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NÃO TRANSCRIÇÃO DA SENTENÇA
PENA SUSPENSA
Sumário
O juízo de prognose feito para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual transcrição da sentença; se assim fosse, nos casos de suspensão de execução da pena de prisão ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal.
Texto Integral
Processo número 188/16-9JAAVR-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Central Criminal de Aveiro – Juiz 5
I – Relatório
No âmbito do processo supra identificado, por acórdão de 18 de setembro de 2017, foi o arguido, B…, condenado pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6 do Código Penal, especialmente atenuado nos termos dos artigos 1º, nºs 1 e 2 e 4 do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, numa pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução, sob regime de prova, pelo mesmo período de tempo. Nos termos do artigo 69º-B, nº 2, do Código Penal foi o arguido, ainda, condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de cinco anos.
Desta decisão interpôs o arguido recurso para este Tribunal da Relação do Porto.
Em 21 de fevereiro de 2018 foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação do Porto, o qual confirmou integralmente a decisão proferida na 1ª Instância.
Entretanto, em 8 de novembro de 2017, requereu o arguido, ao abrigo do artigo 13.º da Lei 37/2015, de 5 de maio, a não transcrição da condenação sofrida no certificado do registo criminal, quanto a todas e quaisquer atividades que não envolvam contacto regular com menores.
Por despacho de 28 de novembro de 2018, face ao recurso interposto do acórdão proferido em 1ª Instância, foi considerada prematura a tomada de posição sobre o requerimento apresentado e relegado o conhecimento deste para momento posterior.
Em 12 de junho de 2018 recaiu, sobre o aludido requerimento o seguinte despacho: (transcrição)
«Quanto à temática do registo criminal importa considerar o previsto na Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, nomeadamente os seguintes artigos:
Artigo 10.º Conteúdo dos certificados
1 - O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada. 2 - Não pode constar do certificado do registo criminal qualquer indicação ou referência donde se possa depreender a existência no registo de outros elementos para além dos que devam ser expressamente certificados nos termos da lei, nem qualquer outra menção não contida nos ficheiros centrais do registo criminal e de contumazes. 3 - Os certificados do registo criminal requisitados pelas entidades referidas nas alíneas a) a f), h) e i) do n.º 2 do artigo 8.º para as finalidades aí previstas contêm a transcrição integral do registo criminal vigente. 4 - Os certificados do registo criminal pedidos por autoridades centrais estrangeiras têm o conteúdo previsto no artigo 30.º 5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas: a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício; b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis. 6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido. 7 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes. 8 - Aos certificados do registo criminal pedidos por entidades públicas nos termos do n.º 3 do artigo 8.º é aplicável o disposto nos n.ºs 5 a 7. 9 - O acesso à informação para a prossecução de fins de investigação científica ou estatísticos processa-se e tem o conteúdo determinado no despacho de autorização, não podendo abranger elementos que permitam identificar qualquer registo individual.
Artigo 13.º Decisões de não transcrição
1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º A e no capítulo V do título I do livro /I do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º 2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma (nosso sublinhado). 3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.
No caso vertente o disposto no referido artigo 13°, nº 1, apenas poderá operar findo o prazo a que alude a pena acessória irrogada na decisão condenatória, pois que a mesma configura uma interdição nos preceituados termos legais. Vale por dizer que se indefere o requerido pedido de não transcrição.
Neste sentido, cfr:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 229/16.0TPOER-D.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Decritores: TRANCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO
N do Documento: RL
Data do 06/12/2017
Acordão:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio RECURSO PENAL
Processual:
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- com o regime especial de identificação criminal constante da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, o legislador quis afastar a possibilidade de não transcrição da condenação por crime de violência doméstica, por crime de maus tratos ou por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual nos certificados destinados a recrutamento e, posteriormente, aferição anual da idoneidade para o exercício de profissões e actividades cujo exercício envolva contacto regular com menores.
II- Quanto a estes crimes e para os certificados destinados ao início ou ao prosseguimento do exercício de actividades que envolvam o contacto regular com menores, não tem aplicação o n.º1do artigo 13º da Lei n.º 37/2015.
III- Neste âmbito, poderá ser concedida a não transcrição, mas apenas quando tiverem sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada. A decisão será então da competência do Tribunal de Execução de Penas.
Notifique.»
