrida
poderá suportar;
- actividade dos courts de padel está devidamente licenciada e a conformidade do ruído produzido pelos courts de padel com o disposto no RGR foi pressuposto desse
licenciamento camarário.
13. Que dizer?
Perante os factos provados no presente processo, com a fundamentação apresentada pelo TR, que se socorre da própria jurisprudência deste STJ para fundamentar a decisão de considerar ilícita a actuação da Ré, violando o direito ao repouso e sossego da A., há que concordar com a decisão e com os indicados fundamentos.
O direito da A. é um direito fundamental, com protecção constitucional. A exploração económica dos campos de padel pela Ré é um exercício de actividade económica privada que também goza de protecção na lei fundamental, mas essa protecção não pode ser efectuada de forma desligada dos efeitos colidentes com o direito ao repouso, ao descanso e à qualidade de vida do ser humano, pessoa física, que não pode ter um desenvolvimento sadio e integral sem esse repouso, por força da sua própria natureza humana, que o exige.
Nos vários acórdãos deste STJ citados no acórdão recorrido são apresentados os argumentos principais, a que aqui se adere, e que contrariam os argumentos da recorrente.
O facto de o RGR ser uma lei geral e abstracta não significa que o licenciamento de uma actividade económica, ao abrigo da referida lei, constitua demonstração inequívoca de o modo como a actividade é exercida não envolve a prática de acto ilícito.
A observância da indicada lei – e do licenciamento – apenas indica que a actividade económica em causa se encontra a funcionar dentro dos limites da legalidade, sendo que a legalidade e a licitude não são necessariamente coincidentes.
Neste sentido, veja-se o já indicado por este STJ no Ac. de 8/4/10, proferido no proc. 1715/03.7TBEPS.G1.S1, e também citado no acórdão de 26/9/2017, proc. 117/13.1TBMLG.G1.S1, onde se afirma:
“Impõe-se, por outro lado, distinguir claramente os planos de uma possível ilegalidade administrativa no exercício das actividades que geram a poluição ambiental, decorrente do desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade. Tal diferenciação de planos tem justificadamente conduzido à conclusão de que os tribunais constituem a última linha de defesa daquele direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado pela actividade regulamentar ou de polícia da Administração, em nada obstando à tutela prioritária do direito fundamental lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da actividade lesiva ou os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos (vejam-se, por exemplo, os acs. do STJ de 22/10/98- p. 97B1024-de 13/3/97 – p.96B557- e de 17/1/02 – p. 01B4140).
É, por isso, de responder afirmativamente à questão suscitada pela recorrente quando indaga se uma actividade licenciada pode ofender um direito de personalidade alheio ainda que o exercício da actividade respeite os condicionalismos da licença, e esta tenha respeitado os condicionalismos legais, orientação que já é jurisprudência adquirida deste STJ – cf. assim, o que se disse, e que se acompanha inteiramente, no Ac. de 29/11/2012, proferido pelo STJ no Proc. 1116/05.2TBEPS.G1.S1, onde se afirma, com as necessárias adaptações ao caso dos autos:
“A actividade do estabelecimento e de outros similares é legítima, desde que licenciada e desde que sejam respeitadas as demais regras legais, designadamente as que se mostrem necessárias para acautelar direitos absolutos de terceiros. Contudo, tratando-se de actividade que funciona essencialmente em período nocturno mostra-se imprescindível uma especial atenção relativamente aos factores susceptíveis de afectarem o sossego e a tranquilidade de terceiros, com especial relevo para os aspectos atinentes ao ajustamento da potência da aparelhagem sonora e/ou ao eficaz isolamento do som, de modo a evitar-se a perturbação de todos quantos, habitando nas proximidades, pretendam descansar.
Trata-se de matéria que, devendo obedecer ao Regulamento Geral do Ruído, não dispensa a adopção de outros cuidados quando, porventura, o respeito por tal Regulamento não seja suficiente para evitar a violação de direitos de natureza pessoal como os de personalidade, maxime quando é posto em causa o direito ao sono, ao sossego e à tranquilidade em período nocturno (Acs. do STJ, de 22-9-05, Revista nº 4264/04, e de 18-2-03 (Revista nº 4733/02).
Afinal, os direitos de personalidade não podem deixar de ser privilegiados no confronto com outros direitos, como são os conexos com o exercício de actividades lucrativas que impliquem o funcionamento de locais de diversão nocturna.”
É de concordar com a decisão recorrida na parte em que esta também afirma: “Sendo incontestável que os direitos da Requerente e dos Requeridos têm assento constitucional, a sua hierarquização permite atender-se, em primeira linha, aos direitos da Requerente sem que, com tal medida, se eliminem os direitos dos Requeridos, tal como também foi a opção tomada na sentença sob apreciação – artigos 61.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa.”
