I. A Ré, nova titular da exploração do estabelecimento de restauração em causa, não logrou conseguir beneficiar do alvará existente para o mesmo, que havia sido concedido ao anterior titular, e também não o conseguiria obter uma vez que o prédio não dispunha de licença de utilização.
II. O contrato de trespasse incidiu sobre a integralidade do estabelecimento comercial em causa mas em que a actividade comercial nele exercida, relativa à restauração, não se encontrava devidamente licenciada pelas autoridades competentes, sendo assim inválido à luz das referidas normas de licenciamento obrigatório, pelo que está ferido de nulidade, vício susceptível de ser invocado a todo o tempo, e que leva à restituição de tudo o que houver sido prestado com efeitos retroactivos, ao abrigo do disposto nos artigos, 286º, 289º, 1, e 294 do CC.
AA UNIPESSOAL, LDA, com sede na Avenida …, nº …, … direito, em …, intentou em 5 de Fevereiro de 2015 a presente acção declarativa de condenação com processo comum demandando,
BB, LDA., com sede em …, …, e CC, LDA, sociedade entretanto dissolvida e liquidada, substituída pelos seus sócios DD e EE.
Formulou o seguinte pedido: a) Se declare nulo o contrato-promessa de arrendamento celebrado entre a 1ª e a 2a Rés; b) Se declare nulo o contrato de trespasse celebrado entre a Autora e a 2a Ré; c) Se dispense a Autora do pagamento das rendas que se venceriam após 31 de Dezembro de 2014 se os contratos-promessa de arrendamento e o contrato de trespasse não fossem nulos. d) Se condene a 1ª Ré a restituir à Autora todas as rendas pagas, bem como a caução no montante de Euros 19.764,00 (dezanove mil cento e setecentos e sessenta e quatro euros), acrescida de juros, vencidos e vincendos, desde o pagamento até à devolução; e) Se condene a 2a Ré a restituir à Autora o preço do trespasse no montante de Euros 200,000,00 (duzentos mil euros), acrescido de juros vencidos e vincendos desde o pagamento até à devolução; e) Se condenem as Rés solidariamente no pagamento dos danos emergentes da sua responsabilidade civil, quer pré-contratual, quer contratual.
Para o efeito, em síntese, invocou :
A demandante é uma sociedade que tem como sócia única uma cidadã brasileira que se mudou para Portugal por lhe ter sido transmitida pelas Rés a convicção na viabilidade económica de um estabelecimento de restaurante sito na … .
No contexto das negociações com vista à aquisição desse estabelecimento, a Autora celebrou com a 1ª Ré um contrato-promessa de arrendamento e mais tarde, com a 2a Ré, um contrato de trespasse.
Nessa data a 2a Ré era uma mera detentora do imóvel, uma vez que o contrato de arrendamento que celebrara com a 1ª Ré havia sido resolvido.
A Autora, na pessoa da sua gerente, estava convencida de que o locado havia sido licenciado pela Câmara Municipal de … e que a actividade de restaurante também se encontrava licenciada, o que lhe sempre foi garantido pelas Rés. O estabelecimento foi objecto de uma fiscalização da Autoridade de Segurança Alimentar e a Autora, a fim de instruir a declaração prévia a que estava vinculada, requereu à Câmara Municipal vários elementos, vindo a ser confrontada com um despacho do departamento de administração urbanística que informava que o estabelecimento não estava licenciado. Por outro lado, enquanto se procedia à montagem do restaurante, o locado revelou diversas deficiências que impossibilitavam a sua utilização e a 2a Ré, apesar de interpelada, recusou-se a fazer obras.
O arrendamento entre as Rés é nulo por aplicação do disposto no artigo 1070º do Código Civil e do artigo 5º do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto.
O contrato de trespasse é igualmente nulo por falta de legitimidade da 2a Ré e impossibilidade originária da prestação, nos termos do artigo 401º do Código Civil, sendo, bem assim, nulo por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 14° do Decreto-Lei nº 168/97 de 4 de Julho, alínea d) do artigo 2°, nºs 1 e 2 do artigo 5° do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto.
Em face do comprovado registo do encerramento da liquidação da 2a Ré foi determinada, por despacho de 5 de Março de 2015, a fls. 421, a citação dos respectivos ex-sócios, os Réus DD e EE.
Os Réus foram citados.