*
Inconformado com o despacho proferido veio o arguido interpor o presente recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
«Conclusões
1.Vem o presente recurso interposto da decisão que indefere o pedido de não transcrição para o certificado do registo criminal da condenação do arguido nos presentes autos.
2. Não tem qualquer aplicação o disposto no artigo 13.º, n.º 2 da Lei de Identificação Criminal invocado pela decisão em apreço, pois que o arguido foi condenado a uma proibição (a do artigo 69.º-B do CP) e não a uma interdição.
3. O acórdão que serve a decisão em apreço contraria-a nos seus próprios fundamentos, pois que ali se faz a ressalva de que, apenas e só para o exercício de uma profissão, função ou actividade que envolva um contacto regular com menores é que, enquanto não cumprir na íntegra com a sua pena (principal e acessória) um condenado que pretenda um certificado de registo criminal não poderá à partida deixar de ver sempre aí averbada a sua condenação, e portanto só poderá requerer a não transcrição finda esta pelo cumprimento.
4. o que não é o caso do arguido, pois que actualmente é vigilante, e não tem nem se prevê que venha a ter, contacto regular com menores.
5. De resto, o legislador quis deliberadamente distinguir, ao longo de vários diplomas, entre os conceitos de interdição e proibição.
6. Fê-lo no CP, nomeadamente ao colocar sistematicamente as interdições nas "Medidas de segurança não privativas de liberdade", e as proibições no capítulo destinado às "Penas acessórias e efeitos das penas".
7. Distinguiu-os na Lei de Identificação Criminal, mormente no seu artigo 10.º, n.º 5 alínea a).
8. Distinguiu-os nomeadamente, na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, mormente no seu artigo 2.º, n.º 4, alínea b) (estabelece medidas de protecção de menores, em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças) e na Lei 103/2015, de 24 de Agosto, artigo 2.º, alíneas a) e d) (aprova o sistema de registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor).
9. Tal distinção é ainda mais óbvia no tipo de ilícito do artigo 353.º do CP, sob a epígrafe "violação de imposições, interdições e proibições".
10. É por isso acertado presumir que o legislador no artigo 13.º, n.º 2 da Lei de Identificação Criminal, ao omitir a menção ao vocábulo "proibição" de tal artigo não só consagrou as soluções mais acertadas, como também soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e propositados.
11. De facto, as interdições e proibições, sendo ambas obrigações negativas, têm terminologia distinta justamente porque se prestam, quanto aos fins das penas, a finalidades diferentes (as primeiras são mais direcionadas a necessidades de prevenção especial, de perigosidade, e as segundas a necessidades de prevenção geral positiva).
12. Têm inclusivamente regime próprio e substancialmente distinto, pois que no caso da específica proibição irrogada ao arguido, nem sequer se encontra prevista qualquer suspensão e/ou não contabilização de tal pena acessória durante uma eventual privação de liberdade.
13. O arguido deve ver deferida a sua pretensão, pois que, além da verificação dos pressupostos formais exigíveis, também cumpre com todos os pressupostos substanciais.
14. De facto, levando em consideração os factos dados como provados no acórdão, nomeadamente os relativos ao seu relatório social, e que o arguido se encontra inserido socialmente, que o presente caso se trata de um acto isolado, e tudo o mais que foi vertido no acórdão (que se pautou inclusivamente por uma suspensão de pena) não se pode concluir pelo perigo de prática de novos crimes por banda do arguido.
15. É inconstitucional a interpretação -extensiva- feita de tal artigo de que enquanto durar uma simples proibição (pena acessória), a lei não confere a possibilidade de não transcrição da sentença, pois que verdadeiramente estar-se-ia a convolar ilegalmente tal proibição em que foi inicialmente condenado numa medida de segurança.
16. Mesmo sendo o arguido primário, jovem, e ainda que tal condenação não lhe retire automaticamente qualquer idoneidade para o exercício de profissão A ou B, a mera menção no certificado criminal à existência de um crime desta índole é detentora de um estigma que muitas das vezes lhe condiciona uma entrevista de emprego, misturando-se a análise da sua maior ou menor aptidão profissional com o preconceito social, saindo assim gorado quaisquer propósitos de ressocialização (artigo 40.º do CP).