É de concordar com a decisão recorrida na parte em que esta acompanha o raciocínio da 1ª instância quando o tribunal aprecia o conflito entre o direito da propriedade privada (art. 62.º n.º 1) e a liberdade de iniciativa privada (art. 61.º) e o direito à saúde e ao repouso, determinando a obtenção de uma solução em que um dos direitos prevalecerá sobre o outro.
Para se determinar qual dos direitos deve “ceder”, impõe-se colher aspectos determinantes do valor relativo dos direitos em confronto, do sistema jurídico, nomeadamente da CRP e do CC, sendo de acompanhar – mais uma vez – o que se disse na sentença:
“[a nossa] “CRP concede uma maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais, havendo uma ordem decrescente de consistência, de protecção jurídica, de densidade subjectiva daqueles relativamente a estes.
Por outro lado, a colisão de direitos está prevista no artigo 335.º do Código Civil, onde se dispõe que:
“1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve considerar-se superior.”.
Quanto ao modo como se operou no caso a conciliação entre os dois direitos, a recorrente contesta a fixação do período de repouso nos termos efectuados, socorrendo-se do RGR para contestar os intervalos de funcionamento e os referidos dias.
Como se percebeu já, o tribunal recorrido, teve necessidade de encontrar uma solução que, no seu entender, foi a mais adequada para o conflito entre os direitos em causa, com prevalência do direito ao repouso mas sem que esta conduzisse à necessidade de ser eliminado o direito à iniciativa económica e de empresa da R.
Na solução encontrada verifica-se que ocorreu um agravamento, para a Ré, das condições de exercicio da sua actividade: deixou de poder funcionar aos fins de semana; nos dias úteis passou a estar limitada ao horário 8-20h.
A justificaçao apresentada foi a seguinte:
“Para resolução do aludido conflito de direitos, haverá, pois, que recorrer, ao nível da lei ordinária, ao aludido normativo que estipula que, caso sejam iguais os direitos em conflito ou da mesma espécie, deve cada um deles manter o seu núcleo principal, cedendo o estritamente necessário para que ambos produzam o seu efeito. Mas, se os direitos em questão forem desiguais ou de espécie diferente, deverá prevalecer aquele que for considerado superior.
Assim, e em abstracto, a hierarquização dos direitos eminentemente pessoais, como são os que afectam a personalidade, sempre levaria a sobrevalorizar este em detrimento do direito de propriedade e a liberdade de iniciativa privada da Requerente.
Entende-se, todavia, que sendo embora de respeitar a real prevalência dos direitos de personalidade relativamente ao direito de propriedade, fruto da hierarquia decorrente, designadamente, das normas constitucionais, essa hierarquia não é absoluta, havendo que sopesar a realidade factual em concreto, tendo em consideração que o direito hierarquicamente inferior – neste caso, o direito de propriedade - deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.
Urge, portanto, averiguar se, no caso concreto, a prevalência de um direito relativo à personalidade não resulta em desproporção inaceitável, visto que, como antes ficou dito, o sacrifício e limitação do direito considerado inferior – direito de propriedade - deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante.
Para o efeito, importa lançar mão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, há que ponderar a adequada proporção entre os valores em análise, aquilatando em que medida é que o sacrifício que se impõe ao titular de um direito se justifica face à lesão do outro, vedando-se o uso de um meio intolerável para quem é afectado pela medida restritivRequerente
Da prova produzida não podemos deixar de se concluir que existe um atentado ao descanso e ao sossego da Requerente.
A intensa e imperiosa convivência entre as pessoas leva a considerar que nas relações de vizinhança há que tolerar, obviamente até certo ponto, algum ruído e alguma incomodidade que todos causam uns aos outros como, de resto, ficou demonstrado nos autos.
Em face da prova produzida entende-se que a intensidade da incomodidade sofrida pela Requerente e as consequências decorrentes dessa incomodidade, não devem levar à pretendida limitação dos direitos dos RR. à propriedade privada, tal como se pretende com o primeiro pedido formulado.
Não é aceitável, atento o circunstancialismo fáctico apurado, que os RR não possam utilizar plenamente o complexo causa como entendem ou, por outro lado, que sejam obrigados a desfazer as obras que realizaram. O desfazer das obras traduzir-se-ia num grande sacrifício do direito de propriedade dos RR., com grave restrição do seu conteúdo.
Entendemos que tal pedido terá de ser julgado improcedente.
Pelo contrário, cremos que o pedido de restrição do horário de funcionamento surge como adequado à situação em apreço.
