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SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário
I - A fundamentação da sentença insere-se em exigência do moderno processo penal, com dupla finalidade: extraprocessualmente, constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram; intraprocessualmente, realizar o objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos.
II – A indicação dos meios de prova só tem de reportar-se àqueles que forem tidos por relevantes, seja em que sentido for, para motivar os factos provados e não provados.
III - O exame crítico da prova não equivale a um repositório pormenorizado de todo o julgamento, já que isso consubstanciaria como que um substitutivo da audiência e dos princípios da imediação e da oralidade que a regem, não se impondo que, em relação a cada facto, se autonomize e substancie a razão de decidir e que, em relação a cada fonte de prova, se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência.
IV - Não se impõe, pois, que sobre cada meio de prova seja feita uma individualizada e exaustiva valoração, de tal modo minuciosa, que acabaria por tornar-se tarefa impraticável e sem utilidade, além do mais, destinando-se os recursos a servir de remédios jurídicos contra decisões erradas e injustas e não a meios de entorpecimento da Justiça.
V – Preenche os elementos objectivos do crime de falsificação de documento aquele que altera a minuta do contrato de arrendamento, para o efeito consubstanciando-se como original do documento e, posteriormente, através de cópias do mesmo, manuscreveu nestas, nos locais destinados às assinaturas, os nomes das locadoras, além do seu próprio nome, assim dando origem a diferentes documentos que apresentou perante terceiros para firmar contratos de fornecimento de eletricidade e água referente ao imóvel por ele ocupado.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
1. RELATÓRIO
Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, imputando-lhe, como autor material, na sua forma consumada e em concurso efectivo, a prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e), do Código Penal (CP).
A demandante AC deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 5 000,00.
O arguido apresentou contestações, à acusação e ao pedido de indemnização civil, pugnando pela sua absolvição.
Realizado julgamento e proferida sentença, decidiu-se:
- julgar a acusação totalmente procedente, por provada e, em consequência,
- condenar o arguido pela prática, em autoria material, na sua forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e), por referência ao art. 255.º, alínea a), ambos do CP, na pena, por cada um, de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros) e, nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP,na pena única de 210 (duzentos dez) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo a multa global de € 2.100,00;
- julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por AC e, em consequência,
- absolver o arguido/demandado do ali pedido.
Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
1a - Para decidir como decidiu, como decorre do texto da sentença, o tribunal recorrido conjugou os depoimentos da testemunha AC com as regras da experiência comum e da lógica e com as demais circunstâncias concretas do caso.
As declarações do Arguido não mereceram credibilidade no tribunal, apenas revelaram para aferir da sua situação familiar e socioeconómica, como decorre da sentença.
Do que resulta expressamente da sentença recorrida, o tribunal decidiu condenar o Arguido pela prática do crime de falsificação por se ter convencido da prática dos factos constantes da acusação pública mediante a prova indireta dos factos conjugada com as regras da experiência comum e da lógica.
2a - O tribunal não declarou provado que a fotocópia junta aos autos, ou as que eventualmente se encontram na EDP ou na FAGAR, sejam fotocópias fiéis e verdadeiras do documento original alegadamente falsificado ou simplesmente fotocópias da fotocópia fiel do original.
O Arguido vem acusado de, por si ou a seu mando, ter falsificado o documento referente às assinaturas apostas num contrato de arrendamento.
Como se alcança dos autos, neles não se encontra o original nem cópia ou fotocópia da cópia do contrato de arrendamento alegadamente apresentado pelo Arguido na EDP ou na FAGAR.
O documento junto aos autos, supostamente obtido por fotocópia junto da EDP, não permite concluir com a segurança que se exige em direito penal, se é o original, se é uma fotocópia fiel ou se é uma cópia manipulada.
Aliás, nos autos não se encontra qualquer documento da prova de falsificação ou da utilização de documento falsificado na FAGAR.
3a -A prova indireta e as regras da experiência comum e da lógica, desacompanhada de outros factos ou circunstâncias, não permite que se possa concluir ter sido o Arguido, ou alguém a seu mando, que tenha falsificado o documento.
O tribunal não fundamentou a sua decisão de condenar o Arguido pela falsificação de documento apenas no depoimento da testemunha, porquanto ninguém apontou diretamente os factos ao Arguido.
Junto aos autos não se encontra fotocópia fiel e verdadeira do documento alegadamente falsificado, assim como o original do alegado documento falsificado.
Sem o documento original não é possível a consumação do crime de falsificação, ou a condenação do Arguido pela eventual prática desse crime.
O tribunal recorrido não ampliou a sua investigação, não procedeu a exame grafológico às alegadas assinaturas falsificadas para verificar se foi o Arguido ou não, o que o impediu de complementar a sua defesa com suporte nesse tipo de exame à letra ou caligrafia.
4ª - O crime da falsificação de documentos previsto no artigo 256º do CPC está inserido no Livro II, Parte Especial, no Título IV - Dos crimes contra a vida em sociedade, e no Capítulo II Dos crimes de falsificação.
Quando o documento que foi falsificado é utilizado no mundo das relações jurídicas viola-se o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico. Este é o entendimento da Dra. Helena Moniz.
Em sentido contrário temos Dr. Figueiredo Dias e Dr. Costa Andrade, que entendem que o bem jurídico protegido é a verdade intrínseca do documento enquanto tal.
5ª - O tipo objetivo do crime de falsificação comporta várias modalidades de conduta, designadamente:
a) Fabricar documento falso - o agente fabrica um documento que não existia;
b) Falsificar ou alterar documento - o agente vicia o documento, alterando o seu conteúdo;
c) Abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso - utiliza-se assinatura mecânica abusivamente ou folha em branca assinada;
d) Fazer constar falsamente facto juridicamente relevante - forma de falsificação intelectual em que é introduzido um facto que não é real no documento;
e) Usar documento falso fabricado ou falsificado por outra pessoa.
6a - Um documento é uma declaração. A noção do Código Penal não fala no suporte do documento, mas numa declaração de um pensamento humano que, ainda assim, deve estar corporizada num escrito, em disco ou em fita gravada.
Enquanto no Direito Civil (artigo 362º do Código Civil) o documento é o objeto no qual se incorpora uma declaração, no Direito Penal o documento é a própria declaração.
No entanto, para que haja incriminação é necessário que a declaração seja idónea a provar "facto juridicamente relevante" (artigo 255º/a), ou seja todo o facto que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica. A declaração deve ser "idónea a provar", pelo que, desde o início ou posteriormente deve constituir um meio de prova.
No que mais interessa ao presente recurso, temos de distinguir entre a falsificação de documento através de fotocópia e a falsificação de fotocópia.
Quando se utiliza a fotocópia como meio que permite o objetivo que é a falsificação, estamos perante um crime de falsificação, na medida em que a fotocópia foi produzida a partir do original e tem a aparência de original.
Nos casos em que é a fotocópia que é falsificada e não o documento original não estamos perante um crime de falsificação, uma vez que relevante para o crime de falsificação é a declaração e não o suporte material da declaração.
Na simples falsificação de fotocópia não se verifica a falsificação de um documento enquanto declaração.
7a- O crime de falsificação preenche-se com o simples preenchimento de todos de todos os elementos que constituem o seu tipo legal de crime (consumação formal), independentemente de se dar a sua consumação material (exaurimento).
A partir do momento em que o documento está falsificado já se verifica o perigo de lesão do bem jurídico. A consumação material verifica-se quando o agente utiliza o documento falsificado e o coloca no tráfico jurídico, apesar de este momento não ter relevo ao nível do tipo legal de crime, exceto no caso de quem usa o documento falsificado é um terceiro (nº 1, alínea c).
8ª -No caso dos autos, verifica-se que as assinaturas de AC e MF que constam dos seus respetivos cartões de cidadão, não correspondem nem se aproximam minimamente às assinaturas que constam da fotocópia do documento alegadamente falsificado nos autos a fls ..... - ....
O que também se constatou em audiência de julgamento por comparação daqueles documentos.
Pelo que, parece-que se perante um caso de tentativa impossível, que acontece quando está em causa uma falsificação grosseira, ou seja, quando se trata de uma falsificação que é imediata e facilmente reconhecível por qualquer pessoa medianamente conhecedora e informada.
Pelo que, o meio utilizado pelo agente, de acordo com o artigo 23º/3 do CP, não será punível por ser inepto o meio utilizado pelo agente para falsificar o documento.
9ª - A falsificação de documento é um crime de perigo abstrato, pelo que está formalmente consumado, verificando-se já a sua punição.
Comete o crime de falsificação de documento, quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, nomeadamente, fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante.
Ocrime de falsificação de documento pode revestir duas configurações: a falsificação material ou a falsificação ideológica. Na primeira, o documento deixa de ser genuíno, não garante a sua proveniência ou a sua forma está adulterada; na segunda, o documento é inverídico, ou porque a declaração incorporada no documento não corresponde à prestada ou porque se traduz num facto falso juridicamente relevante, entendendo-se este como oque cria, modifica ou altera uma relação jurídica.
Uma das modalidades do crime de falsificação é abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso, o que consubstancia fraude na identificação: a assinatura, que visa provar um facto juridicamente relevante (a autoria do documento), é efetuada por pessoa diferente daquela a quem corresponde o nome escrito.
O abuso de assinatura radica, sempre, num abuso, que, no caso, equivale a um comportamento inadequado e excessivo, a uma exorbitância de atribuições.
10ª - Ora, integra o caso dos autos esta situação?
O Arguido defende que não estão preenchidos todos os pressupostos do crime falsificação porque nos autos não vem provada a lesão patrimonial das assistentes, pressuposto exigido pelo artigo 256º do CP, norma que o tribunal recorrido violou.
Não ficou provada a verificação do prejuízo ou lesão patrimonial das Assistentes ou do Estado.
Falta, por conseguinte, o pressuposto de facto da lesão patrimonial em nexo de causalidade com os factos que levaram o tribunal recorrido a condenar o Arguido.
A este facto acresce ainda que, apesar de a Assistente, AC, ter apresentado um pedido de indemnização civil a fls .... - ...,o tribunal recorrido julgou totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 353 dos autos por aquele demandante cível e absolveu o demandado, AA do ali pedido, com custas a cargo da demandante cível.
11a - Por outro lado, nos autos não se encontra o documento original da prova de falsificação ou da utilização de documento falsificado na FAGAR.
O tribunal recorrido considerou erradamente no facto provado 4 que o Arguido tenha alterado o prazo do contrato de 6 meses para 3 anos.
O facto 4 não deveria ter sido dado por provado porquanto foi junto aos autos a fls .... - ... a cópia de um mail que o Arguido anexou à minuta do contrato, e que juntou na audiência de julgamento, pelo qual fica comprovado que do contrato enviado pela assistente, AC, constava o prazo de 3 anos e não o prazo de 6 meses.
O tribunal recorrido -nos que andou mal ao considerar provado este facto.
Neste ponto, verifica-se erro notório na apreciação da prova, para efeitos do disposto no artigo 410º nº 2, alínea c) do CPP.
12a - O mesmo acontece relativamente ao ponto 7 da decisão recorrida, uma vez que na moradia em causa nunca houve qualquer interrupção de fornecimento de água, nem dos autos consta comprovadamente que o fornecimento de água tenha sido interrompido pela FAGAR.
Também os factos provados 9 e 10 não deveriam ter sido considerados provados.
Em consequência do referido a propósito dos factos 4, 7, 9 e 10, o facto 14º não deveria ter sido julgado provado.
Não consta dos autos, o contrato de arrendamento referido em 7º que o Arguido ou alguém por si tenha apresentado nos serviços da FAGAR.
Também não ficou provado, para que se pudesse condenar o Arguido, que os documentos apresentados na FAGAR fossem cópia fiel do original ou fotocópia da fotocópia fiel.
Ou que tenha sido o Arguido a apresentá-lo nos serviços da FAGAR.
Também neste ponto, se verifica erro notório na apreciação da prova, para efeitos do disposto no artigo 410º nº 2, alínea c) do CPP.
13a- Por outro lado, não foi alegado nem ficou provado nos autos o benefício ou o benefício ilícito do Arguido em nexo de causalidade com as alegadas falsificações.
Assim como o tribunal recorrido não julgou provado o prejuízo ou dano patrimonial das assistentes, pressuposto essencial à verificação do crime de falsificação do artigo 256º do CP.
A verificação de dano patrimonial ou prejuízo económico é essencial aos pressupostos da verificação do crime de falsificação previsto no artigo 256º do CP.
14a- A acusação não indica de forma clara e concreta onde, quando e quem foi o alegado autor material da falsificação.
O que coarta os meios de defesa do Arguido, que ficou impedido de provar o contrário. No inquérito, o Ministério Público não promoveu a realização de exame grafológico, por qualquer meio, das assinaturas das Assistentes apostas no original do documento alegadamente falsificado.
Não ficou provado quem cometeu os alegados crimes de falsificação, se o Arguido, se alguém a seu mando.
15a - Quanto à matéria de facto (artigo 412 nº 3 do CPP):
O tribunal recorrido considerou provados os factos 3, 7 e 9, os quais não possuem suporte probatório verdadeiro e fiel para poderem ser julgados provados.
Assim, considera o Recorrente que se encontram incorretamente julgados os pontos 4,7, 9, 10 e 14 da sentença recorrida.
Das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida releva-se a ausência nos autos do documento original supostamente falsificado ou fotocópia verdadeira e fiel desse documento.
Os documentos nos autos não revestem essas características, e por isso, não pode o Arguido ser condenado com base em meras cópias que não se sabe, com o rigor e a certeza que o direito penal exige, serem cópias verdadeiras e fiéis do documento alegadamente falsificado.
Nos autos apenas constam cópias que não se sabe serem cópias verdadeiras e fiéis do documento original alegadamente falsificado pelo Arguido ou alguém a seu mando.
O tribunal não procedeu a exame grafológico do documento original alegadamente falsificado, para determinar se foi o Arguido ou não quem procedeu ao desenho das assinaturas das Assistentes, o que deveria ter feito.
Ao não fazê-lo, impediu também o Arguido de ampliar os seus meios probatórios de defesa.
O tribunal não determinou as circunstâncias em que o Arguido terá falsificado o documento.
A não determinação, pelo tribunal a quo, quer da originalidade dos documentos alegadamente falsificados nem das circunstâncias em que o Arguido terá falsificado o documento, leva-nos a pensar estarmos perante um caso de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
A existência do vício de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem, sendo que esta insuficiência tem que ser evidente.
O tribunal a quo não esgotou todos os seus poderes de investigação na descoberta da verdade e, apesar disso, a prova produzida não foi mais além, quando poderia ter avançado.
Impõe-se, por conseguinte, a renovação da prova quanto aos documentos relacionados com as fotocópias apresentadas pela EDP e pela FAGAR nos autos, a fls .... - ..., para os efeitos do disposto no artigo 412º nº 3 alínea c) do CPP, norma que foi violada pela sentença.
16a - Quanto à matéria de direito (artigo 412º nº 2 do CPP):
No enquadramento jurídico-penal o tribunal recorrido enuncia a legislação aplicável, faz a caracterização do crime de falsificação, cita doutrina e conclui pela verificação de todos os elementos do tipo de crime de falsificação.
Mas não associa, em concreto, os factos provados nem os elementos do tipo de crime às circunstâncias que encorpam as condutas que atribuiu ao Arguido.
Ou seja, falta a exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O que o tribunal também não fez na motivação de facto, na qual justifica a sua convicção pelos depoimentos de testemunhas conjugados com os documentos nos autos que enunciou.
Porém, não faz qualquer referência nos documentos que formaram a sua convicção serem originais ou fotocópias, e no caso de serem fotocópias se tratarem de cópias fiéis e verdadeiras dos documentos originais, nomeadamente dos contratos de arrendamento apresentados na EDP ou na FAGAR onde constam as duas assinaturas alegadamente falsificadas das Assistentes.
Deveria o tribunal ter procedido ao exame crítico da prova documental, que se limitou a enunciar na douta sentença.
17ª -Diz o artigo 379º nº 1 do (PP que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º nº 2 do CPP, norma que o tribunal recorrido violou.
Pelo que, cometeu o tribunal recorrido a nulidade referida no artigo 374º nº 2 do CPP, que arguie invoca para os legais efeitos.
18ª - A douta sentença recorrida viola o princípio in dubio pro reo.
Este princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação, impondo a orientação vinculativa que em caso de dúvida sobre os factos o juiz deve decidir em sentido favorável ao arguido.
Uma vez que o Recorrente põe em causa que os documentos alegadamente falsificados, nos autos a fls .... - ...,sejam cópias fiéis e verdadeiras do documento original, ocorre dúvida insanável em matéria de prova.
Pelo que, deve aplicar o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência.
Trata-se de dúvida razoável, positiva, racional, que impeça a convicção do tribunal, a analisar pelo julgador, em cada caso concreto.
No caso concreto, não existe o mínimo indício de o tribunal ter ficado na dúvida em relação a qualquer facto tido como provado e que, nesse estado de dúvida, haja decidido contra o arguido.
19a - Por conseguinte, a douta sentença recorrida sofre dos vícios referidos nas alíneas a) - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - e c) - erro notário na apreciação da prova - do nº 2 do artigo 410º do (PP.
Deve a douta sentença recorrida ser revogada e modificada ad quem, ao que se apela.
Termos em que, deve o recurso merecer provimento em conformidade com as respetivas conclusões, com as legais consequências.
O recurso foi admitido.
O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1- Da motivação da decisão de facto da sentença fica-se claramente a saber porque é que o arguido foi condenado. A prova testemunhal e documental foram devidamente valoradas, bem como as declarações do arguido.
2- Do exame crítico das provas ficou-se claramente a saber porque é que se deram como provados os factos que levaram à condenação do arguido (sendo desnecessárias quaisquer outras considerações face à fundamentação constante da sentença).
3- A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (dentro desses pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova).
4- A regra de que a convicção do julgador se deve fundar na livre apreciação da prova implica a possibilidade de dar como demonstrado certo facto certificado por uma única testemunha.
5- A prova produzida em audiência de julgamento é manifestamente suficiente para dar como provados os factos constantes da sentença, não se verificando qualquer erro notório na apreciação da prova.
6- É de referir que apenas existe erro notório na apreciação da prova quando para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artigo 127 do C.P.P.
7- De salientar também que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
8- A imediação e a oralidade é que transmitem com precisão o modo e convicção como as pessoas depuseram, nomeadamente a coerência e sequência lógica com que o fizeram, o tom de voz utilizado, o tempo e a forma de resposta, os gestos e as hesitações, a postura e as reacções, o que não pode ser completamente transmitido para a gravação.
9- Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.
10- Assim, face aos factos que foram provados não restam dúvidas de que o arguido cometeu os ilícitos pelos quais foi condenado, não se verificando qualquer nulidade.
11- A pena aplicada é justa, equilibrada e adequada aos factos dados como provados, designadamente tendo em atenção as consequências dos crimes e a falta de arrependimento do arguido.
12- Assim nenhum reparo nos merece a sentença recorrida.
13- Nenhuma disposição legal foi violada.
14 - Deve assim, manter-se a mesma fazendo-se assim JUSTIÇA.
Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, fundamentado, no sentido da procedência parcial do recurso, relativamente à nulidade invocada.
Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido veio, no essencial, reiterar a sua posição.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente de harmonia com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995.
Delimitando-o, reconduz-se a apreciar:
A) - da nulidade da sentença, atinente ao exame da prova;
B) - dos vícios da decisão;
C) - da nulidade da sentença, respeitante ao enquadramento jurídico;
D) - do não preenchimento dos crimes de falsificação de documento.
Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida:
2.1. Matéria de facto provada:
Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.º À data dos factos infra, MF e AC eram proprietárias da fracção autónoma, sita na Avenida Cidade Hayward, Lote ---, frente, em Faro.
2.º No dia 23 de Setembro de 2013, após o arguido AAter estabelecido contacto telefónico com AC com vista a arrendar o imóvel referido em 1.º, a demandante civil AC enviou para o arguido, via correio electrónico, uma minuta do contrato de arrendamento, tendo sido previamente acordado que caso o arguido concordasse com o seu conteúdo e fosse sua intenção celebrar o contrato de arrendamento, este imprimiria o contrato, assinaria o mesmo e o enviaria para a morada de AC.
3.º Nessa ocasião, AC entregou à filha do arguido a chave da habitação em causa, nela passando a residir o arguido e os seus dois filhos.
4.º Uma vez recebida a minuta, o arguido alterou, nomeadamente, o prazo do contrato de 6 meses para 3 anos, assinou o contrato modificado e enviou-o pelo correio para a aqui demandante civil, AC.
5.º Uma vez que esta não concordou com as alterações, contactou telefonicamente o arguido informando-o que não assinaria o contrato naqueles termos e que deveria abandonar o locado.
6.º Em datas não apuradas, mas situadas no início de Novembro de 2013, AC cancelou junto da EDP Comercial e da FAGAR os respectivos serviços de fornecimento de electricidade e água para o imóvel em causa.
7.º Sucedeu que, e com vista repor o fornecimento de água no locado, em data não concretamente apurada mas anterior ou no próprio dia 11 de Novembro de 2013, o arguido pelo seu próprio punho - ou alguém a seu mando - manuscreveu na minuta do contrato de arrendamento alterado, referido em 4.º, nos locais destinados às assinaturas das locadoras, os nomes de MF e AC.
Ulteriormente, o arguido assinou o seu nome no local destinado à assinatura do locatário.
8.º Seguidamente, no dia 11 de Novembro de 2013, nas instalações da FAGAR – Faro, Gestão de Águas e Resíduos, EM, sita na Rua Professor Norberto da Silva, n.º 8, em Faro, o arguido celebrou com a empresa prestadora de água um contrato de fornecimento de água para a habitação referida em 1.º.
9.º A fim de comprovar a sua legitimidade para contratar, o arguido apresentou naqueles serviços da FAGAR o contrato de arrendamento referido em 7.º.
Nessa ocasião, foi anexada ao contrato de fornecimento uma cópia do contrato de arredamento.
10.º Acreditando na veracidade do documento apresentado, a FAGAR repôs o fornecimento de água na habitação aludida em 1.º.
11.º Ulteriormente, no dia 10 de Fevereiro de 2014, nas instalações da Loja da EDP, sita na Loja do Cidadão de Faro, no Largo Dr. Francisco Sá Carneiro, em Faro, o arguido celebrou com a empresa prestadora de electricidade um contrato de fornecimento de electricidade para a habitação referida em 1.º.
12.º A fim de comprovar a sua legitimidade para contratar, o arguido apresentou naqueles serviços da EDP o contrato de arrendamento referido em 7.º.
Nessa ocasião, foi anexada ao contrato de fornecimento uma cópia do contrato de arredamento.
13.º Acreditando na veracidade do documento apresentado, a EDP Comercial passou a fornecer electricidade na habitação aludida em 1.º, em nome do arguido, a partir do dia 12 de fevereiro de 2014.
14.º Ao actuar da forma acima descrita, arguido sabia que estava a forjar um contrato de arrendamento, fazendo nele constar factos que não correspondiam à verdade, e que inscrevia nos locais destinados ao nome das locadoras assinaturas que sabia não serem suas.
Não obstante, o arguido quis forjar o contrato de arrendamento e as assinaturas de MF e AC e bem assim usar, em duas ocasiões distintas, o aludido documento, o que fez com o intuito concretizado de obter benefícios a que sabia não ter direito, designadamente o de ver reposto o fornecimento de água na habitação e de celebrar um contrato de fornecimento de água e outro contrato de fornecimento de electricidade em seu nome sem ter legitimidade para tal, finalidade que, efectivamente, logrou alcançar.
15.º Mais sabia o arguido que as suas condutas punham em causa a confiança e credibilidade das pessoas na exactidão e genuinidade merecidas por aquele documento.
16.º O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.
Mais se apurou que:
17. O arguido AAaufere uma pensão de reforma no valor mensal líquido de € 735,00. Foi professor de contabilidade e de administração financeira durante 19 anos.
Paralelamente trabalha por conta própria como revisor oficial de contas explorando um gabinete de contabilidade e de auditoria financeira do qual retira anualmente um lucro líquido situado entre os € 18 000,00 a € 22 000,00, sendo que, a seu cargo tem três funcionários e o salário mais baixo que paga é de € 580,00 (valor líquido) e o mais alto de € 800,00 (valor líquido).
O arguido tem cinco filhos, todos maiores de idade.
Actualmente, vive sozinho.
É proprietário de um veículo automóvel da marca Mercedes, classe C, do ano de 2007.
Possui como habilitações, uma licenciatura em Contabilidade e Auditoria Financeira.
O arguido não tem antecedentes criminais registados.
2.3. Motivação da decisão de facto:
Quanto ao apuramento da matéria fáctica supra vertida o Tribunal Colectivo formou a sua convicção, essencialmente, no depoimento da testemunha AC, a qual de forma clara, precisa, pormenorizada e com coerência relatou os factos que estiveram subjacentes ao negócio estabelecido com o arguido e negou que alguma vez tivesse assinado o contrato de arrendamento cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 11 a 14 e 24 a 27 – explicitando as razões de tal – e que o único contrato de arrendamento que assinou foi após a prática dos factos aqui em apreço e por via da acção de despejo que teve de instaurar contra o aqui arguido. Ademais, tal depoimento foi corroborado pelo depoimento da testemunha MF(sua tia e na altura co-proprietária do imóvel em causa).
Por outro lado, tais depoimentos conjugados com as regras da experiência comum e da lógica, assim como, com as demais circunstâncias concretas do casopermitiram ao Tribunal concluir, sem quaisquer dúvidas, pela forma como supra se deixou apurada em 2.1 1º a 16º supra, sendo que, os mesmos revelaram-se, igualmente corroborados, pela prova documental aos autos junta e infra referenciada.
Ao invés, relativamente aos factos que lhe eram imputados as declarações prestadas em julgamento pelo arguido a tal propósito não nos mereceram qualquer credibilidade. Com efeito, o arguido tinha o interesse nas acções ilícitas levadas a cabo (reposição da água e da electricidade no imóvel em questão) e teve a oportunidade para o efeito, sendo que, conforme demonstram os documentos respectivos, foi o arguido quem se apresentou nos serviços em causa (da FAGAR e da EDP) e quem apresentou a cópia do contrato de arrendamento com as assinaturas (falsificadas) das referidas depoentes/locadoras, não sendo crível e mesmo revelando-se totalmente inverosímil que no momento em que o arguido contactou a EDP para restabelecer a ligação da electricidade tenha surgido – como o próprio o afirmou em julgamento – o contrato de arrendamento assinado pelas locadoras na sua caixa do correio e, foi por isso, que segundo o mesmo utilizou tal documento (relembrando aqui que há muito as relações entre aquele e estas estavam “cortadas”).
Assim, as declarações do arguido apenas relevaram para aferir da sua situação familiar e socioeconómica.
Por último, o Tribunal atendeu ao depoimento da testemunha MP, o qual de relevante apenas afirmou que viu uma ligação directa (ilegal) da electricidade do condomínio para o apartamento do imóvel supra referenciado, não sabendo precisar temporalmente quando é que tal ocorreu.
Cotejada com a prova supra referenciada o Tribunal considerou, ainda, os autos de denúncia de fls. 9 e 22; contrato de arrendamento de fls. 11 a 14/24 a 27; a caderneta predial urbana de fls. 15 e 16/ 28 e 29; as cópias dos bilhetes de identidade de fls. 20 e 66; a minuta do contrato de arrendamento de fls. 69 e 70; a cópia do bilhete de identidade do arguido de fls. 71 e 72; o contrato de arrendamento (alterado) apenas assinado pelo arguido de fls.73 a 76; o contrato de prestação de serviços da FAGAR e respectivos documentos que o instruíram de fls. 85 a 96; as mensagens de correio electrónico de fls. 115 a 119; a certidão de teor da descrição e inscrições ao prédio 3845/200090820 de fls. 167 a 170; as informações da EDP de fls. 205, 227, 228 e 247; o contrato de fornecimento de energia eléctrica datado de 11.02.2014 e respectivos documentos que o instruíram de fls. 206 a 215; o requerimento de notificação judicial avulsa que deu origem ao processo n.º 82/14.8T9FAR (extraído do Citius) de fls. 269 a 290; o print relativo à sentença proferida, em 05.05.2016, nos autos de ação especial de despejo n.º ---/14.6YLPRT (extraída do Citius) de fls. 291 a 332; o print relativo à morada da Loja da EDP em Faro; o teor dos mails juntos em audiência de discussão e julgamento e a cópia actualizada do certificado de registo criminal do arguido junta a fls. 414 dos autos e da qual nada consta contra o mesmo.
Quanto ao que se deixou provado em 2.1. supra (elemento subjectivo do tipo de ilícito), importa trazer à colação o que se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/1993, in, BMJ, 324º-620, onde se refere que “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência.”
Na verdade, “o ânimo ou intenção, embora seja um acto interno revela-se pelos factos externos que precedem ou acompanham o facto criminoso” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/1988, citado pelo Prof. Carlos Lopes, in, Guia de Perícias Médico-Legais, pág. 294.
Uma palavra mais para referir que a lei não distingue entre prova directa ou indirecta e muito menos exige que exista a primeira para que possa ter-se por provado ou indiciado um crime.Nem o poderia razoavelmente fazer, sabendo-se que, por natureza e quase por definição, a actividade criminosa não é, em muitos casos, presenciada por testemunhas, registada por meios mecânicos ou confessada pelos respectivos agentes. A exigência de prova directa constituiria, na prática, a demissão de qualquer Estado que a erigisse em regra legal em perseguir e punir um número significativo de crimes, nomeadamente aqueles que surgem associados a formas particularmente complexas de execução, por exemplo no quadro do branqueamento de capitais por parte de associações criminosas agindo transnacionalmente ou globalmente.
Prova indirecta, também chamada circunstancial, é aquela que versa sobre um enunciado que não é o objecto imediato da prova, mas acerca do qual se pode extrair razoavelmente uma inferência acerca de um facto relevante. Ou seja, a distinção entre provas directas ou indirectas é meramente de índole funcional, alicerçada na conexão, directa ou indirecta, entre a prova e os factos que visa demonstrar.
Por outro lado, as regras de experiência (supra invocadas) como factor essencial de aferição da validade das inferências feitas a partir da prova indirecta foi igualmente salientada pelo Juiz Conselheiro Santos Cabral.
Em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, relatado pelo mesmo Juiz Conselheiro, demonstra-se que a jurisprudência nacional tem evoluído no sentido de consagrar a validade plena da prova indirecta, delimitando o conjunto de circunstâncias que devem mostrar-se reunidas para que a mesma tem a mesma ou até mais validade que a prova directa.
O conjunto de factores a considerar na valorização de prova indirecta, tem vindo a ser acolhido generalizadamente pela jurisprudência nacional, sem que se conheçam posições dissonantes.
A título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2010, de 06/10/2010 e de 22/01/2013; da Relação de Lisboa de 15/11/2011, de 03/07/2012 e de 04/07/2012; da Relação do Porto de 28/01/2009, de 29/06/2011 e de 23/11/2013; da Relação de Coimbra de 13/12/2011, de 21/03/2012 e de 09/05/2012; da Relação de Guimarães de 22/02/2011, de 18/03/2013 e de 22/10/2013 e da Relação de Évora de 26/06/2012, de 04/06/2013 e de 19/11/2013.
Relativamente à fundamentação de facto entendemos que o que se deixa dito basta para dar cumprimento integral ao disposto no art.º 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, já que como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/1997, in, CJSTJ, tomo I, pág. 172 e segs. “o artº 372º do Código de Processo Penal não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas serviram para formar a convicção do Tribunal, não impondo a lei a menção das inferências injuntivas levadas a cabo pelo Tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contra provas”, o que ainda assim foi feito por este Tribunal e quanto ao núcleo essencial dos factos em apreciação.
Apreciando, conforme ao definido objecto:
A) - da nulidade da sentença, atinente ao exame da prova:
O recorrente vem suscitar a nulidade da sentença, por via do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea a), por referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP, decorrente, designadamente, de falta de exposição dos motivos de facto que justificam a convicção do tribunal.
Concretiza que o Tribunal não faz qualquer referência nos documentos que formaram a sua convicção serem originais ou fotocópias, e no caso de serem fotocópias se tratarem de cópias fiéis e verdadeiras dos documentos originais, nomeadamente dos contratos de arrendamento apresentados na EDP ou na FAGAR onde constam as duas assinaturas alegadamente falsificadas das Assistentes e, assim, que se limitou a enunciar a prova documental.
Vejamos.
O recorrente traz, pois, à colação temática que tem de integrar a fundamentação da sentença, requisito da validade desta, sendo que naquele art. 374.º, n.º 2, se impõe que dela deve constar “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, sob pena de nulidade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do aludido art. 379.º, questão que, dada a redacção do seu n.º 2, é, aliás, de conhecimento oficioso.
A fundamentação insere-se em exigência do moderno processo penal, com dupla finalidade: extraprocessualmente, constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram; intraprocessualmente, realizar o objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos.
Acompanhando Paulo Saragoça da Matta, in “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença”, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coorden. científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, pág. 255, a exigência de motivação acaba por ter uma função dupla, pré e pós judicatória – naquela primeira fase permite ao julgador exercer um auto-controle do acerto dos seus próprios juízos; na segunda fase permite à comunidade, e ao destinatário das medidas a tomar pelo sistema penal, compreender os critérios seguidos pelo julgador e aferir da respectiva legitimidade, razoabilidade e aceitabilidade.
Concretiza o desiderato constitucional do art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que a impõe “na forma prevista na lei”, em sintonia e como parte integrante do conceito de Estado de Direito democrático e da legitimação da decisão judicial e da garantia do direito ao recurso, por respeito às garantias de defesa do condenado (art. 32.º, n.º 1, da CRP) e de acesso à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 4, da CRP), no sentido de que assegure um julgamento equitativo, como vem sendo reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e se apresenta consagrado, em termos amplos, no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Só acatando a legal exigência, a garantia de tutela judicial se efectiva à luz da livre apreciação da prova do art. 127.º do CPP, em adequação à previsão do art. 18.º, n.º 2, da CRP, sendo, pois, indispensável para que fique preservado o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, dando corpo à imparcialidade, à independência e à isenção que lhe devem ser reconhecidas.
No que concerne à suscitada vertente da fundamentação - o exame crítico das provas -, é inequívoco que à mesma tem de corresponder, em concreto, determinadas exigências, sem as quais não é viável atingir as referidas finalidades, cumprindo, então, adequá-las à medida necessária para que, no fim de contas, a decisão seja compreensível e, por isso, deva conter a explicitação dos elementos que, em razão das regras da experiência e/ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formou em determinado sentido ou foram valorados os diversos meios (acórdão do STJ de 13.02.1992, in CJ ano XVII, tomo I, pág. 36), tendencialmente tão completa quanto possível, ainda que sucinta.
Sem prejuízo, essa indicação dos meios de prova só tem de reportar-se àqueles que forem tidos por relevantes, seja em que sentido for, para motivar os factos provados e não provados, como, também, o seu exame crítico não equivale a um repositório pormenorizado de todo o julgamento, já que isso consubstanciaria como que um substitutivo da audiência e dos princípios da imediação e da oralidade que a regem, não se impondo que, em relação a cada facto, se autonomize e substancie a razão de decidir e que, em relação a cada fonte de prova, se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência (acórdão do STJ de 30.06.1999, no proc. n.º 285/99-3.ª, in Sum. Acs. STJ n.º 32, pág. 92).
Não se impõe, pois, que sobre cada meio de prova seja feita uma individualizada e exaustiva valoração, de tal modo minuciosa, que acabaria por tornar-se tarefa impraticável e sem utilidade, além do mais, destinando-se os recursos a servir de remédios jurídicos contra decisões erradas e injustas e não a meios de entorpecimento da Justiça.
A densificação daquele exame crítico, que a lei não explicita, tem de ser aferida por critérios de razoabilidade, que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo que serviu de suporte ao seu conteúdo (acórdãos do STJ de 12.04.2000, no proc. n.º 141/2000-3.ª, in Sum. Acs. STJ, n.º 40, pág. 48, e de 03.10.2007, no proc. n.º 07P1779, inwww.dgsi.pt., referindo este último:
O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.
O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cfr., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de 30 de Janeiro de 2002, proc. 3063/01).
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte (acórdãos do Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03; de 7 de Fevereiro de 2002, proc. 3998/00 e de 12 de Abril de 2000, proc. 141/00).
Em síntese, sem que, é certo, a mera indicação dos meios de prova que fundamentam a decisão satisfaça as finalidades que à mesma presidem (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 02.12, in www.dgsi.pt), haverá de concluir-se que, se a motivação explicar o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, de forma bastante e inteligível, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão que consubstancie preterição do referido art. 374.º, n.º 2.
Ora, dentro de todas estas premissas, revertendo ao concreto, afigura-se que o Tribunal indicou as provas em que assentou a sua convicção, incluindo a alegada prova documental e, de modo plenamente suficiente a permitir aquilatar como as valorou, procedeu ao atinente exame crítico, reflectido com o pormenor bastante à almejada finalidade da decisão se apresentar inteligível, sem descurar o cotejo conjunto dessas provas, sopesadas as regras da experiência.
Contrariamente ao invocado pelo recorrente, se os documentos tidos por pertinentes pelo Tribunal foram mencionados, mormente com indicação reportada à sua localização nos autos, permitindo, assim, sem esforço, a sua consulta e, no essencial, se descortina, quer pela descrição dos factos, quer pela motivação da convicção, que se tratou, no que respeita aos documentos que apresentou a EDP Comercial e a FAGAR (factos provados em 7.º e 9.º), de cópias da minuta do contrato de arrendamento por si alterado, ali constando as supostas assinaturas das locadoras, tal como ressalta da alusão a que “foi o arguido quem se apresentou nos serviços em causa (da FAGAR e da EDP) e quem apresentou a cópia do contrato de arrendamento com as assinaturas (falsificadas) das referidas depoentes/locadoras”, bem como de que “o contrato de prestação de serviços da FAGAR e respectivos documentos que o instruíram de fls. 85 a 96” e “o contrato de fornecimento de energia eléctrica datado de 11.02.2014 e respectivos documentos que o instruíram de fls. 206 a 215”, as reservas que coloca, quanto a saber quais os documentos em apreço e a respectiva origem, não são razoáveis.
Na verdade, a globalidade dos factos considerados provados permite, facilmente, perceber, além do mais, como o recorrente forjou esses ditos documentos e, nesse sentido, a motivação o reflectiu, independentemente da concordância, ou não, com a posição por que o Tribunal enveredou.
Ainda que a matéria de facto possa ser questionada pelo recorrente, essa problemática não serve para afirmar a preconizada nulidade da sentença.
Ao invés do que vem defender, o Tribunal cuidou de proceder, de forma consentânea com os legais critérios, ao exame crítico da prova.
B) - dos vícios da decisão:
Contestando a matéria de facto provada, o recorrente incide a sua impugnação nos factos sob os números 4.º, 7.º, 9.º, 10.º e 14.º.
Não, porém, por via da vertente mais específica a que se reporta o art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, mas, apenas, por referência aos vícios da decisão, à luz do art. 410.º, n.º 2, do CPP.~
Já se vê, assim, que, a existir algum vício, terá de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, por um lado, apenas com apelo a elementos intrínsecos e endógenos à decisão e, por outro, em razão das máximas da experiência reconhecidas pelo homem de formação média.
O recorrente traz, então, à liça os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (alínea a) do indicado preceito legal) e de erro notório na apreciação da prova (alínea c) do mesmo normativo).
Aquela insuficiência ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito, não se confundindo, todavia, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida (acórdão do STJ 13.02.1991, citado em anotação ao preceito in “”Código de Processo Penal Anotado”, de Maia Gonçalves, Almedina, 1998, pág. 724, e acórdão do STJ de 01.06.2006, no proc. n.º 06P1614, in www.dgsi.pt).
Significa que a decisão de facto não é suficiente para a decisão de direito, tendo em conta o objecto do processo, uma vez que ao tribunal se impõe que todos os factos pertinentes a esse objecto sejam averiguados e tenham merecido resposta.
Ou seja, como salienta Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito, o mesmo é dizer, verifica-se quando o tribunal a quo deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.
E ainda, pela sua assertiva abrangência, como se assinalou no acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.
Surge, afinal, como decorrência do princípio geral de descoberta da verdade material e da boa decisão da causa, consagrado no art. 340.º do CPP.
Assim definido o vício, a alegação do recorrente, referindo que Nos autos apenas constam cópias que não se sabe serem cópias verdadeiras e fiéis do documento original alegadamente falsificado pelo Arguido ou alguém a seu mando e O tribunal não procedeu a exame grafológico do documento original alegadamente falsificado, para determinar se foi o Arguido ou não quem procedeu ao desenho das assinaturas das Assistentes, o que deveria ter feito, acaba por ser alheia à perspectiva que o mesmo tem de reflectir.
Manifesta, implicitamente, discordância com a forma como a prova foi analisada e valorada, incluindo, aqui, a insuficiência de prova, o que nada tem a ver com o vício em causa, mas sim com alusão, afinal, a que a prova não permitiria, em seu entender, a condenação.
Aliás, confrontadas a acusação e as contestações, constata-se que o Tribunal se debruçou sobre todos os factos relevantes para a decisão, não incorrendo, pois, na invocada insuficiência.
Note-se, ainda, que, em razão do que o recorrente alega quanto às cópias constantes dos autos, a matéria de facto fixada ultrapassa eventuais dúvidas que, nesse âmbito, queira fazer valer em seu abono.
Por seu lado, o suscitado erro notório na apreciação da prova haverá de ser interpretado como o tem sido o facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).
Consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 2008, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).
Ainda, segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência».
Ora, se bem se compreende, o recorrente assenta a existência do vício, no essencial, conforme invoca:
O tribunal recorrido considerou erradamente no facto provado 4 que o Arguido tenha alterado o prazo do contrato de 6 meses para 3 anos.
O facto 4 não deveria ter sido dado por provado porquanto foi junto aos autos a fls .... - ... a cópia de um mail que o Arguido anexou à minuta do contrato, e que juntou na audiência de julgamento, pelo qual fica comprovado que do contrato enviado pela assistente, AC, constava o prazo de 3 anos e não o prazo de 6 meses.
O mesmo acontece relativamente ao ponto 7 da decisão recorrida, uma vez que na moradia em causa nunca houve qualquer interrupção de fornecimento de água, nem dos autos consta comprovadamente que o fornecimento de água tenha sido interrompido pela FAGAR.
Também os factos provados 9 e 10 não deveriam ter sido considerado provados.
Em consequência do referido a propósito dos factos 4, 7, 9 e 10, o facto 14º não deveria ter sido julgado provado.
Não consta dos autos, o contrato de arrendamento referido em 7º que o Arguido ou alguém por si tenha apresentado nos serviços da FAGAR.
Ou que tenha sido o Arguido a apresentá-lo nos serviços da FAGAR.
Insurge-se, como transparece, contra as circunstâncias, por um lado, de que não constem dos autos documentos originais e se não saiba se as fotocópias são fiéis aos documentos originais e, por outro, de que o depoimento de AC tivesse assumido a relevância conferida e a prova indirecta alicerçasse a convicção firmada.
Analisando o que convoca nesta vertente, cabe assinalar:
- quanto ao facto provado em 4.º, descura que se tivesse atentado, sobretudo, no depoimento de AC, por referência também ao documentado de “fls. 11 a 14 e 24 a 27”, tal como referido na motivação do Tribunal, sem que, através de alegado mail, que não indica qual, nem se descortina do constante de fls. 446 a 448 e 453 a 458, outro devesse ser o entendimento;
- relativamente ao facto provado em 7.º, haverá de o conjugar com o vertido no facto provado em 6.º e, também, pois, com o que teria resultado do referido depoimento, que não é infirmado, antes pelo contrário, pela análise à documentação de “fls. 85 a 96” e, diga-se, concretamente de fls. 86, donde se retira a menção a que em 11/11/13 se procedeu à ligação do contador da água no local;
- acerca dos factos provados em 9.º e 10.º, idênticas considerações merecem;
- sobre o facto provado em 14.º, surge, pois, como natural consequência lógica dos restantes, sendo que, conforme se motivou, não obstante a “natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão”, se teve por subjacente que “o arguido tinha o interesse nas acções ilícitas levadas a cabo (reposição da água e da electricidade no imóvel em questão) e teve a oportunidade para o efeito, sendo que, conforme demonstram os documentos respectivos, foi o arguido quem se apresentou nos serviços em causa (da FAGAR e da EDP) e quem apresentou a cópia do contrato de arrendamento com as assinaturas (falsificadas) das referidas depoentes/locadoras, não sendo crível e mesmo revelando-se totalmente inverosímil que no momento em que o arguido contactou a EDP para restabelecer a ligação da electricidade tenha surgido – como o próprio o afirmou em julgamento – o contrato de arrendamento assinado pelas locadoras na sua caixa do correio”.
No tocante ao ainda alegado, se bem que, na situação, se trate de cópias de suposto contrato de arrendamento, resulta inteligível, da sentença, que foram forjadas pelo recorrente, a partir da minuta que recebeu de AC e que alterou, vindo a manuscrever nas mesmas as referidas “assinaturas” como se fossem das locadoras.
Deste modo, as dúvidas suscitadas não têm razão de ser, já que, quer a matéria de facto, quer a motivação que presidiu à sua fixação, se apresentam consentâneas com o sentido que aqui se dilucida, além de que nem o esclarecimento fosse absolutamente necessário.
Por seu lado, quanto à relevância do depoimento, não surpreende, na medida em que a testemunha tinha conhecimento directo de grande parte dos factos, tanto mais quando confrontadas as declarações do aqui recorrente e atendida a documentação junta aos autos.
Acerca da utilização da prova dita indirecta, a motivação decisória afigura-se suficiente e, no caso, bem se compreende que a valoração das provas tivesse passado, também, por essa temática.
Já Cavaleiro de Ferreira referia, in “Curso de Processo Penal II”, Reimpressão da Universidade Católica, 1981, pág. 289, que tem suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa (…) Duma maneira geral, os indícios correspondem às presunções naturais em matéria civil.
Assim, Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir (Conselheiro Santos Cabral, ”A Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, inEstudos Jurídicos/Direito e Processo Penal, inwww.stj.pt).
Trata-se de prova aceite no processo penal (art. 125.º do CPP), desde que salvaguardada e fundamentada a concordância dos indícios, fortes e plurais, com a asserção estabelecida, fazendo intervir juízos de avaliação, produzidos através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
Além de que se compadece com os limites da livre apreciação da prova, respeitados que sejam os cuidados exigidos para essa valoração.
Como salienta Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º volume, pág. 202, tal liberdade significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, positivamente, não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos).
Em concreto, o Tribunal operou valoração lógica e racional, sem que se descortinem contra-indícios susceptíveis de infirmar as opções tomadas, tendo em conta os fundamentos que convocou à sua motivação.
Não se mostra, minimamente, que alguma regra probatória tivesse sido preterida e, além mais, as regras da experiência consentem o que foi dado por provado.
Assim, inexiste erro na apreciação da prova e, muito menos, notório.
A decisão respeitou os limites a que essa livre apreciação obedece.
E a motivação reflecte-o, tendo-se logrado convicção plenamente justificada.
Ou seja, em sintonia com os parâmetros sublinhados por Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 204 e seg.: Se a verdade que se procura é (…) uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (…) -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros (…) Não se tratará, pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.
O apelo ao invocado princípio in dubio pro reo não se revela compatível com a motivação que presidiu à matéria de facto, uma vez que não se vislumbra, de todo, que o Tribunal tivesse tido alguma dúvida quanto ao que entendeu por apurado ou que alguma dúvida se devesse ter imposto nas circunstâncias.
Outras considerações, neste âmbito, não se justificam, devendo, pois, a matéria de facto fixada ter-se como assente.
C) -da nulidade da sentença, relativamente ao enquadramento jurídico:
O recorrente alega, no tocante ao enquadramento jurídico-penal, que o tribunal recorrido enuncia a legislação aplicável, faz a caracterização do crime de falsificação, cita doutrina e conclui pela verificação de todos os elementos do tipo de crime de falsificação, Mas não associa, em concreto, os factos provados nem os elementos do tipo de crime às circunstâncias que encorpam as condutas que atribuiu ao Arguido.
Conclui, por isso, que falta a exposição dos motivos de direito que fundamentam a decisão.
A questão entronca, assim, nas exigências de fundamentação previstas no mencionado art. 374.º, n.º 2, que não se restringem aos motivos de facto da decisão e se impõem, também, em matéria de direito, isto é, no âmbito do tratamento jurídico que a matéria de facto apurada justifique.
Finalidades idênticas às aludidas em A) se revelam nesse aspecto, embora sem que seja exigível um desenvolvimento do assunto se o objecto em que incide não se apresenta especialmente sujeito a divergências interpretativas.
Resulta, então, da sentença:
«Conforme se deixou dito o arguido AAencontra-se acusado da prática em autoria material, na sua forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas a), c), d) e e), do Código Penal.
Dispõe o citado art.º 256º do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 59/2007 de 04/09 (que:
“1. Quem, com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento, ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (...)”
Por seu turno preceitua o art.º 255º, alínea c) do Código Penal que: “Para efeito do disposto no presente capítulo considera-se: a) Documento- a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta; (…) (...)”
O crime de falsificação de documentos encontra-se no título relativo aos crimes contra a vida em sociedade, sendo considerado um tipo de crime “a meio caminho entre os crimes contra os bens colectivos e os crimes patrimoniais” (vd. Figueiredo Dias, Actas 1993, 297).
“O que o crime de falsificação protege é a verdade intrínseca do documento enquanto tal” (cf. Figueiredo Dias/Costa Andrade, CJ, VII-3, 21 e segs.). Considerando que o crime de falsificação de documentos afecta toda a sociedade entendeu-se desde sempre que o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime era a fé pública, traduzido num sentimento geral de confiança nos actos públicos.
No entanto, evoluiu-se para a ideia de que o bem jurídico do crime de falsificação de documentos é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental(vd., neste sentido, Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos – da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documentos, 1999, 41 e segs.) (…).
O crime de falsificação de documentos constitui, pois, um crime de perigo, ou seja, após a falsificação do documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança e a fé pública já foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo.
Trata-se de um crime de perigo abstractopois o perigo não constitui elemento do tipo, mas apenas a motivação do legislador; basta pois que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou o colocar no tráfico jurídico. Assim, para que o tipo legal esteja preenchido não é necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo; basta que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico-criminal aqui protegido; basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico – verifica-se, pois, uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual.
Por isso, é também considerado como um crime formal ou de mera actividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado.
Porém, o crime de falsificação de documentos exige uma certa actividade por parte do agente, no sentido de fabricar, modificar ou alterar o documento. Daí que podemos considerar que se trata de um crime material de resultado, isto é “um crime formal considerado o resultado final que se pretende evitar (violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso), mas um crime material considerado o facto (modificação exterior) que o põe em perigo” – vd. Eduardo Correia, I, 288).
São elementos do tipo subjectivo do sobredito tipo de crime, não só o dolo genérico, em qualquer uma das modalidades previstas no art.º 14º do Código Penal, mas também o facto de o agente agir com intenção de causar prejuízo ou alcançar benefício ilegítimo.
O crime de falsificação de documentos é, pois, um crime intencional, não se exigindo, no entanto, uma específica intenção de provocar um engano no tráfico jurídico tal como acontece no sistema germânico (cfr. Blei, Strafrecht BT 316).
Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado. O facto de o agente ter de actuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico-probatório.
Ora, in casu, face à matéria fáctica apurada e que aqui se evita de repetir verifica-se que com a sua conduta o arguido preencheu todos os elementos objectivos e subjectivos da prática em autoria material, na sua forma consumada e em concurso efectivo de dois crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256.º, n.º1, alíneas a), c), d) e e), do Código Penal, por referência à alínea a) do art.º 255.».
Afigura-se, assim, que o Tribunal não deixou de explicitar o enquadramento que a “matéria fáctica apurada e que aqui se evita de repetir” mereceu, reportando-se às disposições legais aplicáveis e à caracterização do tipo de crime em presença.
Pode afirmar-se que associou essa matéria fáctica aos crimes que enunciou, se bem que, admite-se, pudesse ter sido mais pormenorizado na concretização dos fundamentos, numa síntese do que resultou provado para justificar a integração dos aludidos elementos objectivos e subjectivos do ilícito.
Fê-lo, contudo, de modo inteligível em razão do que estava em causa, uma vez que a clareza dos factos facilmente conduzia ao enquadramento que seguiu.
A fundamentação não se mostra ausente e, se alguma deficiência eventualmente se descortine, a mesma não se revela com a pertinência de contender com as finalidades que subjazem neste âmbito.
Reticências colocadas ao preenchimento do crime serão objecto do que em seguida se dilucida.
D) - do não preenchimento dos crimes de falsificação:
Assentando em diversos aspectos, o recorrente manifesta discordância no tocante ao preenchimento dos crimes por que veio a ser condenado.
A sua argumentação, no essencial, traduz-se em que:
(i) - temos de distinguir entre a falsificação de documento através de fotocópia e a falsificação de fotocópia;
(ii) - se perante um caso de tentativa impossível, (…) quando está em causa uma falsificação grosseira, ou seja, quando se trata de uma falsificação que é imediata e facilmente reconhecível por qualquer pessoa medianamente conhecedora e informada;
(iii) - Não ficou provada a verificação do prejuízo ou lesão patrimonial das Assistentes ou do Estado;
(iv) - não foi alegado nem ficou provado nos autos o benefício ou o benefício ilícito do Arguido em nexo de causalidade com as alegadas falsificações.
Vejamos.
(i) No que tange à referida distinção entre a falsificação de documento através de fotocópia e a falsificação de fotocópia, o recorrente assinala, e bem, que
Quando se utiliza a fotocópia como meio que permite o objetivo que é a falsificação, estamos perante um crime de falsificação, na medida em que a fotocópia foi produzida a partir do original e tem a aparência de original e Nos casos em que é a fotocópia que é falsificada e não o documento original não estamos perante um crime de falsificação, uma vez que relevante para o crime de falsificação é a declaração e não o suporte material da declaração.
Com efeito, conforme Helena Moniz, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Coimbra Editora, 1999, tomo II, págs. 667, 670 e 671, Documento, para efeitos de direito penal, não é o material que corporiza a declaração mas a própria declaração independentemente do material em que está corporizada; e declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação). O que permite integrar na noção de documento não só o documento autêntico ou autenticado do direito civil, que têm força probatória plena, mas qualquer outro - escrito, registo em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico - que integre uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante (…) e a falsificação de uma fotocópia é coisa distinta da falsificação do documento através da fotocópia. Neste segundo caso estamos a utilizar a fotocópia como o meio técnico que nos permite a falsificação. O documento, em vez de ser falsificado através de impressão de um novo documento, é fotocopiado criando-se um documento distinto do original. Ou seja, a alteração do conteúdo de um documento, quer esta alteração se tenha verificado porque o agente imprimiu um novo documento (com conteúdo distinto do documento original), ou porque o agente o fotocopiou, é irrelevante para efeitos penais - na verdade, em todos os casos trata-se de uma falsificação material do documento. Na verdade, a utilização da fotocópia é a utilização de um documento falsificado e neste sentido deve ser subsumível ao crime de falsificação de documentos (...).
E ainda, segundo o acórdão do STJ de 20.12.2006, no proc. n.º 06P3663, rel. Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt, uma vez que o documento para efeitos de direito penal é a declaração e não o objecto ou suporte material da declaração, a simples falsificação da fotocópia, do suporte do documento, não constitui falsificação de documentos, pois não se verifica uma falsificação de um documento enquanto declaração, já que a fotocópia, em si, constitui um suporte que não permite reconhecer o emitente da declaração, e em relação à qual (fotocópia) se encontram diluídos os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico, mas situação distinta é aquela em que o próprio acto de produção da fotocópia é, também, instrumento de manipulação do original fotocopiado, cujo conteúdo é alterado por essa forma. Tal alteração pode ser efectuada através da montagem do texto original, ou da sua digitalização, mas constitui sempre uma alteração do documento original que está a ser fotocopiado e, como tal, inscreve-se nos elementos constitutivos do crime de falsificação.
Na situação em análise, provou-se que o recorrente alterou a minuta do contrato, para o efeito consubstanciando-se como original do documento e, posteriormente, através de cópias do mesmo, manuscreveu nestas, nos locais destinados às assinaturas, os nomes das locadoras, além do seu próprio nome, assim dando origem a diferentes documentos.
Foi após a alteração do original que as cópias foram obtidas e, estas, por sua vez, deram lugar ao que apresentou a EDP Comercial e a FAGAR.
À luz dos factos assentes, não se está perante meras fotocópias de um documento, pelo que, por essa via, o crime de falsificação se verifica.
(ii) Acerca da invocada falsificação grosseira, o recorrente fundamenta-a em que as assinaturas das locadoras, que constam dos respetivos cartões de cidadão, não correspondem nem se aproximam minimamente às assinaturas que constam da fotocópia do documento alegadamente falsificado.
Serve-se, assim, do confronto das assinaturas manuscritas nos documentos (fls. 95 e 215) com as constantes desses cartões (fls. 20 e 66).
Ora, acompanhando Maia Gonçalves, ob. cit., pág. 749, «Questão sobre que o Código não tomou posição expressa é a do chamado falso grosseiro ou seja daquela falsificação que, reunindo embora os demais requisitos legais do tipo, não tem qualquer virtualidade para encontrar crédito junto daqueles a quem é destinada e portanto não é suscetível de causar prejuízo».
E conforme Helena Moniz, ob. cit., pág. 689, Dentro da tentativa impossível, integra-se não só a falsidade grosseira (que é fácil e imediatamente reconhecida) (…), o que equivale a dizer que seja inadequada para prova de facto juridicamente relevante, que constitui requisito necessário imprescindível à noção de documento (art. 255.º, alínea a), do CP).
Ora, a argumentação do recorrente não assume virtualidade para suportar que se esteja diante de falso grosseiro.
Na verdade, decorre, quer provada, quer fundamentada, qual a documentação apresentada pelo recorrente às referidas entidades prestadoras de serviços, na qual não se incluiu, que se saiba, comprovativo da identificação das locadoras, através da qual se permitisse o suposto confronto.
Assim, para além deste aspecto, provou-se que o recorrente logrou celebrar os visados contratos com aquelas entidades, sendo que a documentação que instruiu os pedidos foi bastante para esse efeito, claramente relevante do ponto de vista jurídico, sem que outras exigências se tivessem tornado necessárias para a concretização dos mesmos.
E note-se, não se descortina, aliás, nem o recorrente o menciona, que, em abono ao subjacente aos contratos em causa, a experiência imponha acrescidas formalidades.
(iii) Sobre o prejuízo ou a lesão patrimonial das locadoras ou do Estado, basta atentar nos factos provados em 4.º, 5.º, 10.º, 13.º e 14.º, sem descurar o provado em 15.º e 16.º, conjugados com a fundamentação do Tribunal, que se acolhe, de que:
O crime de falsificação de documentos constitui, pois, um crime de perigo, ou seja, após a falsificação do documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança e a fé pública já foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo.
Trata-se de um crime de perigo abstractopois o perigo não constitui elemento do tipo, mas apenas a motivação do legislador; basta pois que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou o colocar no tráfico jurídico.
Assim, para que o tipo legal esteja preenchido não é necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo; basta que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico-criminal aqui protegido; basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança, que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico – verifica-se, pois, uma antecipação da tutela do bem jurídico, uma punição do âmbito pré-delitual.
Por isso, é também considerado como um crime formal ou de mera actividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado;
para concluir pela ausência de razão do recorrente.
(iv) Finalmente, em sede da alegada inexistência de prova do benefício ilícito, assim não acontece.
A tanto respondem os factos provados em 14.º e 15.º, pelo que não se alcança minimamente suporte para o alegado.
Perante tudo o que se deixou assinalado, outra conclusão não resta senão considerar que o Tribunal andou bem ao condenar o recorrente pelos crimes de falsificação de documento e nos termos em que o fez.
3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,
- manter integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 UC (arts. 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).
Processado e revisto pelo relator.
22.Outubro.2019
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(Carlos Jorge Berguete)
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(João Gomes de Sousa)