TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CRÉDITOS LABORAIS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
INTERVENÇÃO PROVOCADA ACESSÓRIA
DECISÃO IRRECORRÍVEL
Sumário

I - Estabelecendo o n.º2, do art.º 285.º do CT/09 [na versão em vigor a 1 de Dez. 2013], que “O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta”, está fora de causa a existência de litisconsórcio voluntário. Embora o Autor venha reclamar créditos que em parte terão sido vencidos antes da transmissão do estabelecimento e, logo, quando a sua entidade empregadora ainda era a sociedade D…, lda, e não a ré C…, S.A., fá-lo após o decurso do prazo de um ano após a data da transmissão, ou seja, quando aquela transmitente não é já responsável solidária pelos alegados créditos vencidos até 1 de Dezembro de 2013.
II - Assim sendo, não se verificam os pressupostos necessários estabelecidos no n.º 3, al. a), do art.º 316.º do CPC, para que seja admissível o chamamento por iniciativa da Ré daquela sociedade.
III - O actual n.º2, do art.º 322.º, CPC, trouxe uma alteração significativa em relação à correspondente norma do pretérito CPC, isto é, o n.º 2 do art.º 331º, em concreto, prevendo expressamente que o juiz aprecia a relevância do interesse que está na base do chamamento em “decisão irrecorrível”.
IV - Por conseguinte, na parte em que é dirigida a pôr em causa o decidido pelo Tribunal a quo quanto à requerida intervenção provocada acessória, o recurso não é admissível.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 4743/18.4T8MAI-A.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia, B… instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J1, contra C…, S.A., pedindo que julgada procedente seja a R condenada a pagar-lhe o seguinte:
a) a importância de € 5.892,28, referente à integração das médias do trabalho suplementar e do subsídio de risco nos meses de férias e nos subsídios de férias dos anos de 2010 a 2016;
b) A importância de € 9.312,48, a título de pagamento dos custos de deslocação sofridos pelo A, por força da transferência do local para onde foi contratado, de … para …;
c) juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições não pagas.
Alega, no essencial, que foi admitido ao serviço da sociedade comercial D…, Lda, por força de um contrato de trabalho celebrado em 1 de Julho de 1996. Aquela sociedade dedicava-se ao transporte de mercadorias.
Em 1 de Dezembro de 2013, o estabelecimento industrial da D…, Lda, com todos os seus activos, incluindo os trabalhadores, foi transmitido para a aqui Ré, passando o autor a exercer actividade profissional remunerada por conta e sob a direcção e fiscalização desta, mantendo todos os seus direitos laborais.
Por ordem e no interesse da Ré cumpria um horário de trabalho móvel de 40 horas semanais, 8 horas diárias, distribuídas de 2.ª a 6.ª feira, e descanso fixado ao Domingo e Sábado.
Para além da retribuição base, auferia com regularidade e periodicidade mensal prestações com várias denominações dadas pela Ré, mas para pagamento de trabalho suplementar. Assim, tinha direito a que a média desses pagamentos integrasse a retribuição de férias e o subsídio de férias dos anos de 2007 a 2016, nos valores que indica, perfazendo 4.210,76 €.
O mesmo ocorre com o subsídio de risco que lhe era pago mensalmente, pelas mesmas razões sendo-lhe devido, no período entre 2007 e 2015, o total de 1.681,57 €.
A Ré, a partir de 1 de Janeiro de 2014, alterou unilateralmente o seu local de trabalho, para uma distância de 17,4 KM, implicando maior deslocação e custos que antes não tinha, com 29 km diários percorridos em viatura própria, demorando 40 minutos.
Com base num cálculo de 0,36 cêntimos por Km percorrido diariamente, alega ter direito a 9.312,48 €.
Realizou-se audiência de partes, mas sem que se tenha alcançado a conciliação entre A. e Ré, pelo que foi ordenada a notificação desta para contestar.
