Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO
EFECTIVAÇÃO DO ARRESTO
Sumário
Sumário (do relator):
1- O regime legal do art. 641º, nº 7 do CPC, que determina que em caso de indeferimento liminar de petição ou de requerimento inicial, o juiz, no despacho que admita o recurso, tem de ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, aplica-se a todas as ações e procedimentos, declarativos ou executivos, que comportem um momento de apreciação liminar da petição ou do requerimento inicial e apenas é de afastar quando o respeito do contraditório ponha em perigo a eficácia da ação ou do procedimento cautelar ou quando, de acordo com as normas processuais aplicáveis ao concreto processo, em caso de recebimento da petição ou do requerimento inicial, não se seguiria a citação/notificação do(s) requerido(s).
2- O regime do art. 641º, n.º 7 do CPC nunca é aplicável ao indeferimento liminar dos embargos de terceiro, uma vez que a essa fase de apreciação liminar da petição inicial de embargos de terceiro, se seguiria a fase introdutória dos embargos e apenas ultrapassada esta fase, com sucesso, é que se seguiria a notificação das partes primitivas (exequente e executado ou arrestante e arrestado) para contestarem, querendo, os embargos.
3- Os embargos de terceiro com natureza preventiva têm de ser apresentados em juízo depois de ter sido ordenada a diligência judicial que aqueles visam obstar seja realizada e antes dessa diligência judicial ter sido realizada/executada.
4- Ordenado o arresto de imóveis, a inscrição, provisório ou definitiva, do arresto no registo não determina que o arresto esteja realizado/executado, pelo que não existe fundamento legal para se indeferir liminarmente os embargos de terceiro preventivos intentados com vista a obstar à concretização do arresto desses bens, com fundamento de que este estaria concretizado.
Texto Integral
Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente: (…) – Reparação de Automóveis, Lda. Recorridas: (…) Lda. e Sociedade (…) Lda.
Por apenso aos autos de arresto que (..), Lda.,instaurou contra (…), Lda.,e onde em 16/05/2019, foi determinado o arresto da renda paga pela sociedade (…) – Distribuição Alimentar, S.A., à requerida por conta do arrendamento do estabelecimento comercial(…) , em Vila Real, e de todos os bens imóveis propriedade da requerida, entre os quais se conta o imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de (..), do concelho de Vila Real sob o n.º (..) da dita freguesia e os identificados na alínea HH) dos factos provados que se encontrem inscritos na respetiva Conservatória do Registo Predial conforme certidões juntas na refª 1969156, veio Garagem … de Vila Real – Reparação da Automóveis, Lda., deduzir embargos de terceiro preventivos em relação aos prédios que identifica nos artigos 2º e 4º da petição inicial de embargos, alegando que estes prédios são sua propriedade.
Por despacho proferido em 30/05/2019, a 1ª Instância indeferiu liminarmente os identificados embargos, constando esse despacho do seguinte teor:
“A Embargante veio deduzir Embargos de Terceiro Preventivos com a finalidade de evitar que se concretize o arresto sobre determinados bens judicialmente ordenado que, alegadamente são da sua propriedade.
Para tanto, deu entrada em Juízo, no dia 27/05/2019, de uma petição inicial de embargos preventivos.
Contudo, compulsados os autos de Procedimento Cautelar de Arresto, que correm termos sob o Apenso E), verificamos que, na ref.ª1982305 de 28/05/2019, o AE L. G. juntou aos autos o comprovativo de ter procedido, em 26/05/2019 ao Registo de Arresto dos Imóveis, cuja propriedade é alegada nestes autos pela ora Requerente/Embargante.
Dispõe o art. 350.º do CPC que: “1 - Os embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 342.º, observando-se o disposto nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações. 2 - A diligência não será efetuada antes de proferida decisão na fase introdutória dos embargos e, sendo estes recebidos, continuará suspensa até à decisão final, podendo o juiz determinar que o embargante preste caução” (negrito e sublinhado nosso).
Ora, a questão que se coloca é saber se os presentes embargos preventivos, à luz do normativo enunciado, podem ser considerados tempestivos.
Pensamos que é adequada e sufragável a leitura jurisprudencial que considera inaplicável o prazo definido na 1.ª parte do n.º 2 do art. 344.º do Código de Processo Civil aos embargos de terceiro com função preventiva – vd., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo: 06B014, Relator: Juiz Conselheiro SALVADOR DA COSTA, data: 09-02-2006, in http://www.dgsi.pt, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo: 01279/15, Relator: Juiz Conselheiro FRANCISCO ROTHES, data: 26-10-2016, ibidem, a Decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa, processo: 5225/2008-8, Juiz Desembargador SALAZAR CASANOVA, data: 14-06-2008, ibidem; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo: 1129/09.5TBVRL-H.G1, Relator: Juiz Desembargador JORGE TEIXEIRA, data: 24-09-2015, ibidem,, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo: 801-B/2002.P1, Relator: Juiz Desembargador FILIPE CAROÇO, data: 11-07-2012.
Concordamos com tal posição pois é assim porquanto para tal conclusão apontam a própria natureza da intervenção processual – enquanto nos embargos repressivos se reage contra diligência já materializada, nos preventivos visa-se «evitar o esbulho» tendo «por fundamento o justo receio» (Pf. ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 436) – e o conteúdo da circunstância despoletadora da reacção – no primeiro caso, conhecimento da concretização de diligência ou dos contornos da ofensa materializada (vd. n.º 2 do art. 344.º do Código de Processo Civil), no segundo, perspetivação de penhora ou qualquer ato «judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bem», por ter sido determinada mas ainda não executada a injunção judicial de realização da diligência entrevista como atentatória de direitos constituídos nos termos previstos na lei (vd. n.º 1 do art. 350 e n.º 1 do art. 342.º, ambos do encadeado normativo referido).
Por ser assim, o mencionado autor referia, no estudo apontado e na mesma página, que, nos embargos de terceiro de vocação preventiva não há prazo mas limites processuais, a saber: a) dedução após ordem judicial de realização da diligência, b) antes de efetuada a mesma.
No caso ora em apreço, apesar de, efetivamente, os presentes embargos preventivos terem sido deduzidos depois de terem sido judicialmente ordenado o Arresto por decisão proferida em 16/05/2019, sob ref.ª33342509 do Apenso E), o certo é que um dos limites processuais foi ultrapassado na medida em que os ditos embargos de terceiro, com função preventiva, foram apresentados em Juízo no dia 27/05/2019 quando o Arresto foi registado em 26/05/2019, a diligência que se pretendia evitar já se mostrava concretizada na data da dedução dos embargos.
Assim sendo, uma vez que os presentes embargos foram apresentados em juízo depois de concretizado o Arresto sobre os bens imóveis melhor identificados na certidão predial junta ao Apenso E), indeferem-se liminarmente os mesmos, atento o preceituado no art. 350.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, nos termos das disposições legais supra referenciadas, indefiro liminarmente os presentes embargos de terceiros com função preventiva.
Custas pela Embargante, fixando-se a taxa de justiça em 1UC (art.527.º do Código de Processo Civil).
Registe e notifique”.
Inconformada com o assim decidido, veio a embargante interpor o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
1. A recorrente tomou conhecimento, de que, sobre os catorze imóveis em causa nestes autos, dos quais ela é, desde há vários anos, proprietária e possuidora, havia sido ordenada a realização de um arresto, e requisitado o registo dele no registo predial.
2. Assim, e visando defender a posse, que a recorrente, enquanto proprietária, dos mesmos catorze imóveis, deles tinha, e continua a ter, deduziu a recorrente, em 27 de maio de 2019, contra tal providência cautelar, embargos de terceiro com função preventiva, preconizando e peticionando a manutenção da posse dela embargante, sobre os catorze imóveis em causa.
3. Embargos esses que a sentença sob recurso indeferiu liminarmente, com fundamento em que, quando os mesmos foram, em 27 de maio de 2019, deduzidos, o arresto em questão já se mostrava concretizado, pois que o respetivo registo, posto que ainda não realizado, tinha sido já requisitado, em 26 de maio de 2019.
4. O que não pode merecer, nem merece, a concordância da recorrente, na medida em que, muito embora efetivamente assim seja, isto é, o registo do arresto tenha sido requisitado em 26 de maio de 2019, o certo é que, por um lado, tal registo, em 27 de maio de 2019, ainda não tinha sido efetuado, o que se mantém atualmente, bem podendo suceder, pelo menos em abstrato, que o registo em causa seja recusado, enquanto que, por outro lado, a realização completa de um arresto é uma diligência que comporta várias fases, prolongando-se no tempo, não se consumando com a requisição do respetivo registo, nem mesmo com a efetuação de tal registo
5. Efetivamente, posteriormente a tal registo, e depois dele ser feito, é remetida ao Senhor Agente de Execução certidão dos registos em vigor sobre os prédios arrestados, havendo então lugar à elaboração de um Auto de Arresto, com apreensão material de tais prédios.
6. O que, no que toca aos catorze imóveis em causa, não se encontrava, nem em 27 de maio de 2019, nem mesmo hoje, 21 de junho de 2019, efetuado, pois que o registo do arresto, posto que já requisitado, não está ainda feito, não tendo também, e em consequência, sido remetida ao Senhor Agente de Execução, certidão dos registos em vigor sobre os prédios arrestados, nem havido elaboração de qualquer auto, nem apreensão material dos catorze imóveis em causa.
7. Sendo certo que os embargos de terceiro em questão visavam, e continuam a visar, defender a posse, que a embargante, em 27 de maio de 2019, tinha, e continua agora a ter, enquanto proprietária deles, sobre os catorze imóveis em causa nestes autos.
8. Realmente, não visavam, nem visam, tais embargos de terceiro, obstar ao registo do arresto em questão, tanto mais que, sendo a recorrente, como é, além de proprietária, também possuidora, dos catorze imóveis que têm vindo a ser referidos, tal registo, embora possa, de certa maneira, afetar a propriedade da recorrente sobre os catorze imóveis em causa, comprimindo-a, não afeta, por si só, nenhum dos direitos que a embargante, enquanto possuidora dos catorze imóveis em análise, tem relativamente a eles, pois que, ainda que o registo do arresto em causa seja efetuado, continuará a embargante a poder usar, gozar e fruir, os mesmos catorze imóveis.
9. Pelo que, os únicos embargos de terceiro, que, em 27 de maio de 2019, como aliás atualmente, a embargante poderia deduzir, contra a providência cautelar de arresto em causa, eram os embargos de terceiro preventivos, e não os embargos de terceiro restitutivos, pois que estes visam a restituição da posse, não podendo a embargante naturalmente peticionar que lhe fosse restituída uma posse que ainda não lhe tinha sido, nem lhe foi, até ao momento, retirada.
10. Pelo que, se, como pretende, a Senhora Doutora Juíza sob recurso, não pudesse a embargante deduzir, em 27 de maio de 2019, embargos de terceiro preventivos, visando a manutenção dela, na posse dos catorze imóveis em causa, como não podia ela também então, nem agora, deduzir embargos restitutivos, ficaria a embargante, pelo menos durante esse período, sem possibilidade legal de recorrer à tutela jurisdicional efetiva dos respetivos direitos, relativamente aos catorze imóveis em causa, enquanto possuidora deles.
11. Tendo pois, a sentença sob recurso, violado o estatuído nos artigos 342.º, 344.º e 350.º-1, todos do CPC, fazendo desses artigos, principalmente do 350.º-1, do CPC, pois que o considerou inaplicável ao caso em análise, uma interpretação violadora do artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, sofrendo pois tal sentença do vício da inconstitucionalidade, que, para os devidos e legais efeitos, aqui e desde já, fica invocado.
12. Deverá pois, muito embora com a devida vénia, a sentença sob recurso ser anulada, prolatando-se, em substituição dela, um acórdão, que reconheça a violação, por parte de tal sentença, das normas legais atrás referidas, e ainda, numa decisão positiva de inconstitucionalidade, que a interpretação, feita na sentença sob recurso do artigo 350.º-1, do CPC, interpretação essa segundo a qual tal artigo não se aplica ao caso presente, é uma interpretação inconstitucional, por violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, positivado no artigo 20.º da CRP, desaplicando pois tal interpretação, e determinando que os embargos de terceiro preventivos em causa foram deduzidos tempestivamente, devendo pois eles seguir os ulteriores termos processuais dos mesmos, e que, caso a posse que a embargante tinha, em 27 de maio de 2019, e continua a ter atualmente, dos catorze imóveis que têm vindo a ser referidos, venha a ser ofendida, seja a embargante restituída de imediato a tal posse, o que tudo se peticiona a V. Exas.
Assim decidindo, farão V. Exas. justiça.
Em 27/06/2019, a 1ª Instância proferiu despacho em que admitiu o presente recurso de apelação, mas em que não ordenou a notificação dos embargados (arrestante e arrestada) para os termos do recurso e da causa, constando esse despacho do teor que se segue:
“Por legalmente admissível, tempestivo e interposto por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso interposto nos autos (cfr. arts. 644º, n.º 1, 627º, 631º e 638º todos no CPC), o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (art. 645º, n.º 1, alínea a) e 647º, n.º 3, alínea c) do CPC).
Notifique.
Após, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães”.
Conclusos os autos ao aqui relator, este proferiu o despacho que se segue:
“O presente recurso vem interposto do despacho de fls. 14 e 15, que indeferiu liminarmente os presentes autos de embargos de terceiro.
Nos autos de embargos de terceiro não existe qualquer derrogação ao princípio regra do contraditório e neles, uma vez admitidos os embargos, são notificadas as “partes primitivas” (art. 347º, n.º 1 do CPC), ou seja, a exequente e os executados.
Nos termos do disposto no art. 641º, n.º 7 do CPC, no despacho em que admita o recurso referido na al. c) do n.º 3 do art. 629º (isto é, decisões de indeferimento liminar de petição inicial ou de requerimento inicial de procedimento cautelar), deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os termos da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deve ser ouvido antes do seu decretamento.
Não sendo esta última exceção aplicável ao caso dos autos, do que se vem dizendo resulta que, no despacho em que a 1ª instância admitiu o recurso, a Meritíssima Senhora Juiz do tribunal a quo tinha de ter ordenado a notificação de exequente e executados tanto para os termos do recurso (a fim de contra-alegarem, querendo, no prazo legal que dispõem para o efeito – 30 dias (art. 338º, n.º 1 do CPC), como para os termos da causa, a fim de contestar, querendo, os embargos de terceiro.
No despacho proferido a fls. 99, em que se admitiu o presente recurso, omitiu-se totalmente a ordem de notificação da exequente e executados tanto para os termos do recurso como da causa e estes não foram, por conseguinte, objeto dessa notificação.
Nesta sequência, tendo sido omitida, na prolação do despacho de fls. 99, em que se admitiu o recurso, diligência essencial, com inegável reflexo no acórdão a proferir, o qual, sem o cumprimento do determinado por lei, implicaria a violação do princípio do contraditório, ordeno a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser proferido o despacho omitido, se proceder à notificação do exequente e executados naqueles termos, devendo apenas após apresentação por exequente e executados de contra-alegações ou do decurso do prazo legal que dispõem para o efeito, os autos subirem a esta Relação, para só então se conhecer do recurso interposto. Deverá ainda a 1ª Instância, previamente à subida dos autos a esta Relação, oficiar à Conservatória do Registo Predial, solicitando o envio de certidão atinente aos prédios arrestados, a fim de se aquilatar da data em que o arresto sobre aqueles foi inscrito no registo e, em caso de recusa, se apurar a data em que essa recusa foi inscrita no registo, isto naturalmente caso essa certidão não seja junta pelas partes aos autos. Notifique à embargante e após baixem os autos à 1ª Instância”.
Inconformado com a enunciada decisão do relator, veio a apelante requerer que sobre a mesma recaia acórdão, nos termos do disposto no art. 652º, n.º 3 do CPC, requerendo que esse acórdão seja no sentido de que “no recurso do despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial de quaisquer embargos de terceiro, não há lugar à citação dos embargados, nem para os termos dos embargos, nem para os termos do recurso, pois que, nos embargos de terceiros, a intervenção neles dos embargados têm lugar através de notificação, e ocorre apenas após o recebimento dos mesmos embargos de terceiro (artigo 348º do CPC).
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS
O objeto do acórdão a proferir consiste em saber se o despacho do relator que determinou a baixa dos autos à 1ª Instância para se proceder “à notificação de exequente e executados para os termos do recurso e da causa, devendo apenas, após apresentação por exequente e executados de contra-alegações ou do decurso do prazo legal que dispõem para o efeito, os autos subirem a esta Relação, para só então se conhecer do recurso interposto”, devendo aquela, “previamente à subida dos autos a esta Relação, oficiar à Conservatória do Registo Predial, solicitando o envio de certidão atinente aos prédios arrestados, a fim de se aquilatar da data em que o arresto sobre aqueles foi inscrito no registo e, em caso de recusa, se apurar a data em que essa recusa foi inscrita no registo, isto naturalmente caso essa certidão não seja junta pelas partes aos autos”, padece de erro de direito.
Caso assista razão ao apelante, entrando na matéria do recurso interposto, se a decisão recorrida, ao ter indeferido liminarmente os embargos preventivos intentados pela apelante, com fundamento de que aqueles foram instaurados em 27/05/2019, quando em 26/05/2019 já se encontrava alegadamente inscrito, no registo, o arresto dos prédios, padece de erro de direito.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para o conhecimento da questão a apreciar em sede de acórdão a proferir sobre a decisão do relator são os que constam do relatório que antecede, que aqui se dão por reproduzidos.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Antes de entrarmos na apreciação da questão suscitada pelo relator e sobre a qual recaiu a decisão de fls. 105, aqui colocada em crise pela apelante, incumbe referir que ao determinar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser proferido o despacho omitido, se proceder à notificação de exequente e executados naqueles termos, devendo apenas após apresentação por exequente e executados de contra-alegações ou do decurso do prazo legal que dispõem para o efeito, os autos subirem a esta Relação, para só então se conhecer do recurso interposto, aludindo-se, assim, sistematicamente, nesse despacho, a “exequente e executados”, quando se queria, e devia, ter escrito “arrestante e arrestada”, esse despacho padece de erro de escrita, o qual, nos termos do disposto nos arts. 249º do CC, 613º, n.ºs 2 e 3 e 614º, n.º 1 do CPC, porque é revelado pelo próprio contexto em que foi proferido e das circunstâncias que o acompanham, dá lugar exclusivamente à retificação do mesmo, por forma onde se lê: “exequente e executados” passe a ler-se “arrestante e arrestada”.
Na verdade, os autos de embargos preventivos deduzidos pela apelante, em que foi proferido o despacho de indeferimento liminar recorrido, foram instaurados por apenso aos autos de providência cautelar especificada de arresto, que “M. C., Lda.” intentou contra “Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta ..., Lda.” e visa impedir que se concretize o arresto sobre os bens imóveis identificados nos arts. 2º e 4º da petição inicial (e não evitar que se realize qualquer penhora em execução que tivesse sido instaurada).
Logo, quando no art. 641º, n.º 7 do CPC, se determina que no despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do art. 629º (decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento de procedimento cautelar), deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deva ser ouvido antes do seu decretamento, “o requerido” são os embargados, ou seja, no caso, a sociedade arrestante “M. C., Lda.”, e a sociedade arrestada “Sociedade Agrícola e Imobiliário da Quinta ..., Lda.”(e não exequente e executados, tanto assim que, reafirma-se, os presentes autos de embargos de terceiro preventivos não são dependência de qualquer execução, mas sim dos identificados autos de arresto).
Feita a correção do enunciado lapso calami, resta verificar se o aí determinado (devidamente corrigido nos termos atrás identificados), padece do erro de direito que a apelante lhe assaca, posto que, segundo esta, no recurso do despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial de quaisquer embargos de terceiro, não há lugar à citação dos embargados, nem para os termos dos embargos, nem para os do recurso, pois que a intervenção dos neles embargados tem lugar através de notificação e ocorre apenas após o recebimento dos embargos.
Apreciando.
Os embargos de terceiro consubstanciam o meio processual colocado ao dispor de um terceiro, isto é, de quem não seja parte na causa, para reagir contra qualquer penhora ou ato judicialmente ordenado de apreensão ou de entrega de bens que ofenda a sua posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência (art. 342º, n.º 1 do CPC).
Conforme decorre do art. 345º do CPC., os embargos de terceiro comportam sempre três fases processuais, a saber: uma fase de apreciação liminar da petição de embargos que, uma vez ultrapassada, é seguida de uma fase introdutória, destinada à produção da prova estritamente necessária para que o juiz decida sobre se recebe ou rejeita os embargos, fase essa que, uma vez igualmente ultrapassada, é seguida, nos termos do art. 348º do CPC, de uma fase contraditória.
Com efeito, dispõe o art. 345º do CPC, que “sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Já sobre a fase contraditória rege o art. 348º, cujo n.º 1 estabelece que “recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum”.
Deste modo, conforme decorre do enunciado art. 345º do CPC, o processo de embargos de terceiro inicia-se sempre por uma fase de apreciação liminar da petição de embargos.
Nessa fase de apreciação liminar da petição de embargos impõe-se ao juiz o dever de conhecer oficiosamente da tempestividade dos embargos e da verificação ou não de outros fundamentos que reclamem o imediato indeferimento liminar dessa petição, quais sejam, a apreciação do requisito de ilegitimidade do embargante para deduzir os embargos, por não se verificarem os requisitos do art. 342º, n.º 1, ou se se verificam ou não quaisquer circunstâncias que nos termos do disposto no n.º 1 do art. 590º do CPC, levem a que considere serem aqueles manifestamente improcedentes.
Ultrapassada a fase do despacho liminar, segue-se a fase introdutória.
A fase introdutória tem como escopo exclusivo a produção de prova estritamente necessária para que o juiz decida receber ou rejeitar os embargos.
Deste modo, quer a fase de apreciação liminar da petição inicial de embargos, quer a fase introdutória visam, sem exigência do contraditório, ajuizar sobre a tempestividade, a viabilidade dos embargos e a legitimidade do embargante (1).
Precise-se que a dupla existência do despacho liminar e do despacho de recebimento ou rejeição, um e outro proferidos antes de ouvida a parte contrária, leva a que se conclua que enquanto o indeferimento liminar, anterior à produção de prova, deve ser reservado aos casos de caducidade do direito de embargar, quando, excecionalmente, se retire da alegação (confissão) do embargante que os embargos foram apresentados fora do prazo do art. 344º, n.º 2, da ilegitimidade do embargante, por não se verificarem os requisitos do art. 342º, n.º 1 (embargos deduzidos: por uma das partes na causa; com base em posse ou direito compatível com a providência ordenada; insuscetível de por ela ser ofendida), ou de manifesta improcedência do pedido (art. 590º, n.º 1), já o despacho de rejeição deve ter lugar quando, embora a posse ou o direito invocado pelo embargante seja, em abstrato, sucetível de fundar embargos de terceiro, da prova sumariamente produzida não resulta a séria probabilidade da verificação dos respetivos factos constitutivos ou resulta a séria probabilidade da ocorrência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito dos primeiros (2).
Quer a fase de apreciação liminar da petição inicial de embargos, quer a fase introdutória, têm lugar sem observância do contraditório dos embargados.
Nessas fases não se exige um juízo definitivo, de certeza sobre as enunciadas questões que incumbe ao juiz apreciar, mas tão só uma decisão provisória, adjetiva, sem qualquer pendor de ordem substantiva sobre a tempestividade, a viabilidade dos embargos e sobre a legitimidade do embargante para os deduzir, ou seja, apenas uma juízo de simples probabilidade ou verosimilhança, destinado a servir de suporte a uma decisão provisória, interina, destinada a evitar que se recebam embargos inteiramente infundados (3).
Deste modo, a circunstância do juiz não indeferir liminarmente a petição de embargos e designar data para a produção de prova e de, finda a fase introdutória, receber os embargos, não preclude o direito dos embargados virem a invocar, na contestação, a exceção perentória da caducidade, das exceções dilatórias da ineptidão da petição inicial ou da ilegitimidade ativa do embargante, sequer impossibilita o tribunal, uma vez feita prova pelos embargados da exceção da caducidade, de vir a julgar improcedente os embargos de terceiro, com fundamento na verificação dessa exceção e de vir, inclusivamente, a julgar oficiosamente improcedentes os embargos com fundamento na sua manifesta improcedência.
Apesar dos autos de embargos de terceiro se cingir, do ponto de vista processual, às identificadas três fases – apreciação liminar da petição de embargos, fase introdutória e fase contraditória – e dos embargados apenas serem notificados para contestar, querendo, os embargos, uma vez ultrapassadas aquelas duas fases iniciais, sustenta a apelante que por via dessa circunstância, uma vez rejeitada in limine a petição inicial de embargos, não teriam os mesmos de ser notificados para os termos da causa e do recurso, contrariamente ao que foi decidido pelo aqui relator, no despacho proferido a fls. 105 e, antecipe-se, desde já, com inteira pertinência.
Estabelece o n.º 7 do art. 641º do CPC, que no despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do art. 629º (decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar), deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os termos da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não tenha sido ouvido antes do seu decretamento.
Decorre destes normativos que indeferida liminarmente a petição ou requerimento inicial, que além de ser sempre admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa (art. 629º, n.º 3, al. c) do CPC), que esse recurso não obedece a uma tramitação inteiramente coincidente com os demais, uma vez que em tal situação, em lugar da notificação da parte contrária, será o juiz a ordenar a sua citação, não apenas para os termos do recurso, como para os da causa, a qual será omitida sempre que o respeito do contraditório ponha em perigo a eficácia da ação ou do procedimento cautelar (4).
Debruçando-se sobre o precedente art. 234º-A do CPC, que corresponde ao atual vigente art. 641º, n.º 7, no seu acórdão de 11/03/2004 (5), o STJ sustenta que o regime previsto neste preceito aplica-se a todas as ações e procedimentos, declarativos ou executivos, que comportam momento de apreciação liminar e onde conclui que, proferido despacho de indeferimento in limine em execução ordinária para pagamento de quantia certa e interposto agravo do mesmo, deve o despacho de admissão, por imperativo do n.º 3 do citado artigo, ordenar a citação do executado ou executados, tanto para os termos do recurso como para os da causa, justificando a ratio legis deste preceito na circunstância de, de contrário, faltando a citação, o agravo correria sem sua intervenção e presuntivamente sem o seu conhecimento, privando-o do direito de defesa, numa palavra do exercício do contraditório de todos os direitos que a lei reconhece e, basicamente, do direito de sustentar que o agravo não merece provimento.
É justamente o princípio do contraditório, consagrado no art. 3º do CPC, que preside ao enunciado regime legal do art. 641º, n.º 7 do CPC, quando nele se ordena que no despacho de recebimento do recurso de indeferimento liminar, o juiz tem de ordenar a citação do réu ou requerido para os termos do recurso.
Note-se que na sua conceção tradicional, o princípio do contraditório tem como escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, mas como tem sido posto em evidência pela doutrina e pela jurisprudência, embora a conceção tradicional do princípio do contraditório continue válida e vigorante no atual processo civil, neste adoptou-se uma conceção ampla de contrariedade ao estatuir-se, no seu art. 3º, n.º 3, que “o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Neste preceito proíbe-se a indefesa, ao conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem a pretensão é dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (6).
Nesta conceção ampla do princípio do contraditório, em que se proíbe a indefesa e, nessa medida, a prolação de decisões-surpresa, visando-se assegurar às partes o direito de influenciarem efetivamente o rumo do processo e a decisão nele a proferir, o escopo principal do princípio do contraditório, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo (7).
Deste modo, o regime legal enunciado no identificado n.º 7 do atual vigente art. 641º do CPC, ao determinar que o réu ou o requerido, salvo os casos em que a observância do princípio do contraditório sejam suscetíveis de colocar em perigo a eficácia da ação ou do procedimento cautelar, sejam citados tanto para os termos do recurso como da causa, tem em vista, por um lado, salvaguardar o cumprimento integral do princípio do contraditório quer, na sua vertente negativa, quer na sua vertente positiva, visando possibilitar que a parte contrária possa contra-alegar, influindo ativamente, na decisão a proferir pela Instância Superior em sede recurso quanto à decisão que indeferiu liminarmente a petição ou o requerimento inicial e, por outro lado, ao determinar-se que o mesmo seja citado também para os termos da causa, promove-se a celeridade processual, evitando-se que a parte contrária, uma vez julgado procedente o recurso e revogado o despacho de indeferimento liminar, tenha de ser agora notificada para os termos da causa, com os inerentes atrasos processuais.
Com a enunciada solução do art. 641º, n.º 7 do CPC, atua-se no pressuposto de que o recurso vai ser julgado procedente, pelo que se for revogado o despacho de indeferimento liminar, a simples notificação do acórdão revogatório dessa decisão de indeferimento in linime da petição ou do requerimento inicial, determinará o início de contagem do prazo para o réu ou requerido apresentar a sua defesa, que se conta, assim, da notificação ao mesmo do acórdão revogatório e não de sua nova citação para os termos da ação (8).
Como referido, o enunciado regime do n.º 7 do art. 641º do CPC, apenas não é aplicável nos casos em que a observância do contraditório seja suscetível de colocar em perigo a eficácia da ação ou do procedimento cautelar.
Nestes casos, no despacho que admite o recurso interposto do indeferimento liminar da petição ou do requerimento inicial, não deverá o juiz determinar a citação/notificação do réu ou do requerido tanto para os termos do recurso como da causa.
No entanto, aquele n.º 7 do art. 64º1º carece de ser interpretado extensivamente por forma a nele também serem abrangidas aqueles situações em que, de acordo com o ritualismo processualmente determinado, ao indeferimento liminar, caso tivesse sido proferida decisão contrária, não se seguiria a observação do contraditório dos requeridos, ocorrendo apenas a observância desse princípio numa fase processual posterior, uma vez ultrapassadas determinadas fases, como é o caso dos autos, em que no caso de não ter sido proferido despacho de indeferimento in limine dos embargos, se passaria à fase introdutória dos embargos e apenas ultrapassada, com sucesso, essa fase, isto é, recebidos os embargos, seriam notificadas as partes primitivas (arrestante e arrestado) para os contestar, querendo (art. 348º, n.º 1 do CPC).
Note-se que o que se acaba de propugnar é defendido por Salvador da Costa, que ainda na vigência do CPC anterior, escrevia que ao “…despacho que admita o recurso (de indeferimento liminar da petição de embargos de terceiro) … não é aplicável, na espécie, considerando a especialidade que decorre do disposto no art. 353º, o que prescreve o n.º 3 do artigo 234º-A” (9).
Acrescente-se que nesta obra, que data de 2008 (5ª ed.), aquele autor defendia que apesar disso “o despacho que admita o recurso é notificado ao embargado”, posição esta que veio a rever, na 9ª ed. da mesma obra, onde deixou de se referir à necessidade de notificação do despacho que admita o recurso ao embargado para contra-alegar, querendo (o que merece a nossa concordância, atentas as razões já expandidas), limitando-se a escrever que “A circunstância de o juiz dever conhecer oficiosamente da intempestividade dos embargos de terceiro, e de não o fazer, devendo fazê-lo, não implica a preclusão da faculdade de o embargado, que não é ouvido nesta fase processual, invocar a exceção perentória da caducidade no instrumento de contestação. Aferida a tempestividade da petição de embargos ou não havendo elementos para a aferir, o juiz verifica se existe ou não algum outro fundamento para o seu indeferimento. Entre esses fundamentos residuais contam-se a legitimidade do embargante por não verificação dos requisitos a que alude o artigo 342º, n.º 1, bem como da improcedência manifesta do pedido, prevista no artigo 590º, n.º 1 (…). Não sendo caso de indeferimento liminar da petição inicial, passa-se à fase introdutória dos embargos com a produção da prova indicada pelo embargante, se necessário” (10), o que tudo se subscreve, conforme resulta do que acima se deixou dito.
Em síntese, como bem refere a apelante, em sede de embargos de terceiro, em caso de indeferimento liminar dos embargos, nunca há lugar à aplicação do disposto no n.º 7 do art. 641º do CPC, isto é, no despacho em que admita o recurso de indeferimento liminar da petição de embargos, nunca há lugar à determinação de notificação das partes primitivas (no caso, arrestante e arrestado) para os termos do recurso, sequer para os termos da causa, uma vez que a observância do princípio contraditório quanto a estas partes tem apenas lugar posteriormente, ou seja, uma vez ultrapassada a fase introdutória dos embargos e caso esta seja ultrapassada com sucesso.
Nesta conformidade, sem maiores, por desnecessários, considerandos, revoga-se o despacho proferido pelo relator a fls. 105 e passasse a conhecer da matéria da presente apelação.
Sem custas.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Apesar da 1ª Instância não ter, em violação do disposto no art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, dado como provados os factos essenciais alegados pelo apelante e que resultam dos autos e que se mostram relevantes para a prolação do despacho de indeferimento liminar recorrido, ao abrigo do disposto no art. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c), este “a contrario”, do CPC, suprimindo a omissão cometida pelo tribunal a quo, julgam-se provados os seguintes factos:
A- M. C., Lda. instaurou procedimento cautelar de arresto contra Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta ..., Lda., requerendo que fosse decretado o arresto do direito à renda paga pela sociedade X – Distribuição Alimentar, S.A. à requerida, melhor identificado no art. 46º do requerimento inicial do apenso E; de todas as contas bancária de que a requerida fosse titular e, bem assim os prédios urbanos, rústicos e mistos de que esta fosse proprietária – cfr. requerimento inicial do apenso E.
B- Por decisão proferida no apenso E, em 16/05/2019, decretou-se o arresto:
1- da renda paga pela sociedade X – Distribuição Alimentar, S.A., à requerida por conta do arrendamento do estabelecimento comercial X, sito no gaveto das Ruas …, em Vila Real; e
2- de todos os bens imóveis propriedade da requerida, entre os quais se conta o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho de Vila Real, sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/… da dita freguesia e os identificados na alínea HH) dos factos provados, que se encontram inscritos na respetiva Conservatória do Registo Predial, conforme certidões juntas na refª 1969156 – cfr. sentença proferida em 16/05/2019, no apenso E.
C- Os presentes embargos de terceiro deram entrada em juízo em 27/05/2019 – cfr. fls. 13 do presente apenso.
D- Em 26/05/2019, o agente de execução requereu, na Conservatória do Registo Predial de …, a inscrição no registo do arresto dos imóveis, estando a aguardar, em 28/05/2019, o registo definitivo desse arresto – cfr. doc. junto ao apenso E em 28/05/2019.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Entendeu-se na decisão recorrida que tendo os presentes embargos de terceiro função preventiva e estando, à data da entrada desses embargos em juízo, o arresto contra o qual a embargante pretende reagir, inscrito no registo, se impunha indeferir liminarmente os presentes embargos de terceiro.
Antes de mais, esclareça-se que os presentes embargos de terceiro deram entrada em juízo em 27/05/2019 e que, nessa data, ainda não se encontrava inscrito, no registo, o arresto decretado, mas tão-somente requerida a respetiva inscrição no registo, pelo agente de execução (cfr. ponto D dos factos apurados).
Independentemente dessa questão, sustenta a apelante que tendo os presentes embargos de terceiro natureza preventiva (o que ninguém contesta, sequer o tribunal a quo, que os considerou enquanto tal), à data da entrada em juízo da petição inicial e, inclusivamente, do indeferimento liminar dos embargos, ainda não se encontrava concretizado o arresto, contra o qual pretende reagir e, a nosso ver, com inteira razão.
Vejamos: O art. 342º do CPC versa sobre os embargos de terceiro ditos repressivos, isto é, aqueles que são subsequentes à ofensa da posse do embargante ou de qualquer outro direito deste, que seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicialmente determinada, visando o embargante, mediante a dedução dos embargos, fazer valer a sua posse ou direito sobre o bem, pondo termo a essa lesão.
Por sua vez, o art. 358º do CPC respeita aos embargos de terceiro com função preventiva, ou seja, aqueles que visam impedir que a diligência judicialmente determinada, que alegadamente, a ser concretizada, ofenderá a posse do embargante ou outro direito deste, incompatível com a realização ou o âmbito da diligência em causa, seja concretizada.
Sintetizando, enquanto os embargos de terceiro de natureza repressiva é o meio processual a que o embargante lança mão, já depois da diligência judicialmente determinada ter sido concretizada e de, consequentemente, ter sido lesada a sua posse sobre o bem objeto dessa diligência ou o seu direito sobre esse bem e que seja incompatível com a realização ou o âmbito dessa diligência, visando o embargante, mediante a dedução de embargos, pôr termo a essa lesão; os embargos de terceiro de natureza repressiva é o meio processual a que o embargante lança mão, depois da diligência judicial ter sido determinada, mas ainda não concretizada.
Porque a diligência judicial não foi ainda concretizada e, por isso, a lesão da posse do embargante sobre o bem que dela será objeto, ou o direito que aquele se arroga titular sobre esse bem ainda não foram lesados, o embargante deduz embargos preventivos, precisamente para impedir que a diligência se concretize e que a lesão da sua posse ou direito se venha igualmente a concretizar.
Atentas as finalidades prosseguidas pelos embargos de terceiro de natureza preventiva, compreende-se que o n.º 1 do art. 350º do CPC, seja expresso em estatuir que estes têm de ser requeridos antes de realizada a diligência, mas depois desta ter sido determinada.
Deste modo, “o terminus a quo da dedução dos embargos de terceiro é a data em que for proferida a decisão judicial de cobertura da diligência afetante do direito do embargante, e não aquele em que foi notificada a decisão”, enquanto “o terminus ad quem da dedução dos embargos vai até ao momento em que a referida decisão seja executada, ou seja, até ao momento em que operou a diligência judicial de afetação do direito do embargante, independentemente da data do seu registo” (11).
Note-se que neste sentido também se pronuncia a totalidade da jurisprudência, nomeadamente, a que vem citada nos arestos identificados na decisão recorrida, que é expressa no sentido de que o prazo de caducidade dos embargos de terceiro a que se reporta o art. 344º, n.º 2 do CPC só é aplicável aos embargos de função repressiva, não prevendo a lei prazo fixo para a dedução de embargos de terceiro de função preventiva, podendo estes serem deduzidos entre a data do despacho que ordena a diligência e a sua efetiva realização (12).
A diligência judicialmente determinada a que a apelante (embargante) visa obstar é o arresto dos prédios que identifica nos arts. 2º e 4º da petição de embargos, em relação aos quais se arroga o direito de propriedade.
Os presentes embargos deram entrada em juízo em 27/05/2019 e o arresto desses bens foi determinado por sentença proferida em 16/05/2019, pelo que é apodítico que se encontra observado o terminus a quo para a dedução de embargos de terceiro preventivos, na medida em que estes foram deduzidos pela apelante após ter sido judicialmente determinado o arresto desses bens.
Resta verificar se igualmente se encontra observado o terminus ad quem para a dedução dos embargos preventivos.
O arresto é uma providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens cujo valor seja suficiente para assegurar a satisfação do crédito invocado pelo requerente sobre o requerido (art. 391º, nºs 1 e 2 do CPC).
Trata-se de uma providência cautelar que tem por escopo afastar o perigo para o credor da perda da garantia patrimonial do seu crédito, sempre que aquele tenha fundado receio de que o devedor aliene, oculte ou dissipe o seu património, frustrando, assim, a satisfação patrimonial desse crédito.
O n.º 2 do art. 391º do CPC é expresso que ao arresto são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceito nesta secção.
Deriva deste preceito que salvo naquilo que seja afastado pelas normas específicas do arresto, este encontra-se sujeito às normais processuais e substantivas que são aplicáveis à penhora.
Como consequência, só são suscetíveis de arresto os bens penhoráveis, o que exclui que os bens que não podem ser penhorados tanto absolutamente, como relativamente, como aqueles que só o podem ser parcialmente. Igualmente é aplicável ao arresto o regime relativo à efetivação da penhora e os seus efeitos (13).
Quanto ao modo como se realiza a penhora de imóveis (natureza dos bens sobre que regem os presentes autos, cujo arresto se determinou) e, por conseguinte, o arresto a neles ser efetivado, rege os arts. 755º e ss. do CPC, nos termos dos quais essa diligência se realiza por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, o qual vale como pedido de registo (n.º 1 do art. 755º); efetuado o registo, o agente de execução lavra auto de penhora e procede à afixação, na porta ou noutro local visível do imóvel, de um edital (n.º 3 do art. 755º), sendo o agente de execução nomeado fiel depositário deste e deve tomar a posse efetiva do prédio (arts. 765º e 757º, n.º 1 do CPC).
Só uma vez realizadas todas essas diligências é que o arresto, tal como a penhora, se pode considerar concluído e até lá, conforme supra já expandido e resulta do art. 351º, n.º 1 do CPC, podem ser deduzidos embargos preventivos contra o arresto determinado.
Logo, como bem refere Salvador da Costa, a data do registo do arresto não estabelece o terminus ad quem dos embargos de terceiro de natureza preventiva, mas a efetiva realização do arresto, ou seja, o “momento em que operou a diligência judicial de afetação do direito do embargante”.
Até essa afetação, isto é, até todas as diligências necessárias à efetivação do arresto não se mostrarem realizadas, de que a inscrição no registo é apenas a primeira diligência tendente a realizar esse arresto, assiste aos terceiros o direito a deduzirem embargos de terceiro.
Aqui chegados, é indiscutível que à data em que foram apresentados em juízo os presentes embargos de terceiro preventivos – 27/05/2019 – ainda não se encontrava efetuado o arresto determinado, sequer este se encontrava inscrito no registo, pelo que, tal como sustenta a apelante acontecer, não existia fundamento legal para indeferir liminarmente a petição de embargos.
Resulta do que se vem dizendo, impor-se revogar a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento dos presentes embargos de terceiro de natureza preventiva.
*
*
Decisão:
Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente a presente apelação e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente os presentes embargos de terceiro de natureza preventiva e ordenam o prosseguimento dos autos.
*
Custas pela parte ou partes que venham a decair (e em função desse decaimento) a final no âmbito dos presentes autos de embargos de terceiro (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 07 de novembro de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)
1. Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, pág. 227 2. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 4ª ed., Almedina, págs. 682 e 683. 3. Acs. RE de 23/11/2006, Proc. 2016/06-3, in base de dados da DGSI. 4. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 176. 5. Ac. STJ. de 11/03/2004, Proc. 04B3849, in base de dados da DGSI. 6. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI. 7. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97. No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 29. 8. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 402. 9. Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., pág. 229. 10. Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 9ª ed., pág. 177. 11. Salvador da Costa, ob. cit., 5ª ed., pág. 241. 12. Acs. STJ de 09/06/2006, Proc. 06B014; STA de 26/10/2016, Proc. 01279/15; RG. de 24/09/2015; Proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1, todos in base de dados da DGSI. 13. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 237; No mesmo sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., págs. 142 e 143, onde ponderam: “…O arresto, tal como a penhora (art. 822º-1 do CC), consiste numa apreensão judicial de bens que são entregues a um depositário, que os guarda e administra em nome do tribunal, com obrigação de prestar contas. Tal como a penhora, oferece ao credor que o requeira e obtenha o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior à data em que é efectuado (art. 822º-2 do CC) o que constitui, tal como a penhora, uma garantia real, embora por natureza provisória (…). Para tanto, embora seja válido, é ineficaz relativamente ao credor – e também relativamente aos outros intervenientes na futura execução – qualquer ato de disposição, oneração ou arrendamento do bem arrestado que tenha lugar depois do arresto (arts. 622-1 CC e 819º CC). Ainda Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2018, 2ª ed., págs. 223 e 224, em que no mesmo sentido se lê que “…o requerido é privado do gozo dos bens ou direitos objeto do arresto, os quais são posteriormente transferidos para o credor, mediante a conversão do arresto em penhora e subsequente venda executiva. Exatamente por isso, tal como sucede com a penhora, esses bens são entregues a um depositário, o qual deve guardar e administrar em nome do Estado”.