REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
REQUERIMENTO
CONTA DE CUSTAS
TEMPESTIVIDADE
VENCIMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I – A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais, pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento das partes.
II – Quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelo pagamento das custas está definitivamente fixada.
III – O requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, mas sempre antes da elaboração desta.
IV – É inconstitucional a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP (na redacção anterior à Lei nº27/2019, de 28 de março, artigo 5º), pelo que, no caso concreto, não deve ser exigível tal pagamento aos Recorrentes.

Texto Integral


         

   ACÓRDÃO



Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, notificado para pagar o remanescente da taxa de justiça no valor de31 293,60, nos termos do n°. 9 do artigo 14°. do RCP, artigo 15º., n.°.2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), veio pedir a reforma ou reclamação da conta de custas elaborada nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 31º., nº. 3, alínea a), do mesmo Regulamento, requerendo a final:

"a) deve ser desaplicada a norma constante do artº. 6º., nº. 7, 1ª. parte, do RCP, em conjugação com a tabela I-A que faz parte integrante do mesmo Regulamento, incluindo o seu segmento final, por se revelar inconstitucional a desconsideração de um limite máximo do valor relevante da acção para efeitos de cálculo das custas;
b) deve ser ordenada a reformulação da conta de custas, mediante a aplicação do limite de €275.000,00 como valor tributário máximo relevante para efeitos de taxa de justiça, nos termos do artº. 6º., nº. 7, 2ª. parte, do RCP, atendendo às especificidades da causa, à simplicidade das questões decididas e à sua conduta processual;

c) deve ser declarado que o réu apenas deve a título de taxa de justiça o valor previsto no ultimo escalão da tabela I-A na versão do RCP vigente à data desse pagamento, que se considera válido e eficaz, à luz do disposto no artº. 8º., nº. 2, da Lei nº.7/2012, de 13.02.

2. BB, notificada para “efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, no montante de 62 587,20, nos termos do art°. 14º. n°.9 do RCP”, apresentou reclamação da conta, invocando a extemporaneidade da notificação e a inconstitucionalidade da primeira parte do número 7 do artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais, requerendo a final que fosse eximida de qualquer pagamento e que se desse sem efeito a notificação que lhe tinha sido feita para pagar o remanescente da taxa de justiça.

3. Sobre ambos os requerimentos incidiu o seguinte despacho:

"Requerimento da ré BB de fls.2142/2146; requerimento do réu AA de fls. 2148/2153 e requerimento da ré CC, Ltd. de fls. 2155/2160;
Requerimentos dos autores DD e EE de fls. 2163/2165:

Pela sentença proferida em 1ª. instância, em foram julgados:
a) integralmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores DD e EE contra os réus AA, BB e CC e absolvidos estes desses pedidos; parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores DD e EE contra a ré FF, LDA e, nessa medida, condenar a mesma ré a pagar-lhes a quantia de Euros 1.945.312,21 (um milhão novecentos e quarenta e cinco mil trezentos e doze euros e vinte e um cêntimos) de capital e a A quantia de Euros 379.895,49 (trezentos e setenta e nove mil oitocentos e noventa e cinco euros e quarente e nove cêntimos) de juros de mora vencidos sobre o referido capital desde a data da citação da ré para a acção até à presente data. Assim como na quantia correspondente aos juros de mora vincendos, desde esta data, sobre o mesmo capital, calculados à taxa supletiva legal de juros civis, até integral pagamento.
III. Julgar improcedentes as imputações de litigância de má-fé dirigidas contra os autores DD e EE e contra os réus FF, LDA e AA, absolvendo-os dos pedidos indemnizatório formulados a esse título.

Na 2ª. instância, foi julgado parcialmente procedente o recurso dos autores e, em consequência, foi a ré BB condenada solidariamente com a ré FF, Lda. no pagamento da quantia de €1.945.312,21 de capital, acrescida da quantia de €379.895,49 de juros de mora, vencidos e vincendos, nos termos referidos na sentença da 1ª. instância, bem como a ré CC, limitado ao valor contratual.
Julgar improcedente o recurso interposto pela ré FF.

Finalmente o Acórdão do STJ julgou procedente o recurso, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, absolveu a ré BB e a ré CC dos pedidos contra elas deduzidos.