17. A interpretação feita do mencionado 13.º, n.º 2 da Lei de Identificação Criminal, quando feita no sentido de que, ao se estipular que "no caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma", se pretende abranger a impossibilidade de não transcrição de uma decisão enquanto não findar igualmente o decurso de prazo de proibições (impostas a título de pena acessória) é inconstitucional, na senda da argumentação do mais recente acórdão do TC de 2 de Julho de 2018 por violação em primeira linha dos artigos 18.º, n.º 2 e 47.º, n.º 1, mas igualmente dos artigos 29.º, n.º 3 e 30.º, n.º 4, todos da crp.
18. Ainda que tal acórdão, que declara inconstitucional com força obrigatória geral a norma constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, por violação do n.º 1 do artigo 47.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da CRP não tenha sido ainda publicado (o que pode vir a ocorrer na pendência do presente recurso) o recorrente desde já expressa que mantém interesse no recurso, pois que poderá vir a mudar para profissão regulada por normas sobre onde não tenha recaído tal juízo de inconstitucionalidade.
19. Foram portanto violados com a decisão em apreço os artigos 13.º, n.º 2 da Lei de identificação Criminal, o artigo 40.º do CP, e os artigos 18.º, n.º 2 e 47.º, n.º 1, 29.º, n.º 3 e 30.º, n.º 4, todos da crp.
Nestes termos e noutros melhores de Direito que acorrerão a V/Exas, deve o presente recurso ser recebido e em consequência deverá revogar-se a decisão sub judice, substituindo-a por outra que ordene a não transcrição da condenação em pena de prisão suspensa e respectiva pena acessória, irrogadas ao arguido.»
*
O recurso foi admitido por despacho de 7 de setembro de 2018.
*
O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta ao recurso, a qual finalizou no sentido da improcedência do mesmo.
O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer (que consta a fls. 86 a 90), pronunciando-se pela procedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada tendo o recorrente acrescentado.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
***
II – Fundamentação:
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja possível conhecer.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a questão a dirimir restringe-se a saber se estão reunidos os pressupostos legais para que a requerida não transcrição da condenação sofrida pelo arguido seja concedida.
Defende o recorrente que, ao invés do entendimento vertido no despacho recorrido a pena acessória irrogada na decisão condenatória, não configura uma interdição pelo que não é aplicável, no caso vertente, o disposto no artigo 13º, nº 2 da Lei nº 37/2015 de 5 de maio. Invoca, ainda, a inconstitucionalidade desta norma na interpretação que é feita no despacho recorrido, por violação dos artigos 18º, nº 2, 47º., nº 1, 29º, nº 3 e 30º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Cumpre apreciar e decidir.
Analisemos, antes de mais, se à situação sob escrutínio é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 13º da Lei nº 37/2015 como se conclui no despacho recorrido.
Sob a epígrafe “Decisões de não transcrição” preceituao artigo 13.º da citada Lei: 1– Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º 2– No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma. 3– O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.”
Esta possibilidade concedida pela lei da não transcrição da sentença em certificado do registo criminal requerido por particular tem como escopo evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade significativa e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode acarretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego.
No despacho recorrido considerou-se, porém, que tendo o arguido sido condenado numa pena acessória e configurando a mesma uma interdição a que se alude no nº 2 do artigo 13º, o disposto no nº 1 do preceito apenas poderia operar-se findo o prazo da pena acessória irrogada na decisão condenatória.
Contudo não se nos afigura, tal como bem expende o Digno Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer e em concordância com o recorrente, que o conceito de «interdição» constante do preceito legal tenha o mesmo conteúdo e alcance que o conceito de «proibição» aludido no artigo 69º B, nº 2, do Código Penal nos termos do qual foi o arguido condenado na pena acessória.
Admitindo o nosso sistema penal penas e medidas de segurança, temos que quanto a estas últimas, quando não privativas de liberdade, correspondem as «interdições», enquanto que as «proibições» correspondem a penas acessórias.
No caso ora em análise, o arguido foi condenado, para além da pena principal a uma pena acessória e não a uma qualquer medida de segurança. Daí que, não poderá considerar-se, como fez o tribunal recorrido, que face à pena acessória aplicada ao arguido se está perante uma interdição a que alude o nº 2 do citado artigo 13º.
Reproduzimos, a propósito, os argumentos doutamente expendidos no douto parecer, os quais subscrevemos «sem que sejam substancialmente diversos os fins que as penas e as medidas de segurança procuram satisfazer, ou seja, finalidades de prevenção, diferentes são os pressupostos de que depende a sua aplicação e os respetivos limites.
