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INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Sumário
I - Em função da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, sendo tal articulado viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00), e inviável nas ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00). II - Tendo a reconvenção natureza facultativa, correspondendo o pedido a uma ação própria e podendo o réu optar entre fazê-lo valer em reconvenção ou deduzi-lo em separado, face à natureza específica do procedimento previsto no DL 269/98, no que respeita à limitação dos articulados e aos objetivos que visa, de simplicidade e de celeridade, tal articulado nunca poderá ter lugar na ação especial que se segue a este procedimento. III - No que respeita à compensação não se verifica consenso jurisprudencial. IV - Na vigência do código anterior, a posição doutrinária e jurisprudencial claramente maioritária ia no sentido de considerar que, visando o réu compensação pelo contracrédito de montante igual à do crédito reclamado pelo autor, se entendia que invocava o seu direito e reclamava a sua realização por exceção perentória. V - É diferente o atual regime processual. Sendo certo que a compensação constitui no direito civil uma causa de extinção das obrigações (art.º 847 CC), o que à partida permite a sua integração na previsão legal do n.º 2 do artigo 571.º do CPC (exceção perentória), também é verdade que, ao invés do que ocorre com as exceções perentórias típicas [prescrição, caducidade, pagamento, perdão, dação em cumprimento e novação], a compensação não extingue o direito do credor por qualquer circunstância inerente ao mesmo, ou seja, à própria relação jurídica, mas tão só porque o réu é simultaneamente credor do autor, crédito esse que provém de uma outra relação jurídica havida entre ambos. Porque se trata de uma nova relação jurídica trazida pelo réu ao processo, faz todo o sentido que o exercício deste direito (compensação) ocorra através do pedido reconvencional VI - Na situação sub judice, em que a requerida, demandada no procedimento de injunção, com vista ao pagamento da quantia de € 4.153,63, vem requerer na oposição, por via reconvencional, a condenação da requerente na quantia de € 13.069,05, referentes a danos patrimoniais e não patrimoniais, tal pedido deverá ser liminarmente indeferido.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório
Em 15.01.2019, B…, Lda. apresentou no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra C…, Unipessoal, Lda., pedindo que esta seja notificada para pagar a quantia de €4.153,63.
Alegou a requerente, como fundamento da sua pretensão: No exercício da sua atividade vendeu à requerida uma lareira metálica e respetivos acessórios conforme consta da respetiva fatura com o nº …./.. emitida em 20.05.2016 e com vencimento a 31.05.2016; pese embora a interpelação feita pelo mandatário da requerente, no sentido de a requerida proceder ao pagamento, esta nada pagou.
Efetuada a notificação do requerimento de injunção à requerida, veio esta, apresentar oposição, na qual deduziu pedido reconvencional de condenação da requerente no pagamento da quantia de €13.069,05 referentes a danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente decorrentes da atuação da requerente.
Refere a requerida no seu articulado: «A Requerida declara expressamente operar a compensação entre o crédito peticionado na presente injunção e o seu crédito acima referido no valor global de €13.069,05, a que acrescem juros até integral pagamento, na parte correspondente - arts. 487.º e ss., do Cód. Civil».
E conclui com o seguinte pedido: «B) Sem conceder, deve a reconvenção deduzida pela Requerida ser julgada procedente e, em consequência, ser a Requerente condenada a pagar à Requerida a quantia de €13.069,05 (treze mil e sessenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescida de juros desde a presente data (18-2-2019) até integral pagamento».
Em 9.05.2019 foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido reconvencional.
Não se conformou a requerida e interpôs recurso de apelação relativamente à não admissão da reconvenção, apresentando alegações, findas as quais, conclui:
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A requerente respondeu às alegações de recurso, pugnado pela sua total improcedência.
II. Do mérito do recurso 1. Definição do objeto do recurso
O objecto dos recursos, delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: apreciação da admissibilidade da reconvenção;
2. Fundamentos de facto
A factualidade provada relevante é a que consta do relatório que antecede.
3. Fundamentos de direito
O procedimento de injunção tem sede legal no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, definindo-o o artigo 7.º neste termos: «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações[1] a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro[2] ».
Traduz-se, em suma, num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a quinze mil euros, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito, a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso direto à ação executiva.
O artigo 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98, de 1.09) reporta-se ao “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio [para o qual se considera atualmente feita a remissão prevista no art.º 7.º do DL 269/98, de 1/09, face ao disposto no artigo 13.º do DL 62/2013, de 10/05], define como seu âmbito de aplicação “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais”, excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
A alínea b) do artigo 3.º do citado DL 62/2013, de 10/05, define «[t]ransação comercial», como «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração».
Finalmente, o artigo 10.º do mesmo diploma legal (DL 62/2013, de 10/05), estabelece o seguinte regime de “Procedimentos especiais”: «1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.».
Decorre dos dispositivos legais citados que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento:
a) de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000 (artigo 1.º do diploma preambular citado);
b) ou, independentemente desse valor (art.º 10.º do DL 62/2013 de 10/05), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL 62/2013 de 10/05.
Debate-se nos autos um crédito reclamado pela requerente/apelada, no montante de €4.153,63.
Tal valor é crucial para a definição da tramitação dos autos no que se reporta à viabilidade do pedido reconvencional.
Convém ter presente que, ainda que a obrigação pecuniária seja emergente de transação comercial, havendo oposição e não sendo o valor superior a €15.000,00, o processo é remetido à distribuição como “ação especial” prevista no DL n.º 269/98, de 1.09 - “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”.
É este o regime do procedimento em presença.
Na interpretação do DL 269/98 há que ter em conta as regras de interpretação enunciadas no artigo 9.º do Código Civil:
«A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
O fator interpretativo “circunstâncias em que a lei foi elaborada”, representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: fatores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa.
O preâmbulo é muito claro.
Denuncia o facto de os tribunais se encontrarem “erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores”; diz que tal facto está a causar “efeitos perversos” que é inadiável contrariar, considera inaceitável que os tribunais [órgãos de soberania] se encontrem “(…) colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores” correndo “o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões [de cobrança] dessas empresas…”.
Se interpretarmos a norma esquecendo o circunstancialismo histórico-social em que nasceu e a sua vocação expressamente referida no seu preâmbulo, desvirtuamos-lhe o sentido, comprometendo na sua aplicação a realização dos objetivos que visa.
A questão fulcral que se suscita é a de saber se é viável, no procedimento em causa, a dedução de pedido reconvencional, nomeadamente visando a realização da compensação de créditos.
Sobre esta temática, escreve Salvador da Costa[3]: «Não obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso».
Já no que respeita às injunções de valor superior a €15.000,00, é diverso o entendimento do autor citado[4]: «Nessa hipótese (…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum».
A jurisprudência tem entendido, maioritariamente, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00).
Nesse sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 14.05.2012[5], no qual se cita vasta jurisprudência, concluindo-se: «O problema não é original nas decisões das Relações e todas elas se encaminham, tanto quanto constatamos, para o entendimento que distingue as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitem a dedução de reconvenção pelo requerido que, entretanto, com a oposição, passou a réu».
No que respeita às ações com processo especial (de valor não superior a €15.000,00, como ocorre com aquela que apreciamos) a jurisprudência em geral tem entendido que não é viável a reconvenção[6].
São, nomeadamente, expendidos os seguintes argumentos, para obstar à admissibilidade da reconvenção: há apenas dois articulados, não havendo lugar a um terceiro articulado/resposta; o legislador pretendeu um processo particularmente célere, que não se coaduna com a complexidade da estrutura do processo comum[7].
A questão torna-se menos pacífica quando falamos de compensação.
Como se refere no relatório, no seu articulado a requerida começa por falar de compensação: «A Requerida declara expressamente operar a compensação entre o crédito peticionado na presente injunção e o seu crédito acima referido no valor global de €13.069,05, a que acrescem juros até integral pagamento, na parte correspondente - arts. 487.º e ss., do Cód. Civil».
Mas conclui com o seguinte pedido reconvencional: «B) Sem conceder, deve a reconvenção deduzida pela Requerida ser julgada procedente e, em consequência, ser a Requerente condenada a pagar à Requerida a quantia de €13.069,05 (treze mil e sessenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescida de juros desde a presente data (18-2-2019) até integral pagamento».
É a propósito da compensação que surgem as maiores divergências.
A questão não é pacífica e hoje, face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual Código de Processo Civil (que impõe a reconvenção como meio processual para o exercício do direito de compensação), suscita um problema acrescido: o facto de tal articulado implicar automaticamente a adição do valor (art.º 299.º CPC), o que se pode traduzir numa alteração da forma da ação declarativa (in casu, considerando o valor da ação - €10.194,29, e o valor da reconvenção - €31.949,88, teríamos um valor muito superior ao permitido para a tramitação da ação em que se transmutou o procedimento previsto no artigo 1.º do diploma preambular - DL n.º 269/98, de 1.09).
Contra a recusa da compensação face à via reconvencional em que tal pretensão deve ser exercida, erguem-se vozes críticas com reconhecida autoridade, como a do Professor Teixeira de Sousa, cuja posição, expressa no blogue do IPPC (dia 25 de Abril de 2017), se transcreve parcialmente: «1. Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9). Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs. Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC. Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere -- não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções. Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções».
O citado Professor, em várias intervenções no referido blogue do IPPC, questiona se a inadmissibilidade da dedução da compensação em tais casos não constitui um entrave inconstitucional ao direito de defesa pois que a compensação não é admitida nem por via de exceção (que a alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual CPC não permite), nem por via de reconvenção.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça surgem sinais de desconforto relativamente à solução que tem tido acolhimento quase unânime.
É o que se conclui do acórdão do STJ, de 6.06.2017 (processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2), sumariado nestes termos: «I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior. II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça. III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor».
Conclui-se, no citado acórdão, que a solução preconizada pelo entendimento maioritário poderá ser violadora do princípio da igualdade: «Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efectivamente, uma desigualdade – aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que “a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece” (f. 104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4.265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção – e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor – o credor de €4.265,41 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos. A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa».
É tempo de reverter ao caso sub judice.
Na vigência do código anterior, a posição doutrinária e jurisprudencial claramente maioritária ia no sentido de considerar que, visando o réu compensação pelo contracrédito de montante igual à do crédito reclamado pelo autor, se entendia que invocava o seu direito e reclamava a sua realização por exceção perentória.
Por todos, veja-se o apontamento de Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 530 e 531, onde se referem várias decisões judiciais e doutrina que acolhiam a solução preconizada nos despachos da Mª Juíza.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 23/02/2015 (processo n.º 95961/13.8YIPRT.P1), onde, em defesa da solução mais justa, se propugna que nas ações em que não é admissível reconvenção, como as ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no DL n.º 269/98, de 1.9, não deve ser coartado ao requerido um relevante meio de defesa, como o é a compensação, devendo nesses casos a compensação ter o tratamento próprio de uma exceção perentória.
Neste sentido, escreve o Professor Rui Pinto no seu Estudo “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, publicado no blogue IPPC (páginas 18 e 19): «3. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Não se julgue que, por isso, a compensação judicial em processo especial fica afastada. Não: no plano da teoria geral do processo não existe identidade entre exceção de compensação e reconvenção: se aquela tem sempre expressão processual, esta não tem de ser sempre a via reconvencional. (…) O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória»[8].
No entanto o regime processual alterou-se e, convém não esquecer, que apesar de terem por vocação a realização do direito (previsto nas normas substantivas), as normas processuais também são imperativas.
Sendo certo que a compensação constitui no direito civil uma causa de extinção das obrigações (art.º 847 CC), o que à partida permite a sua integração na previsão legal do n.º 2 do artigo 571.º do CPC (exceção perentória), também é verdade que, ao invés do que ocorre com as exceções perentórias típicas [prescrição, caducidade, pagamento, perdão, dação em cumprimento e novação], a compensação não extingue o direito do credor por qualquer circunstância inerente ao mesmo, ou seja, à própria relação jurídica, mas tão só porque p réu é simultaneamente credor do autor, crédito esse que provém de uma outra relação jurídica havida entre ambos.
Porque se trata de uma nova relação jurídica trazida pelo réu ao processo, faz todo o sentido que o exercício deste direito (compensação) ocorra através do pedido reconvencional[9].
Deduzida a compensação por via reconvencional, uma de duas:
i) ou o crédito do réu não excede o do autor, ocorrendo a absolvição do pedido, total ou parcial (em função dos valores em presença);
ii) ou o crédito do réu excede o do autor, ocorrendo a absolvição do pedido e a condenação do autor no remanescente (desde que o respetivo pedido tenha sido formulado).
Dispõe o artigo 266.º do CPC:
«[…]
2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) […]
b) […]
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) […]». Corresponde ao artigo 274º do CPC na versão anterior, com o aditamento de uma alínea relativa à compensação, “obrigando” a que seja sempre deduzida por via reconvencional.
Deixando de ser legalmente viável a dedução da compensação por via de exceção e continuando a reconvenção a ser facultativa a não dedução da compensação em sede declarativa não precludirá a sua dedução em sede de embargos à ação executiva.
É o que resulta da alínea h) do artigo 729º do CPC que ao invés dos outros factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, não exige para a compensação que os factos dela integrantes sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se provem por documento[10].
A conclusão enunciada (ausência de preclusão do direito), afasta, quanto a nós, o argumento mais relevante dos que defendem a viabilidade processual do pedido de compensação na ação especial simplificada, apesar de exercido por via reconvencional: a omissão de realização da justiça material.
Não se verifica, face ao exposto, qualquer violação de norma ou princípio constitucional no despacho recorrido.
Concluímos em suma, no que respeita às ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00), que não é viável a reconvenção, o que parece inviabilizar a compensação, face à imperatividade legal de a mesma só poder ser exercida por essa via processual.
No entanto, no caso sub judice debate-se apenas a reconvenção, tout court, pese embora a referência que a requerida faz a latere à figura da compensação.
E quanto à reconvenção – que tem sempre natureza facultativa, correspondendo o pedido a uma ação própria e podendo o réu optar entre fazê-lo valer em reconvenção ou deduzi-lo em separado – pensamos, face à natureza específica do procedimento previsto no DL 269/98, no que respeita à limitação dos articulados, e aos objetivos que visa, de simplicidade e de celeridade, enunciados supra, parece não restarem dúvidas quanto á sua inviabilidade neste procedimento[11].
Do exposto decorre o naufrágio da pretensão recursória e a confirmação da decisão recorrida, que não merece qualquer censura.
* III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em manter na íntegra a decisão recorrida.
*
Custas do recurso a cargo da recorrente.
*
Porto, 7.10.2019
Carlos Querido
Mendes Coelho
Joaquim Moura
___________ [1] Como referem Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira - A oposição à execução baseada em requerimento de injunção comentário ao acórdão do tribunal constitucional n.º 388/2013, acessível no site: http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MFG_MA_20831.pdf: «A injunção é um procedimento judicial ou para-judicial em que se pretende a obtenção de um título executivo sem contraditório.». [2] Atualmente, a remissão considera-se feita para o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, como expressamente decorre da norma revogatória inserida no artigo 13.º deste diploma legal: «1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho e pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, com exceção dos artigos 6.º e 8.º, mantendo-se em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma. 2 - As remissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte.». [3] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 6.ª edição, 2008, pág. 88. [4] Obra citada, pág. 88 e 89. [5] Subscrito pela Exma Desembargadora, ora 2.ª adjunta: O problema não é original nas decisões das Relações e todas elas se encaminham, tanto quanto constatamos, para o entendimento que distingue as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitem a dedução de reconvenção pelo requerido que, entretanto, com a oposição, passou a réu. [6] No sentido apontado, vejam-se os seguintes arestos: acórdão desta Relação, de 2.05.2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 7.06.2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; e acórdão da Relação de Guimarães, de 22.06.2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1. [7] Como se afirma no acórdão da Relação de Lisboa, de 17.01.2008, processo n.º 10606/2007-8: «De outro modo, frustravam-se a desburocratização, simplicidade, singeleza e celeridade que estão associadas a este tipo de procedimentos, pensados tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante». No mesmo sentido, veja-se o acórdão da mesma Relação, de 6.05.2010 (processo n.º 372220/08.0YIPRT-A.L1-8), e o acórdão desta Relação, de 10.02.2011 (processo 241148/09.7YIPRT.P1). No mesmo sentido, vejam-se os seguintes acórdãos cuja sumariação se transcreve parcialmente: o Ac. TRL de 21/10/2010 (processo 186168/09.3YIPRT.L1-8): “Desde a alteração operada pelo D.L. n.º 107/2005 as ações de dívida a que seja aplicável o procedimento de injunção cujo valor não seja superior à alçada da Relação seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações emergentes de contratos, incluindo-se, é claro, as fundadas em transações comerciais. E assim sendo, não é admissível a dedução de pedido reconvencional”; e o Ac. TRP de 30/5/2017 (28549/16.6YIPRT.P1): “Em ação que decorre sob o Regime dos Procedimentos Para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos de Valor Não Superior à Alçada do Tribunal de 1.ª Instância, aprovado pelo DL. 269/98, de 01 de Setembro, não é possível operar a compensação de um crédito invocado pelo réu, para compensação, enquanto exceção perentória, já que o direito correspondente deve ser exercido por via da formulação de um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC”. [8] Veja-se, no mesmo Blogue do IPPC, a posição do Professor Teixeira de Sousa (24.05.2017), a propósito do tema “A problemática da dedução da compensação: breves notas”: «[…] 2. Acrescentam-se agora apenas duas notas. A primeira é para salientar que a relevância que, no âmbito do anterior CPC, se podia conceder à situação de compensação (isto é, ao momento no qual os créditos se tornavam compensáveis) era compreensível na perspectiva, então dominante, de que a compensação devia ser deduzida, pelo menos em parte, por via de excepção. Dado que a situação legal se alterou entretanto e que agora a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção, não se pode dar a mesma relevância a essa situação de compensação». [9] Vide Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 184. [10] Dispõe a norma em apreço: Art. 729.º : Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: […] h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos». [11] Veja-se, no sentido preconizado, o acórdão da Relação de Lisboa, de 5.07.2018 (processo n.º 87709/17.4YIPRT.L1-7): «Nas ações declarativas especiais decorrentes da instauração de procedimento de injunção de valor não superior a €15.000,00, em face da celeridade e simplicidade da sua tramitação, não é processualmente admissível a reconvenção».