A Ré apresentou contestação, na qual deduziu incidente de intervenção “na modalidade de intervenção principal provocada” relativamente à sociedade D…, invocando os artigos. 316.º, n.º 3, al. a) e 317.º do CPC. Para o caso de se entender que não pode ter lugar a intervenção principal da sociedade referida, pede subsidiariamente a sua intervenção acessória, nos termos do art. 321.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Para sustentar o requerido, alega, no essencial, que uma parte importante do pedido é fundamentada pelo Autor a título de alegadas retribuições em falta – pagamento de trabalho suplementar e subsídio de risco nas férias e subsídio de férias, alegados créditos que se terão vencido desde 2007 até 2017. Até Novembro de 2013, o Autor foi trabalhador da sociedade D…, Lda., mas não a demanda na presente ação, sociedade que existe e mantem atividade.
Assim, relativamente aos alegados créditos que se terão vencido antes de 12.11.2013, a responsabilidade pelo seu pagamento seria, prima facie, da sociedade D…, Lda. Parte dos factos dizem respeito à relação que existiu entre a referida sociedade e o Autor.
Pode admitir-se também que, se tais créditos alegados pelo Autor existissem, a aqui Ré poderia ser responsável solidária pelo seu pagamento, atento o disposto na lei. Mas, pelo menos nas relações internas existentes entre a Ré e a D…, Lda., sempre a aqui Ré teria direito de regresso sobre a D…, Lda. – quer por efeito da lei, quer por efeito do clausulado entre ambas no contrato de transmissão das participações sociais desta sociedade, celebrado em 31.12.2013.
Acresce que, nos termos do referido contrato, a sociedade D…, Lda. garantiu que nenhum dos trabalhadores transferidos para os quadros da Ré era credor da sua entidade patronal de qualquer crédito ou direito vencido que resulte da relação laboral e assumiu qualquer obrigação de pagamento de qualquer indemnização de que os trabalhadores viessem a ser credores em virtude da alteração à relação laboral resultante da transmissão do estabelecimento comercial para a C…, S.A. e alteração do local de trabalho.
Assim, a D…, S.A tem interesse em contradizer a pretensão do Autor e é parte legítima na presente ação, relativamente a todas as questões alegadas. Por seu lado, a aqui Ré tem interesse atendível em chamar à presente ação a D…, S.A., quer para que esta possa contradizer os factos que a ela dizem respeito, quer para que se forme caso julgado relativamente a si, para produzir efeitos nas relações internas decorrentes da responsabilidade solidária que pudesse existir.
O autor respondeu, opondo-se à Intervenção com fundamento no regime previsto para as situações em que, como no caso vertente, ocorre transmissão do estabelecimento, defendendo que de acordo com o disposto no art. 285º, do CT, é o adquirente o responsável pelo pagamento.
I.2 Concluída a fase dos articulados o Tribunal a quo procedeu ao saneamento dos autos, nesse âmbito passando a decidir o incidente, constando da decisão, no que aqui releva, o seguinte:
«[..]
Cumpre apreciar.
Que teve lugar negócio jurídico entre a ré e a sociedade “D…, S.A.” não há dúvidas, não se mostrando sequer tal questão controvertida.
Nessa medida, importa analisar o único suporte documental junto aos autos a fls. 124/126 alusivo a tal negócio do qual resulta da sua cláusula 1º, considerando 7), que “A sociedade C…, S.A. tem no seu quadro de pessoal os trabalhadores constantes da listagem anexa, trabalhadores esses que foram transferidos por transmissão do negócio de transportes da primeira outorgante, com os respectivos direitos e deveres laborais”, sendo que a primeira outorgante é a aqui “chamada”.
Por seu turno, as cláusulas “Quinta” e o seu n.º 2 (fls. 125-v.º e fls. 126) reportam-se à necessária autorização dos trabalhadores para a transmissão, ao passo que a cláusula “Sexta” estipula que “A primeira outorgante obriga-se a pagar à sexta outorgante o montante dos direitos dos trabalhadores que se vencerem no dia 1 de Janeiro de 2014 (…)”, sendo que a sexta outorgante é a ré.
