CONTRA-ORDENAÇÃO
OMISSÃO ELEMENTO OBJETIVO
ABSOLVIÇÃO
Sumário


I) Dispõe o art. 4º,nºs1 a 3 do Código da Estrada que:

«1 - O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal.
(…)
3 - Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
- Desobedecer a uma ordem de paragem é não parar, prosseguir a marcha”.
Constando apenas da factualidade provada que o arguido “desobedeceu à ordem de paragem que lhe tinha sido dada” e não resultando já da acusação pública que o arguido tenha visto o sinal de paragem que lhe foi feito pelos militares da G.N.R e que apesar disso não parou/imobilizou o seu veículo ou prosseguiu a marcha após o mencionado sinal, impõe-se a sua absolvição por falta do elemento objectivo da contraordenação em apreço, e não o reenvio dos autos para novo julgamento por verificação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410º,nº2,al.a) do C.P.P..
II) Para tal, era pressuposto que tais factos fizessem parte do objecto do processo, ou melhor, tivessem sido vertidos na acusação pública, e que o tribunal não os tivesse averiguado.

Texto Integral


Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

I. Relatório

1.
No processo comum singular 19/17.2GABCL que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Competência Genérica de Esposende -Juiz 1, realizado julgamento foi proferida sentença que, para além do mais, condenou o arguido J. P. pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 4º., nº 1 e 3 do Código da Estrada, na coima de € 600,00 (seiscentos euros).

2.
Não se conformando com essa condenação, vieram os arguidos recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

«III – CONCLUSÕES SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

A) Não se concebe como o Mmo. Juiz tenha considerado provado que o arguido tenha desobedecido à ordem de paragem feita pelos dois militares da GNR, uma vez que dos depoimentos prestados pelos três militares da GNR que se encontravam no local e depuseram sobre o momento em que o arguido passou pelos mesmos, não resulta qualquer declaração que demonstre ao tribunal que o arguido tivesse visionado a ordem de paragem;
B) Refira-se que o militar S. G. refere de forma espontânea que quando se preparava para proceder à ordem de paragem, vê o arguido a cerca de 100 metros do local onde se encontrava, em grande velocidade e até chegar ao local onde se encontrava, o arguido ainda ultrapassou dois veículos;
C) Ora, resulta da experiência comum que seria difícil ao arguido no espaço de cerca de 100 metros, seguindo a uma velocidade excessiva para o local, ultrapassar duas viaturas e ainda fazer retomar o veículo à sua hemi-faixa direita de modo a visionar os militares da GNR e a carrinha caraterizada que se encontrava estacionada na berma da estrada, do lado em que o arguido seguia. Aliás, as testemunhas S. G. e V. R. referem até que o arguido vem pelo meio da faixa sempre em ultrapassagens sucessivas e em excesso de velocidade;
D) Aliás, do depoimento dos militares retira-se de forma clara que não existiu qualquer alteração da velocidade a que o arguido seguia quando passou pela patrulha da GNR que ali se encontrava na beira da estrada;
E) Ficou, aliás, demonstrado que o arguido não aumentou a velocidade (como erradamente constava da acusação pública) nem diminuiu a velocidade antes, manteve a velocidade a que seguia;
F) Ora, de acordo com as regras da experiência comum, caso o arguido tivesse visionado os militares ou a ordem de paragem e pretendesse desobedecer à mesma, era normal que tivesse acelerado a sua marcha, o que não ocorreu, circunstância (que resulta provada pelo depoimento dos militares) que permite a conclusão que o arguido não terá visto a ordem de paragem;
G) Conclusão que não choca já que o arguido vem em fuga de um veículo de cor branca com dois indivíduos lá dentro, cuja identificação ou razão de perseguição desconhecia;
H) Retira-se ainda de depoimento do militar da GNR que o arguido vinha a meio da faixa de rodagem em constante ultrapassagem, não sendo difícil admitir que o arguido, encontrando-se em fuga de uma viatura que desconhecia, nunca admitisse por hipótese que surgisse uma paragem stop por autoridade policial, tanto mais que o local onde os militares se encontravam é uma recta e, portanto, o sítio ideal para o arguido se tentar distanciar do veículo que o perseguia e fazer várias ultrapassagens, como de facto resulta dos depoimentos das testemunhas e do próprio arguido que confessa que seguia a alta velocidade e a fazer ultrapassagens e a olhar constantemente para o espelho retrovisor para vigiar o carro que o perseguia;
I) Acresce que, os depoimentos acerca do local exato do posicionamento dos dois militares da GNR aquando da ordem de paragem não foi, cremos, consistentes e coerentes entre si, o que se exigia, perante um facto que supostamente foi vivenciado e presenciado pelos militares;
J) Aliás, sem olvidar da prevalência da produção da prova que é feita na audiência de julgamento, o arguido não pode deixar de referir as contradições manifestas que resultam dos depoimentos dos militares na fase de inquérito, assim como do auto de notícia cujo escrito é um claro exemplo da falta de rigor e competência pela qual se deve pautar uma autoridade policial, com a agravante, de estarmos perante um documento oficial que gerou a instauração de um processo-crime a um cidadão, sendo, por isso, inexplicável como a sentença considerou o teor do auto de notícia quando este é um claro exemplo de má prática policial, pelo seu conteúdo mal intencionado e falso;
K) Regista-se, por fim, aquele que achamos o depoimento mais isento, prestado pelo militar J. A. (que o Mmo. Juiz o considerou credível e, como tal, considerado) na medida em que o mesmo era o condutor da carrinha onde seguiam todos os militares, e que estacionou a carrinha de frente para o sentido de marcha em que o arguido surgia e que assinalou, de forma espontânea que às tantas o arguido não os viu, tal era a velocidade a que seguia, tanto mais que as fardas que usam (cor azul escura), não são facilmente destacadas ou visíveis ao longe pois, a sua cor não sobressai (como ocorreria se os militares ostentassem por exemplo, coletes refletores ou sinaléticas refletoras);
L) Assinala-se que este militar em concreto, que se encontrava no lugar do condutor de uma carrinha “furgão” em uso por aquela força e, portanto, com o campo de visão sem quaisquer obstáculo e a cerca de dois metros acima do solo, é o único espectador privilegiado, em condições únicas e privilegiadas para observar tudo o que se passou;
M) Deste modo, ouvir da boca do mesmo, de forma espontânea, admitir que o arguido pudesse não ter visto a ordem de paragem, traz ao processo e ao julgador uma convicção forte e inabalável de tal evidência, o que presta um contributo decisivo para a alteração da condenação aplicada ao arguido;
N) Deveria ter prevalecido na apreciação de toda a prova o princípio do in dúbio pro reo já que o relato do arguido sai corroborado pelo militar que em melhores condições se encontrava para visionar o ocorrido, os dois militares da GNR que deram a ordem de paragem, pese embora, admitam impossível ou difícil o arguido não os ter visto, não trazem ao processo qualquer circunstância ou facto que “tirasse todas as dúvidas”, cingindo-se a demonstrar a sua opinião pessoal sobre o sucedido, não tendo demonstrado disponibilidade ao longo em todo o depoimento de se colocar no lugar do arguido, preferindo optar pela comodidade de referir que o arguido só os podia ter visto, não obstante não relatarem qualquer facto, sinal, expressão ou reação externa que aquele ou a viatura em que seguia, tivessem manifestado;
O) Não resultou demonstrado que no primeiro momento (quando o arguido foi abordado pelos militares “à paisana” e num veículo descaraterizado) que os militares tivessem dirigido qualquer ordem ou instrução ao arguido (veja-se os dois primeiros parágrafos dos factos não provados) pelo que, a comunicação que foi dada pelos militares que seguiam o veículo do arguido aos militares que fizeram a ordem de paragem é suportada num facto falso e inexistente pois, o arguido não se encontrava em fuga ou desobediência a qualquer ordem policial, que nunca lhe foi dada (resulta apenas dos factos provados que o militar à paisana, num carro branco descaraterizado, de dentro do seu carro, identificou-se como GNR perante o arguido que por sua vez também se encontrava dentro do seu carro! Situação risível e insólita que não é objecto do presente recurso por a mesma não colidir, cremos, com o sentido da decisão da contra-ordenação aqui posta em causa);
P) Aliás, neste particular, lamenta-se que o Mmo. Juiz se tenha convencido no depoimento dos militares R. P. e C. R. na parte em que o primeiro se identificou como sendo militar da GNR ao arguido pois, aqueles nunca se identificaram como tal, antes, tendo o R. P. dirigido as palavras em tom agressivo “sai do carro caralho” enquanto tentava colocar a mão no volante para o impedir de seguir a marcha. Todavia, porque entende que tal momento não colide diretamente com os factos aqui postos em causa (que ocorreram noutro local e com outros intervenientes) não debruçará o presente recurso a esta matéria, sendo certo que se assume importante, pese embora não seja essencial, assinalar que no momento em que o arguido passou pela patrulha que lhe deu ordem de paragem continuava a julgar (erradamente) que era perseguido por dois indivíduos cuja identidade desconhecia (o arguido declara que só fica a saber que havia sido perseguido por militares da GNR à paisana através de familiares, quando já se encontrava em casa do tio);
Q) Ora, salvo melhor opinião, entende que antes de se considerar se o arguido viu a ordem de paragem e, nessa medida, desobedeceu ou não à mesma, deverão ser avaliadas as concretas circunstâncias fácticas que motivaram a referida ordem pois, entende o arguido que inexistem quaisquer circunstâncias que pudessem motivar ou justificar como legal a referida ordem de paragem que foi dada ao arguido, que se suportou numa informação falsa (de que o arguido desobedeceu aos militares);
R) Pois, resulta demonstrado dos autos que os militares que deram a ordem de paragem não estavam em fiscalização de rotina (que nunca fazem pois são uma força de intervenção) mas antes que, por ordem errada dos colegas que perseguiam o veículo do arguido, que afirmaram que o mesmo lhes fugia (como poderia fugir se os militares não lhe deram qualquer ordem ou instrução?) decidiram parar a sua viatura com o fim específico de dar ordem de paragem. E aqui pergunta o arguido: qual o fundamento ou legitimidade desta ordem de paragem? Mesmo que tivesse visto os militares (o que não se verificou), incorreria o arguido numa contra-ordenação mesmo que se considere que tal ordem se baseou em pressupostos errados e inexistentes? Somos do parecer de que como aquela ordem não é legítima, a não paragem do arguido não infringe qualquer disposição legal, e em particular a correspondente à disposição legal do Código da Estrada.

IV – CONCLUSÕES SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO:

A) Através de uma leitura atenta dos factos considerados provados na sentença, entendemos que o Mmo. Juiz não poderia considerar preenchido o elemento subjetivo da contra-ordenação com que sancionou o arguido já que, apesar de se encontrarem preenchidos os elementos objetivos (a ordem de paragem e a não obediência da mesma por parte do arguido) falta a verificação do elemento subjetivo isto é, onde consta dos factos provados que o arguido apesar de ter avistado os militares da Guarda Nacional Republicana não obedeceu à ordem de paragem?
B) Onde está nos factos provados que o arguido apesar de se ter apercebido da ordem de paragem executada pelos militares, prosseguiu a sua marcha?
C) Salvo o devido respeito, da matéria de facto dado como provada apenas consta que o arguido desobedeceu à ordem de paragem ora, tal facto não demonstra nem esclarece se o Mmo. Juiz entendeu que o arguido desobedeceu porque não viu ou desobedeceu porque quis;
D) Dos depoimentos dos militares apenas resulta a convicção de dois de que o arguido só os pode ter visto e a convicção de um de que o arguido às tantas não os viu pois seguia a alta velocidade e em constantes ultrapassagens. De nenhum depoimento se retira qualquer prova ou mínimo sinal de reação quer do arguido quer do veículo em que seguia à passagem pelos militares;
E) Pede-se licença para o dizer, a forma tímida com que descreve a única factualidade que contribui para reunir um dos pressupostos da punição é manifestamente escassa e insuficiente para preencher o elemento subjetivo da contra-ordenação aplicada ao arguido, já que não consta da matéria de facto dada por provada os requisitos mínimos para demonstrar que a conduta do arguido foi conducente ao preenchimento da contra-ordenação, nem a título de dolo nem a título de negligência;
F) Aliás, neste particular, entende o arguido que ocorre aliás, uma omissão completa quanto ao preenchimento do tipo de ilícito no que se refere à demonstração da (in)existência de dolo ou negligência por parte do arguido ao não ter parado perante a ordem dos militares pois, apesar de essas duas certezas resultarem demonstradas da audiência, de que a ordem de paragem foi dada (outra questão é saber se a mesma é legítima) e que o arguido não obedeceu, das mesmas não se retira que o arguido tivesse sequer admitido a possibilidade de, naquela via e naquela circunstância, pudesse surgir uma autoridade policial dando-lhe ordem de paragem, ou seja, da própria sentença não consta sequer factos dados como provados que suportem uma conduta a título negligente inconsciente;
G) Estamos, por isso, convictos que a sentença está ferida de nulidade por falta de fundamentação da ilicitude da conduta do arguido, o que determina a sua nulidade nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal por ausência da fundamentação (apenas) no tocante ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo de ilícito;
H) Atentos os factos dados como provados, e a ausência de um que suporte o conhecimento e vontade do arguido sobre a presença dos militares na via e a ordem de paragem dada pelos mesmos (no fundo, inexiste um facto dado como provado no sentido de o arguido apesar de ter visto a ordem não a obedeceu) entende o arguido que o sentido da sentença deveria ter sido de absolver igualmente o arguido da prática da contra-ordenação prevista no artigo 4.º, n.º 1 a 3 do Código da Estrada;
I) Ao assim não entender, violou a decisão o disposto nos artigos 127.º e 327.º do CPP e artigo 13.º do Código Penal e artigo 8.º e 58.º, n.º 1 c) do Decreto-Lei 433/82 de 27 de Outubro (Ilícito de Mera Ordenação Social) que determinam que só poderá ser punível um crime que tenha sido praticado com dolo ou, nos casos previstos, com negligência, e que a decisão deverá conter a fundamentação;
J) Por uma análise crítica da prova produzida em audiência, não obstante o Mmo. Juiz não se ter convencido com as declarações do arguido, o certo é que de todos os depoimentos prestados nenhum foi claro e inequívoco de que o arguido se apercebera e visionara os militares da GNR e a ordem de paragem que lhe foi dirigida, o que se reflete na ausência de factos dados como provados que demonstrem tal conhecimento e visionamento. Desse modo, em face de tal prova, e da análise crítica da prova que supra evidenciamos, entende o recorrente que não restaria ao Mmo. Juiz outra solução do que o princípio natural de prova em processo penal que é o do “in dubio pro reo”, imposto pela lógica, pelo senso e pela probidade processual. Ao assim não entender, violou o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, disposição legal a que se deveria ter socorrido para proferir a decisão absolutória.
K) Assim, perante as conclusões supra descritas e a insuficiência manifesta de prova para suportar a condenação do recorrente, deverá o arguido ser absolvido da prática da contra-ordenação prevista no artigo 4.º do Código da Estrada.

Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento e em conformidade deverá ser proferido douto acórdão que, revogando a decisão em recurso considere inexistirem elementos objetivos e subjetivos para suportar a condenação do recorrente na prática da contra-ordenação prevista no artigo 4.º do Código da Estrada, absolvendo o mesmo, o que se refletirá na responsabilidade pelo pagamento das custas, que não lhe poderão ser exigidas.
V.ª Exas., porém, superiormente decidirão, fazendo como habitualmente Justiça».

3.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:

1- O Mm.º Juiz a quo fundamentou, justificando de forma cabal e inteligível, o motivo pelo qual conferiu mais credibilidade a determinados elementos de prova, em detrimento de outros, à luz das regras da experiência e no âmbito da sua livre convicção.
2- Resultando que no dia dos factos, a equipa do PIR do Destacamento de Intervenção de Braga encontrava-se com o veículo imobilizado - uma carrinha de 9 lugares, na EN 13, com os sinais luminosos accionados, e, ao ver aproximar o veículo conduzido pelo arguido, tendo os militares do PIR S. G. e V. R. devidamente uniformizados se posicionado apeados na faixa de rodagem e, com o braço na vertical, dado ordem de paragem, não tendo o arguido parado, desobedeceu à ordem de paragem que lhe tinha sido dada por aqueles.
3- Praticou o arguido a contra-ordenação subsumível ao artigo 4º, nº 1 e 3 do Código da Estrada.
4- Não foram violados quaisquer normas legais ou princípios gerais de Direito.

Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Tribunal a quo na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo arguido J. P. improcedente, como é de toda a

4.
Neste tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora – Geral Adjunta emitiu parecer, considerando, a respeito da pretendida impugnação da matéria de facto, que o recorrente não deu cumprimento aos ónus de especificação impostos pelos nº3 e 4 do art. 412º, do C.P.P., assistindo-lhe porém razão na parte em que alega que os factos dados como assentes são insuficientes para preencher os elementos da contra-ordenação por que foi condenado, quer os objectivos, quer subjectivos.

Pugna assim do entendimento que sendo o facto inserto no ponto 10 meramente conclusivo, não tendo o tribunal apurado outros factos donde pudesse retirar a conclusão de que o arguido desobedeceu ao sinal de paragem, ou seja, de que o mesmo viu o sinal de paragem que lhe foi feito pelos militares da GNR e de que apesar disso não parou o veículo, a sentença padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art. 410º,nº2,al.a) do C.P.P., impondo-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º,nº1, do mesmo Código.

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido respondeu ao parecer, concluindo que o recurso por si interposto na parte atinente à impugnação da matéria de facto obedeceu aos requisitos legais e, assim sendo, deverá ser considerado.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A)Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

-impugnação da matéria de facto/violação do princípio “In Dubio Pro Reo”;
-insuficiência da matéria de facto dada como provada/falta de elementos objectivos e subjectivos para o preenchimento da contra-ordenação pela qual foi condenado.

B) Da Sentença Recorrida

Foi do seguinte teor a sentença recorrida (transcrição):

«II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 10-08-2017, cerca das 11:00h, na Rua …, em …-Esposende, o arguido encontrava-se no interior do seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula NL, cujo motor mantinha em funcionamento, ocupando o lugar do condutor.
2. Nessa ocasião, o arguido foi abordado por uma patrulha da GNR de Esposende, composta pelos militares R. P. e C. R., ambos trajando à civil e fazendo-se transportar num veículo descaracterizado.
3. O militar C. R. identificou-se perante o arguido como sendo militar da GNR.
4. Na sequência do acima referido, e sem que nada o fizesse prever, o arguido engrenou a marcha atrás do automóvel e colocou-o em andamento, chegando a colidir com um muro ali existente.
5. Acto contínuo, colocou-se em fuga daquele local, circulando ao volante do referido veículo e determinando a sua velocidade e trajectória em direcção à EN 13.
6. A patrulha da GNR composta pelos militares R. P. e C. R. iniciou, então, o seguimento do automóvel do arguido pela EN 13, em direcção ao Porto, no qual também tomou parte uma equipa do Pelotão de Intervenção Rápida (PIR) do Destacamento de Intervenção de Braga comandada pelo Cabo S. G., equipa essa que, para esse fim, recorreu à marcha de urgência, utilizando os respectivos sinais luminosos de sinalização.
7. Encontrando-se já a equipa do PIR do Destacamento de Intervenção de Braga na Rua …, perto da bomba de combustível da GALP, recebeu indicações da patrulha composta pelos militares C. R. e R. P. de que o arguido circulava em fuga em direcção à sua posição.
8. Nesse instante, os elementos do PIR imobilizaram o seu veículo- uma carrinha de 9 lugares- na EN 13, tendo recorrido aos sinais luminosos para sinalizar a presença do veículo e dos militares da GNR, os quais se encontravam devidamente uniformizados, preparando-se para interceptarem o arguido e mandarem-no parar à sua aproximação daquele local.
9. Ao ver aproximar o veículo conduzido pelo arguido, os militares do PIR S. G. e V. R. posicionaram-se apeados na faixa de rodagem e, com o braço na vertical, deram-lhe ordem de paragem.
10. O arguido desobedeceu à ordem de paragem que lhe tinha sido dada por aqueles.
11. Agiu o arguido com o propósito concretizado de obstar a que os referidos militares da GNR cumprissem as suas funções, nomeadamente, a de consumarem a ordem de paragem e de o autuarem.
12. O teor do CRC de fls. 162 e 163, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

(Das condições socio-económicas do arguido)

13. O arguido é pescador e aufere em média € 700,00 mensais.
14. Vive em casa dos pais, com estes, uma irmã, namorada e um filho de um ano de idade.
15. Contribui com a quantia de € 300,00 mensais para as despesas do agregado familiar.
16. Paga uma prestação mensal de € 150,00 no âmbito de empréstimo contraído para a compra de veículo automóvel.

(Da contestação)

17. No indicado dia 10 de Agosto de 2017, quando saía do estabelecimento de diversão nocturna …, R. C., que conduzia o veículo do arguido (seguindo o arguido também no interior do carro), foi detido pelas autoridades policiais em fiscalização rodoviária de rotina naquelas imediações, em virtude de não estar legalmente habilitado para conduzir.
18. Após a detenção do referido R. C., o arguido estacionou a referida viatura e ali aguardou por algum tempo aguardando que o referido R. C. regressasse ou lhe dissesse algo.
19. Previamente ao momento referido em 2, o arguido ligou a ignição do veículo, preparando-se para iniciar a marcha.
20. Após ter conseguido arrancar, apercebe-se que o veículo de cor branca referido em 2 saíra em sua perseguição.

Factos não provados:

Todos os que se mostrem em contradição com os factos dados como provados, supra descritos, designadamente que:

- o militar R. P. identificou-se perante o arguido;
- os referidos militares exibiram a sua carteira profissional ao arguido, e solicitaram-lhe que se identificasse e exibisse os documentos do veículo;
- o Pelotão de Intervenção Rápida (PIR) do Destacamento de Intervenção de Braga referido em 6 utilizou os respectivos sinais sonoros de sinalização;
- no instante em que o arguido se aproximou do local onde se encontravam os referidos militares, imprimiu um aumento de velocidade ao seu veículo, conduzindo-o na direcção daqueles, sendo que tais militares só não foram embatidos pelo automóvel do arguido pelo facto de se terem desviado para a berma da faixa de rodagem.
- o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, ao imprimir velocidade ao seu veículo e ao conduzi-lo na direcção dos militares da GNR S. G. e V. R., os quais se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, com o propósito de desobedecer à ordem de paragem que lhe tinha sido dada por aqueles.
- para obstar a que os referidos militares da GNR cumprissem as suas funções, nomeadamente, a de consumarem a ordem de paragem e de o autuarem, o arguido não se coibiu de, para tanto, levar a cabo uma condução que poderia ter atentado contra a integridade física dos militares, causando-lhes receio e impedindo-os de exercerem as suas funções, assim logrando colocar-se em fuga e furtar-se à ordem de paragem que lhe foi transmitida.
- sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei;
- de forma súbita, surgiu um veículo automóvel de cor branca, de marca Opel, tendo saído de dentro do mesmo um individuo que de imediato o abordou através da janela do condutor, agarrou o volante e disse-lhe “sai do carro caralho!”, o que repetiu por duas vezes;
- na referida ocasião, o arguido ficou muito assustado, temendo que lhe fossem
fazer mal ou assaltar;
- em momento algum, o arguido colocou como hipótese que os dois homens pudessem ser agentes de autoridade, já que não se encontravam fardados nem se apresentaram num veículo da polícia (já que surgiram numa viatura descaracterizada);
- o arguido não percebia qual a razão de tal perseguição, temendo pela sua vida e integridade física, receando que o quisessem paralisar para um eventual ajuste de contas por confusão com outra pessoa, ou infligir outro mal;
- o arguido, temendo pela sua vida, só se lembra de ter seguido e conduzido de forma rápida no sentido de desanimar quem seguia no seu encalço e chegar rapidamente a sua casa, o único local que desejou estar em todas as frações de segundo do tempo que mediou entre o início da marcha e a chegada a sua casa;
- no que concerne à paragem stop, que consta dos autos lhe ter sido feita, a mesma é totalmente estranha ao arguido já que não viu qualquer agente de autoridade ou veículo dando-lhe ordem de paragem, circunstâncias que desconhece de todo;
- o agente que abordou o arguido e outros terão ficado revoltados com o arguido, certamente por não o terem conseguido intercetar e por terem sofrido um acidente de viação perto da residência do arguido;
- nesse mesmo dia diferentes agentes de autoridade, em diferentes momentos, uns fardados, outros à paisana, deslocaram-se ao seu domicílio “jurando que o iam apanhar”, criando um clima de medo e pânico no arguido e seus familiares;
- no dia a que os autos se suportam e nos que se lhe seguiram, o arguido não conseguiu descansar, tendo perturbações do sono, em virtude de ter vivenciado stress, ansiedade e mau estar, sentimentos próprios e habituais para uma situação desta natureza;
- os agentes de autoridade que se deslocaram a sua casa afirmaram que “quando o apanhassem ele ia ver”;
- o arguido é bem considerado por aqueles que com ele privam, sendo tido como pessoa pacífica, educada, séria e calma

Motivação da matéria de facto

A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do Código de Processo Penal), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Antes de mais, importa sublinhar que quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.
Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, vide RICCI BITTI/BRUNA ZANI, A comunicação como processo social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997).

O juiz deve ter uma atitude crítica de avaliação da credibilidade do depoimento não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber (vide Acórdão de 17 de Janeiro de 1994, publicado na revista Sub Judice, nº6-91).
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal. Obviamente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, desde logo, como decorrência do disposto no artigo 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o princípio da livre apreciação das provas, previsto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.
Cumpre, ainda, salientar, na sequência do que vem de expor-se, que a tarefa do julgador na decisão da matéria de facto está necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano.
A vivência social e conhecimento da realidade, ainda que consubstanciando sempre uma certa margem de risco relativamente ao apuramento da verdade, mas com o qual se deve conviver, sempre temperam a decisão sem excessivos dramatismos e sem descurar os cuidados que necessariamente se impõem.
Outro sistema, que não este, que tem consagração no já referido princípio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça.
Deste modo, a matéria de facto tida como provada pelo tribunal resultou da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros vindos de referir.
Considerou-se o depoimento credível e desinteressado de R. P., militar da GNR, que descreveu o modo como abordaram o arguido na hora e local constantes da acusação, a fim de verificar se o mesmo estaria na posse de substâncias ilícitas. A testemunha e C. R. estacionaram ao lado do veículo do arguido, sem farda, e num veículo descaracterizado. O veículo do arguido já tinha a marcha-atrás engrenada, e a partir do momento em que o militar da GNR C. R. se identifica como GNR, encontrando-se dentro do carro, o arguido colocou-se em fuga, tendo no processo embatido num muro. A testemunha saiu do carro em direcção à porta do condutor, mas nunca se conseguiu aproximar da mesma. Após, a patrulha onde seguia fizeram o seguimento do veículo conduzido pelo arguido, a alguma distância, tendo-o perdido de vista depois de passarem a Estela em direcção a Póvoa de Varzim, na EN 13.
Do mesmo modo, C. R., de forma descomprometida e circunstanciada descreveu a abordagem feita por si ao arguido, identificando-se como militar da GNR, a que se seguiu a fuga do arguido em direcção à EN 13. A patrulha onde seguia fez o seguimento do veículo conduzido pelo arguido, à distância, tendo conseguido segui-lo até perto das bombas da Galp da ….
O tribunal louvou-se no depoimento credível e desinteressado de S. G., que relatou o modo como, no dia em causa, fazendo parte do PIR do Destacamento de Intervenção de Braga, encontrando-se numa recta com boa visibilidade, na EN 13, em Estela, Póvoa de Varzim, se colocou dentro da hemifaixa de rodagem no sentido Esposende Póvoa, e, com o braço na vertical, deu ordem de paragem ao veículo conduzido pelo arguido. O veículo da GNR, uma carrinha de 9 lugares, encontrava-se com as luzes de emergência ligadas, com parte da traseira ainda na estrada, e a testemunha encontrava-se fardada, com o braço na vertical, tendo dado ordem de paragem ao referido veículo. Este não obedeceu à ordem de paragem e não tem dúvidas que o arguido o viu e ao militar V. R. que, juntamente com ele, efectuou a ordem de paragem. O veículo onde o arguido seguia não travou nem abrandou, tendo feito uma manobra para se afastar dos militares da GNR que, vendo que tal veículo não ia parar, se desviaram do mesmo.
No mesmo sentido depôs a testemunha V. R., militar da GNR, que referiu que juntamente com a testemunha S. G., dirigiu-se sensivelmente ao para o meio da faixa de rodagem, sendo o local uma recta com boa visibilidade, encontrando-se fardado, e procedeu à ordem de paragem do veículo conduzido pelo arguido, fazendo uso do braço na vertical. Este não abrandou e a testemunha e o militar V. R. desviaram-se do veículo, por terem receio de que se não o fizesse viessem a ser embatidos por aquele. Desconhece, porém, se o mesmo ia direito aos militares da GNR. Mais referiu, ainda, que era impossível o arguido não ter a testemunha e o militar V. R..
J. A., militar da GNR, depôs de forma credível, tendo o seu depoimento sido considerado. Localizou da carrinha do PIR face à EN 13, que se manteve com os sinais luminosos accionados, e o sinal de paragem efectuado por dois militares da GNR, a um veículo de marca Peugeot, que circulava em velocidade excessiva, não tendo abrandado nem parado face à ordem de paragem efectuada.
A análise conjugada de toda a prova supra referida, vista à luz das regras da experiência, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção no sentido dos factos dados como provados.
Note-se que o depoimento das testemunhas supra referidas, prestadas por pessoas que não têm qualquer interesse nos presentes autos, e que não conheciam o arguido, não suscitaram qualquer tipo de reservas, tendo sido valoradas.
Dessa prova resulta, de forma segura, que o arguido desrespeitou o sinal de paragem efectuado pelos militares da GNR, que se encontrava em exercício de funções.
Já não se provou que o mesmo tenha acelerado o seu veículo após a ordem de paragem, na direcção dos militares da GNR, obrigando-os a desviar-se para evitarem ser atingidos.
As declarações do arguido, que negou ter visto a ordem de paragem dos militares da GNR não tiveram apoio em qualquer outra prova considerada credível, não tendo as mesmas sido adequadas a afastar o que da prova anteriormente referida resultou (afigurando-se ao tribunal que o mesmo apenas procurou dar uma versão no sentido de afastar a sua responsabilidade pelos factos praticados).
A testemunha B. F. não foi testemunha presencial dos factos em questão, nada podendo adiantar quanto aos mesmos, com relevo para a decisão a tomar.
Foram ainda considerados o auto de notícia de fls. fls. 3 a 7, suporte fotográfico de fls. 8, fls. 9 a 19, fls. 20 a 24, 44, CRC de fls. 162 e 163, e RIC do arguido junto aos autos.
Relativamente às condições económicas, sociais e familiares, foram tidas em consideração as declarações do arguido, já que não se entreveem motivos para as afastar.
A convicção do tribunal, para a determinação da matéria de facto dada como não provada, resultou da ausência de produção de prova ou de prova suficientemente convincente da sua realidade, pela análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

(…)

IV - Da contra-ordenação p. e p. no art. 4º, nº 1 e 3 do Código da Estrada

O arguido veio ainda acusado pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. nos termos do art. 4º, nº 1 e 3 do Código da Estrada.

Dispõe o referido preceito legal que:
“1 - O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal.
(…)
3 - Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.”.

Resulta do teor da matéria de facto dada como assente que no dia 10-8-2017, encontrando-se já a equipa do PIR do Destacamento de Intervenção de Braga na Rua …, perto da bomba de combustível da GALP, recebeu indicações da patrulha composta pelos militares C. R. e R. P. de que o arguido circulava em fuga em direcção à sua posição.
Nesse instante, os elementos do PIR imobilizaram o seu veículo - uma carrinha de 9 lugares- na EN 13, tendo recorrido aos sinais luminosos para sinalizar a presença do veículo e dos militares da GNR, os quais se encontravam devidamente uniformizados, preparando-se para interceptarem o arguido e mandarem-no parar à sua aproximação daquele local.
Ao ver aproximar o veículo conduzido pelo arguido, os militares do PIR S. G. e V. R. posicionaram-se apeados na faixa de rodagem e, com o braço na vertical, deram-lhe ordem de paragem.
O arguido desobedeceu à ordem de paragem que lhe tinha sido dada por aqueles.
Pelo exposto, praticou o arguido a contra-ordenação subsumível ao artigo 4º, nº 1 e 3 do Código da Estrada.
No que concerne à determinação da medida concreta da coima aplicável à referida contra-ordenações ao Código da Estrada, rege o art. 139º deste diploma, que se configura como uma norma especial relativamente à do art. 18.º do DL n.º 433/82, de 27.10: «A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos».

In casu, atentos os factos, designadamente o nível médio da culpa, a gravidade da contra-ordenação e ausência de contra-ordenações estradais (RIC junto aos autos), entende-se adequado punir a contra-ordenação sub judice na coima de € 600,00.

C) Apreciação do Recurso

Tendo em conta as questões supra enunciadas, impõe-se apreciar, em primeiro lugar, a que se prende com a insuficiência da matéria de facto/falta de elementos objectivos e subjectivos para o preenchimento da contraordenação pela qual foi condenado o recorrente, porquanto a sua procedência torna prejudicada a apreciação da primeira questão enunciada.
De acordo com a acusação pública vinha imputada ao arguido a prática da contraordenação p. e p. pelo art. 4º,nº1 a 3 do Código da Estrada e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.347º,nº1 e 2 e 69º,al.b), do Código Penal.

Dispõe o citado art.4 que:

«1 - O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal.
2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.

Lida atentamente a acusação pública, cremos que foi intenção do acusador, atenta a menção aos números 1 e 2, do citado art.4 do Código da Estrada, assentar a contraordenação em apreço, no facto do arguido ter-se posto em fuga perante a ordem que lhe foi dada por dois militares da GNR que se identificaram como tal, exibindo a sua carteira profissional, de que se identificasse e exibisse os documentos -pontos 1 a 5 da acusação pública.

O que bem se compreende, uma vez que que a desobediência à concreta ordem de paragem – contra-ordenação prevista no número 3º do mesmo preceito legal - estaria consumida pelo crime de resistência e coação a funcionário que também vinha imputado ao arguido, ou seja o previsto no número 2 do art. 347º, do Código Penal.
Com efeito, dispõe este preceito legal que “A mesma pena é aplicável a quem desobedecer ao sinal de paragem e dirigir contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, veículo, com ou sem motor, que conduza em via pública ou equiparada … para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, se pena mais grave não lhe couber por força de ouyra disposição legal”.

Realizada a audiência de julgamento, veio o tribunal a dar como não provado que, no circunstancialismo descrito nos pontos 1 e 2 da acusação, os militares da GNR tivessem ordenado ao arguido que se identificasse e exibisse os documentos do veículo.
Para além disso, veio o arguido também a ser absolvido do crime de resistência e coação sobre funcionário.
Restou então a contra-ordenação, prevista e punida nos termos do citado artigo 4, nos seus números 1 e 3, consubstanciada na desobediência ao sinal regulamentar de paragem, conduta que em face da absolvição do ilícito criminal foi deste autonomizada.
Mas, será que da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo resultam verificados os elementos objectivo e subjectivo da contra-ordenação em apreço?
Constitui contraordenação rodoviária, todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à ANSR, e para o qual se comine uma coima (art.131º do Código da Estrada).
Acrescenta o art.132º do mesmo diploma que “As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações”.
Por sua vez, dispõe o art. 133º, que “Nas contraordenações rodoviárias a negligência é sempre sancionada”.
Comete a contra-ordenação imputada ao arguido, quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 do citado art.4º, a qual é sancionada com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.

Resulta da factualidade provada o seguinte:

8. Nesse instante, os elementos do PIR imobilizaram o seu veículo- uma carrinha de 9 lugares- na EN 13, tendo recorrido aos sinais luminosos para sinalizar a presença do veículo e dos militares da GNR, os quais se encontravam devidamente uniformizados, preparando-se para interceptarem o arguido e mandarem-no parar à sua aproximação daquele local.
9. Ao ver aproximar o veículo conduzido pelo arguido, os militares do PIR S. G. e V. R. posicionaram-se apeados na faixa de rodagem e, com o braço na vertical, deram-lhe ordem de paragem.
10. O arguido desobedeceu à ordem de paragem que lhe tinha sido dada por aqueles.
11. Agiu o arguido com o propósito concretizado de obstar a que os referidos militares da GNR cumprissem as suas funções, nomeadamente, a de consumarem a ordem de paragem e de o autuarem.

Está assente que, no circunstancialismo descrito, foi dada uma ordem de paragem ao arguido quando este circulava no seu veículo automóvel, que tal ordem foi emitida por dois militares da GNR, com competência para o efeito e que os mesmos encontravam-se devidamente uniformizados.
Já quanto à actuação do arguido, perante a mencionada ordem, provado ficou apenas que o arguido desobedeceu à ordem de paragem.
Mas desobedeceu porquê?
Em que é que traduziu a desobediência?
Não parou?
Prosseguiu a marcha após o sinal de paragem?
Ora, da factualidade apurada nada consta a tal respeito.
Aí se refere apenas, de forma conclusiva, que o arguido “desobedeceu à ordem de paragem que lhe tinha sido dada”.
Desobedecer a uma ordem de paragem é não parar, prosseguir a marcha.
Mas, no caso vertente, não se mostra sequer espelhado na factualidade provada que o arguido não parou/imobilizou o veículo que conduzia.
Defende a Exma Procuradora Geral-Adjunta no seu parecer que não tendo o tribunal a quo apurado outros factos donde pudesse retirar a conclusão de que o arguido desobedeceu à ordem (sinal) de paragem, ou seja, de que o mesmo viu o sinal de paragem que lhe foi feito pelos militares da GNR e de que, apesar disso, não parou o veículo, a sentença padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art. 410º,nº2,alínea a), do C.P.P..
E, consequentemente, pugna no sentido de que não permitindo tal vício a decisão da causa nos termos do art. 431º do C.P.P., os autos devem ser reenviados para novo julgamento.
Não comungamos de tal posição.
Com efeito, no caso do vício da sentença previsto no citado art.410º,nº2,alínea a) - insuficiência para a decisão (de direito) da matéria de facto provada - critica-se o tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo. Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma.
No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente.

No caso vertente, não cremos que tal vício se verifique.

Para tal, era pressuposto que tais factos fizessem parte do objecto do processo, ou melhor, tivessem sido vertidos na acusação pública e que o tribunal não os tivesse averiguado.

Como refere Pereira Madeira, in Código de Processo Penal, comentado, anotação ao artigo 410º, Ed. Almedina, pág.1358, “A afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins são fixados pela acusação e ou pronúncia complementada pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com o que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado dessa indagação ter tido ou não êxito, isto é, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, que esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento do facto e obtido a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constar que o tribunal averiguou toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido resposta de “não provada”, então o vício de insuficiência está afastado. Os factos pertinentes obtiveram resposta do tribunal, a matéria de facto é bastante para a decisão»
Lida a acusação pública, não consta da mesma que o arguido tenha visto o sinal de paragem que lhe foi feito pelos militares da GNR e que apesar disso não parou/imobilizou o seu veículo ou prosseguiu a marcha após o mencionado sinal.
Com efeito, da mesma apenas constava que “…no instante em que o arguido se aproximou do local onde se encontravam os referidos militares, imprimiu um aumento de velocidade ao seu veículo, conduzindo-o na direção daqueles …”. facto que veio a ser dado como não provado.
Cremos assim que não resultando da factualidade provada factos consubstanciadores da desobediência à ordem de paragem, os quais, como já referimos, não faziam também parte do objecto do processo definido na acusação pública, outra solução não resta do que concluir, desde já, pela absolvição do arguido, por falta de verificação do elemento objectivo da contra-ordenação em apreço.
Mas, ainda que assim não se entendesse, ou seja, ainda que da factualidade provada constasse que o arguido não parou/imobilizou a viatura após a ordem de paragem, a verdade é que a factualidade assente é também omissa quanto à culpabilidade do arguido.
Resulta dos artigos 131º do Código da Estrada e 8º do Regime Geral das Contraordenações, que um dos princípios basilares do direito contra-ordenacional é o princípio da culpa.
«…não se trata de uma culpa, como a jurídico criminal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima». (Figueiredo Dias, in “O movimento da Descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, inserido in Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, pag. 29).
E para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência, consistindo o dolo «no propósito de praticar o facto descrito na lei contra-ordenacional» e a negligência na «falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei» (Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral, 2007, 4.ª edição, p.139).
Tal como sucede em processo penal, é questão de facto a determinação da materialidade relativa ao tipo subjetivo do ilícito contraordenacional.
Ainda que o dolo - tal como a negligência – traduzam uma atitude pessoal do agente perante o dever-ser jurídico-penal, apenas alcançável, porquanto constituindo um elemento do foro íntimo, por via indireta, através de dados exteriores e apelando às regras da experiência comum, tal não deixa de constituir matéria de facto que tem de constar da acusação e da factualidade provada.

No caso vertente, de acordo com a acusação pública, a atuação ai descrita foi imputada ao arguido a título de dolo.
O dolo vem sendo conceitualizado pela doutrina e jurisprudência, como “o conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objectivo de ilícito”.
Assim, para que o dolo do tipo esteja presente, quer se esteja perante um ilícito criminal, quer perante um ilícito contra-ordenacional impõe-se, desde logo, que o agente tenha conhecimento, represente e tenha consciência dos elementos materiais constitutivos do facto ilícito, exigindo-se depois que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização.
O dolo comporta assim um elemento intelectual e um elemento volitivo, consistindo o intelectual na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito e na consciência de que esse fato é ilícito e a sua prática é censurável, de molde que «a afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do fato» – acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 21.01.2014, processo n.º2572/10.2TALRA.C1, Vasques Osório).

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.06.2011, no processo 150/10.5T3OVR.C1,«[n]um crime doloso, da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo – o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo)» (cfr. Maria Pilar Oliveira).
A este respeito, importa ter presente a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º1/2015 de 27 de Janeiro (in DR, 1ª Série, nº 18, de 27 de Janeiro de 2015), de acordo com a qual “[a] falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal».
Tal jurisprudência vem, aliás, sendo entendida por alguns tribunais superiores no sentido de que a mesma não teve apenas por objecto a falta absoluta, na acusação, da descrição do tipo subjetivo do crime imputado, impedindo ainda o recurso ao mecanismo do art. 358º, nº 1 do C. Processo Penal para integrar a deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjetivo do crime imputado, determinando, consequentemente, que a deficiente ou incompleta definição do tipo subjetivo de ilícito conduza, necessariamente, à absolvição.
Volvendo-nos no caso em apreço, ainda que por mera hipótese de raciocínio se admitisse como assente que o arguido não parou/imobilizou a viatura quando se aproximou do local onde se encontravam os militares do PIR, S. G. e V. R. e lhe foi dada a ordem de paragem, a verdade é que sempre ficaria a faltar que o arguido no circunstancialismo descrito se apercebera que se tratavam de agentes de autoridade, que estes lhe estavam a dar uma ordem de paragem e que ao não parar estava a cometer a contra-ordenação em apreço.
Acresce que tal factualidade – integradora do elemento intelectual do dolo - já não constava sequer da acusação pública.
Desta apenas constava que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, factualidade que tribunal a quo deu, aliás, como não provada, o mesmo se passando quanto ao modo de agir livre e consciente, factualidade que não tendo sido impugnada, mostra-se definitivamente fixada e insusceptível de ser reapreciada.
Por tudo o exposto, sem necessidade de mais considerações, porque desnecessárias, impõe-se concluir pela absolvição da arguido da prática da contraordenação que lhe vinha imputada, quer por falta do elemento objectivo, quer subjectivo, ficando assim prejudicada a apreciação das demais questões levantadas pelo recorrente no presente recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente/arguido J. P., revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, decide-se, absolver o arguido J. P. da contraordenação que lhe vinha imputada.

Sem custas.

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 14 de outubro de 2019