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ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - Os danos futuros decorrentes da perda de capacidade aquisitiva são danos equiparados a prejuízos não patrimoniais, mesmo que com base patrimonial, pois que o tratamento que lhes deverá ser dado corresponde às características de um julgamento de direito, elaborado a partir de conceitos de justiça e de equidade, e não de um julgamento meramente de facto, efectuado a partir de factos concretamente provados ou não provados. II – No caso do ressarcimento de dano patrimonial, enquanto dano futuro de perda de capacidade aquisitiva, considerando um esforço acrescido de 9 pontos percentuais, o período de incapacidade temporária total para o trabalho, 43 anos de idade do Autor, à data do acidente, e 45 anos à data em que findou a incapacidade temporária, acrescendo os habituais critérios jurisprudenciais, justifica-se o montante ressarcitório de € 28.736,11 (€ 24.000 mais € 4.736,11). III – Quanto aos padecimentos morais, vista a incapacidade permanente geral de 9% e o “pretium doloris” (ressarcimento da dor física sofrida – grau 5, em 7), acrescendo um dano da vida de relação e prejuízo de afirmação pessoal, justifica-se a atribuição ao Autor de um montante de € 32.500,00.
Texto Integral
• Rec. 2409/18.4T8PRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância de 10/04/2019.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recursos de apelação independente e subordinado interpostos na acção com processo declarativo e forma comum nº2409/18.4T8PRT, do Juízo Central Cível do Porto. Autor – B…. Ré – N…, S.A.
Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar ao A.:
a) o montante de 109.549,54€, respeitante a danos patrimoniais e não patrimoniais liquidados;
b) todas as despesas médicas, medicamentosas, hospitalares, transportes e outras despesas, futuras, que sejam decorrentes das lesões sofridas no acidente ou do seu tratamento, assim como
c) todos os danos patrimoniais e não patrimoniais futuros decorrentes do tratamento ou consequentes do agravamento daquelas lesões e sequelas, que se vierem a fixar de acordo com as circunstancias que se apurarem, em sede de incidente de execução de sentença;
d) juros de mora contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Tese do Autor
No dia 26/3/2016, pelas 00,40h, ocorreu um acidente de viação, consistente num atropelamento do Autor, seguindo pela berma esquerda da Rua …, …, Valongo, atento o sentido de marcha dos veículos … – ….
Nessa altura, o veículo ..-BM-.. seguia no sentido … – …, e invadiu a berma direita da via, visto o respectivo sentido de marcha, aí colhendo o Autor.
Computa o montante dos danos patrimonial e não patrimonial por si sofridos, em decorrência do acidente, no valor peticionado. Tese da Ré
Impugna os danos alegados, bem como a respectiva valoração pelo Autor.
Sentença Recorrida
Na sentença, o Mmº Juiz “a quo” julgou o pedido formulado na acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de sessenta mil euros (60.000,00€) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo 20.000,00€ a título de danos patrimoniais e 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais), quantia esta acrescida dos juros de mora legais vencidos e vincendos desde a citação e até pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado pelo Autor.
Conclusões do Recurso Independente de Apelação da Ré:
1 – Nas conclusões do relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal de fls., pode ler-se:
- A data da consolidação medico-legal das lesões é fixável em 7/7/2017.
- Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 37 dias.
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 432 dias.
- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período total de 104 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 5/7.
- Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 9 pontos.
- As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
- Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7.
- Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7.
2 – Ora, tais danos ou lesões sofridas pelo Autor não podem, de forma alguma, justificar a quantia fixada na sentença de € 40.000, para os danos morais.
3 – Com efeito, a indemnização a arbitrar pelo Tribunal deve ser justa, adequada e proporcional a compensar o dano sofrido pelo lesado.
4 – E, no caso em evidência, o valor de € 40.000 fixado para os danos morais é absolutamente injusto, desadequado e desproporcional aos danos descritos no relatório pericial e que aqui se pretendem indemnizar.
5 – O valor fixado viola, aliás, o princípio da igualdade, se comparado com casos semelhantes decididos pelos nossos tribunais superiores.
6 – Entre muitos outros cf.:
- Acórdão do TRG de 7/12/2017, pº 863/16.8T8VIS.G1, da 2ª Secção Cível, que a uma lesada de 40 anos, a quem, no exame pericial, tinha sido fixada uma incapacidade de 12 pontos, com incapacidade para a profissão habitual, o Tribunal de 1ª Instância atribuiu uma indemnização por danos morais de € 25.000, que aquele Tribunal da Relação reduziu para € 12.500.