Contestou, em primeiro lugar, a 1ª Ré – fls. 423 verso e ss - que se defende por impugnação, reconhecendo, todavia, que o imóvel de que é proprietária não dispõe de licença de utilização, invocando que esse facto era do conhecimento da Autora. Aduziu ainda que a Autora não tem legitimidade para invocar a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre as duas Rés.
Deduziu pedido reconvencional peticionando a condenação da Autora:
a) A entregar o locado, devoluto de pessoas e bens, até 31 de Maio de 2015, data em que terminará a caução prestada pela demandante.
b) A pagar-lhe a quantia de Euros 83,33 (oitenta e três euros trinta e três cêntimos) por cada dia de atraso na restituição do locado após 31 de Maio de 2015.
Contestaram, igualmente, o 2.º e 3.º Réus – fls. 460 e ss - excepcionando a incompetência do tribunal em razão do valor e a sua ilegitimidade passiva.
Impugnaram a factualidade articulada e aduziram que o estabelecimento dispunha de um alvará sanitário, o qual, em virtude das alterações legislativas, foi substituído pela declaração prévia apresentada junto da Câmara Municipal de … e da DGAE. Concluem pela absolvição da instância, ou, quando pela improcedência da acção contra si.
Replicou a Autora, contestando a reconvenção, requerendo a sua improcedência e argui a má-fé da Ré sociedade BB, LDA.-
A fls. 642 verso a Ré BB, LDA. informa que na sequência de Procedimento Especial de Despejo o imóvel em causa nos autos foi entregue à sua legal representante, em 4 de Fevereiro de 2016, requerendo, além do mais, que se considerasse a inutilidade superveniente da lide quanto à al. b) do pedido reconvencional.
Em sede de audiência prévia foi admitido liminarmente o pedido reconvencional, o processo foi saneado, identificado o objecto do litígio, foram elencados os factos assentes e enunciados o tema da prova. Foi indeferida a inutilidade superveniente parcial da reconvenção. Julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos 2° e 3° Réus.
Após audiência de julgamento foi proferida sentença com a seguinte, Decisão:
I. Declarar extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância, quanto ao pedido reconvencional de condenação da autora AA UNIPESSOAL, LDA na entrega do espaço para restaurante que faz parte do prédio urbano situado em …, …, descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de … sob o na 1…04 da freguesia da … e inscrito na matriz sob o art.5501, livre e devoluto, à ré/reconvinte BB, LDA.
II. Julgar integralmente improcedentes os pedidos formulados pela autora AA UNIPESSOAL, LDA contra os réus BB, LDA, DD e EE, dos mesmos absolvendo estes.
II. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela ré/reconvinte BB, LDA e, nessa medida, condenar a autora/reconvinda AA UNIPESSOAL, LDA a pagar-lhe a quantia de Euros 17.750,00 (dezassete mil setecentos e cinquenta euros) a título de ocupação do espaço referido em I. , desde 1 de Julho de 2015 até 4 de Fevereiro de 2016.
A Autora/Recorrida, inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que proferiu a seguinte Decisão :
Pelo que fica exposto, decide-se neste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e por isso se altera o dispositivo da sentença recorrida que passa a dispor assim:
I. Declaro extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância, quanto ao pedido reconvencional de condenação da autora AA UNIPESSOAL, LDA na entrega do espaço para restaurante que faz parte do prédio urbano situado em …, …, descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de … sob o na 1…04 da freguesia da … e inscrito na matriz sob o art. 5501, livre e devoluto, à ré/reconvinte BB, LDA.
II. Declaro nulo o contrato de trespasse documentado de fls. 26 verso a 30, e por isso condeno os Réus, DD e EE, a restituírem à Autora o preço do trespasse - € 200.000,00 acrescido de juros, vencidos desde o pagamento, e vincendos até efectiva e integral restituição, à taxa supletiva legal para as operações meramente civis.
III. Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela ré/reconvinte BB, LDA e, nessa medida, condeno a autora/reconvinda AA UNIPESSOAL, LDA a pagar-lhe a quantia de Euros 17.750,00 (dezassete mil setecentos e cinquenta euros) a título de ocupação do espaço referido em I. desde 1 de Julho de 2015 até 4 de Fevereiro de 2016.
IV. No mais absolvo os Réus do contra eles peticionado.
V. As custas da acção ficam como segue: as do pedido reconvencional, pela Autora; as da acção pela Autora em 1/3 e pelos Réus pessoas singulares, em 2/3.