Do exposto, embora não se alcance a total amplitude dos termos e condições do negócio propriamente dito (o que poderá vir a ocorrer após produção de prova no julgamento para efeitos de apreciação dos pedidos formulados), até porque apenas foi junto parte do contrato celebrado, afigura-se incontornável que pelo contrato celebrado em 31 de Dezembro de 2013, se deu a transmissão do negócio de transportes da sociedade “D…” para a sociedade ré na qual foram inequivocamente abrangidos (pelo menos) os trabalhadores, aludindo-se expressamente à manutenção dos direitos e deveres laborais dos mesmos, para o que terão sido colhidas as legais autorizações por parte dos visados.
Tanto basta para que se conclua que, o autor, a partir da indicada data, isto é, Novembro de 2013, passou a exercer as suas funções ao serviço da ré, como seu trabalhador subordinado.
Ora, no caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, o contrato de trabalho não se extingue, antes registará uma modificação de carácter subjectivo, uma mudança de empregador, sendo o transmitente substituído pelo adquirente na titularidade dos contratos de trabalho – assim, João Leal Amado in “Contrato de Trabalho”, 2009, Coimbra Editora, pág. 194.
É nesta premissa e nas restantes que presidem à regulamentação deste regime e que aqui não carecem de tratamento, que o art. 285º do CT postula a responsabilidade da posição recém-adquirida pelo transmissário que assim se vê indigitado na posição de empregador e, nessa medida, de responsável pelos direitos e obrigações subjacentes á relação laboral, excepção feita à situação prevista no n.º 2 do referido preceito em que ocorre responsabilidade solidária do transmitente em relação a obrigações já vencidas até á data da transmissão – como no caso sub judicie – mas apenas no decurso do ano subsequente à mesma.
Ora, é o próprio contrato junto a fls. 124 e ss. que alude a transmissão do negócio de transportes, pelo que na qualidade de adquirente é sobre a ré, e não outrem, que incide a obrigação de pagamento; acresce já ter decorrido mais de 1 ano sobre o negócio celebrado em 31.12.2013 para que se pudesse lançar mão do disposto no n.º 2.
De outra sorte, qualquer vicissitude decorrente do eventual direito de regresso entre os contraentes, assume dimensão meramente interna devendo reger-se, além do mais, pelas cláusulas previstas a fls. 126, todavia, não cabendo a sua apreciação nos presentes autos; pelo que a intervenção acessória também não assume qualquer pertinência em ordem ao seu deferimento.
Não se encontram assim reunidos os requisitos a que se alude nos arts. 27º e 29º do CPT nem na cláusula 68ª do CCT previsto para o sector no BTE n.º 9 de 08.03.1980.
Do exposto, decorre a falta de interesse na demanda por parte da sociedade “D…”.
Logo, atento o disposto nos artigos 316º, n.º 3, al. b), 318º, n.º 1, al. c) e 312º, do Código de Processo Civil, “à contrário”, não são admissíveis as requeridas intervenções principal ou acessória.
Com fundamento no atrás exposto, indefiro a requerida intervenção principal e acessória de “D…, S.A.”, melhor id. nos autos.
Custas do incidente pela ré – art. 7º, n.º 4, do RCP.
Notifique.».
I.3 Inconformada com esta decisão, a Ré veio interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeitos adequados, apresentando alegações finalizadas com conclusões, conforme se passam a transcrever:
I. O fundamento específico de recorribilidade aqui aplicável é a admissibilidade de apelação prevista nos termos do art. 79.º-A, n.º 2, al. d), do Código do Processo de Trabalho, pois, recorre-se de despacho profere decisão quanto a incidente de intervenção de terceiros, pondo termo ao mesmo, sendo a ação de valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância e o decaimento da Recorrente superior a metade do referido valor.