- Acórdão do S.T.J. de 14/12/2017, proferido no pº 589/13.4TBFLG.P1.S1, que confirmou a indemnização atribuída ao Autor, de 34 anos, por danos não patrimoniais, de € 30.000, para uma IPG de 20 pontos, um quantum doloris de 5/7, um dano estético de 3/7, uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de 3/7.
7 - O valor está assim desajustado, por excessivo, também se comparado com o valor que habitualmente se tem vindo a atribuir pela perda do direito à vida ou dano morte.
8 – Por isso se entende que, a título de danos morais, a quantia a fixar não deve ser superior a € 10.000 ou a € 15.000.
9 – A decisão ora recorrida violou, entre outros, o disposto no artº 496º CCiv.
Por contra-alegações, o Autor pugna pela confirmação da quantia atribuída ao mesmo Autor, a título de danos não patrimoniais.
Conclusões do Recurso Subordinado de Apelação do Autor
1.O A., ora recorrente, conforma-se com a matéria de facto dada por provada na bem elaborada sentença proferida, discordando, no entanto, no montante em que esta condenou a R Seguradora a pagar ao A, a título de danos patrimoniais, porquanto se afigura que aquele montante ficou aquém do que seria justo e equilibrado, face aos danos e prejuízos sofridos pelo A, aqui Recorrente.
2. Entende-se que tal valor assenta, é certo, em juízo de equidade, no entanto, não é o mesmo consentâneo com os factos provados, pecando por defeito, atenta as perdas e prejuízos patrimoniais provadas.
3. Está em causa (i) indemnizar o dano corporal sofrido que lhe determina uma incapacidade parcial e geral de 9 pontos, “que lhe acarreta esforços acrescidos quer na sua actividade laboral quer na sua vida diária”, tal como se refere na sentença, douta do Tribunal “a quo” e (ii) perdas de rendimento salarial decorrentes da sua ausência ao trabalho por causa das lesões sofridas no acidente.
4. De acordo com os factos provados, o Recorrente auferia como contrapartida da sua prestação de trabalho, um vencimento mensal de cerca de 700,00€ x 14 meses e subsídio de alimentação mensal (22 dias).
5. Atento os danos decorrentes do acidente, o recorrente deixou de auferir a quantia de 14.000,00€, tendo, no entanto, recebido da R. e da Segurança Social o montante global de 9.263,89€, sendo, por isso, ainda, seu direito receber a diferença entre a quantia recebida e a quantia global que teria direito a receber, isto é, o montante de 4.736,11€ (quatro mil setecentos e trinta e seis euros e onze cêntimos).
6. O Recorrente, em função do acidente sofrido, padece agora de um défice funcional acentuado, que lhe provoca, indubitavelmente, uma diminuição geral na qualidade de vida pessoal e profissional e que o condiciona, e condicionará, em toda a sua vida futura, mormente no exercício da sua actividade profissional ou noutras actividades económicas e profissionais que, ainda, lhe pudessem surgir, ao longo da sua expectativa de vida, atento o facto de, à data do acidente, ser ainda um jovem de 43 anos e sendo expectável que a sua vida se prolongue até idade não inferior aos 70 anos, como aliás bem refere a sentença.
7. O quantum indemnizatório a atribuir-se ao Recorrente deve ser justo e equilibrado e ter em conta a idade do sinistrado, o tempo de vida útil previsível, a retribuição auferida pelo mesmo e, por fim, a perda salarial a que supra se alude.
8. Salvo melhor e douta opinião, o Tribunal “a quo” não teve em consideração para a determinação do “quantum” indemnizatório atribuído a título de danos patrimoniais a perda de rendimentos provada (e subtraída das quantias já pagas a este título) no montante 4.736,11€, valor este que não pode deixar de ser contemplado na decisão, douta, porquanto é um facto provado.
9. Por outro lado, não se pode concordar com a alegação ínsita no raciocínio para a determinação do valor, que resulta na atribuição a título de lucros cessantes, na quantia de 20.000,00€ já que, como referido, há que ter em conta que a quantia de 4.736,11€ corresponde ao montante em falta, e que o Recorrente tem direito a receber, a título de perdas salariais.
10. E não se pode concordar com uma compensação indemnizatória pela perda patrimonial decorrente do défice funcional permanente de integridade físico psíquica de 9 pontos no montante de 15.263,89€, valor este que resulta da dedução dos 4736,11€ relativos a perdas salariais não liquidadas, tal como provado.
11. Assim, como supra referido, a compensação indemnizatória a atribuir ao Recorrente deverá ter em conta os seguintes factos provados: (i) a idade de 43 anos à data do acidente, (ii) se não o salário médio nacional, em 2016, no montante de 924,90€, pelo menos o montante salarial que aquele auferia à data do acidente, isto é, 9.800,00€/ano (uma vez que era já superior ao salário mínimo nacional e que, atenta a idade referida, sempre se dirá que nos próximos 27 anos o seu vencimento acompanhará o desenvolvimento salarial do País, que não seja, pelo menos, decorrente de actualizações em conformidade com a inflação, desenvolvimento e produtividade do País e (iii) o défice funcional permanente de 9 pontos.
12. Aplicando esse raciocínio, o valor justo e equilibrado para ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos pelo A não poderá deixar de ser um valor correspondente, pelo menos, a 24.000,00€ acrescido do montante relativo a perdas de rendimento salarial (4.736,11€), isto é, um montante global de valor não inferior a 28.736,11€, acrescido de juros de juros moratórios a contar da citação e até efectivo pagamento.
13. Ao decidir nos termos constantes da sentença, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
Factos Provados
1-No dia 26 de Março de 2016, pelas 00h40, ocorreu um atropelamento na rua …, .., freguesia …, concelho de Valongo, em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-BM-.., conduzido pelo seu proprietário, e o autor, B…;
2- A ré C…, SA, por contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº ……., garantia a cobertura dos danos causados a terceiro e decorrentes da circulação do veículo automóvel ..-BM-..; 3- Naquele momento e lugar, o autor caminhava pela berma esquerda da via, atenta a sua direcção …/…, virado de frente para os veículos que ali circulavam, ou seja, que circulavam no sentido …/…; 4- Ainda naquele momento e local, inesperadamente, o BM invade a berma da estrada e junto ao muro ali existente, atropelou o autor, que ficou prostrado na via, junto ao muro que a ladeia e a cerca de 50 cm desta;
5- Era noite, o tempo apresentava-se com chuviscos e o local possui iluminação pública;
6- A estrada, urbana, tem naquele local a largura de 5,15 metros e é uma recta descendente atenta a direcção que o autor seguia, cujo piso é em alcatrão em estado razoável de conservação;
7- Reconhecendo a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, a ré pagou já ao autor a quantia 8.821,45 euros, relativamente a período de ITA;
8- O autor, em consequência directa, imediata e necessária do acidente, sofreu lesões corporais que o obrigaram a receber assistência médica no local, com perda momentânea de consciência e, logo que oportuno, foi transferido, em ambulância do INEM, para os serviços hospitalares de …, no Porto;
9- Ainda em consequência directa e necessária do referido acidente, o autor sofreu as lesões, dores, angústias, tratamentos e sequelas mais bem descritas no relatório de exame pericial do INML de fls. 96 a 100 (com a rectificação de fls. 145), que aqui se dá por integralmente reproduzido e considerando-se como parte integrante desta sentença;
10- Assim, como conclui aquele exame pericial, do acidente em causa resultaram para o autor as seguintes sequelas:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 07.07.2017;
- Período de défice funcional temporário total sendo assim fixável num período de 37 dias;
- Período de défice funcional temporário parcial sendo assim fixável num período de 432 dias;
- Período de repercussão temporária na actividade profissional total sendo assim fixável num período total de 469 dias;
- Quantum Doloris fixável no grau 5/7;
- Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 9 pontos;
- As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, nomeadamente nas funções que exijam permanência durante longos períodos em ortostatismo ou sentado;
- Dano estético permanente fixável no grau 3/7;
- Repercussão Permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7;
11- Deambulou com auxilio de bengalas canadianas durante cerca de 4 meses, tendo, durante todo esse período, carecido de apoio de terceira pessoa;
12- O autor, anteriormente ao acidente, não apresentava qualquer dano corporal nem apresentava qualquer causa estranha ao traumatismo decorrente do acidente de viação, gozando de saúde; 13- O autor nasceu em 03.06.1973 e, à data do acidente, tinha a profissão de cromador e trabalhava na firma D…, Lda;
14- Como contrapartida da sua prestação de trabalho, auferia um vencimento mensal de cerca de 700,00€ x 14 meses e subsídio de alimentação mensal (22 dias);
15- Até à consolidação médico-legal das suas lesões, não pôde trabalhar, deixando de auferir a quantia de cerca de 14.000,00 euros, tendo recebido da ré a quantia acima referida de 8.821,45 euros e 442,44 euros da segurança social.
Factos essenciais não provados:
- Que em consequência do acidente, as lesões sofridas pelo autor não se mostrem consolidadas e/ou que, em consequência do mesmo, possam ainda estas vir a agravar-se, obrigando a novos internamentos hospitalares, assistência médica, medicamentosa, apoio fisiátrico ou de assistência clínica que não possam ser ainda liquidados.
Fundamentos
As questões substancialmente colocadas pelos recursos de apelação serão as de conhecer: Recurso Independente
- se é excessiva a indemnização de € 40.000, atribuída a título de indemnização pelo dano não patrimonial decorrente das lesões sofridas, cabendo ser reduzido para € 10.000 ou € 15.000. Recurso Subordinado
- Se o montante de € 20.000, relativo ao dano decorrente da perda de capacidade de trabalho, é escasso, devendo ser considerado antes o valor de € 24.000, acrescido do montante de € 4.736,11, relativo a quantias salariais ainda não recebidas, decorrentes do período de incapacidade temporária geral.
Apreciemos tais questões.
I
Iniciando pela apreciação do recurso subordinado – pela questão lógica de o dano de componente patrimonial anteceder, em apreciação, o dano de componente não patrimonial.
Como é sabido, a diminuição da capacidade laboral provocada pelas sequelas definitivas de uma lesão física vai causar, na mesma proporção, a diminuição da capacidade de ganho, e, mesmo que em termos práticos isso não se venha a verificar, caberá sempre indemnizar o acréscimo de esforço ou os sofrimentos suplementares que, para o lesado, resultem das mazelas físicas ou psicológicas de que passou a sofrer, para a aquisição desse ganho futuro.
Neste sentido, segundo a lei portuguesa, o dano patrimonial é representado pela diferença entre a situação real actual da vítima e a situação hipotética em que se encontraria, caso não houvesse sofrido o dano – artº 566º nº2 CCiv.
O dano patrimonial pode ser valorado em dinheiro, incluindo não apenas o dano emergente (o que compreende o dano provocado nos bens ou nos direitos da vítima já existentes previamente ao acidente), mas também o lucro cessante (o qual compreende as benefícios a que a vítima não pôde aceder, por causa do facto ilícito) – artº 564º nº1 C.Civ.
Também na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros (como se constituem este tipo de danos afectando a capacidade de ganho – cf. o artº 564º nº2), desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (liquidação em execução de sentença).
Entre os danos futuros figuram os danos patrimoniais derivados da I.P.P. (incapacidade permanente e parcial para o trabalho) de que o Autor ficou a padecer por via do acidente (cujo ressarcimento em capital ou renda, mesmo na eventualidade de o lesado não ver diminuídos os seus rendimentos, já tinha sido objecto da Resolução do Comité de Ministros do Conselho da Europa nº75-7).
O cálculo respectivo não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto no artº 566º nº3 CCiv.
Na ausência de uma definição legal, v.g. no ordenamento civilístico português, a ideia de equidade pode retirar-se da fórmula canonizada por Engisch, cit. inProf. Alejandro Nieto, El Arbitrio Judicial, Barcelona, 2000, pg.233: “O método da equidade consiste em que, seja nas hipóteses normativas, seja nas suas consequências jurídicas, se insiram conceitos e formulações gerais e indeterminadas que ofereçam a quem aplica o direito uma orientação vinculativa para a decisão no caso concreto, a qual, por sua vez, deixe um campo de acção suficientemente amplo para levar em conta as peculiaridades do caso”.
O julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição” (Prof. Menezes Cordeiro, O Direito, 122º/272).
Em substância, os danos futuros decorrentes da perda de capacidade aquisitiva são danos equiparados a prejuízos não patrimoniais, mesmo que com base patrimonial, pois que o tratamento que lhes deverá ser dado corresponde às características de um julgamento de direito, elaborado a partir de conceitos de justiça e de equidade, e não de um julgamento meramente de facto, efectuado a partir de factos concretamente provados ou não provados (assim, S.T.J. 2/11/95Bol.451/48, relator: Consº Sá Nogueira).Para o cálculo dessa base patrimonial que guiará a avaliação do prejuízo, designadamente para a avaliação daquilo que a vítima poderia vencer antes da lesão sofrida, deve considerar-se que o Autor poderia auferir uma quantia rondando os € 10.833,34, levando em conta salários e subsídio de alimentação.
Ora, incidindo este dano sobre a capacidade geral de produção de rendimentos por parte do lesado, poderia ele ser ressarcido por duas formas equivalentes: atribuindo ao lesado uma indemnização em renda, que substituísse periodicamente os rendimentos perdidos (é a solução do artº 567º CCiv, prevista legalmente, mas a funcionar apenas a pedido do lesado); ou atribuindo ao lesado um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que, por um lado, produza rendimentos, por outro se venha igualmente a esgotar no final da vida do lesado.
Mencionou-se a vida do lesado e não apenas a respectiva “vida activa” pois que se entende que há que prover ao sustento do lesado, mesmo após o termo da sua vida activa, desta forma substituindo os sistemas de segurança social, os quais não poderão naturalmente actuar após o termo da vida activa do lesado já que não tendo obtido uma prévia contrapartida a partir de rendimentos do trabalho – é o sentido da doutrina e da jurisprudência, designadamente S.T.J. 16/3/99Col.I-167, ConsºSousa DinisCol.S.T.J.97-II-15 ou Ac.R.G. 1/10/03, rec. nº640/2003, 2ª Secção, relator: Arnaldo Silva.
Desta forma, também porque a esperança média de vida para as pessoas do sexo masculino se situa já hoje nos 78 anos de idade (dados recolhidos em pordata.pt), e porque o Autor (que tinha 43 anos de idade, à data do acidente e 45 anos na data em que terminou o período de incapacidade total temporária), poderia fixar-se em 33 o número de anos em que deveria repetir-se a prestação pela capacidade laboral perdida pelo Autor.Como vimos, na fixação da quantia devida a título da citada perda de capacidade laboral do Autor, o recurso à equidade constitui o único critério estabelecido pela lei civil. A ser de outro modo, tratar-se-ia no caso de um puro problema técnico-contabilístico que os tribunais não concorreriam para resolver.
Todavia, justifica-se que se parta de uma base técnico-contabilística, para após corrigir o capital obtido, fazendo apelo à fundamental equidade.
Com efeito, ao figurar-se a carreira profissional futura do Autor, não pode prescindir-se do id quod plerumque accidit – a duração normal previsível de vida, a progressão profissional de um trabalhador, a idade do Autor à data do acidente e a flutuação do valor do dinheiro, tendo em conta o tempo durante o qual o capital entregue deve ser despendido pelo Autor (até ao final da vida deste Autor) – utS.T.J. 25/6/02Col.II/128 e S.T.J. 23/10/03Col.III/111; desta forma, as meras tabelas financeiras só por si não logram aproximar-se da realidade indemnizatória e necessitam de ser corrigidas, para mais ou para menos, em função de eventos que, sendo previsíveis, encontram nas fórmulas matemáticas uma tradução redutora (note-se que, sendo a equidade o critério legal, o Tribunal não está de todo reduzido à expressão indemnizatória das fórmulas matemáticas – S.T.J. 11/3/97Bol.465-537 – mas pode recorrer a elas como fórmula de valor meramente auxiliar – S.T.J. 25/6/02 cit.; S.T.J. 8/5/03Col.II/42).
Assim, nesta ordem de ideias, diversas decisões jurisprudenciais recorreram a fórmulas matemáticas que explicitaram no respectivo texto (ut S.T.J. 4/2/93Col.I-128, S.T.J. 5/5/94Col.II-86 ou Ac.R.C. 4/4/95Col.II-23).
Olhemos à fórmula matemática sugerida pelo Ac.S.T.J.5/5/94Col. II-86.
A fórmula a utilizar como elemento de trabalho será: N -N C = P x ((1/i-(1 + i)/((1 + i) x i)) + P x (1 + i)
onde C será o capital a depositar, P a prestação a pagar anualmente (considerando um vencimento anual de € 975,00, correspondente à percentagem do salário anual afectado pela incapacidade permanente de 0,09), i a taxa de juro e N o número de anos em que a prestação se manterá (33 anos).
Considerar-se-á a taxa de juro de 0,5%, num quadro de estabilidade da moeda e de inflação mínima, em que nos encontramos.
Pela aplicação da dita fórmula do S.T.J., chegaremos ao resultado global de € 29 911,93, quantia essa que supera até a que vem peticionada em recurso subordinado.
Justifica-se assim que ao peticionado valor de € 24.000 se possam somar as quantias referentes a perdas salariais não cobertas pelo sistema de Segurança Social - € 4.736,11, perfazendo o bem fundado do que, em resumo, vem a ser a pretensão de recurso subordinado – de que esta alínea indemnizatória ascenda a € 28.736,11.
II
Continuando pela avaliação do dano não patrimonial – a douta sentença recorrida fixou-o em € 40.000, ponderando as sequelas que determinam incapacidade permanente e os restantes padecimentos físicos e psíquicos, neles se incluindo as dores e o dano estético.
Segundo a Ré, esses montantes deverão descer; o Autor entende que deverão subir para € 10.000 ou € 15.000.
O cálculo respectivo não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto nos artºs 496º nº3 e 566º nº3 CCiv, e já atrás caracterizámos.
O artº 496º nº3 CCiv manda fixar o montante da indemnização pelo dano não patrimonial por forma equitativa, tendo em conta as circunstâncias referidas no artº 494º CCiv, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, mais levando em conta, em todo o caso, quer os padrões geralmente adoptados na jurisprudência, quer as flutuações do valor da moeda (por todos, S.T.J. 25/6/02Col.II/128, relatado pelo Consº Garcia Marques).
Poderemos dizer de outro modo que, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “fattispecie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto.
Não poderão todavia deixar de ser equacionados os factores de ponderação do dano levados em conta na sentença em crise, designadamente os demais factos apurados nos autos, pela gravidade que assumiram.
Ou seja, seguindo uma classificação doutrinal, meramente auxiliar de um raciocínio sobre os padecimentos morais, os autos patenteiam um dano já significativo, na vertente do “dano moral”, propriamente dito, mesmo com base na incapacidade permanente (9% de incapacidade geral), mas também na vertente do “pretium doloris” (ressarcimento da dor física sofrida – grau 5, em 7) e na vertente do dano existencial e psíquico - o dano da vida de relação e o dano da dificuldade de “coping”, ou seja, da dificuldade em lidar com a sua actual incapacidade em actos da vida diária – cansaço – não suportar pesos, ter abandonado actividades sociais e de prática desportiva (grau 2 em 7), havendo que atentar também na incapacidade temporária geral e profissional, bem como nas pronunciadas dores sofridas no momento do acidente e nos dias que se lhe seguiram. O prejuízo estético permanente é de grau 3 em 7.
Tais danos consubstanciam-se numa considerável lesão sofrida pelo Autor na sua integridade física (as dores físicas e as lesões determinantes da referida incapacidade) e psíquica (os sofrimentos e abalos psicológicos).
No Ac.S.T.J. 11/12/2012, pº 991/08.3TJVNF.P1.S1, relatado pelo Consº Azevedo Ramos, discorreu-se que “considerando que a autora foi submetida a duas intervenções cirúrgicas, ficando com cicatrizes operatórias e na zona craniana, esteve sujeita a um longo período de incapacidade, e de tratamentos que durou cerca de 11 meses, apresenta atrofia de 1 cm da perna esquerda, amiotrofia do braço direito de 1,5 cm, insuficiência de ligamentos e edema crónico do tornozelo esquerdo, claudicando da perna esquerda quando há mudanças de tempo, terá de continuar a usar pé elástico e não pode usar calçado de salto alto, sofreu e sofre intensas dores, que se vão manter durante toda a vida, estando afectada esteticamente e a nível psicológico, e está afectada da IPG de 8%, passível de majoração futura em 5%, mostra-se conforme à equidade fixar em € 40.000 a compensação pelos danos não patrimoniais”.
“Não é excessiva uma indemnização de € 45.000, arbitrada como compensação de danos não patrimoniais, para uma IPG de 17%, e decorrentes de lesões ortopédicas dolorosas, que implicaram várias intervenções cirúrgicas, internamento por tempo considerável, dano estético e ditaram sequelas negativas para o padrão e a qualidade de vida do lesado” – Ac. S.T.J. 10/10/2012, pº 632/2001.G1.S1, relatado pelo Consº Lopes do Rego.
“Se o autor sofreu, ainda, traumatismo crânio-facial grave, episódios de internamento; contusões cerebrais de grau 12; traumatismo da coluna cervical, tornozelo e pé direito; sofreu intervenções cirúrgicas; sofreu muitas dores – avaliadas no grau 5 em 7 e alterações e deformações da sua imagem física – e dano estético avaliado no grau 4 em 7, é equitativa a quantia de € 45 000, arbitrada pelas instâncias, a título de dano não patrimonial” Ac.S.T.J. 19-01-2012, revista n.º 817/07.5TBVVD.G1.S1 - 7.ª Secção – relatado pelo Consº Gonçalves Poças.
No Ac.S.T.J. 7/10/2010 in www.dgsi.pt, pº nº 2171/07.6TBCBR.C1.S1, “considerando o período de incapacidade temporária, geral e profissional, total e parcial, fixável em 382 dias, o «quantum doloris», fixável no grau 4, os internamentos, intervenção cirúrgica, consultas e sessões de recuperação, o prejuízo estético de grau 2, e a incapacidade parcial permanente de 8%, elevável para 13%, sofridos pelo autor, que em nada contribuiu para o acidente, à data do qual tinha 45 anos de idade, percebendo o ordenado mensal ilíquido de € 972,00, em comparação com o estatuto de solidez económica da ré seguradora, mostra-se equitativa a fixação da correspondente compensação, por danos de natureza não patrimonial, no montante de € 35.000,00”.
No Ac.S.T.J. 9/9/2010, in www.dgsi.pt, pº nº 2572/07.0TBTVD.L1, considerou-se que, em caso de incapacidade permanente parcial de 10%, com que ficou um sinistrado em acidente de viação, de 22 anos, deve ser majorado para € 30.000,00 o montante compensatório, relativamente aos danos não patrimoniais do mesmo sinistrado que, em virtude do acidente, foi sujeito a internamentos hospitalares com intervenções cirúrgicas, teve de estar acamado com imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, teve enjoos e dores (estas em grau 3 numa escala de 7), esteve longo período sem poder, em absoluto, trabalhar (este na sua vertente não patrimonial) e que, como sequelas permanentes, ficou com uma cicatriz na região dorso lombar de 14 cm e a sofrer de lombalgias que se agravam no final do dia de trabalho.
Os critérios usados para a perda do direito à vida não são utilizados pela jurisprudência dos tribunais superiores para aferir eventuais parcelas de dano – antes os danos são considerados de forma absolutamente independente, relevando “a gravidade dos padecimentos físicos e morais suportados em consequência do evento, protraídos no tempo, aferida essa gravidade por padrões de carácter objectivo” – veja-se Ac.S.T.J. 13/5/04, revista 1185/04, 2ª Secção, relatada pelo Consº Ferreira de Almeida.
Os exemplos doutrinários e jurisprudenciais supra, acrescendo as circunstâncias do caso concreto, mostram que a indemnização pelo dano não patrimonial do Autor, que foi fixado, na sentença recorrida, globalmente, seja pelas específicas sequelas da incapacidade permanente, seja pelas dores e pelo dano estético sofrido, em € 40.000 achar-se-ia mais próxima dos parâmetros habituais da jurisprudência acaso tivesse sido fixada em € 32.500 – montante em que se decide se deva fixar a indemnização devida por este item.
A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se parcialmente procedente, por provado, o interposto recurso independente de apelação e procedente, por provado, o interposto recurso subordinado, e, em consequência, revoga-se em parte a douta sentença recorrida, fixando agora na quantia global de € 61.236,11 a quantia que a Ré vai condenada a pagar ao Autor, no mais se mantendo o conteúdo da douta sentença.
Custas a cargo do Apelante e do Apelado, no recurso independente, na proporção de vencido, e custas a cargo do Apelado, no recurso subordinado, tudo sem prejuízo do Apoio Judiciário concedido.
Porto, 8/10/2019
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença Costa