Os Réus, DD e EE, inconformados com esta decisão, interpuseram recurso de Revista, no qual formularam as seguintes Conclusões:
1. O presente recurso de revista é interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que conheceu e julgou definitivamente o mérito da causa revogando parcialmente a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância, tendo declarado nulo o contrato de trespasse celebrado entre a sociedade CC, Lda (processualmente substituída pelos Recorrentes) e a Recorrida;
2. À data da declaração negocial no contrato de trespasse, a atividade económica da CC, LDA, encontrava-se suficientemente titulada por Alvará Sanitário emitido a 22 de junho de l972;
3. O Decreto-Lei n.°49.399 de 24 de novembro de 1969, base legal para a emissão do Alvará Sanitário emitido a 22 de junho de 1972, titula o estabelecimento diretamente, e não o seu titular, para o exercício da atividade económica;
4. O Alvará Sanitário emitido a 22 de junho de 1972 transmitiu-se, assim, livremente e com o estabelecimento até que a sua caducidade seja determinada por qualquer facto que tenha essa virtualidade;
5. O título de atividade - o Alvará Sanitário emitido a 22 de junho de 1972 - não sofreu qualquer vicissitude que determine a sua caducidade;
6. Não ocorreu nenhuma das situações que exigem comunicação prévia nos termos do artigo 4. °, n.º 5 do aludido Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, não tendo existido qualquer modificação do estabelecimento que decorra da alteração do ramo de atividade de restauração ou de bebidas, do comércio de bens ou de prestação de serviços;
7. O artigo 4. °, n.º 5 do aludido Decreto-Lei n.°48/2011, de 1 de abril - norma que fundamentou o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão - carece de total e absoluta aplicação aos autos;
8. Andou mal o Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar caduca a licença titulada pelo Alvará Sanitário emitido a 22 de junho de 1972, decidindo em violação do artigo n.39. ° do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, e, bem assim, do artigo n.º 251.° do Código Civil;
9. Caso assim não se entenda, o que não se aceita nem concede, mas alvitra por mero dever de patrocínio, o quantum da condenação dos Recorrentes não poderia, de forma alguma, ser aquele em que os mesmos foram condenados;
10. Os Recorrentes encontram-se em juízo em substituição da sociedade CC, LDA, entretanto dissolvida e liquidada, apenas e tão só por terem sido os Sócios daquela;
11. Nos termos do artigo 163. °, n.°1 do Código das Sociedades Comerciais a responsabilidade dos sócios da sociedade de responsabilidade limitada liquidada está, em si, limitada ao que aqueles hajam recebido aquando da liquidação;
12. Recaiu sobre a Recorrida a alegação, e respetiva prova, do montante recebido pelos sócios aquando da liquidação da sociedade de que eram sócios;
13. Não resulta - nem poderia resultar - dos factos dados como provados na douta sentença qualquer referência e/ou menção a quaisquer bens e/ou valores recebidos pelos Recorrentes aquando da liquidação da CC, LDA porque os Recorrentes nada receberam conforme resulta da prova documental junta aos autos;
14. A Recorrida não suscitou, sequer, esta questão aquando da apresentação das suas alegações de recurso;
15. Não foi carreada nos autos qualquer alegação e, consequentemente, não foi produzida qualquer prova e nem se assentaram factos sobre o montante recebido pelos sócios aquando da liquidação porque os Recorrentes nada receberam em virtude da liquidação da sociedade CC, LDA;
16. O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 39. ° do Decreto-Lei n.° 48/2011, de 1 de abril, 251° do Código Civil, 640° do CPC e 163° n.° 1 do CSC;
17. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa deve ser revogado, e consequentemente, substituído por outro que respeite o limite de responsabilidade vertido no artigo 163. °, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, bem como o disposto nos arts. 39.° do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, 25 Io do Código Civil e 640° do CPC.
NESSES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS deve ser dado total provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido na parte em que determinou a revogação da sentença proferida no que concerne à absolvição dos pedidos por parte dos Recorrentes.
Nas contra-alegações, a Autora/Recorrida pugnou pela confirmação da decisão proferida pelo acórdão da Relação de Lisboa.
Cumpre apreciar e decidir
As questões suscitadas nas conclusões do recurso de Revista interposto pelos Recorrentes são duas, a primeira sobre a nulidade o contrato de trespasse celebrado entre a sociedade CC, Lda (processualmente substituída pelos Recorrentes) e a Recorrida; a segunda, saber, no caso afirmativo da nulidade do trespasse, a responsabilidade de cada um dos sócios face à dissolução da sociedade entretanto ocorrida.
Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade unipessoal por quotas constituída em 9 de Setembro de 2013 por FF, sendo esta titular de uma quota representativa do capital social de Euros 3.000,00 (três mil euros) e gerente da mesma sociedade.
2. A 1ª Ré tem inscrita a seu favor, pela apresentação nº 10 de 20 de Junho de 1980, a aquisição, por compra, do prédio urbano situado em …, …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1…04 da freguesia da … e inscrito na matriz sob o artigo 5501, constando dessa descrição que esse imóvel é composto de casa de rés-do-chão destinada a comércio.
3. Esse prédio não tem licença de utilização.
4. Em 25 de Maio de 2011 a 1ª Ré, intitulando-se "primeira" e a sociedade “CC, Lda.”, intitulando-se "segunda", celebraram o acordo escrito a que foi dada a denominação de "Contrato Promessa de Arrendamento Comercial de Duração Limitada", do qual, além do mais, se fez constar o seguinte:
"Primeira
(Objecto)
1. Pelo presente contrato, a primeira promete dar de arrendamento à segunda, o que esta aceita, o espaço que faz parte do prédio urbano sito em …, …, …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o art.º1957 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1…51.
2. (...)
Segunda
(Fim do contrato)
A parte do prédio prometida em arrendamento, que tem a área aproximada de 1.240m2, destina-se única e exclusivamente à actividade de restaurante, churrascaria, pastelaria e pizaria, bem como as respectivas arrecadações (contíguas à cozinha), se destinam única e exclusivamente a “despensa/copa” não lhe podendo ser dado outro destino, sem o prévio consentimento, por escrito da primeira;
(...)
Quarta
(Entrega do Local à Arrendatária)
1. A primeira entrega, hoje, a posse do espaço em causa, à segunda, apesar de contar como data de início o dia 1 de Junho de 2011.
2. (...)
Quinta
(...)
Na presente data, a segunda paga à primeira o valor correspondente à renda do mês de Junho de 2011 e como caução o valor correspondente a 6 (seis) meses de renda, tudo no valor de €17.500, 00 (...)
(...)
Oitava (Realização de Obras)
(...)
2. É da responsabilidade exclusiva da segunda:
a) A obtenção de todos os licenciamentos e autorizações administrativas, eventualmente necessárias para a execução das obras referidas na cláusula anterior, e, bem assim, para o exercício da actividade prevista neste contrato. (...)".
5. Em 1 de Setembro de 2013 a 1ª Ré, intitulando-se "primeira" e a Autora, intitulando-se "segunda", celebraram o acordo escrito a que foi dada a denominação de "Contrato Promessa de Arrendamento Comercial de Duração Limitada", do qual, além do mais, se fez constar o seguinte:
"Primeira
(Objecto)
3. Pelo presente contrato, a primeira promete dar de arrendamento à segunda, e que esta aceita, o espaço que faz parte do prédio urbano sito em …, …, …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o artº 1957º e anterior 5501, descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1…51.
4. (…)
Segunda
(Fim do contrato)
A parte do prédio prometida em arrendamento, que tem a área aproximada de 1.240m2, destina-se única e exclusivamente à actividade de restaurante, churrascaria, pastelaria e pizaria, bem como as respectivas arrecadações (contíguas à cozinha) se destinam única e exclusivamente a “despensa/copa” não lhe podendo ser dado outro destino, sem o prévio consentimento, por escrito da primeira; (...)
Quarta
(Entrega do Local à Arrendatária)
1. A posse do espaço em causa foi entregue à Segunda, em 01 de Setembro de 2013, por o ter recebido da anterior inquilina, CC, Lda e com o conhecimento da Primeira.
2. (...)
Quinta
(Renda)
1. A renda mensal global relativa ao espaço em causa, é de €3.333,00, à qual é deduzido o valor correspondente ao IRC, no valor, hoje, à taxa de 25%, em €833,00, pelo que o valor a pagar mensalmente pela Segunda à Segunda à Primeira é de €2.500. 00 que será pago à Primeira ou a quem esta vier a indicar.
2. (...)
3. Na presente data, a Segunda paga à Primeira o valor correspondente a 8 (oito) meses de renda no total de €20.000,00 (vinte mil euros), correspondendo €5.000, 00 à renda dos meses de Setembro a Outubro de 2013 e a restante quantia de €15.000,00 ao valor da caução referente a 6 (seis) meses de renda, valor total de que a Primeira presta Quitação.
(...)