Desde logo, no que à medida de segurança concerne é fundamento sine qua non da mesma que a perigosidade do agente demonstrada na prática de facto ilícito grave, continue a existir no futuro, pois como estabelece o art.s 40.º n.º 3 do C. Penal a sua aplicação depende sempre da gravidade do facto e da perigosidade do agente.
Já as penas, principal e acessória, têm como pressuposto e limite a culpa do agente pelo cometimento do facto.
No que à pena acessória concerne sempre se dirá que tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação.
Daí que a determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no artigo 71º do Código Penal com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.
Propendemos considerar, como faz o recorrente que o legislador ao utilizar a expressão «interdição» se refere à mesma enquanto medida de segurança - interdição de exercício de actividade, ou outra - enquanto a «proibição» respeita a pena acessória.
Veja-se, por exemplo, o disposto no artigo 2º, nº 4, da Lei nº 113/2009, de 17/09, que estabelece medidas de proteção de menores, em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, e procede à segunda alteração à lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, nos termos do qual: «o certificado requerido por particulares para os fins previstos nos n.ºs 1 e 2 tem a menção de que se destina a situação de exercício de funções que envolvam contacto regular com menores e deve conter, para além da informação prevista nos n.ºs 5 a 8 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio: a) As condenações por crime previsto nos artigos 152.º, 152.º-A ou no capítulo V do título I do livro /I do Código Penal; b) As decisões que apliquem penas acessórias nos termos do n.º 1 do artigo 69.º-B, do artigo 69.º-C e do artigo 152.º do Código Penal, ou medidas de segurança que interditem a actividade», numa clara indicação de que a interdição é uma medida de segurança.
E bem se compreende que o legislador, no nº 2, do artigo 13º, da lei 37/2015, faça depender do decurso do prazo da medida de segurança, e já não do decurso do prazo da pena acessória, a decisão de não transcrição da sentença.
É que em causa está apenas a perigosidade do agente, ou seja, enquanto se mantiver a perigosidade deste não se mostram preenchidos os pressupostos, ao menos o pressuposto material da não transcrição.
Na verdade, são pressupostos da não transcrição: (i) a condenação de pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; (ii) não ter o arguido sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza (pressupostos formais); (iii) sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes (pressuposto material).
Assim sendo, já se vê que, enquanto não decorrer o prazo da medida de segurança não é possível formular o juízo de prognose de que não se verifica o perigo de prática de novos crimes.
Pois se foi a prática de tais factos, e a sua gravidade, que permitiu considerar que ao agente do facto ilícito, pela perigosidade demonstrada, se impunha a aplicação da medida de segurança, como concluir de forma diferente, isto é, que das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode induzir perigo da prática de novos crimes!
De forma diferente se coloca a questão quando está em causa a consideração de uma pena acessória.
Desde logo porque, repete-se, esta tem como pressuposto e limite a culpa do agente pelo cometimento do facto.
Ora, se o legislador não considera que a não transcrição da pena principal, também ela tendo como pressuposto e limite a culpa do agente, só pode ocorrer depois do respetivo cumprimento, não se vislumbra razão para que relativamente à pena acessória tal exigência de cumprimento deva acontecer.».
Acresce, ainda, salientar que o douto acórdão convocado no despacho recorrido para indeferir a pretensão do requerente, de forma alguma traduz o pensamento extraído pelo tribunal a quo. Da simples leitura daquele douto aresto claramente se extrai não se debruçar o mesmo sobre a questão ora em análise, tanto mais que o arguido tão pouco havia sido condenado em pena acessória. O que ressalta no referido acórdão é o entendimento da aplicabilidade do nº 1 do artigo 13º da Lei de Identificação Criminal, desde que verificados os pressupostos formais e materiais sendo estes últimos que, naquela situação concreta, se não verificaram.
Como assim, na ausência do argumento legal a que o tribunal a quo se socorreu para indeferir o requerimento apresentado pelo arguido, impõe-se, então, aquilatar da verificação dos requisitos para a sua almejada pretensão.
Vejamos.
Da interpretação conjugada dos artigos 2º, 4º e 13º da Lei n.º 113/2009, alterada pela Lei nº 37/2015, com especial destaque ao nº 6 do artigo 4º, afigura-se-nos ter o legislador, em harmonia com o artigo 5º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, querido afastar a possibilidade de não transcrição da condenação por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual nos certificados destinados a recrutamento e, posteriormente, a aferição anual da idoneidade para o exercício de profissões, funções, empregos e atividades cujo exercício envolva contacto regular com menores.
