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ALIMENTOS DEVIDOS AOS FILHOS
PROPORÇÃO DEVIDA
Sumário
Sumário (da relatora):
I - Não existe nenhuma norma legal que estabeleça que os progenitores devem contribuir em igual proporção para as despesas do menor. Ao invés, o que a lei determina é que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los (art. 2004º, do CC). Assim, estando ambos os progenitores obrigados ao dever de alimentos relativamente ao filho, devem cumprir tal obrigação na medida das capacidades económicas de cada um.
II – Os alimentos definitivos fixados na sentença são devidos desde a propositura da ação (art. 2006º, do CC), havendo que descontar ao montante em dívida o valor pago a título de alimentos provisórios.
Texto Integral
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO
Maria (…) instaurou ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor (…), contra (…).
Designou-se dia para a realização da conferência de pais a que alude o art. 35º do RGPTC.
Em sede de conferência, os progenitores acordaram num regime quanto à residência do jovem e quanto ao regime de visitas. Não acordaram quanto à prestação de alimentos, tendo sido fixado, a título provisório, o montante de € 75,00 mensais.
Requerente e requerida foram notificados para alegarem ao abrigo do art. 39º, nº 4 do RGPTC e foi solicitada a realização de inquéritos socioeconómicos à Segurança Social.
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Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Em face do exposto: a) decido fixar em € 90,00 (noventa euros) os alimentos devidos pelo progenitor ao seu filho J. P., a pagar até ao 8º dia de cada mês, por transferência bancária para a conta da progenitora; b) o progenitor contribuirá ainda com 50% do valor com despesas de educação (material e manuais escolares no início do ano letivo) e despesas médicas e medicamentosas ordinárias, cuja quota parte deverá reembolsar a progenitora, após a receção do respetivo recibo, aquando do pagamento da prestação relativa ao mês subsequente; c) a pensão de alimentos será atualizada anualmente no valor de € 1,00; d) mais decido homologar definitivamente o acordo a que chegaram os progenitores no que toca ao exercício das responsabilidades parentais (residência e regime de visitas) na conferência de pais que teve lugar a 15/1/19 - cfr. cta de fls. 37 e ss.”
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A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.º Compete a ambos os pais, em igual medida, a obrigação velar pela segurança e saúde dos filhos menores e contribuir, a título de alimentos com tudo aquilo que o menor precise para o seu desenvolvimento intelectual, a sua instrução, a sua educação e a sua formação profissional, como decorre do disposto no artigo 2.003.º, n.º 2, conjugado com o disposto no artigo 1.878.º, ambos do Código Civil. 2.º No caso presente, deverá ser fixada ao Pai, aqui requerido, a obrigação de contribuir, na proporção de 50%, durante todo o ano letivo, para todas as despesas escolares do filho J. P., não só com materiais e manuais, mas também com atividades escolares, com a realização e apresentação de trabalhos, com visitas de estudo e outras obrigatórias ou indispensáveis ao seu melhor aproveitamento. 3.º Por outro lado, deverá ser fixada ao Pai, aqui requerido, a obrigação de contribuir na proporção de 50%, para todas as despesas de saúde do filho J. A., quer ordinárias, quer extraordinárias, incluindo, além do mais, despesas médicas, medicamentosas, hospitalares, de tratamentos, análises, exames, de utilização de equipamentos, aparelhos e outros instrumentos. 4.º Deve estabelecer-se, em sede deste recurso, que a prestação mensal a título de alimentos, a cargo do Pai, no montante de 90,00 €, é devida desde o mês de outubro de 2018, inclusive, primeiro mês após a data da propositura desta ação, deduzindo-se nos retroativos vencidos e a pagar, o valor da soma das mensalidades que tiverem sido pagas a título de alimentos provisórios. 5.º No caso concreto em análise, não existem, nem sequer estão apontadas, na sentença recorrida, razões ou fundamentos, para sobrecarregar a mãe com um maior e desequilibrado, esforço e sacrifício de pagamento, como resulta dessa mesma sentença, ao restringir a obrigação do progenitor apenas a uma parte das despesas mencionadas nos números anteriores. 6.º Ao decidir em sentido diferente do aqui exposto, salvo o devido respeito e melhor opinião, a sentença recorrida violou, além do mais, o disposto no artigo 2.003.º e no artigo 1.878.º, ambos do Código Civil.”
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O requerido apresentou contra-alegações, as quais terminou com as seguintes conclusões:
1 - De acordo com o estatuído no art. 2004º, nº 1 do Código Civil, os alimentos serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los. 2 - A possibilidade do obrigado deve ser aferida pelos seus rendimentos e não pelo valor dos bens, devendo atender-se às receitas e despesas do mesmo obrigado. 3 - Deverá ser deixada intocada uma parcela do rendimento do obrigado adequado a satisfazer as suas necessidades essenciais, com um mínimo de dignidade humana. 4 - O jovem J. P., com 16 anos de idade, frequenta uma escola pública e tem direito ao subsídio escolar de refeição e transporte e não tem outras despesas significativas, nem escolares, nem de saúde (ou outras), apenas se tendo provado que gasta diariamente o valor dos lanches. 5 - O recorrido encontra-se reformado por doença, auferindo uma diminuta pensão de invalidez e vivendo modestamente. 6 - A prestação de alimentos fixada, acrescida de 50% do valor com despesas de educação (material e manuais escolares no início do ano letivo) e despesas médicas e medicamentosas ordinárias, revela-se suficiente, adequada e proporcional, quer às necessidades do jovem, quer aos rendimentos do progenitor. 7 - Não se verificou na sentença qualquer violação dos artigos 2003º e 1878º do Código Civil. 8 - A douta sentença recorrida deverá ser mantida, por não ser suscetível de censura, negando-se provimento ao recurso, o que se requer com as legais consequências.”
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O Ministério Público apresentou resposta na qual considera que a apelação deve ser julgada parcialmente procedente, sendo alterada a decisão recorrida no sentido de os alimentos fixados em € 90 mensais serem devidos desde a data em que o foram os alimentos provisórios, sendo deduzidas as quantias já pagas, devendo, quanto ao mais, ser mantida a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:
I- saber se deve ficar a cargo do progenitor o pagamento de 50% de todas as despesas de educação e saúde do menor;
II – fixar o momento a partir do qual é devida a pensão de alimentos.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. J. P. nasceu no dia - de - de 2002 e é filho de J. A. e de M. M. - certidão de fls. 11.
2. A progenitora M. M., após a separação do casal, ficou a viver na casa de morada de família com os seus dois filhos mais novos: H. S., nascido em -/-/1991 e J. P..
3. O divórcio do casal foi decretado por sentença de 30/11/2017, já transitada em julgado, no processo nº 3124/16.9T8VCT deste juízo – cfr fls. 12 e ss.
4. Em 25/7/18, através de escritura pública, a requerente comprou ao requerido, com recurso a crédito bancário, pelo preço de € 70.000,00, o prédio que serviu de casa de morada de família – cfr. Escritura de fls. 16 e ss.
5. O menor J. P. é estudante e frequenta o 11º ano na Escola Básica e Secundária de …, do concelho de Viana do Castelo – Curso Profissional de Turismo.
6. No período letivo, despende diariamente o custo diário dos lanches.
7. A requerente é empregada no supermercado “…”, auferindo um vencimento liquido mensal de € 639,98.
8. A requerente suporta o encargo do empréstimo bancário que contraiu para aquisição da casa, cuja prestação mensal é de € 288,94, a que acresce o seguro obrigatório no valor mensal de € 52,45.
9. Com o contrato da MEO, água e luz despende mensalmente € 148,32.
10. A requerente despende, ainda, dinheiro com as suas deslocações diárias de casa para o trabalho.
11. A requerente vive com um companheiro, que aufere € 600,00/700,00 por mês e com o filho H. S., que aufere € 700,00 por mês como motorista numa empresa de transportes.
12. A requerente recebe o valor de € 82,00 de abono de família pelo seu filho J. P..
13. O requerido era alfaiate de profissão.
14. O requerido sofre de hipoacusia, síndrome vertiginoso e síndrome de Ménière, de forma crónica, encontrando-se reformado por invalidez com taxa de incapacidade de 65%.
15. O requerido aufere uma pensão de invalidez no valor de € 334,44.
16. O requerido paga mensalmente a quantia de € 130,00 de renda de casa (T0) e € 40,00 de água e luz.
17. O requerido gasta em alimentação cerca de € 200,00.
18. O requerido necessita de ir a consultas médicas e tomar diariamente medicamentos, além de usar uma prótese auditiva. Em medicamentos e consultas, o requerido gasta uma média mensal de € 30,00 a € 40,00.
19. O jovem J. P. frequenta uma escola pública, com direito a subsídio de refeição e de transporte.
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Para além destes factos, resulta ainda assente que a ação foi intentada em 28.9.2018, data da entrega da petição inicial.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme estabelecido no art. 36º, nº 5, da CRP, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Em consonância com o princípio constitucional referido, estabelece o art. 1878.º, do CC, que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Integra o núcleo de deveres das responsabilidades parentais o dever dos pais de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação. Este dever só termina quando os filhos estejam em condições de suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos os mencionados encargos e não termina com a maioridade dos filhos (arts. 1879º e 1880º do CC) mantendo-se a obrigação na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que a formação profissional dos filhos se complete (cf. Helena Melo e Outros in Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, pág. 91).
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, abrangendo também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (art. 2003º, do CC).
Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (art. 2004º, do CC).
A lei em momento algum estabelece que ambos os progenitores devem contribuir em igual quantia para o sustento dos filhos. A medida da contribuição depende dos rendimentos de cada um (Helena Melo e Outros in Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, pág. 93).
Assim, a correspondente medida dos alimentos, deve ser adequada às necessidades do menor, por um lado, e aos meios do progenitor que houver de prestá-los, por outro, devendo o tribunal valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral, bem como todo o acervo de bens patrimoniais de que seja detentor.
Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de exceção (art. 2005.º do Código Civil).
A acrescer a tal determinação dum montante fixo de alimentos, poderá ser fixada uma contribuição variável, considerando-se aquelas despesas do menor que embora previsíveis e necessárias, fogem à lógica da satisfação das necessidades básicas de sustento e que se relacionam habitualmente com a saúde (médicas e medicamentosas) escolares (livros e material escolar e/ou eventuais mensalidades de colégios privados ou outras estruturas de ensino) com atividades lúdicas e desportivas, etc.
Preside também à fixação da prestação de alimentos o objetivo de, dentro do possível, se preservar o nível de vida do menor, bem como a ideia de que o sacrifício que deverá ser exigido aos progenitores deve ter por base um critério mínimo de razoabilidade, visando proporcionar o maior bem-estar possível aos seus filhos (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.5.2017, in www.dgsi.pt).
Os alimentos são devidos desde a proposição da ação ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora (art. 2006º, do CC).
Feito este enquadramento jurídico, passemos então à decisão das questões recursórias.
I- Despesas de educação e saúde do menor
Sobre esta matéria, a sentença decidiu que:
- o progenitor contribuirá ainda com 50% do valor com despesas de educação (material e manuais escolares no início do ano letivo) e despesas médicas e medicamentosas ordinárias, cuja quota parte deverá reembolsar a progenitora, após a receção do respetivo recibo, aquando do pagamento da prestação relativa ao mês subsequente.
Insurge-se a requerida contra esta decisão, considerando que os progenitores devem contribuir para as despesas do filho em igual proporção, não havendo nenhuma razão para limitar as despesas de educação ao material e manuais escolares, nem para limitar as despesas médicas às despesas ordinárias, devendo o progenitor suportar metade de todas as despesas de educação e saúde, sem qualquer limitação.
Contrariamente ao que a requerente alega, e como já supra se referiu, não existe nenhuma norma legal que estabeleça que os progenitores devem contribuir em igual proporção para as despesas do menor. Ao invés, o que a lei determina é que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los (art. 2004º, do CC). Assim, estando ambos os progenitores obrigados ao dever de alimentos relativamente ao filho, devem cumprir tal obrigação na medida das capacidades económicas de cada um.
Se as capacidades económicas forem semelhantes, justifica-se que seja fixada uma correspetiva contribuição idêntica. Porém, se, como sucede no caso em análise, as capacidades económicas dos progenitores forem dispares, justifica-se que se introduza uma limitação e que o progenitor cuja situação económica é mais débil contribua numa menor proporção.
No caso em apreço, a requerente vive com um companheiro e dois filhos, um deles o menor.
O rendimento global do seu agregado familiar é de € 2 021,98 (vencimento da requerente 639,98; vencimento do filho € 700; vencimento do companheiro € 600; abono € 82).
As suas despesas ascendem a € 489,71 (empréstimo € 288,94; seguro € 52,45; despesas domésticas € 148,32) a que acrescem despesas de deslocação para o trabalho de montante não apurado.
O requerido está reformado por invalidez com uma taxa de incapacidade de 65%.
Esta situação naturalmente que o impede de angariar rendimentos do trabalho.
Tem como rendimentos uma reforma de invalidez no valor de € 334,44.
Tem despesas de € 400 (despesas domésticas € 170; alimentação € 200; despesas de saúde € 30).
Confrontando as situações económicas descritas resulta evidente que a requerente tem uma situação económica claramente superior à do requerido.
É evidente que é preciso não esquecer que em 25/7/18, o requerido recebeu € 70.000,00 pois a requerente comprou-lhe a casa de morada de família.
Porém, é provavelmente com recurso a este valor que o requerido tem suportado as suas despesas mensais posto que estas são superiores aos rendimentos que aufere.
Perante a desigualdade de situações económicas globais dos dois progenitores parece-nos perfeitamente razoável e adequada a limitação introduzida quanto ao pagamento das despesas de educação e saúde, sendo os alimentos fixados na sentença proporcionados aos meios de que o progenitor dispõe, assim se respeitando o critério estabelecido no art. 2004º, do CC.
Assim sendo, considera-se ser de manter na íntegra o decidido na sentença recorrida sobre esta matéria, improcedendo a apelação nesta parte.
II – Fixação do momento a partir do qual é devida a pensão de alimentos.
Verifica-se que a sentença é omissa quanto à fixação da data a partir da qual são devidos os alimentos.
Nos termos do art. 2006º, do CC, os alimentos são devidos desde a proposição da ação ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora.
No caso em análise, estamos perante o primeiro segmento da norma posto que o segundo se refere a fixação pelo tribunal a título definitivo numa qualquer outra ação.
No caso, a ação foi proposta em 28.9.2018. Assim, os alimentos são devidos desde esta data. Ao valor em dívida haverá que descontar o valor que o requerido pagou a título de alimentos provisórios.
Assim, a apelação procede nesta parte.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, declarar que os alimentos fixados no valor mensal de € 90 são devidos desde 28.9.2018 (data da propositura da ação), havendo que deduzir ao valor em dívida a quantia paga pelo requerido a título de alimentos provisórios.
No mais, mantém-se na íntegra o decidido na sentença recorrida.
Custas da apelação pela requerente, na proporção de 2/3.
Notifique.