Oitava (Realização de Obras) (...)
2. É da responsabilidade exclusiva da segunda:
a) A obtenção de todos os licenciamentos e autorizações administrativas, eventualmente necessárias para a execução das obras referidas na cláusula anterior, e, bem assim, para o exercício da actividade prevista neste contrato. (...)" .
6. Na mesma data de 1 de Setembro de 2013 a Autora intitulando-se "terceira", a 1ª Ré, intitulando-se "primeira" e a sociedade CC, Lda. intitulando-se "segunda", celebraram o acordo escrito intitulado "Resolução do Contrato Promessa de Arrendamento Comercial de Duração Limitada Celebrado em 25/05/2011", do qual se fez, além do mais, constar:
7. Pelo presente documento, a Primeira e a Segunda dão por terminado o contrato promessa, do qual anexam fotocópia, considerando-o resolvido para todos os efeitos legais.
8.A segunda entrega, com conhecimento e consentimento da Primeira, à sociedade AA Unipessoal, Lda. a (...) nova inquilina (...) o espaço que tinha recebido da Primeira;
9.(…)
10 (…)
O valor de €15.000, 00, que corresponde à caução de seis meses de renda, é hoje transferido pela Primeira com a concordância da Segunda (...) a AA Unipessoal, Lda., que assim procede ao pagamento à Primeira, de montante igual e referente à caução por seis meses de renda.”.
7. Em 10 de Setembro de 2013, a sociedade “CC, Lda” intitulando-se "Trespassante" e a Autora, intitulando-se "Trespassária", celebraram o acordo escrito a que foi dada a denominação de "Contrato de Trespasse" do qual, além do mais, se fez constar o seguinte:
"1°
A Trespassante é titular de um estabelecimento comercial de restauração que se situa na Rua … S/N, …, …, denominado de "GG", adiante designado por Estabelecimento.
2°
Pelo presente contrato, o Trespassante trespassa à Trespassária, e esta aceita, o estabelecimento comercial referido na cláusula primeira.
3º
O trepasse incide e abrange a integralidade do estabelecimento comercial, com todos os seus pertences, nomeadamente equipamento, móveis, utensílios, peças, acessórios e produtos próprios e necessários à normal prossecução da correspondente actividade, garantindo à Trespassária que as actividade comerciais ai exercidas se encontram devidamente licenciadas pelas autoridades competentes. (...)".
8. Durante as negociações para o acordo referido no ponto nº 7 a sociedade CC, Lda garantiu a HH, que viria a ser um dos gerentes da Autora, que o exercício da actividade de restaurante no espaço objecto desse acordo tinha sido licenciado, o que aquele outro acreditou ser verdadeiro (art.º1° dos temas da prova).
9. Tendo em vista a exploração do espaço referido no nº 2 como restaurante a sociedade CC, Lda dispunha do alvará emitido pela Câmara Municipal de … em 22 de Junho de 1972 e do alvará emitido pelo Governo Civil de … em 30 de Novembro de 1995 juntos sob a forma de cópia respetivamente a fls. 442 verso/443 e a fls. 443.verso, que aqui se dado por reproduzidos (artigos 2° e 16° dos temas da prova).
10. No referido espaço funcionava desde 1971 um restaurante (art. 16° dos temas da prova).
11. A sociedade CC, Lda apresentou junto da Câmara Municipal de …, em 30 de Agosto de 2011, o requerimento intitulado "Declaração de Instalação, Modificação e de Encerramento dos Estabelecimentos de Restauração ou de Bebidas" junto sob a forma de cópia de fls. 377 a 380 que aqui se dá por reproduzido (art.18° dos temas da prova).
12. Se a Autora soubesse que o espaço referido no nº 2 não se encontrava licenciado para a actividade de restaurante a mesma não teria celebrado os acordos referidos nos nºs 5, 6 e 7 (art.º3 dos temas da prova).
13. A Autora despendeu, pelo menos, a quantia de Euros 23.253,19 (vinte e três mil duzentos e cinquenta e três euros e dezanove cêntimos) com a aquisição de equipamento, a realização de obras no espaço do restaurante, bem como com a decoração, promoção e publicidade ao mesmo (art.º 14 dos temas da prova).
14. Em 7 de Outubro de 2014 o espaço do restaurante foi inspeccionado pela Autoridade de Segurança Alimentar (art.º 5 dos temas da prova).
15. Em 24 de Novembro de 2014 a Autora apresentou na Câmara Municipal de … uma declaração prévia para alteração da entidade exploradora do restaurante situado no referido espaço (art.º 4 dos temas da prova).
16. Na mesma data a Autora apresentou na Câmara Municipal de … o requerimento intitulado "Licenciamento zero - Estabelecimento modificação", cuja cópia se encontra junta de fls. 397 a 401 e aqui se dá por reproduzida (art.º 6 dos temas da prova).
17. A esse requerimento a Câmara Municipal de … respondeu que o licenciamento da actividade não podia ser obtido uma vez que o prédio não dispunha de licença de utilização (art.º 7 dos temas da prova).
18. A Autora abriu o estabelecimento ao público em Setembro de 2013 e manteve-o em funcionamento até final do ano de 2014 (art.º 17 dos temas da prova).
19. Enquanto a Autora procedia à montagem do estabelecimento de restaurante, este apresentou infiltrações de água provenientes do telhado que
provocavam a queda de água em diversos pontos do estabelecimento (art.º 8 dos temas da prova).
20. A sociedade CC, Lda foi dissolvida, tendo essa dissolução e o encerramento da liquidação sido inscritos no registo comercial em 6 de Agosto de 2014.
21. Na data desses factos eram sócios da mesma sociedade o 2° Réu DD e o 3° Réu EE, cada um com uma quota representativa de 50% do capital social.
22. A Autora recusou-se ao pagamento de rendas pela ocupação do espaço referido no nº 5, a partir de Dezembro de 2014.
23. Em 5 de Fevereiro de 2015 a 1ª Ré foi notificada para os termos de um requerimento de notificação judicial avulsa, pelo qual a Autora declarava a resolução dos acordos referidos nos nºs 5 e 7, declarava que suspendia o pagamento de rendas por aplicação da excepção de não cumprimento e a intimava, bem como à sociedade CC, Lda, para a "(...) a sua responsabilização, em termos de responsabilidade civil contratual".
24. No dia 3 de Novembro de 2015 a 1ª Ré deu entrada no Balcão Nacional do Arrendamento a um procedimento especial de despejo contra a Autora, relativo ao espaço objecto dos acordos referidos nos nºs 5 6,7.
25. No âmbito desse procedimento foi lavrado, com referência ao dia 4 de Fevereiro de 2016, o auto de apreensão e entrega junto nas fls. 659 a 662 que aqui se dá por reproduzido.
26. Em 24 de Novembro de 2014 a Autora apresentou na Câmara Municipal de … uma declaração prévia para alteração da entidade exploradora do restaurante situado no referido espaço (art.º 4 dos temas da prova).
Fundamentos de direito
1ª questão – nulidade do contrato de trespasse
Os Recorrentes/Réus pretendem a revogação da decisão do acórdão da Relação que declarou a nulidade do trespasse a que se refere o ponto n.º 7 da matéria de facto, celebrado em 10 de Setembro de 2013, em que a sociedade “CC, Lda” intitulando-se "Trespassante" e a Autora, intitulando-se "Trespassária", celebraram o acordo escrito a que foi dada a denominação de "Contrato de Trespasse" nos seguintes termos:
"1° - A Trespassante é titular de um estabelecimento comercial de restauração que se situa na Rua … S/N, …, …, denominado de "GG", adiante designado por Estabelecimento.
2° - Pelo presente contrato, o Trespassante trespassa à Trespassária, e esta aceita, o estabelecimento comercial referido na cláusula primeira.
3º - O trepasse incide e abrange a integralidade do estabelecimento comercial, com todos os seus pertences, nomeadamente equipamento, móveis, utensílios, peças, acessórios e produtos próprios e necessários à normal prossecução da correspondente actividade, garantindo à Trespassária que as actividade comerciais aí exercidas se encontram devidamente licenciadas pelas autoridades competentes. (...)".
Segundo as transcritas cláusulas, a 2º Ré/Trespassante, CC, Lda, era titular de um estabelecimento de restauração com equipamentos e utensílios próprios correspondentes à actividade que efectivamente prosseguia e acordou trespassar à Autora que aceitou, mediante preço, garantindo–lhe que as actividades comerciais aí exercidas se encontravam devidamente licenciadas pelas autoridades competentes.
Importa começar por esclarecer que a referida titularidade do Réu/Trespassante do estabelecimento em causa decorria do "Contrato Promessa de Arrendamento Comercial de Duração Limitada", celebrado em Maio de 2011, com a 1ª Ré, tal como resulta do facto n.º4.
Tendo em vista a exploração do referido espaço como restaurante a sociedade CC, Lda dispunha do alvará emitido pela Câmara Municipal de … em 22 de Junho de 1972 e do alvará emitido pelo Governo Civil de … em 30 de Novembro de 1995, juntos sob a forma de cópia respectivamente a fls.442 verso/443 e fls. 443 verso (facto n.º 9), alvarás que haviam sido concedidos à 1ª Ré/BB, Lda., proprietária do estabelecimento (facto n.º2).
Vejamos então
À data da celebração do contrato de trespasse, encontrava-se em vigor a versão original do Decreto-Lei n.º48/2011, de 1 de Abril.
Tal diploma visou, como consta do seu preâmbulo, desmaterializar procedimentos administrativos e modernizar a forma de relacionamento da Administração com os cidadãos e empresas, concretizando desse modo as obrigações decorrentes da Directiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos serviços no mercado interno, que foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho. (…).
Na consecução desses desideratos, o n.º1 do seu artigo 1.º previu a eliminação de licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, registos e outros actos permissivos, substituindo-os por um reforço da fiscalização sobre essas actividades.
Para o efeito, foi aprovado um novo regime de instalação e de modificação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas, de comércio de bens, de prestação de serviços ou de armazenagem, baseado numa mera comunicação prévia efectuada num balcão único electrónico, cf. n. º2 a) do mesmo artigo primeiro. Entre as comunicações prévias a efectuar ao “balcão do empreendedor” contava-se, como resulta da conjugação do n.º 1 do art.º2 e o n.º 5 do art.º 4, do mesmo diploma, a respeitante à modificação de um estabelecimento de restauração e bebidas, sendo que o n.º 7 do referido art.º4 definia essa modificação como a alteração do ramo de actividade de restauração ou de bebidas, de comércio de bens ou de prestação de serviços, a ampliação ou redução da área de venda ou de armazenagem, a mudança de nome ou de insígnia, ou a alteração da entidade titular da exploração.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º48/2011, de 1 de Abril, diploma sobre o acesso e exercício no “licenciamento zero” dispunha nos n.ºs 5 e 7 do artigo 4º:
5 - Está igualmente sujeita ao regime da mera comunicação prévia no «Balcão do empreendedor» a modificação de um estabelecimento, abrangido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º, decorrente da alteração do ramo de actividade de restauração ou de bebidas, de comércio de bens ou de prestação de serviços, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos n.ºs 2 e 3.
(…)
7 - Para os efeitos referidos no presente decreto-lei entende-se por:
a) (…).
b) «Modificação», a alteração do ramo de actividade de restauração ou de bebidas, de comércio de bens ou de prestação de serviços, a ampliação ou redução da área de venda ou de armazenagem, a mudança de nome ou de insígnia, ou a alteração da entidade titular da exploração;
c) (…).
A interpretação conjugada do n.º 5 e do n.º 7 do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º48/2011, de 1 de Abril, permite concluir que a simples a alteração da entidade titular da exploração determinava a obrigatoriedade de comunicação prévia.
No caso, o estabelecimento em causa tinha alvará sanitário averbado a partir de Agosto de 1979, a favor da 1ª Ré – BB, Lda. (facto n. º2)
No entanto, com o contrato de promessa de arrendamento a que se refere o facto n.º4, o mesmo estabelecimento passou a ser explorado pela 2ª Ré/CC, Lda a partir de 25 de Maio de 2011.
A mesma Ré apresentou junto da Câmara Municipal de …, em 30 de Agosto de 2011, o requerimento intitulado Declaração de Instalação, Modificação e de Encerramento dos Estabelecimentos de Restauração ou de Bebidas. (facto n.º11). Pretensão que foi indeferida, como consta a fls. 392, porque a Requerente não era a titular do alvará emitido pela Câmara Municipal de …, pelo que não logrou obter a seu favor o averbamento do alvará sanitário.
Assim, quando a Ré/CC, Lda, outorgou com a Autora/Recorrida o referido contrato de trespasse de fls. 26 verso e ss, em 10 de Setembro de 2013, não tinha a actividade exercida no estabelecimento, devidamente licenciada pelas autoridades competentes.
A decisão do Tribunal da Relação objecto do presente recurso interpretou correctamente as normas constantes do Decreto-lei nº48/2011, de 01 de Abril, porquanto não só pôde verificar que a 1ª Ré, na qualidade de proprietária do imóvel havia intentado na Câmara Municipal de … um processo para licenciamento de obras com vista à legalização do restaurante que explorava em parte daquele imóvel, processo esta a que foi atribuído o n. º113/87 e constante de fls. 302 e ss dos presentes autos. Como resultou provado (facto n.º11), que a sociedade CC, Lda apresentou junto da Câmara Municipal de …, em 30 de Agosto de 2011, o requerimento intitulado Declaração de Instalação, Modificação e de Encerramento dos Estabelecimentos de Restauração ou de Bebidas.
Em síntese, o licenciamento da actividade de restauração, a que se refere o facto n.º2, poderia ter subsistido validamente até à celebração, entre as 1ª e 2ª Rés, do contrato promessa de arrendamento comercial de duração limitada, celebrado em Maio de 2011, mas não a partir de então, porque a Ré/CC, Lda., enquanto nova titular da exploração do referido estabelecimento, não logrou conseguir beneficiar do alvará existente para o mesmo estabelecimento e também não o conseguiria obter uma vez que o prédio não dispunha de licença de utilização – factos n. sº3 e 17.
Não é igualmente correcta a afirmação da Recorrente de que artigo 4°, n. º 5 do aludido Decreto-Lei n.°48/2011- norma em que se fundamentou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - carece de total e absoluta aplicação aos autos. Com efeito, a norma transitória do artigo 39.º do referido DL n.º 48/2011 dispõe, expressamente, no seu n.º3 que - A verificação de um dos factos referidos nos n.ºs 4, 5 e 6.º do artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 14.º determina que seja dado cumprimento ao estipulado no presente decreto-lei.
Face ao exposto, o referido contrato de trespasse incidiu sobre a integralidade do estabelecimento comercial em causa mas em que a actividade comercial nele exercida, relativa à restauração, não se encontrava devidamente licenciada pelas autoridades competentes, sendo assim inválido à luz das referidas normas de licenciamento obrigatório, pelo que está ferido de nulidade, vício susceptível de ser invocado a todo o tempo, e que leva à restituição de tudo o que houver sido prestado com efeitos retroactivos, ao abrigo do disposto nos artigos, 286º, 289º, 1, e 294 do CC.
Assim sendo, a acção deverá proceder nessa parte como bem se decidiu no acórdão recorrido, devendo os Réus, DD e EE, ser condenados a restituírem à Autora o preço do trespasse - € 200 000,00 acrescido de juros, vencidos desde o pagamento, e vincendos até efectiva e integral restituição, à taxa supletiva legal para as operações meramente civis, como peticionado.
2ª questão - Responsabilidade dos sócios da sociedade dissolvida
Os Recorrentes alegam ainda que o acórdão recorrido violou os artigos 163º, nº 1 do C.S.C. e 640º do C.P.C., porquanto não tomou em consideração o facto de os Recorrentes terem intervindo nos presentes autos em substituição da sociedade CC, Lda., de que eram sócios, sendo, em consequência do disposto no artigo 163º, nº 1 do C.S.C. apenas responsáveis no limite daquilo que hajam recebido aquando a dissolução e liquidação da referida sociedade.
Alegam que nada receberam aquando da dissolução e liquidação da sociedade não podendo, por força do disposto contido no artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, ser condenados a restituir à Autora/recorrida o preço do trespasse, no montante de €200.000,00 (duzentos mil euros), acrescidos de juros.
Afigura-se-nos, porém, que a questão da responsabilidade dos sócios só terá relevância em execução de sentença, como bem alega a Recorrida/Autora. Com efeito, decidir nos presentes autos, da responsabilidade dos sócios da Ré demandada inicialmente aquando da propositura da acção que originou os presentes autos, seria vedar à Autora/Recorrida a possibilidade de socorrer-se dos meios próprios para obter a restituição daquilo que pagou aquando da celebração do contrato de trespasse
Os presentes autos não visam determinar o que os sócios da sociedade dissolvida receberam ou não aquando da liquidação da mesma, mas antes decidir sobre a validade do contrato de trespasse celebrado entre as partes, e a condenação, em abstracto da trespassante em restituir o valor do trespasse em consequência da nulidade daquele contrato.
Em execução de sentença caberá então à Autora fazer a prova do que os Réus/sócios receberam em virtude da liquidação da sociedade CC, Lda.
Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso de revista interposto pelos Recorrentes e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas do recurso pelos Recorrentes.
Lisboa, 17 de Outubro de 2019
Paula Sá Fernandes (Relatora)
Maria dos Prazeres Beleza
Olindo Geraldes