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CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ARGUIDO PRIMÁRIO E INSERIDO SOCIALMENTE
CONFISSÃO
PENAS (PRINCIPAL E ACESSÓRIA)
CRITÉRIOS LEGAIS
Sumário
I) A culpa e a prevenção são os critérios legais a atender na determinação da pena, resultando esta da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração), temperada pela necessidade de prevenção especial de ressocialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.
II) As penas acessórias pressupõem a condenação do arguido numa pena principal, sendo, por isso, verdadeiras penas criminais.
III) Não estabelecendo a lei um regime específico para a determinação da pena acessória, são-lhe aplicáveis os critérios legais de determinação da pena principal, ou seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção.
IV) Daí que, em princípio, deva ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, o que não significa que esta tenha de ser fixada na exata proporção daquela, até porque a sua finalidade é mais restrita, ao visar, essencialmente, no caso da pena acessória de proibição de conduzir, prevenir a perigosidade do infrator.
V) Apesar de o arguido não possuir antecedentes criminais, ter confessado os factos, apresentar normal inserção social, familiar e profissional e de não serem significativas as exigências de prevenção especial, o elevado grau de ilicitude do facto, revelado pela considerável TAS (2,42 g/l), com reflexos na perigosidade do condutor, a normal intensidade da culpa e as prementes exigências de prevenção geral associadas ao crime de condução em estado de embriaguez, reveladas pelos preocupantes dados estatísticos relativos à sinistralidade rodoviária, impõem que as penas (principal e acessória) se afastem do respetivo limite mínimo, pelo que as penas concretas de 90 dias de multa e 5 meses e 15 dias de proibição de conduzir fixadas pela primeira instância, além de adequadas e proporcionais às necessidades de prevenção, mostram-se perfeitamente suportadas pela culpa, pelo que não merecem censura, sendo de manter.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
1. No processo especial, sob a forma abreviada, com o NUIPC 156/19.9GAVNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, foi o arguido R. S. condenado, por sentença proferida oralmente a 24-04-2019, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 540 (quinhentos e quarenta euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizado pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias, ao abrigo do disposto no art. 69º, n.º 1, al. a), do mesmo código. 2. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida, na parte em que lhe aplicou a pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 meses e 15 dias, substituindo-a por outra que se aproxime do mínimo legal, mas por período nunca superior a 3 meses, bem como a pena de 90 dias de multa, substituindo-a por outra que a fixe um período nunca superior a 60 dias.
Alega, em suma, o recorrente que tais penas são excessivas e desproporcionais, não salvaguardando a sua reintegração social, posto que confessou ter ingerido bebidas alcoólicas, mas no contexto de uma festa, na qual se fez acompanhar da sua esposa, com quem vive, que é operário têxtil, auferindo o salário mínimo, necessitando da carta de condução para trabalhar e para se deslocar aos locais onde presta os seus serviços, que é uma pessoa que se presume com dificuldades económicas, que se encontra socialmente integrada, trabalhando para suportar todos os seus encargos e que não tem antecedentes criminais ligados ao mesmo tipo de ilícito, pelo que foram violados ao arts. 69º, n.º 1, al. a), 40º, n.ºs 1 e 2, e 71º, n.º 1, todos do Código Penal. 3. A Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância respondeu à motivação do recorrente, concluindo que a sentença recorrida deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso, porquanto as penas aplicadas respeitam as necessidades de prevenção geral e especial, bem como a medida da culpa do agente, tendo sido respeitado o disposto nos arts. 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal. 4. Neste Tribunal da Relação, a Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em que conclui que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente as penas aplicadas, principal de multa e acessória de inibição de conduzir, complementando ainda a esclarecida resposta oferecida pela Magistrada do Ministério Público na 1ª instância com algumas considerações. Designadamente que a fixação da pena de multa em 90 dias se apresenta equilibrada, não violando o princípio da proporcionalidade, dadas as circunstâncias em que o crime ocorreu (o arguido, apesar de primário, ter sido fiscalizado com uma TAS de 2,42 gr/l, largamente distante do seu mínimo penal), bem como as prementes necessidades de prevenção geral (atento o elevado índice de sinistralidade rodoviária, para o que contribui significativamente o estado de etilização dos condutores) e a culpa do arguido. Quanto à pena acessória, que importa encontrar algum paralelismo entre ela e a pena principal (citando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94), pelo que, operando esse paralelismo, uma diminuição da pena acessória aplicada não se mostrará adequada, por não se conformarem com ela as necessidades de prevenção, não o consentindo a TAS apurada e não sendo atendível para a sua graduação a circunstância de o agente necessitar de exercer a condução para o exercício da sua atividade profissional (conforme decidido no acórdão do TRL de 26-05-2015 - processo n.º 915/14.9SGLSB.L1-5). 5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu a esse parecer. 6. O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
Assim, as questões suscitadas no presente recurso reconduzem-se às medidas das penas aplicadas, principal e acessória, concretamente saber se as mesmas são excessivas.