II. A Ré requereu a intervenção principal (e subsidiariamente, acessória), de D…, S.A., porque o Autor peticiona o pagamento de alegados créditos laborais, em parte, vencidos e relativos ao período em que a relação jurídica laboral controvertida era entre Autor e D…, Lda. (entretanto transformada em sociedade anónima); requerimento ao qual o Autor não se opôs, nem cujos factos impugnou.
III. O tribunal de primeira instância entende que: a) o eventual direito de regresso de origem contratual da Ré não é relevante no sentido da intervenção provocada do condevedor; e b) a aplicação das normas de direito processual comum do CPC depende da prévia aplicabilidade ao caso concreto dos arts. 27.º, n.º 1, e 29.º do Código do Processo do Trabalho e da cláusula 68.ª do CCT aplicável ao setor – fundamentos com os quais indeferiu a intervenção de terceiros requerida pela Ré.
IV. O regime jurídico da intervenção de terceiros previsto no CPC não estabelece qualquer distinção entre a origem – legal ou contratual – do direito de regresso que fundamento o pedido de intervenção provocada – vd. art. 317.º do CPC.
V. O processo do trabalho é um direito especial em relação ao processo civil, pelo que as respetivas normas devem ser vistas como adaptações do regime geral às especificidades das relações jurídicas laborais.
VI. As normas dos nos arts. 27.º, n.º 1, e 29.º do Código do Processo e da cláusula 68.ª do CCT aplicável ao setor do Trabalho não têm por objetivo nem efeito excluir, tout court, o regime geral de intervenção de terceiros previsto no direito processual civil.
VII. O requerimento de intervenção de terceiros apresentado pela Ré deve ser apreciado à luz, não só das normas do Código do Processo do Trabalho, mas também do regime geral do Código do Processo Civil.
VIII. Pelo exposto, o despacho recorrido violou o art. 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo do Trabalho, bem como os arts. 292.º, 316.º, n.º 3, al. a), 317.º e 321.º do Código do Processo Civil.
IX. A intervenção de terceiros requerida pela atual empregadora, por ter interesse atendível no chamamento e para fazer valer direito de regresso sobre uma anterior empregadora, deve ser admitida no âmbito do processo do trabalho, nos mesmos termos em que o é no processo civil, atentas as normas supra identificadas.
X. Consequentemente, deve tal requerimento ser deferido.
Termos em que se requer que seja dado integral provimento ao recurso ora interposto e consequentemente seja revogado o douto despacho saneador proferido, na parte em que decide do requerimento de intervenção de terceiro, devendo o mesmo ser substituído por outro que defira a intervenção de terceiro e, consequentemente, ordene a citação de D…, S.A..
I.4 O Recorrido autor não apresentou contra-alegações.
I.5 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Cumpriram-se os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento ao indeferir a requerida intervenção principal, ou subsidiariamente, acessória, da sociedade D…, S.A.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação e decisão do recurso são exclusivamente os que constam do relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a requerida intervenção principal, ou subsidiariamente, acessória, da sociedade D…, S.A.
Começaremos por identificar os fundamentos que sustentam o recurso.
Alega a recorrente que requereu a intervenção principal e, subsidiariamente, acessória, porque o Autor peticiona o pagamento de alegados créditos laborais, em parte, vencidos e relativos ao período em que a relação jurídica laboral controvertida era entre Autor e D…, Lda
Diz que o Tribunal a quo indeferiu o requerido com os fundamentos seguintes:
i) O eventual direito de regresso de origem contratual da Ré não é relevante no sentido da intervenção provocada do condevedor;
ii) A aplicação das normas de direito processual comum do CPC depende da prévia aplicabilidade ao caso concreto dos arts. 27.º, n.º 1, e 29.º do Código do Processo do Trabalho e da cláusula 68.ª do CCT aplicável ao setor.