Apreciando. Em requerimentos apresentados pelos réus AA, BB e CC, de teor sensivelmente idêntico e que intitularam de reclamação da conta, apontando a ausência de notificação em tempo próprio da notificação prevista no art.°14º./9º. do RCP, omissão essa em que se estribam para só agora se insurgirem quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça incluído na conta final e, dessa forma, verem-se desresponsabilizados do pagamento dessa quantia.
Apreciando diremos não assistir inteira razão aos requerentes pela seguinte ordem de razões:
Em primeiro lugar, conforme defende Salvador da Costa1 "(...) a competência funcional do Juiz de 1ª. instância para apreciação do requerido ao abrigo do disposto no artº. 6º./7 do RCP, circunscreve-se à acção, não abrangendo o recurso (...)".
Referindo o mesmo autor em comentário de 21.11.2017 ao Acórdão do STJ de 03.10.2017, 2 em que defende que "(...) se as partes pretenderem a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente devem requerê-la logo após o encerramento da audiência de julgamento na 1ª. instância, ou após a distribuição do recurso em que funcionou o disposto na parte final da Tabela I, anexa ao RCP, conforme os casos, mas nunca depois da prolação da sentença na 1ª. instância ou da elaboração do projecto do acórdão pelo relator em sede de recurso nos tribunais superiores.(...)".
Em segundo lugar, ainda que se entendesse do modo propugnado pelos reclamantes, sempre seria de indeferir a reclamação da conta, porquanto não é este o meio idóneo a suscitar a questão da verificação dos pressupostos em vista da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Por outro lado, a omissão da notificação de pagamento do remanescente da taxa no prazo previsto no artº. 14º. nº. 9 do RCP, nenhuma consequência acarreta, conforme se decidiu em Acórdão da Relação de Guimarães de 13/03/2014 acessível em www. dgsi.pt onde se concluiu que, "O disposto no art°. 25º. do Regulamento das Custas Processuais para a apresentação da nota discriminativa das custas de parte, não impede apresentação de nota referente ao remanescente da taxa de justiça em momento posterior, se a secretaria não efectuou a notificação a que alude o art° 14° n° 9, no prazo aí previsto e só o fez aquando da elaboração da conta final."
Mas ainda que assim não se entendesse, sempre seria de concluir pela inverificação dos pressupostos subjacentes à faculdade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando é certo discutirem-se interesses na ordem de €2.809.045,12, em acção que suscitou a intervenção de três níveis de jurisdição composta por 10 volumes, cuja instrução foi morosa, desenrolando-se a audiência ao longo de sete sessões.
Em face do exposto, não cabe a este tribunal de 1ª. instância a apreciação dos referidos pressupostos que, aliás, nem foram suscitadas no momento e sede própria, indeferindo-se consequentemente o incidente deduzido".

4. Não se conformando com a decisão, os Réus AA e BB interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar a apelação improcedente.

6. Inconformados com tal decisão, os Réus AA e BB vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

- Réu AA –

1ª. Sobre a mesma questão de direito foi proferido Acórdão na 6ª Secção, processo 7973/08.3TCLRS-A.L1.6, de 14.01.2016, que decidiu em sentido diverso, não vedando "após a elaboração da conta de custas, o despoletamento do mecanismo de adequação jurisdicional da taxa de justiça remanescente previsto no n.º7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais num quadro em que só após tal conta os Demandantes não condenados no pagamento das custas são confrontados, pela primeira vez, com a necessidade de procederem à entrega de tal remanescente que, por lapso do mesmo Tribunal, não puderam incluir na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte";

2ª. Trata-se, como o subordina o nº 2 do artigo 629º do Código Processo Civil, de um outro Acórdão da Relação, que está em contradição com o que se recorre, no domínio da mesma legislação e não cabe recurso ordinário;

3ª. O acórdão recorrido não acatou jurisprudência de acórdão de uniformização, parte final do nº 2 do preceito supra.

4ª. Sendo por isso, admissível o presente recurso quanto à questão "de saber o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º nº. 6 do Regulamento das Custas Processuais, pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta, após a notificação a que alude o nº 7 do mesmo preceito e se esta notificação não esgota o poder jurisdicional relativamente à dispensa do remanescente sob pena de inconstitucionalidade da interpretação contrária".

5ª. O nº. 7 do artigo 7º. do Regulamento das Custas Judiciais e nº 1 do artigo 7º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, determinam que o "remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final ( ... )" e "Findo o processo e registados todos os movimentos contabilísticos, é elaborada a conta ( ... )", ou seja, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta e inexiste disposição que imponha tal pedido contemporâneo ao momento da prolação das decisões nos tribunais superiores.

6ª. A questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas.

7ª. O meio utilizado "reclamação ou reforma da conta de custas" é o adequado e deve ser apreciado só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso será possível aferir da verificação do circunstancialismo do nº. 7 do artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais".

8ª. O mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando o Recorrente se vê confrontado com um encargo de custas processuais de €31 293,60, numa acção declarativa de reduzida complexidade.

9ª. Só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida e se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.

10ª. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas - momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.

11ª. O poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta.

12ª. À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional - por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°,13.°,18.°, nº. 2, e 20º. da Constituição da República Portuguesa) - a interpretação do referido artigo 6.°, nº. 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas.

13ª. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, nº. 7, parte final, e 31.°, nº.s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pelo ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.

14ª. O remanescente da taxa de justiça reclamada as partes (€156 467,60), é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo em que a questão a apreciar pelo Tribunal se circunscreveu ao apuramento de ter sido ou não pago o preço devido com a transacção do imóvel.

15ª. A luz dos critérios do artigo 530º nº 7 do Código Processo Civil e do nº 7 do artigo 6º do RCP estamos perante um processo típico ponderado pelo legislador, sem censura da conduta das partes que não justifica o pagamento do remanescente da taxa e justiça.

16ª. Estão, pois, verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor de €31 293,60 imputados ao Recorrente, ao abrigo do disposto no nº. 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça atenta a desproporcionalidade entre a taxa de justiça global e a actividade jurisdicional desenvolvida pelas partes (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa)

17ª. No Tribunal Constitucional (ACÓRDÃO Nº 615/2018 Processo n.º 1200/17, 1.ª Secção, Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata Mouros) - relativamente a situação semelhante à do recorrente que ficou absolvido de todos os pedidos – a inconstitucionalidade do nº 9 do artigo 14º do RCP no segmento que exige "o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição;

18ª. Inconstitucionalidade que, por ser do conhecimento oficioso, deve ser respeitada nestes autos e o recorrente absolvido do pagamento do remanescente da taxa de justiça

E conclui pela procedência do recurso.

- Ré BB –

1ª. Sobre a mesma questão de direito foi proferido Acórdão na 6ª Secção, processo 7973/08.3TCLRS-A.L1.6, de 14.01.2016, que decidiu em sentido diverso, não vedando "após a elaboração da conta de custas, o despoletamento do mecanismo de adequação jurisdicional da taxa de justiça remanescente previsto no n.º7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais num quadro em que só após tal conta os Demandantes não condenados no pagamento das custas são confrontados, pela primeira vez, com a necessidade de procederem à entrega de tal remanescente que, por lapso do mesmo Tribunal, não puderam incluir na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte";

2ª. Trata-se, como o subordina o nº 2 do artigo 629º do Código Processo Civil, de um outro Acórdão da Relação, que está em contradição com o que se recorre, no domínio da mesma legislação e não cabe recurso ordinário;

3ª. O acórdão recorrido não acatou jurisprudência de acórdão de uniformização, parte final do nº 2 do preceito supra.

4ª. Sendo por isso, admissível o presente recurso quanto à questão "de saber o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º nº. 6 do Regulamento das Custas Processuais, pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta, após a notificação a que alude o nº 7 do mesmo preceito e se esta notificação não esgota o poder jurisdicional relativamente à dispensa do remanescente sob pena de inconstitucionalidade da interpretação contrária".

5ª. O nº.7 do artigo 7º. do Regulamento das Custas Judiciais e nº. 1 do artigo 7º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, determinam que o "remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final ( ... )" e "Findo o processo e registados todos os movimentos contabilísticos, é elaborada a conta ( ... )";

6ª. Ou seja, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta e inexiste disposição que imponha tal pedido contemporâneo ao momento da prolação das decisões nos tribunais superiores.

7ª. A questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas.

8ª. O meio utilizado "reclamação ou reforma da conta de custas" é o adequado e deve ser apreciado só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso será possível aferir da verificação do circunstancialismo do nº. 7 do artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais".

9ª. O mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando o Recorrente se vê confrontado com um encargo de custas processuais de €62.587,20, numa acção declarativa de reduzida complexidade e na qual a aqui Recorrente veio a ser absolvida de todos os pedidos.

10ª. Só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida,

11ª. Pelo que somente nesse momento é que se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.

12ª. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas - momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.

13ª. O poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta.

14ª. À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional - por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°,13.°,18.°, nº. 2, e 20º. da Constituição da República Portuguesa) –

15ª. A interpretação do referido artigo 6.°, nº. 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas, é inconstitucional.

16ª. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou errónea e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, nº. 7, parte final, e 31.°, nº.s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pelo ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.

17ª. O remanescente da taxa de justiça reclamada as partes (€156 467,60), é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo em que a questão a apreciar pelo Tribunal se circunscreveu ao apuramento de ter sido ou não pago o preço devido com a transacção do imóvel.

18ª. A luz dos critérios do artigo 530º nº 7 do Código Processo Civil e do nº 7 do artigo 6º do RCP estamos perante um processo típico ponderado pelo legislador, sem censura da conduta das partes que não justifica o pagamento do remanescente da taxa e justiça.

19ª. Estão, pois, verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor de €31 293,60 imputados ao Recorrente, ao abrigo do disposto no nº. 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça atenta a desproporcionalidade entre a taxa de justiça global e a actividade jurisdicional desenvolvida pelas partes (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa)

20ª. No Tribunal Constitucional (ACÓRDÃO Nº 615/2018 Processo n.º 1200/17, 1.ª Secção, Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata Mouros) - relativamente a situação semelhante à do recorrente que ficou absolvido de todos os pedidos – a inconstitucionalidade do nº 9 do artigo 14º do RCP no segmento que exige "o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição;

21ª. Inconstitucionalidade que, por ser do conhecimento oficioso, deve ser respeitada nestes autos e a Recorrente absolvida do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- se o pedido do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta;

- inconstitucionalidade da interpretação de que a questão não pode ser suscitada após a elaboração da conta;

- inconstitucionalidade do nº9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais.

III. Fundamentação.

1. O Tribunal da Relação de Lisboa deu como provada, para além do que consta do relatório, a seguinte factualidade:

1.1. O valor da ação foi fixado em €2 809 045,12;

1.2. Os réus, ora Recorrentes, foram notificados para pagar o remanescente da taxa de justiça, conforme notificação Citius certificada em 28.09.2018 e em 26.09.2018;

1.3. O remanescente era no valor de €31 293,60 quanto ao Réu AA;

1.4. E de €62 587,20 quanto à Ré BB.

2. Se o pedido do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta

Prescreve o nº7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais que:

Nas causas de valor superior a €275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Segundo Salvador da Costa, esta disposição legal, “visa, excepcionalmente, antes do termo da causa, atenuar a obrigação de pagamento fraccionado da taxa de justiça nas ações de maior valor.”

(in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, pág. 134)

A dispensa do pagamento pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento das partes.

A responsabilidade pelas custas fica definida antes do processo ser remetido à conta. Esta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos (nº1 do artigo 30º do RCP).

As partes podem requerer a reforma da sentença quanto a custas ou, sendo admissível, interpor recurso (cfr. artigo 616º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).

Assim, quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelas custas está definitivamente fixada.

Depois de elaborada a conta, apenas é admissível a correção de erros materiais da conta, nomeadamente quando está elaborada de modo desconforme com as decisões proferidas e com as disposições legais (nº2 do artigo 31º do RCP).

“O incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil – instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática”

- Acórdão do STJ, de 13 de julho de 2017, consultável em www.dgsi.pt -

A conclusão de que a decisão sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser antes do processo ser remetido à conta, resulta, com clareza, da própria literalidade do nº7 do artigo 6º do RCP.

No dizer do Acórdão do STJ, de 8/11/2018, “quando a lei refere que «o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se (…)» só pode querer significar que a ressalva aí prevista reporta-se a momento prévio à elaboração da conta final, porquanto a «especificidade da situação» e o julgamento pelo juiz «de forma fundamentada» com vista a «dispensar o pagamento», perdem o seu sentido útil e prático depois de elaborada a conta e notificada parte responsável para pagar.

(…) diferente interpretação do artº 6º, nº7 do RCP, levaria à prática de atos  que teriam de ser anulados, como sejam a feitura de uma conta final, a sua modificação e até algum pagamento que viesse a ser realizado. Realçando-se que a nossa lei processual proíbe de forma perentória a prática de atos inúteis (artº.130º do C.P.C.)”

- consultável em www.dgsi.pt -

Por outro lado, não se pode afirmar que as partes só com a notificação da conta passaram a ter conhecimento do montante exato do que se mostra em dívida, pois o valor das responsabilidades das partes pelas custas relativas ao remanescente da taxa de justiça ainda não paga em ação de valor superior a €275 000 resultam de simples cálculo aritmético (artigo 6º. do RCP e tabela I a ele anexa), conhecendo as partes o valor do processo e das taxas de justiça pagas.

O STJ vem entendendo, por grande maioria (apesar de divergências sobre o momento concreto em que as partes podem solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº7 do artigo 6º do RCP), que o requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos da disposição legal citada, não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, em sempre antes da elaboração desta

- cfr. Acórdãos de 13/07/2017, 3/10/2017, 22/05/2018, 24/05/2018, 11/10/2018, 23/10/2018, 8/11/2018, 11/12/2018, 26/02/2019 –

Também Salvador da Costa refere que “A reclamação do ato de contagem não constitui meio idóneo de suscitar a questão da existência de pressupostos da dispensa do pagamento do aludido remanescente, porque se traduz na concretização do decidido a propósito das custas “lato sensu””

- in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, pág.135 –

3. Da inconstitucionalidade da interpretação de que a questão não pode ser suscitada após a elaboração da conta

Os Recorrentes vieram suscitar a questão de inconstitucionalidade da interpretação de que seria extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente nos termos do disposto no artigo 6º, nº7, do RCP, quando formulado aquando da notificação da conta de custas, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Ora, o legislador, com o nº7 do artigo 6º do RCP, visou estabelecer mecanismos de correção de eventuais efeitos decorrentes da aplicação da regra da proporcionalidade entre o valor da causa e o valor da taxa de justiça, tendo em consideração os princípios da proporcionalidade, da igualdade e o direito ao acesso aos tribunais (artigos 18º, nº2, 13º e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa), porquanto, em algumas das situações, não havia qualquer correspondência ou justificação entre a utilização da máquina judiciária e os valores finais que as partes tinham de suportar.

No que respeita à questão que os Recorrentes suscitam (a violação dos citados princípios constitucionais), importa averiguar se a fixação de um momento preclusivo viola os princípios constitucionais.

Ora, como sempre vem sendo dito quer pela doutrina quer pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, podendo impor ónus processuais às partes, que não podem ser, contudo, arbitrários ou desproporcionais que impeçam o acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

Aliás, sobre uma situação próxima da dos presentes autos, o Tribunal Constitucional decidiu Não julgar inconstitucional a norma extraída do nº7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei nº7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.

- Acórdão nº527/16 do tribunal Constitucional –

E refere-se, nesse Acórdão (com o que se concorda) “É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não é arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito no momento da elaboração da conta.

Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.

Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.

Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias 8artigo 638º, nº1, do CPC)”.

Assim, em conclusão, a interpretação de que o nº7 do artigo 6º do RCP impõe que o requerimento de parte, a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, deve ser apresentado antes do processo ser remetido à conta não sofre de qualquer vício de inconstitucionalidade.                                                                                                                                                                                                                                               

4. Da inconstitucionalidade do nº9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais (na redação anterior à Lei nº27/2019, de 28 de março)

Prescrevia o nº9 do artigo 14º do RCP que nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº7 do artigo 6º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.

Esta exigência visou garantir e obter, com um maior grau de eficácia, o pagamento das taxas de justiça devidas pela máquina judiciária, sendo que essa exigência de pagamento do remanescente da taxa de justiça exprime a regra da não gratuitidade da atividade judiciária (que a CRP não impõe): as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica.

Contudo, como se refere no Acórdão nº615/2018 do Tribunal Constitucional, “Haverá razões que justifiquem a opção no sentido de ser a parte que litigou na ação que desencadeou a suportar a contrapartida do serviço público prestado e não a comunidade. Compreende-se que se exija a quem recorre à justiça (i.e., ao autor) que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.

Idêntica justificação já não é possível, porém, utilizar no que respeita a quem é accionado, sobretudo quando tem ganho final de causa. O réu é chamado à demanda, ficando designadamente sob o ónus de apresentação da contestação indispensável a prevenir a condenação no pedido. Se o réu que apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido – o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais -, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça. Ora, quando se exige a quem não recorreu à justiça – nem dela procurou retirar qualquer benefício -, tendo sido absolvido da pretensão do autor, o pagamento de parte substancial dos seus custos, surge um problema de justificação ao nível do custo-benefício. Nula tal ponderação a desproporção torna-se evidente na exigência do pagamento da taxa na dimensão que excede a taxa de justiça inicialmente paga – cujo pagamento é sempre legalmente exigido por necessariamente corresponder a uma ideia do custo básico inerente a uma litigância normal. Esta ideia de normal litigância está aliás pressuposta na dispensa de pagamento do remanescente da taxa prevista no nº7 do artigo 6º do RCP. Com efeito, é precisamente com base em critérios como a “complexidade da causa” e a “conduta processual das partes” que o juiz pode fundamentar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a €275 000.

O réu, neste caso, não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos que em muito ultrapassam a utilização que fez do sistema de justiça. Nestas circunstâncias fazer depender da apreciação judicial a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não constitui remédio suficiente para prevenir o excesso da medida porque apenas fornece uma solução casuística ao problema, continuando a existir a possibilidade de se exigir do réu, que foi absolvido do pedido contra si apresentado e que se limitou a contestar, que suporte o pagamento do remanescente da taxa – independentemente da utilização concreta que o réu fez do sistema de Justiça. Por outro lado, impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso desproporcionado e, nessa medida, excessivo.

A exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional.

No caso presente, verifica-se que os Recorrentes foram demandados, juntamente com FF, Lda. e CC, por DD e EE.

Os Recorrentes foram absolvidos do pedido, por decisão transitada em julgado.

Elaborada a conta, foi reclamada aos Réus a quantia de €62 587,20, ao abrigo do disposto no nº7 do artigo 6º do RCP.

Ora, como se referiu atrás foram os Réus que foram chamados à demanda, que apenas se defenderam da pretensão contra si formulada, e, apesar de não terem sido os Recorrentes que recorreram à justiça, utilizando a máquina judiciária, reclamam deles que adiantem dezenas de milhares de euros (mais concretamente €62 587,20).

Assim, não é aceitável que para um Réu que foi demandado e que veio a ser absolvido do pedido, a lei lhe imponha um ónus processual de solicitar que a dispensa de remanescente da taxa de justiça ou o impulso processual de reaver um valor tão significativo, com o risco acrescido de não conseguir reaver essa quantia.

Deste modo, como se referiu, citando-se o Acórdão do Tribunal Constitucional (Acórdão nº615/2018), esta solução que o legislador tinha encontrado “comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça , previsto no artigo 20º, nº1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18º, nº2, da Constituição”.

Assim, declara-se a inconstitucionalidade, nos dizeres do citado Acórdão, da norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP (na redação anterior à Lei nº27/2019, de 28 de março, artigo 5º), pelo que, no caso concreto, não deve ser exigível tal pagamento aos Recorrentes.

Aliás, esse pagamento já não seria reclamado aos Recorrentes se estivéssemos em presença do nº9 do artigo 14º do RCP (na redação dada pela Lei 27/2019) que prevê que nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº7 do artigo 6º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.

Deste modo, o legislador veio afastar a exigência de pagamento do remanescente da taxa de justiça às partes que venceram a ação, pelo que os Recorrentes não teriam de suportar tal pagamento, afastando-se, assim, de um juízo de inconstitucionalidade.

                Por todo o exposto, o recurso terá de proceder, não devendo ser reclamado dos Recorrentes o remanescente da taxa de justiça nos termos do nº6 do artigo 7º do RCP.

               
IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, e decidindo que os Recorrentes não devem suportar o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº7 do artigo 6º do RCP.


Sem custas o recurso (dado não ter sido deduzida oposição).

Lisboa, 24 de outubro de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

                Fátima Gomes



               

 Acácio das Neves