2. DA DECISÃO RECORRIDA
Na sentença proferida pela primeira instância foram dados como provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa (tal como se ouvem no registo da audiência de julgamento, com numeração agora introduzida):
«1. No dia 24-02-2019, pelas 05h e 05m, na Av.ª …, Vila Nova de Famalicão, o arguido, de forma voluntária e em plena via pública, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula LM, apresentando uma taxa de álcool registada de 2,55 gr/l, a que corresponde o valor apurado, após dedução do erro máximo admissível de 2,42gr/l, por via de ingestão, voluntária e intencional, de bebidas alcoólicas momentos antes de iniciar a condução.
2. Sabia o arguido que ao conduzir o veículo nas circunstâncias acima descritas, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, estava a fazê-lo sob a influência do álcool e com as suas capacidades físicas e psíquicas afetadas por aquela substância, atuando sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
3. O arguido efetuou uma confissão integral e sem reservas.
4. Exerce a atividade de operário têxtil, auferindo o equivalente ao ordenado mínimo nacional.
5. Suporta uma renda mensal da sua habitação no valor de € 350.
6. Possui o 12º ano de escolaridade.
7. Não possui antecedentes criminais.»
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
3.1 - Da medida da pena principal
Relativamente à medida da pena principal fixada pelo tribunal a quo, o recorrente limita-se a alegar, na parte final do corpo da motivação, como fundamento para a almejada redução para 60 dias, que aufere o salário mínimo nacional, vivendo com a sua esposa, e pagando todas as despesas mensais (água, luz, gás e prestação da casa), sendo, pois, uma pessoa que se presume com dificuldades económicas, pelo que a pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, se presume excessiva. Já a demais alegação se reporta exclusivamente à igualmente pretendida redução da pena acessória.
Vejamos se lhe assiste razão:
É pacífico ter o recorrente, com o seu comportamento em apreço nos autos, incorrido na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, o qual, por não ocorrer qualquer circunstância que, nos termos do art. 72º do mesmo código, permita a atenuação especial da pena, é abstratamente punível com prisão de 1 mês a 1 ano ou multa de 10 a 120 dias (atento também o disposto nos arts. 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1, daquele diploma).
Conforme se alcança da audição da gravação da sentença proferida oralmente, o Mmº. Juiz, ponderando as consideráveis exigências de prevenção geral que se fazem sentir, a atuação do arguido com dolo direto, correspondente ao mais elevado grau de censura jurídico-penal, o considerável grau de ilicitude da conduta, atendendo ao valor potencial da ação, ao grau de culpa elevado, atento o valor da taxa de álcool de que era portador, a inserção socioprofissional, a confissão dos factos e a ausência de antecedentes criminais, após ter concluído que a pena de multa ainda salvaguarda as finalidades da punição e que a mesma, por via dos referidos fatores, terá de ser necessariamente superior ao limite médio da moldura abstrata, fixou-a em 90 dias, quantitativo este contra o qual o recorrente se insurge, considerando-o excessivo.
3.1.1 – Como decorre do art. 40º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” mas “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
O que se compreende, pois exprimindo a culpa a responsabilidade individual do agente, constitui o fundamento ético da pena.
Em sintonia com o citado preceito, dispõe o art. 71º, n.º 1, do mesmo código que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Especificamente quanto à determinação concreta da pena de multa, que se inicia com a fixação do respetivo número de dias, estatui o art. 47º, n.º 1, que deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º, n.º 1, ambos do Código Penal.
Assim, prevenção – geral e especial – e culpa são os fatores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (1).
Daí que será justa toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa(2).
O n.º 2 do citado art. 71º acrescenta que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele”, nomeadamente as enunciadas nas suas várias alíneas, ou seja, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente [al. a)], a intensidade do dolo ou da negligência [al. b)], os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [al. c)], as condições pessoais do agente e a sua situação económica [al. d)], a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [al. e)], e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [al. f)].
As circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente (3) .
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador que é difícil, se não mesmo impossível, de sindicar, embora o cumprimento do dever de fundamentação vise precisamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade e controlabilidade da determinação da pena no âmbito do recurso, refira-se que a intervenção do tribunal superior, quanto à concretização do seu quantum e ao controlo da sua proporcionalidade, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não é ilimitada.
Daí que se entenda que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considera-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de atuação dos fins das penas no quadro de prevenção. Mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada (4). 3.1.2 - Revertendo ao caso dos autos, diga-se não merecer censura o elenco dos fatores valorados pelo tribunal a quo na determinação da medida da pena, dado que teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da mesma, sendo avaliada a conduta do arguido de acordo com os parâmetros legais, que foram respeitados, nada de relevante havendo a acrescentar em relação aos argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada, à qual tivemos acesso mediante a audição da gravação da sentença proferida oralmente.
Com efeito, o grau de ilicitude do facto é elevado, uma vez que o arguido conduzia com uma TAS de 2,42 g/l, ou seja, excedendo o dobro do limiar da dignidade penal (1,20 g/l), circunstância que acentua o perigo inerente a esse tipo de condução.
Por seu lado, como também foi evidenciado pelo julgador, é acentuado o grau de culpa, uma vez que o arguido atuou com dolo direto, ainda que a respetiva intensidade não vá além do que é normal neste tipo de condutas.
Por outro lado, agora no que respeita à conduta posterior aos factos, o tribunal também não deixou de ponderar a circunstância de o arguido ter admitido a sua conduta, confessando integralmente e sem reservas os factos. Todavia, importa acentuar que a confissão é de reduzida ou nula relevância para a descoberta da verdade, uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito, sem prejuízo de tal atitude ser suscetível de traduzir o referido distanciamento crítico em relação ao mal do crime.
O Mm.º Juiz também ponderou a inserção social e profissional do arguido, à qual, todavia, acrescentamos que também não deverá ser reconhecido um particular relevo, por ser o esperado do cidadão comum, o mesmo se dizendo da ausência de antecedentes criminais.
Particularmente quanto ao fator que, na perspetiva do recorrente, não terá sido devidamente relevado (a sua modesta situação económica, por auferir o salário mínimo nacional, viver com a esposa e pagar todas as despesas mensais, com água, luz, gás e prestação da casa), refira-se que foi objeto de adequada ponderação na determinação da taxa diária da multa, fixada praticamente no seu limite mínimo.
Por seu turno, avultam as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração relacionadas com o tipo de crime em apreço, como também se refere na sentença recorrida, tendo em conta, nomeadamente, a frequência com que o mesmo ocorre e a sinistralidade rodoviária resultante de condução sob influência de álcool, com graves consequências para a vida, o corpo e o património, quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes, causando uma forte reprovação por parte da comunidade, refletindo-se numa necessidade acrescida em ver reestabelecida a confiança na validade da norma infringida.
Segundo o relatório anual sobre "A Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência", recentemente divulgado, em 2017 morreram 170 pessoas em acidentes de viação sob a influência do álcool, o valor mais elevado dos últimos cinco anos, tendo sido registados 19.848 crimes por condução com excesso de álcool, representando 38% do total de crimes contra a sociedade e 6% da criminalidade registada em 2017, sendo que no final desse ano 233 pessoas estavam detidas por crimes de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
Pela prevenção geral (positiva de integração) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e procura-se garantir o restabelecimento da confiança da comunidade na efetiva defesa da norma violada.
Destarte, na consideração global de todas as referidas circunstâncias, corretamente valoradas pelo tribunal a quo, e tendo presente que a pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, não se vê qualquer fundamento para alterar a medida da pena aplicada pela primeira instância, situada ligeiramente acima do 2º terço da moldura abstrata (82 dias), por se mostrar adequada e necessária às elevadas exigências de prevenção que se fazem sentir e que o caso reclama, sendo igualmente consentida pelo grau de culpa do agente.
Improcede, portanto, este segmento do recurso.
3.2 - Da medida da pena acessória de proibição de conduzir
A prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual o recorrente foi condenado, para além da pena principal (prisão ou multa), é ainda sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos, conforme dispõe o art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
3.2.1 – Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do citado artigo, da sua inserção sistemática e do elemento histórico (5), traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
A condenação do agente numa pena principal constitui condição necessária, mas já não suficiente para a aplicação da pena acessória, pois, como ensina Figueiredo Dias, “torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória” (6).
Aliás, de acordo com o princípio geral estabelecido no art. 65º, n.º 1, do Código Penal, “nenhuma pena envolve, como efeito necessário a perda de direitos, civis, profissionais ou políticos”.
Correspondendo a uma manifesta necessidade de política criminal, que se prende com a elevada sinistralidade rodoviária, a aplicação da pena acessória em questão visa dissuadir os condutores de ingerirem bebidas alcoólicas em quantidades que diminuem os reflexos e afetam a capacidade de reação e a destreza, indispensáveis ao exercício da condução em condições de segurança.
A propósito das suas finalidades, refere Figueiredo Dias (7) que, “se (…) pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (…). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
A pena em apreço tem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade e dirigindo-se ainda à perigosidade do agente.
Embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal quer a acessória assentam num juízo de censura global pelo crime praticado.
Daí que, não estabelecendo o Código Penal um regime específico para a determinação da pena acessória, se entenda que, tal como sucede com a pena principal, se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do Código Penal.
Aliás, pressupondo as penas acessórias a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais e por isso, estão também ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (8).
Sendo aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, sem todavia esquecer que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente. Mas a conveniência na observação desta relação de proporcionalidade não significa que a medida concreta da pena acessória tenha que ser fixada, quase que por cálculo aritmético, na exata proporção da medida concreta da pena principal.
3.2.2 – No caso presente, resulta inequivocamente comprovado no facto o particular conteúdo do ilícito que justifica materialmente a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, face à necessidade comunitária de prevenir a sua perigosidade enquanto condutor de veículos com motor.
Na sentença recorrida essa pena foi fixada em 5 meses e 15 dias, quantitativo contra o qual também se insurge o recorrente, reputando-o excessivo e desproporcional, e pugnando pela sua redução para o mínimo legal, invocando ter confessado a ingestão de bebidas alcoólicas, mas no contexto de uma festa, na qual se fez acompanhar da sua esposa, com quem vive, ser operário têxtil, auferindo o salário mínimo, necessitando da carta de condução para trabalhar e para se deslocar aos locais onde presta os seus serviços, ser uma pessoa que se presume com dificuldades económicas, encontrar-se socialmente integrado, trabalhar para suportar todos os seus encargos e não ter antecedentes criminais ligados ao mesmo tipo de ilícito.
Acontece que não consta dos factos dados como provados qualquer alusão ao contexto em que o arguido ingeriu as bebidas alcoólicas nem à necessidade da carta de condução para o exercício da sua profissão, sendo certo que no recurso não foi impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Assim, estas circunstâncias invocadas pelo recorrente, independentemente do relevo que lhes pudesse vir a ser reconhecido, são inaproveitáveis para a apreciação do recurso.
Quanto ao mais, haverá que convocar a valoração que acima foi feita a propósito da determinação da pena principal sobre as várias circunstânciasatendíveis, quer asatinentes ao facto(elevado grau de ilicitude, atento o considerável valor da taxa de álcool no sangue e normal intensidade do dolo direto), quer as relativas à personalidade do arguido (modestas condições sociocultural e económico-financeira e normal inserção social, familiar e profissional), quer ainda às respeitantes à conduta anterior e posterior aos factos (ausência de antecedentes criminais, exigível ao cidadão comum, e confissão dos factos, embora sem relevância para a descoberta da verdade material, como já ficou dito).
Nos termos demonstrados supra, são extremamente acentuadas as exigências de prevenção geral.
Refira-se que, nos delitos de tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal de multa (que os infratores pagam sem grandes inconformismos) ou de prisão suspensa na sua execução (que é vista até como menos onerosa que aquela). Daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida, pelo que a medida ótima de tutela do bem jurídico e das expectativas comunitárias aponta para uma elevação dos limites da moldura da prevenção geral.
Acresce que, embora no crime de condução de veículo sob o efeito do álcool o desvalor da ação seja de pouca monta (por isso se integra no vasto universo da pequena criminalidade), não pode ser desvalorizado o grau de perigo associado à conduta típica, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária), colocando frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física e o património. É justamente essa perigosidade que se visa prevenir com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir.
Face a todo o descrito circunstancialismo, afigura-se-nos que a medida da pena acessória de proibição de conduzir fixada pela primeira instância em 5 meses e 15 dias, ou seja, muito ligeiramente acima [dois meses e meio] do limite mínimo da moldura (3 meses) e cuja amplitude é bastante grande, pois o limite máximo é de 36 meses, se apresenta como necessária para se atingir o nível mínimo de verdadeira advertência penal, de modo a que a eficácia preventiva de tal pena não fique comprometida.
Apesar de, como já referimos, não ser de estabelecer uma relação de correspondência direta entre a medida da pena principal e a medida da pena acessória, no caso concreto esta última foi fixada numa medida consideravelmente inferior àquela.
Assim sendo, não se reconhece na decisão recorrida a invocada violação dos critérios de determinação da pena, enunciados no art. 71º do Código Penal, tendo sido respeitado o que resulta ainda dos arts. 40º e 69º, n.º 1, al. a), do mesmo código, bem como o princípio da proporcionalidade na graduação da mesma, ínsito no art. 18º da Constituição.
Pelo exposto, também nesta parte improcede o recurso.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, R. S., confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 3 (três) unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães, 28 de outubro de 2019
(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)
[1] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.
[2] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2007, Coimbra Editora, pág. 84.
[3] - Cf. o acórdão do STJ de 28-09-2005, in Coletânea de Jurisprudência-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173.
[4] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 196, e os acórdãos do STJ de 14-10-2015 (processo n.º 439/14.4PBSXL.S1) e de 12-07-2018 (processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[5] - Atas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41.
[6] - In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 158.
[7] - In Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 165.
[8] - Vd. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Edição, 2015, Coimbra Editora, pág. 38.