E, contrapõe, no essencial, o seguinte:
- O regime jurídico da intervenção de terceiros previsto no CPC não estabelece qualquer distinção entre a origem – legal ou contratual – do direito de regresso que fundamenta o pedido de intervenção provocada;
- As normas dos nos arts. 27.º, n.º 1, e 29.º do Código do Processo e da cláusula 68.ª do CCT aplicável ao setor do Trabalho não têm por objetivo nem efeito excluir, tout court, o regime geral de intervenção de terceiros previsto no direito processual civil.
- O despacho recorrido violou o art. 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo do Trabalho, bem como os arts. 292.º, 316.º, n.º 3, al. a), 317.º e 321.º do Código do Processo Civil.
Conclui, defendendo que “[A] intervenção de terceiros requerida pela atual empregadora, por ter interesse atendível no chamamento e para fazer valer direito de regresso sobre uma anterior empregadora, deve ser admitida no âmbito do processo do trabalho, nos mesmos termos em que o é no processo civil, atentas as normas supra identificadas”, para pedir a revogação do despacho recorrido “devendo o mesmo ser substituído por outro que defira a intervenção de terceiro e, consequentemente, ordene a citação de D…, S.A.”.
Vejamos então,
Como primeira nota, impõe-se assinalar que embora ponha em causa a decisão no seu todo, ou seja, ao indeferir a intervenção da sociedade D…, Lda, quer a título principal quer acessória - esta requerida subsidiariamente-, o recorrente não destrinça a argumentação que dirige a uma e à outra parte da decisão.
Prosseguindo.
O art.º 260.º do CPC, consagra princípio da estabilidade da instância, dele decorrendo que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Assim, como regra, a pluralidade das partes é inicial, constituída no momento da propositura da acção.
Como se sabe, essa regra comporta excepções, entre elas, no que aqui interessa, pela intervenção de terceiros [art.º 262.º al. b), do CPC], efectuada através dos incidentes processuais regulados no art.º 311.º e ss do CPC, começando esta norma por dispor o seguinte:
-“Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º”.
No que respeita à intervenção principal provocada, quando o chamamento é deduzido por iniciativa do réu, que é o que está aqui em causa, dispõe o art.º 316.º n.º3, al. a):
[3] O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material.
Importa, pois, atender no disposto no artigo 32.º [Litisconsórcio voluntário], onde se dispõe o seguinte:
[1] - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
[2] - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.
No litisconsórcio voluntário ocorre uma acumulação de acções, conservando cada litigante uma relação de independência em relação aos restantes.
Do n.º 1 do art.º 32.ª, resulta, como princípio, que sendo a relação jurídica material controvertida constituída por uma pluralidade de sujeitos do lado activo e por um ou vários sujeitos do lado passivo, ou por uma pluralidade de sujeitos do lado passivo e por um ou vários sujeitos do lado activo, porque o normal é que a acção seja intentada por todos ou contra todos os interessados, a lei não impõe o litisconsórcio, mas com a restrição de o Tribunal, ainda que o pedido abranja a totalidade do interesse ou da responsabilidade apenas conhecer da quota-parte do direito no confronto do demandante e do demandado. E, do n.º 2 do mesmo artigo ressalta a hipótese de a lei ou o negócio jurídico permitirem que o direito possa ser exercido por um só dos titulares ou a que obrigação comum possa ser exigida de um só dos devedores, caso em que a acção pode ser intentada só por um ou só por algum contra um ou algum dos interessados [Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra 1999, p. 79].
Acompanhando-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-01-2012, a intervenção principal, de um terceiro ao lado do réu, provocada por este, tem apenas a ver com a seguinte situação: esse terceiro tem um interesse igual ao do réu. Ou seja, o terceiro é, tal como o réu, sujeito da relação material controvertida tal como esta foi desenhada pelo autor, por ser co-devedor, a título principal ou subsidiário. A intervenção principal passiva só para este caso é que admitida [Proc.º 1836/10.0TVLSB-A.L1.2, Desembargador Pedro Martins, disponível em www.dgsi.pt].
No caso, o autor alega ter passado a ser trabalhador da Ré a partir de 1 de Dezembro de 2013, em virtude de transmissão do estabelecimento industrial da D…, Lda, com todos os seus activos, incluindo os trabalhadores, para aquela.
O art.º 285.º, do CT, com a epígrafe “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento”, do CT, na versão em vigor àquela data, dispunha, na parte que aqui releva, o seguinte:
-«1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, (..).
2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
Em face do disposto neste artigo, está fora de causa a existência de litisconsórcio voluntário. Embora o Autor venha reclamar créditos que em parte terão sido vencidos antes da transmissão do estabelecimento e, logo, quando a sua entidade empregadora ainda era a sociedade D…, Lda, e não a ré C…, S.A., fá-lo após o decurso do prazo de um ano após a data da transmissão, ou seja, quando aquela transmitente não é já responsável solidária pelos alegados créditos vencidos até 1 de Dezembro de 2013.
Vale isto por dizer, que o autor não tinha sequer fundamento para demandar a sociedade D…, Lda, ou seja, como se disse, não há uma situação de litisconsórcio voluntário passivo.
Assim sendo, não se verificam os pressupostos necessários estabelecidos no n.º 3, al. a), do art.º 316.º do CPC, para que seja admissível o chamamento por iniciativa da Ré daquela sociedade.
Foi este o percurso seguido pelo Tribunal a quo na primeira da fundamentação da decisão recorrida, para concluir “Ora, é o próprio contrato junto a fls. 124 e ss. que alude a transmissão do negócio de transportes, pelo que na qualidade de adquirente é sobre a ré, e não outrem, que incide a obrigação de pagamento; acresce já ter decorrido mais de 1 ano sobre o negócio celebrado em 31.12.2013 para que se pudesse lançar mão do disposto no n.º 2”.
Não assiste, pois, razão à recorrente para pôr em causa essa parte da decisão.
A segunda parte da fundamentação da decisão recorrida debruça-se sobre a intervenção acessória, quando se refere o seguinte:
-«De outra sorte, qualquer vicissitude decorrente do eventual direito de regresso entre os contraentes, assume dimensão meramente interna devendo reger-se, além do mais, pelas cláusulas previstas a fls. 126, todavia, não cabendo a sua apreciação nos presentes autos; pelo que a intervenção acessória também não assume qualquer pertinência em ordem ao seu deferimento».
A intervenção provocada acessória é regulada nos artigos 321.º e segts, interessando-nos aqui aquele e o artigo imediatamente seguinte, estabelecendo o seguinte:
[Artigo 321.º Campo de aplicação]
1 - O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.
Artigo 322.º Dedução do chamamento
1 - O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, não pretendendo contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito, justificando o interesse que legitima o incidente.
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal.
Este incidente visa permitir a participação de um terceiro que careça de legitimidade para intervir na acção como parte principal e perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. Para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que “a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, [o juiz] se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal [n.º2, do art.º 322.º].
Mas para além disso, sendo esse o ponto fulcral a focar, o actual n.º2, do art.º 322.º, CPC, trouxe uma alteração significativa em relação à correspondente norma do pretérito CPC, isto é, o n.º 2 do art.º 331º, em concreto, prevendo expressamente que o juiz aprecia a relevância do interesse que está na base do chamamento em “decisão irrecorrível”.
Por conseguinte, como cremos que já se percebeu, na parte em que é dirigida a pôr em causa o decidido pelo Tribunal a quo quanto à requerida (subsidiariamente) intervenção provocada acessória, o recurso não é admissível.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação nos termos seguintes:
i) Julgar o recurso improcedente na parte em que é dirigido a pôr em causa o decidido pelo Tribunal a quo quanto ao chamamento por iniciativa da Ré, da sociedade D…, lda, confirmando-se a decisão recorrida.
ii) Não admitir o recurso na parte em que é dirigido a pôr em causa o decidido pelo Tribunal a quo quanto à intervenção provocada acessória da sociedade D…, lda, por nessa parte a decisão ser irrecorrível (art.º 322.º n.º2, do CPC).
Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 7 de Outubro de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira