I - O Código de Processo Civil consagra o princípio geral de apreciação autónoma dos pedidos da ação e da reconvenção, porquanto na reconvenção há um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor, passando a haver uma nova ação dentro do mesmo processo, pelo que o pedido reconvencional será apreciado, apesar da inadmissibilidade ou improcedência da ação.
II – Contudo, o nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil veio introduzir uma exceção, isto é, o pedido reconvencional não será apreciado quando seja dependente do formulado pelo autor.
III – O pedido reconvencional estará dependente do pedido formulado pelo autor quando somente seja apreciado se o pedido do autor for julgado procedente.
IV – No caso presente, qualquer dos pedidos pode existir, no processo, um sem o outro. De comum os pedidos têm somente o mesmo facto jurídico de que partem para fundamentar as suas pretensões, a existência de um contrato de empreitada, cujo incumprimento cada uma das partes imputa à outra
I. Relatório
1. AA, Lda. instaurou processo de injunção que foi convertido em ação de processo comum contra BB, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor total de €36.980,00, a título de capital, bem como os juros, no montante de €899,20, calculados à taxa legal aplicável de 8,05%, vencidos desde a data das respetivas faturas e vincendos até integral pagamento.
2. Na oposição, a Ré defende-se por impugnação e apresenta reconvenção na qual pede que a Autora seja condenada:
I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.;
II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.;
III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela Autora e reclamados no presente articulado;
IV - A pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.
3. Em sede de audiência prévia, foi admitida a reconvenção, nos termos dos artigos 266° n° 2, alínea a) e artigo 583° n° 1 do Código de Processo Civil, proferiu-‑se o despacho saneador e identificou-se o objeto do litígio, bem como os temas da prova.
4. A final foi declarada a extinção da instância por força do seguinte despacho:
«Pese embora a R., BB, S.A. não tenha junto a informação sobre o estado do Processo de Re vitalização, conforme determinado no despacho datado de 23.04.2018, resulta da pesquisa que antecede que, em 29.05.2018 foi proferida sentença homologatória do plano de revitalização, cuja cópia se encontra junta a fls. 214 a 223, sendo a A., AA, Lda, uma das credoras da R..
Ora, tal como resulta do art. 17º-E, nº1 do CIRE, com a aprovação e homologação do plano de recuperação, as ações pendentes em que é peticionado o pagamento de um crédito incluído no referido plano, extinguem-se.
Em face do exposto, decide-se julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.RC.).
Custas a cargo da R. (art. 536º. nº 3 do CPC).
Registe e notifique.
06-06-2018»
5. Não se conformando com a decisão, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa pedindo que se revogue a sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, e se determine o prosseguimento dos autos.
6. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar a apelação improcedente.
7. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista exececional – recurso admitido pela Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil -, formulando as seguintes (transcritas) conclusões, com exceção das conclusões que se reportavam à admissão do recurso de revista excecional:
1ª. Com tal Acórdão a Recorrente não se pode conformar porquanto considera,
entre outras questões, que face ao pedido reconvencional deduzido e admitido, não
podia o Tribunal julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, sem se
ter pronunciado especificamente sobre o pedido reconvencional formulado e admitido,
no qual a Recorrente pede em suma que a Autora / Recorrida fosse condenada:
I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.
II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.
III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela A. e reclamados no presente articulado.
IV - A A. a pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.
2ª. Tanto mais que, quanto ao objeto do litígio, entendeu o Tribunal de primeira instância que o mesmo se refere ao direito da Recorrida a receber as quantias peticionadas, no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a Recorrente: bem como o direito da Ré na reparação e eliminação das deficiências detetadas na execução do referido contrato, além do direito a receber uma indemnização decorrente da atuação da A.,
3ª. Com efeito a reconvenção a que se reporta o art. 266º do CPC traduz-se numa acção cruzada implementada pela Recorrente e na dedução de um pedido contra a Recorrida, pressupondo uma conexão substancial ou processual entre os pedidos da A. e da Ré.
4ª. No entanto, de acordo com o nº. 6 do artigo 266º do CPC, a improcedência da acção e a absolvição do Réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo Autor, entendendo-se que um pedido reconvencional é dependente de um pedido formulado pelo Autor se este se destinar a ser conhecido apenas na hipótese de este último ser julqado procedente.
5ª. No caso concreto dos autos, tal dependência da reconvenção relativamente à acção não se verifica. Com a reconvenção apresentada a Recorrente pretende que a Autora/Recorrida proceda à conclusão da obra (pavimento e rodapé) e à total eliminação dos defeitos existentes e reclamados, bem como ao pagamento de uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos sofridos pela Recorrente e que vierem a ser apurados pelo atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.
6ª. Os pedidos reconvencionais deduzidos são por isso autónomos do pedido da Autora/Recorrida e nenhum deles se encontra dependente da procedência de qualquer dos pedidos da Autora, sendo certo que bastaria que qualquer um deles não fosse dependente para que a instância reconvencional devesse prosseguir, consequentemente, nos termos do nº. 6 do artigo 266º. do CPC, a inutilidade superveniente da acção, resultante da aprovação e homologação do plano de revitalização, não obsta à apreciação da reconvenção. Ao manter-se a decisão recorrida, a Ré/Recorrente ver-se-ia obrigada a intentar uma nova acção, contra a Autora, com conteúdo idêntico ao da reconvenção deduzida nos presentes autos, sendo certo que seria confrontada com a questão da caducidade dos seus direitos de receber a obra sem vícios e a existirem de os mesmos deverem ser eliminados pela Empreiteira, para além do direito a ser indemnizada nos termos gerais.
7ª. Tendo a Recorrente deduzido um pedido reconvencional autónomo contra a Recorrida, nunca o Tribunal a quo podia ter julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, sem pelo menos se ter pronunciado, como lhe competia, sobre o pedido reconvencional, sendo a sentença sob recurso nessa parte e medida nula (Cfr. art. 615º nº. 1 alínea d) do CPC).
8ª. No caso concreto não se verifica nenhuma causa de extinção da instância reconvencional, devendo o Tribunal considerar válida e actual a pretensão deduzida contra a Autora/Recorrida em sede reconvencional, tanto mais que a lide só se torna inútil quando é patente que por qualquer causa - processual ou extra processual - o efeito jurídico pretendido deixa de ter interesse, redundando a actividade processual subsequente em verdadeira inutilidade, o que não é o caso.
9ª. De acordo com o princípio da exaustão da motivação das sentenças, o juiz tem de conhecer todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, exceptuadas as questões, quanto ao pedido, à causa de pedir ou às excepções, cuja apreciação fique prejudicada pela solução dada às outras.
10ª. Com a reconvenção deixa de haver uma só acção e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo, assim a eventual extinção da instância relativa ao pedido principal nunca poderia esquecer a existência do pedido reconvencional, sobre o qual o Tribunal a quo teria de se ter pronunciado, nessa medida, formulado e admitido o pedido reconvencional, teria o Juiz que sobre ele também se pronunciar ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, pelo que violou a sentença recorrida, entre outos, o princípio da motivação das sentenças, nessa medida a decisão é nula por omissão de pronúncia (art. 615° nº. 1 alínea d) do CPC).
10ª. Por várias vicissitudes processuais no PER da Recorrente o crédito da Autora/Recorrida veio a ser afinal reconhecido e aprovado na sua totalidade como crédito comum. Sendo certo que a lista definitiva de créditos reclamados tem apenas efeito no que respeita ao quórum deliberativo e à maioria necessária para homologação do acordo - art. 17-‑F, nº. 3 - e à dispensa de reclamação por parte de quem já o haja feito, caso a final do PER venha a ser decretada a insolvência - art. 170 - G, nº. 7.
11ª. A expressão «acções para cobrança de dívidas» constante do nº. 1 do artº. 17º.-E do CIRE deve ser interpretada no sentido de que abrange quer as acções executivas quer as acções declarativas que tenham por finalidade obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária, tanto mais que o art 17º. -E, nº. 1 do CIRE apenas prevê a instauração e suspensão de quaisquer acções para cobrança de créditos de dividas contra o Devedor, prevendo que as mesmas se extingam logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. Não caindo no âmbito desse normativo as acções em que a Devedora reclame créditos ou direitos contra os seus devedores ou fornecedores, as quais não são afectadas nem pela instauração do PER nem pela homologação do plano de recuperação.
12ª. Nos presentes autos não é só a Recorrida que se arroga detentora de um crédito, mas também a Recorrente. A Recorrente enquanto Ré deduziu nos presentes autos um pedido reconvencional contra a Recorrida (Autora) e esse pedido não é reconhecível no Processo Especial de Revitalização mas sim e apenas nos presentes autos, no caso concreto dos presentes autos não existe por isso qualquer inutilidade superveniente da lide reconvencional.
13ª. Violou por isso esta decisão recorrida os artigos 17-E, nº. 1 do CIRE, 266º. nº. 6, 277° alínea e) e 615°, nº. 1 alínea d) do CPC.
E conclui pela procedência do recurso “e por via dele ser revogada a sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ordenado o prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido reconvencional e marcada data para a audiência final”.
8. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
9. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Delimitação do objeto do recurso
Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- a nulidade, por omissão de pronúncia (alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil);
- a inutilidade superveniente da lide do pedido reconvencional.
III. Fundamentação.
1. O tribunal da Relação deu como provada a seguinte factualidade:
1.1. AA, Lda. instaurou processo de injunção que foi convertido em ação de processo comum contra BB, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor total de €36.980,00, a título de capital, bem como os juros, no montante de €899,20, calculados à taxa legal aplicável de 8,05%, vencidos desde a data das respetivas faturas e vincendos até integral pagamento.
1.2. Na oposição, a Ré apresenta reconvenção na qual pede em suma que a Autora seja condenada:
I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.;
II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.;
III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela autora e reclamados no presente articulado;
IV - A pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.
1.3. A reconvenção foi admitida.
1.4. Na pendência da ação, a Ré apresentou Plano Especial de Revitalização (PER) junto do Tribunal da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio de Setúbal, Juiz 2, com o Nº 8899/17.5T8STB, que determinou a suspensão da instância, nos termos do despacho de fls. 227.
1.5. O PER foi aprovado e homologado por sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Setúbal, no processo identificado, incluindo o crédito da Autora, e aqui recorrida, na sua totalidade, na listagem de créditos comuns.
1.6. O Plano de Revitalização, aprovado e homologado no âmbito do PER que correu termos quanto à devedora, ora Ré e Recorrente, predispõe, na sua página 15, o seguinte:
«C. Efeitos Legais sobre as Acções Pendentes
Todas as acções declarativas que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a BB deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do nº.1, do artigo 17º.-E, do CIRE, aplicando-‑se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos - (com excepção das execuções fiscais e das execuções por dividas ao Instituto da Segurança Social, I. P.) - e que se encontrem suspensas serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º. -E, nº.1, do CIRE»
2. Da nulidade por omissão de pronúncia
A Recorrente veio arguir a nulidade, com fundamento no disposto na 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (omissão de pronúncia)
2.1. Enquadramento preliminar
A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).
De harmonia com o disposto no artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no nº2 do artigo 663º do Código de Processo Civil - deve conhecer, em primeiro lugar, de todas as questões processuais (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
Seguidamente, devem ser conhecidas as questões de mérito (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo 608º.
Nesta linha, constituem questões, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente.
Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.
E a omissão de pronúncia quanto a tais questões constitui fundamento de nulidade do Acórdão, por força do disposto na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº1, do mesmo diploma).
2.2. Vejamos o caso dos autos
A Recorrente veio arguir a nulidade por omissão de pronúncia, porquanto “tendo a Recorrente deduzido um pedido reconvencional autónomo contra a Recorrida, nunca o Tribunal a quo podia ter julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, sem pelo menos se ter pronunciado, como lhe competia, sobre o pedido reconvencional, sendo a sentença sob recurso nessa parte e medida nula” e “com a reconvenção deixa de haver uma só acção e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo, assim a eventual extinção da instância relativa ao pedido principal nunca poderia esquecer a existência do pedido reconvencional, sobre o qual o Tribunal a quo teria de se ter pronunciado, nessa medida, formulado e admitido o pedido reconvencional, teria o Juiz que sobre ele também se pronunciar ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, pelo que violou a sentença recorrida, entre outros, o princípio da motivação das sentenças, nessa medida a decisão é nula por omissão de pronúncia (art. 615º nº1 alínea d) do CPC”.
Ora, analisando a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância (cfr. fls.229), que decidiu “julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.”, podemos concluir que a mesma não se pronunciou sobre o pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente.
Contudo, o recurso de revista incide sobre o Acórdão do Tribunal da Relação e não sobre a decisão do Tribunal de 1ª instância, nos termos do disposto no nº1 do artigo 671º do Código de Processo Civil (Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos).
E o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa questão?
Da análise do Acórdão recorrido temos de concluir que, apesar da forma em que o mesmo se refere à apreciação do pedido reconvencional, o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou sobre a questão suscitada pela Recorrente, concluindo que a “extinção desta (refere-se à ação) não impõe o prosseguimento dos autos”, e é assim por “o pedido reconvencional tal como foi estruturado depende da procedência do pedido formulado na ação”.
E conclui desta forma após a análise do nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil.
Assim, a questão que se colocou ao Tribunal da Relação era a do prosseguimento dos autos relativamente ao pedido reconvencional em face da decisão proferida no sentido de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente de lide.
E a essa questão o Tribunal da Relação respondeu, com toda a clareza, apesar da discordância dos Recorrentes (sendo que releva o conhecimento da questão, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todos os argumentos invocados pela Recorrente).
Deste modo, não se verifica a omissão de pronúncia.
3. A inutilidade superveniente da lide do pedido reconvencional
A questão que a Recorrente suscita é a seguinte: devem ou não os autos prosseguirem relativamente à reconvenção deduzida quando a instância foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido formulado pela Autora.
A esta questão o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido, decidiu que, no caso concreto, os autos não poderiam prosseguir para apreciação do pedido reconvencional, porquanto este “tal como foi estruturado depende da procedência do pedido formulado na ação”.
A Recorrente discorda desta posição.
No caso presente:
A Autora instaurou o procedimento de injunção, alegando que foi celebrado um contrato de empreitada entre si e a Ré e pretendendo cobrar o remanescente do preço não pago.
A Ré, como dona da obra, veio admitir que uma parte do reclamado é devido, mas que a Autora, empreiteira, incumpriu parcialmente a empreitada por falta de conclusão de trabalhos e fornecimentos e o cumprimento defeituoso devido à existência de defeitos dos trabalhos executados, formulando o seguinte pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora:
I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.;
II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.;
III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela Autora e reclamados no presente articulado;
IV - A pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.
A reconvenção veio a ser admitida.
O Tribunal de 1ª instância, com fundamento no disposto no artigo 17º-E, nº1, do CIRE, decidiu julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Perante o recurso interposto pela Ré/Reconvinte, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido, decidiu que, nos termos do disposto no nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil, a reconvenção não poderia prosseguir, pois o pedido reconvencional tal como foi estruturado depende da procedência do pedido formulado na ação, pelo que a extinção desta não impõe o prosseguimento dos autos.”
Vejamos.
Prescreve o nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil que a improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.
E sobre esta questão, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “a apreciação do pedido reconvencional está excluída quando a sua procedência dependa da procedência do pedido do autor (nº6) e este seja improcedente (por inconcludência ou falta de prova da causa de pedir, ou por proceder uma exceção perentória) ou inadmissível (por proceder uma exceção dilatória). O mesmo acontece quando, por vontade do réu, o pedido reconvencional tenha sido deduzido subsidiariamente a uma exceção perentória e esta seja julgada procedente. A improcedência da ação constitui decisão prejudicial em face do pedido reconvencional, ao passo que a absolvição do réu da instância gera absolvição da instância reconvencional”.
- in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, pág. 524 –
E em anotação do artigo 286º do mesmo diploma legal, referem os Autores citados, que “pode, porém, acontecer que a procedência do pedido reconvencional dependa da procedência do pedido do autor. É o que acontece no caso da compensação (só se o crédito do autor existir) e no de benfeitorias (só se a entrega da coisa for devida). O pedido reconvencional só é então objeto de apreciação se o pedido do autor for julgado procedente, não o sendo se for julgado improcedente ou se não houver decisão de mérito, por via da absolvição da instância (cf. art. 266-6). A ressalva da parte final do nº2 mais não é do que a aplicação desta regra ao caso em que a absolvição da instância é obtida em consequência da desistência da instância.
- obra citada, pág.563 –
O Código de Processo Civil consagra o princípio geral de apreciação autónoma dos pedidos da ação e da reconvenção, porquanto na reconvenção há um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor, passando a haver uma nova ação dentro do mesmo processo. “O pedido reconvencional é autónomo, na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,1984, pág. 309).
Assim, o pedido reconvencional será apreciado, apesar da inadmissibilidade ou improcedência da ação.
Contudo, como se referiu, o nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil veio introduzir uma exceção, isto é, o pedido reconvencional não será apreciado quando seja dependente do formulado pelo autor.
Com tudo o que atrás se referiu, temos de concluir que não existe qualquer dependência entre o pedido reconvencional e o pedido formulado pela Autora. O pedido reconvencional não está dependente do pedido formulado pela Autora, porquanto só estaria se o pedido reconvencional somente fosse apreciado se o pedido da Autora fosse julgado procedente.
No caso concreto, a Autora formula o pedido de pagamento de parte do preço de uma empreitada, contrato que invoca ter celebrado com a Ré, não tendo esta pago parte do preço.
O pedido reconvencional tem como fundamento o mesmo contrato celebrado, mas consiste na reparação dos defeitos e a incompletude da obra e em indemnização por incumprimento por parte da Autora.
Assim, qualquer dos pedidos podem existir, no processo, um sem o outro.
De comum os pedidos têm somente o mesmo facto jurídico de que partem para fundamentar as suas pretensões, a existência de um contrato de empreitada, cujo incumprimento cada uma das partes imputa à outra (uma das parte, a falta de pagamento do preço; a outra parte, o cumprimento defeituoso e os prejuízos que para si advieram do comportamento da outra).
Deste modo, não se verifica a exceção prevista no nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil, isto é, não se verifica a dependência do pedido reconvencional em relação ao pedido formulado pela Autora, pelo que os autos devem prosseguir para apreciação do pedido reconvencional.
Por todo o exposto, o recurso terá de proceder.
IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, ordenando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional.
As custas ficarão a cargo do vencido a final.
(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)
Fátima Gomes
Acácio das Neves