Quer isto significar que relativamente a estes específicos crimes (bem como outros elencados na norma legal, que ora não importam analisar) e para os certificados destinados ao início ou ao prosseguimento do exercício de atividades que envolvam o contacto regular com menores, não é aplicável o n.º1 do artigo 13º da Lei n.º 37/2015. Nestes casos, não pode ser concedida a não transcrição enquanto não tiverem sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada, sendo tal decisão da competência do Tribunal de Execução das Penas.
Ora, a pretensão do recorrente cinge-se à não transcrição da condenação sofrida no certificado do registo criminal para o exercício da atividade de vigilância privada. Tal atividade, não envolve, segundo cremos, um regular contacto com menores.
Assim sendo, atenta a pretensão do requerente, entendemos que a não transcrição da decisão condenatória no certificado do registo criminal nos termos pretendidos pelo arguido, não se insere na previsão dos artigos 2º e 4º da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei 37/2015, de 5 de maio.
Analisemos então se estão reunidos os pressupostos formais e materiais exigidos no artigo 13º nº 1 da Lei 37/2015, para deferimento da pretensão do arguido.
Do teor do acórdão certificado nos autos resulta provada, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:
«1. C…, nascido a 25/07/2001, era à data dos factos utilizador da rede social Facebook e mantinha o seu perfil naquela rede social com o nome de C1….
2. O Arguido também era utilizador da rede social Facebook e mantinha à data dos factos adiante descritos o seu perfil naquela rede social com o nome de B1… (prs), mantendo igualmente um perfil na mesma rede social com o nome B2….
3. O Arguido apresentava-se como fotógrafo com conhecimento de diversos meios informáticos para tratamento de imagens fotográficas, capaz de promover os menores nas redes sociais, interagindo com eles.
4. Desde data não concretamente apurada do ano de 2016, anterior a 01/03/2016, C… manteve conversações no chat do Facebook com o Arguido.
5. Após ter conseguido ganhar a confiança de C…, no dia 08/03/2016 o Arguido dirigiu ao C… uma mensagem com o seguinte teor: tem que idade?, ao que o C… respondeu 14, seguindo a conversação do seguinte modo:
6. Arguido: E já bates? Tas a gozar ... C…: Tu bates?? Oh pa não sei daqui mas Yh bato Arguido: não confias em mim? C…: Ya mano bato ( .. .) Arguido: Ooh vou te fazer outra pergunta, N leves a mal, Mas já tens pelos na pila? C…: Diz-me Yh bués tp Arguido: Serio? Eu acho que aos 14 n tinha C…: Ai eu Tenho e bués fg Arguido: Tas a gozar comigo C…: Não tou mano juro Arguido: Tabem então ... C…: Não acreditas? Arguido: Não desculpa C…: FdJ ate te mandava foto Arguido: Yah ... mas para isso precisas confiar em mim C…: Eu confio mano Arguido: Yah Manda então Arguido: Não se percebe Tira de frente (. . .) De frente assim não se ve mano Então mano? Fds bues Não rapad isso? C…: Bues ne? Arguido: Yaah Nao cortas? C…: As vezes mas dps cresce Arguido: Yah Olha nas primeiras estavas com tesao neh? C…: Não muita Arguido: Não? Tipo nas primeiras parecia que tinhas Pila grande Mas na ultima ja se ve que é pequena C…: e tu tocas? Arguido: Yah C…: E es virgem? Arguido: Não C…: Já_fizes te coiso? Arguido: Bue vezes Todas as semanas C…: E é bom?? Arguido: Muito C…: O k sentes? Arguido: Sei lá é bue bom O lha mas se quiseres arranjo gajas para fuderes C…: Não tenho idade para isso Mas quem mano Arguido: Tipo isto nao sai daqui C…: Não mano claro k não Arguido: Mas eu tenho umas amigas e já fazemos umas festas às vezes E vai muitos amigos meus da tua idade C…: Sim? Arguido: Yah E eu tenho casa em aveiro se quiseres C…: Mas com quem? São gostosas? Arguido: Yah mano yah C…: Mas tens aí fotos? Arguido: Mas para primeira vez nao precisas de muito (. . .) Nao podemos C…: Atao precisas de k?? Arguido: Tipo ninguem sabe os nomes de ninguém (. . .) Nem fb nem nada ( ... ) Eufalo por tele C…: Mas são assim boas?? Arguido: Eu explico-te .. tipo para entram numa festa dessas de sexo tens de fazer um video a bater uma .. yah é fudido (...) mas é a regra para eu entrar fiz o mesmo .. e depois (...) marcamos o dia e pronto, mas não podemos falar de nomes nem nada C…: Eu tenho se quiseres Arguido: Eu ja la meti bue amigos meus Da tua idade (...) Tens o que? C…: E eles fizeram?? Esses vídeos Arguido: Fizeram .. e agora vao a bués (...) Tens? A serio? (...) Queres mandar e vens comigo la a uma festa? C…: Ganda rena Yh tenho Arguido: Queres? C…: Se poder mas tp é k a nha mae é ganda galinha Arguido: Na boa, é um dia que fores ao fórum (...) Tranquilo (...) Olha manda vídeo então Não esta a dar C…: Eish a sério?? Amanha gravo outro e mando Arguido: Ooh nao mano tenho de mandar hoje Tenho outro para mandar C…: Manda mano (...) Amanha vejo k vou dormir Arguido: Eu tenho de enviar hoje (...) Bates agora (...) Yah?