Consideramos que a superioridade axiológica e normativa dos direitos de personalidade sobre os direitos de propriedade e os contornos circunstanciais dos interesses da Requerente, por um lado, e dos interesses dos RR., justificam que se imponha a estes algum sacrifício do seu direito, face à natureza da lesão do direito daquela (princípio da proporcionalidade) e que se traduzirá redução do horário de funcionamento. A medida (restritiva) em causa não surge como algo de intolerável para os RR., mas tão só como uma decorrência das obras que levaram a cabo”.
Para justificar a escolha do período de inactividade disse o tribunal que seriam de usar os parâmetros do RGR (“… horário de descanso de qualquer cidadão deve ser protegido e que, pelo menos, deve ser alvo do mesmo tratamento de proteção que decorre da observância da própria legislação sobre o ruído e que, neste caso, exclui a sua ocorrência entre as 20.00 h e as 08.00 horas, nos dias úteis e determina a sua eliminação aos sábados, domingos e feriados – artigos 14.º a 16.º do citado Decreto-Lei n.º 9/2007.”).
O tribunal recorrido teve oportunidade de referir que o RGR (artigo 3.º, alínea p)) contém 3 períodos de referência: o diurno (das 07.00 h às 20.00 horas); o do entardecer (das 20.00 h às 23.00 horas); e o nocturno (das 23.00 h às 07.00 horas).
O recorrente contesta a aplicabilidade dos art.º 14.º e 16.º do RGR e bem assim a restrição imposta pelo período diurno: contesta-o nomeadamente, à luz dos factos provados e do tipo de acção que está em causa; quanto ao tipo de acção, não se trata de acção popular, mas de acção individual para defesa do direito de uma só pessoa; quanto aos factos provados, porque ficou provado que a A. se costume deitar pelas 23 h.
Contra-argumentando: o tipo de acção apresentada pela A. não nos parece que possa ajudar a decidir sobre o horário mais adequado, já que o que releva é a defesa de um direito fundamental da pessoa humana – o direito ao repouso; não se torna “mais necessário” restringir a actividades da Ré porque há mais pessoas a queixarem-se de não conseguirem descansar, até porque os demais habitantes da zona até podem ter horários e hábitos nocturnos, o que em nada elimina a pretensão de descanso da A.; quanto à situação concreta da A., no sentido de se ter dado como provado que a mesma só se deita por volta das 23h, daí só se pode retirar como consequência que a essa hora já deve existir um silêncio ambiental que possibilite o seu repouso imediato, o que não se afigura possível se a actividade da R. terminar exactamente à mesma hora, uma vez que, pela experiência comum, se sabe que o encerramento da actividade às 23h não é necessariamente acompanhado do silêncio às 23h – há sempre atrasos previsíveis e outras vicissitudes associadas a actividades humanas de lazer (conversas, gritos, etc) que não terminam de imediato.
Por outro lado, não temos como inquestionável que o direito ao repouso e sossego signifique que estamos a reportarmo-nos apenas ao período em que se dorme: há repouso e sossego que se pode justificar para além do período de sono, nomeadamente nos perídos próximos da hora de dormir.
Na sentença a solução definida era menos restritiva – os campos poderiam funcionar das 8h00 às 22h00.
O tribunal considerou que o fim da utilização às 22h00 se justificava por ser o início do período normal de descanso.
Nos casos que foram apreciados por este STJ – nomeadamente no processo de 2017 – o período de referência para o repouso nocturno foi fixado entre as 22h e as 7h horas da manhã seguinte.
A fixação de um horário de funcionamento dos ampos entre as 8h00 e as 22h00, tal como havia sido decidido pela 1ª instância, não se apresentam substancialmente diversos, pelo que se afiguram proporcionais e razoáveis.
Ainda que a restrição imposta não determine o encerramento dos campos aos fins-de-semana e feriados, não se crê que a pretensão da A. fique desprovida de protecção – as suas horas de repouso e descanso passam a gozar de um período de inactividade dos campos, o que assegura, em condições de equilibrio, o seu direito, sem coartar em absoluto o direito da Ré.
A restrição abrange todos os campos de padel, tal como havia sido decidido nas duas instâncias, porque os factos provados ilustram que o incómodo provocado provém de todos e não apenas de alguns.
14. De acordo com o RGR, a actividade da Ré é considerada como “a) «Actividade ruidosa permanente» a actividade desenvolvida com carácter permanente, ainda que sazonal, que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, designadamente laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços” – art.º 3.º - sujeita ao regime geral do ruído – art.º2º - à qual se aplica ainda o art.º13.º. O facto de não estarmos perante uma actividade ruidosa temporária, sujeita necessariamente às restrições do art.º 14.º, não significa que os períodos aí indicados sejam totalmente livres em termos de realização de actividade ruidosa permanente, já que esta conclusão frustraria por completo o objectivo do regulamento em causa.
O sentido do RGR e os períodos aí fixados não impede que os tribunais, em defesa de direitos da personalidade, imponham outro horário que se torne necessário para assegurar o repouso ou descanso do ser humano.
Não ocorrendo uma fundamentação da decisão com base nnos art.ºs 14.º a 16.º do RGR, fica prejudicada a inconstitucionalidade noprmativa invocada pelo recorrente.
15. Sobre a invocada inconstitucionalidade do art.º 878.º do CPC, disse-se na apelação:
“A questão colocada pelo 2.º Requerido quanto a saber-se se o artigo 878.º do Código de Processo Civil Revisto é inconstitucional quando interpretado “no sentido de qualquer ameaça à personalidade é ilícita, mesmo que proveniente de uma atividade lícita ou que decorre dentro de um quadro legalmente irrepreensível”, por denegação da iniciativa privada prevista pelo artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa é, como já acima deixamos explanado, uma questão que não se põe neste caso.
Com efeito, na interpretação e aplicação do Direito a que procedemos não se verifica qualquer situação de denegação da iniciativa privada prevista pelo artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa em face dos direitos da aqui Requerente, mas sim, uma ponderação de tais direitos de forma distinta daquela que é realizada pelo aqui 2.º Requerido. Tal interpretação nada tem de inconstitucional, antes se baseia na mencionada ponderação de interesses que se encontra justificada e amplamente apoiada em termos jurisprudenciais, acima identificados.”
A questão vem, de novo, suscitada na revista, sem que se afigure necessário tecer considerações adicionais relativamente ao que foi dito no acórdão recorrido, com que se concorda inteiramente, pelo que se considera não existir qualquer inconstitucionalidade. Dão-se aqui por reproduzidos os fundamentos indicados pelo tribunal recorrido, a que se adere.
16. A recorrente também considera que a decisão recorrida errou em termos de repartição das custas, pelo que propugna que “as custas da causa sejam repartidas pelas partes, na proporção do decaimento que vier a ser fixado”.
A questão havia sido suscitada na apelação, tendo o TR dito:
“Por fim, cumpre apreciar a questão das custas no que se reporta à sua imputação pelo Tribunal de 1.a Instância e com a qual o 2.° Requerido também não concorda uma vez que, no seu entender, também a Requerente ficou vencida na ação.
Como podemos verificar, na sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância foi determinado que as custas ficavam a cargo dos Requeridos, enquanto partes vencidas na demanda, de acordo com o estipulado no artigo 527.° do Código de Processo Civil Revisto.
Ora, se tivermos em atenção o conjunto de pedidos formulados pela Requerente no requerimento inicial apresentado, logo teremos de concluir que, a procedência integral de um deles, sempre implicaria a improcedência dos demais, face à impossibilidade de poderem ser todos eles deferidos, em cada uma das suas formulações individuais.
Aliás, é exatamente por esta lógica inatacável que a Requerente ali formulou pedidos que são alternativos e cuja formulação é acompanhada da expressão: "caso assim não se entenda", normalmente utilizada para este tipo de pedidos.
Certo é que um daqueles pedidos assim formulados pela Requerente obteve procedência (alínea c) ali mencionada), com uma pequena retificação relativa ao horário (entre as 20.00 h solicitadas e as 22.00 h concedidas e que não constitui fundamento autónomo para a sua tributação) pelo que, sempre se teria de concluir que obteve procedência na ação e, como tal, pelo acerto da decisão proferida nesta matéria.
A recorrente não apresenta nenhuns argumentos a sustentar a sua posição, limitando-se a incluir este tópico no seu pedido.
A decisão do Tribunal recorrido está devidamente justificada na lei e sua interpretação à luz dos pedidos formulados pela A. Com ela se concorda integralmente, pelos fundamentos reproduzidos, pelo que é de manter.
III. DECISÃO
Em face do exposto, julga parcialmente procedente a Revista apresentada pelo 2.º Requerido, determinando-se que se aplique a solução dada pela 1ª instância: o desenvolvimento da actividade de papel da 2ªR ficará limitado ao horário 8h00- 22h00. Do mais peticionado, vão os RR absolvidos. As custas da acção são da responsabilidade dos RR.
Custas do recurso pelo recorrente e pelo recorrido em partes iguais.
Lisboa, 10 de Setembro de 2019
Fátima Gomes
Acácio Neves
Fernando Samões