7. Nos dias 09, 10 e 11/03/2016 o Arguido e o C… continuaram a trocar mensagens através das quais o Arguido insistia com o C… para que este gravasse um vídeo enquanto se masturbava e lhe enviasse esse vídeo que posteriormente o Arguido exibiria a raparigas, alegando que dessa forma o C… poderia entrar numa festa com raparigas e praticar actos sexuais com elas.
8. No dia 12/03/2016 o C… acabou por se filmar a masturbar-se e de seguida remeteu via messenger do Facebook o respectivo vídeo ao Arguido, que este visualizou, tecendo os seguintes comentários:
9. Arguido: haha mas bates bue rápido; não pode ser mano e deitas pouca coisa, tens de aguentar mais porque se não as gajas n tem prazer! É pena no fim não se ver esporraa mas esta muito muito melhor. (...) Olha sabes o que é que uma das gajas que avalia os vídeos disse? Que não pareces ter 14 anos, yah ela achou a tua pila bem grande para a idade hahah.
10. Nos dias 12 e 13/03/2016 o Arguido remeteu várias mensagens ao C…, de cariz sexual, tais como: “chupamos, quando estivermos juntos levas com ele, .só se me chupares, era fixe se me chupasses, queria uma selfie a tomares banho, vem me chupar C2…, so se chupares, vem chupar agora, remetendo ao C… uma foto retratando um pénis.
11. No dia 28/03/2016, o Arguido por mensagem convidou o C… para um encontro em … com vista a tirarem fotografias juntos, referindo, inclusive, sem roupa e remetendo os seguintes comentários: olha e chupares?, por mim todo nu, queri ver o pilao, e tu chupas, anda la ninguém tem de saber, e chupas?
(…)
19. Foi efectuado acesso ao perfil de "facebook" https://www.facebook.com/B3…. concretamente à conversação mantida com C…, por intermédio do Tablet referido, tendo sido visualizados dois (2) vídeos de um indivíduo do sexo masculino a masturbar-se.
20. O Arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser toda a sua conduta proibida e punida por lei penal.
21. Agiu com o propósito consumado de levar C… a fotografar o seu próprio órgão sexual e a filmar-se a ele próprio a masturbar-se e a remeter-lhe por internet os respectivos ficheiros contendo essas imagens e filmes, com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos, alegando falsamente que esses vídeos se destinavam a ser visualizados por raparigas predispostas a terem sexo com C….
22. Sabia que o C… era menor e que à data dos factos tinha 14 anos de idade bem sabendo que dessa forma punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade do mesmo na esfera sexual.
23. O Arguido possui o 11º ano de escolaridade; não tem filhos; vive com a Mãe e Irmão; e não tem antecedentes criminais.
24. Do seu relatório social consta o seguinte: "I - Condições pessoais e sociais B… foi adotado e é o primeiro de dois descendentes que os pais têm em comum (o arguido tem 20 anos e o irmão 17 anos). Foi acolhido com poucos meses de idade em instituição, onde a mãe dava apoio eventual. Os contactos e relacionamento próximo favoreceram as condições para um acolhimento e depois para um vínculo adotivo, aos 2 anos de idade, num percurso que se desenrolou de modo natural e contou com o apoio dos familiares e do casal adotante. O casal viria a decidir ter mais um filho e no caso biológico. O ambiente familiar de criação do arguido é descrito como normativo e protetor. Os avós maternos têm forte ligação afetiva ao neto e importância no acompanhamento, em articulação estreita com os pais, para responder as necessidades educativas e ocupações, existindo cooperarão de todos nas rotinas do quotidiano. O percurso de crescimento do arguido é descrito como saudável. Apresentou algumas dificuldades por ser mais ativo, por ser uma criança de percentil de crescimento acima dos valores definidos para a idade, tendo segundo a mãe sido avaliado no hospital pediátrico, e sinalizados deficits de atenção e acompanhado no âmbito durante algum tempo. O arguido iniciou a escola em idade normativa, em …, localidade onde se registou o seu processo de socialização e formação. Concluiu o 9º ano de escolaridade no Instituto em …, no percurso perdeu um ano, sendo um aluno mediano. Prosseguiu os estudos em curso profissional de técnico de informático, com duração de 3 anos, com a equivalência ao 12° ano de escolaridade na Escola Secundária … em Coimbra, faltando-lhe fazer exame de avaliação a dois módulos. A frequência nesta escola é descrita como tendo tido dificuldades ao nível da relação com alguns pares e uma docente. O último ano da frequência agravou-se o desconforto por parte do arguido. Deixou a frequência escolar pelos 19 anos e falta-lhe fazer exame de avaliação a dois módulos, mantendo expectativas de prosseguir os estudos. Além da formação escolar tirou vários cursos de fotografia na D…, a licença de fotógrafo e trabalhou como freelancer no bar "E…" em Coimbra e em ventos para a D…. O arguido desde sempre teve ligação a atividades culturais, desportivas e religiosas, sozinho ou com os pais, no rancho folclórico, no escutismo, na igreja católica e no desporto em … as ou próximo. O arguido praticou andebol, natação e rugby. Jogou federado no rugby da I…, desde os 13 até ao surgir da presente situação jurídica e acompanhava e a acompanha a mãe em associação de voluntariado a sem-abrigo, bem como ajudava no clube da localidade de residência (…) na prepararão física dos escalões de jovens. B… teve experiências de trabalho, positivamente avaliadas nas férias da escola, desde os 16 anos (tarefas na agricultura e nas limpezas), como fotografo freelancer pelos 18 anos e como vendedor numa empresa de marketing "G..." aos 19 anos, durante 6meses. O rendimento que obtinha geria-os em benefício próprio e outras necessidades eram suportadas pela família. O relacionamento com os familiares é descrito como harmonioso. Os pais separaram-se há cerca de dois anos, por mútuo acordo, mas mantêm uma boa comunicarão no respeitante à educação e apoio aos filhos. A relação entre irmãos é também descrita como sendo boa. Ao nível afetivo o arguido menciona um relacionamento de proximidade e intimidade emocional com uma jovem de idade próxima à sua, dos 17 anos 19 anos mas que não evoluiu por entendimento mutuo. Mantem sociabilidade/ convívio com jovens da sua faixa etária e menciona uma orientação afetiva e de matriz heterossexual. A data dos fatos o arguido vivia com a mãe (44 anos) e o irmão (estudante 11 anos), numa moradia de tipo 3, situada na localidade …, reunindo boas condições de habitabilidade, residência que manteve em OPHVE e mantém na atualidade. A família é ali residente desde há cerca 8 anos e a habitação foi construída pelo pais e mantém proximidade com a habitação dos avós maternos. A mãe é enfermeira, aufere cerca de 1200 euros de rendimento mensal, do emprego e de um part-time. O pai trabalha nos últimos anos como motorista na empresa de serviços funerários – H… e dá 250 euros para despesas com o agregado e ajuda noutras necessidades que surgem com os filhos. O agregado tem como principais despesas o empréstimo com a habitação no valor de 350 euros e os custos alimentares, de vestuário e educarão. O arguido vinha conseguindo rendimentos próprios do trabalho que geria em função das suas necessidades. A situação económica é descrita como sendo estável e compatível com as necessidades do agregado. A situação jurídica do arguido causou forte impacto nos familiares e na comunidade, mas não impeditiva da sua permanência com meios de vigilância eletrónica, sem relatos de incidentes. O arguido e família assumiram uma postura de recato, mantendo o arguido o acompanhamento da família e os contactos na comunidade distanciados. Face à premente situação jurídica o arguido manifesta preocupação, pelos constrangimentos causados à sua família, à comunidade e ao próprio. Face às atitudes ilícitas de idêntica natureza às referenciadas no presente processo, o arguido manifesta desaprovação, reconhecendo a ilicitude e crítica das mesmas, manifestando adesão a eventual acompanhamento médico específico. No seu percurso não há anteriores contactos com o sistema de Justiça penal. No meio onde reside é conhecida a presente situarão jurídica e causou surpresa nos que se relacionavam mais proximamente com o arguido, dado que se apresentava adequado, disponível e inserido em atividades do seu meio. Na atual idade não há sinais manifestos de rejeição à sua presença mas não voltou a ter inclusão em atividades recreativas/ desportivas na área de residência.»
Como já referimos, os pressupostos exigidos para a não transcrição são os seguintes: 1) a condenação de pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; 2) não ter o arguido sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; 3) sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
Ora, tendo o arguido sido condenado na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução (o que que em conformidade com o entendimento sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016, publicado no DR de 07/10/2016, tal pena integra o conceito de pena não privativa de liberdade) e não tendo o arguido sofrido qualquer condenação anterior por crime da mesma natureza, encontram-se verificados os requisitos de natureza formal.
Contudo, atenta a demais factualidade apurada e inserta na decisão condenatória, não se nos afigura verificado o pressuposto de natureza material.
Com efeito, não obstante o recorrente não apresentar antecedentes criminais e encontrar-se inserido familiar e socialmente tal não se mostra suficiente para inculcar um juízo de prognose no sentido de não se verificar a existência de perigo de cometimento de novos crimes, designadamente, de crimes de idêntica natureza daqueles pelos quais foi condenado. A contrariar esse juízo relevam as circunstâncias em que o arguido levou avante a sua conduta criminosa, designadamente a ilicitude traduzida no modo utilizado (forma como se apresentava para interagir com menores e logro relativamente a eventuais possibilidades do menor/ofendido conviver sexualmente com jovens do sexo feminino) e a persistência perante o menor para que este praticasse os atos descritos, tendo como finalidade a satisfação da sua lascívia. Acresce, ainda, não resultar dos autos ter o arguido assumido o desvalor da sua conduta criminosa, nem demonstrado qualquer sinal de arrependimento pela mesma.
Assim, perante o quadro factual descrito não é possível, como referimos, afastar a existência de perigo de prática de novos crimes de idêntica natureza.
E esta afirmação, não colide nem é incompatível com o juízo de prognose positivo que esteve subjacente à aplicação da suspensão da pena, subordinada a regime de prova.
Na verdade, uma coisa é a esperança tida como base na suspensão da execução de uma pena de prisão, de que o arguido não volte a delinquir e se possa conceder-lhe uma última oportunidade de adotar, em meio livre, uma conduta conforme ao direito. Outra, bem diferente, é a ponderação do perigo da prática de novos crimes, considerando as circunstâncias que acompanharam o crime nos termos constantes do acórdão já transitado em julgado. Não pode olvidar-se, ademais, ter sido considerada ainda como necessária, em termos preventivos, a condenação do arguido em pena acessória nos moldes impostos.
Aliás, conforme decidido no Acórdão da Relação do Porto de 5/4/2006 (embora na vigência da Lei nº 57/98 entretanto revogada) «O juízo de prognose feito a propósito da aplicação da suspensão da execução da pena não é coincidente com o que deve ser formulado para se aplicar o regime previsto no artº 17º, nº1 da Lei nº57/98, de 18 de Agosto».
Como refere o citado aresto (transpondo-se os argumentos no mesmo expendidos para a Lei de Identificação Criminal atualmente vigente), se o juízo de prognose para a suspensão da execução da pena fosse coincidente com o juízo que se impõe formular para efeitos de aplicação do artigo 13º da Lei nº 37/2015, poderíamos concluir que sempre que fosse aplicada uma pena suspensa na sua execução, ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados para as finalidades a que se reportam os nºs 5 e 6 do artigo 10º da referida Lei.
Destarte, face ao exposto, embora por fundamento diverso do constante na decisão recorrida, improcede o recurso.
***
III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, B…, embora por fundamento diverso da decisão recorrida.
Custas pelo recorrente que se fixam em 3 UC’s (artigos 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
Porto, 12 de junho de 2019
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artigo 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves