I. O contrato de cofre-forte (ou de aluguer de cofre-forte) é um contrato misto, que combina elementos do contrato de locação e do contrato do depósito.
II. O “elemento de guarda”, presente no contrato de cofre-forte, justifica a obrigação do banco de velar sobre a segurança do cofre-forte, que é uma obrigação essencial ao fim contratual.
III. Não tendo o banco provado que os seus funcionários actuaram com a diligência, o cuidado e o zelo que lhes era exigível, é ele responsável pelos danos que decorram, para os clientes, do furto do conteúdo do cofre-forte.
IV. A excepção de comportamento alternativo lícito permite a exclusão da responsabilidade quando – e apenas quando – o responsável consiga provar que os danos não teriam ocorrido ainda que o facto ilícito não tivesse sido praticado.
I. RELATÓRIO
AA, solteira, maior, veio propor a presente acção declarativa de condenação com processo comum, contra CAIXA BB, (DE ORA EM DIANTE “BB”), Cooperativa, NIPC 50…8, com sede no …, … …, concluindo a final pedindo seja a ré condenada – contratual ou extracontratualmente – a satisfazer à autora, a título de indemnização quanto aos danos patrimoniais da autora, o valor dos bens furtados do interior do cofre 247, que totalizam o montante de cento e vinte e nove mil quatrocentos e noventa euros (€129.490,00).
Para tanto, alegou, em síntese, que tinha um conjunto de bens por si guardados num cofre situado na sede da BB, no …, em … e que, em virtude de negligência da BB e dos seus representantes, o cofre que havia locado foi objecto de um furto, tendo desaparecido tal conjunto de bens, o que lhes causou danos patrimoniais correspondentes ao valor dos bens.
Contestou a ré, concluindo pela improcedência da acção, posto que o furto efectivamente ocorrido se não deveu a qualquer negligência da ré, antes a acto de terceiros, os AA do furto, altamente especializados, em termos de a respectiva actuação não ser evitável pela ré, que cumpriu todos os deveres contratuais de guarda e diligência que se lhe impunham. Sempre com os mais elevados padrões de segurança aplicáveis a este tipo de actividade. Na verdade, não foi por culpa (aqui se incluindo a negligência) da BB que o assalto se verificou e que os criminosos conseguiram efectuar o assalto. Como não foi por culpa (nem mesmo negligência) dos seus administradores, muito menos do que acorreu ao local nessa noite, que o assalto se efectuou; uma vez que, perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a BB, mesmo tendo em conta elevados padrões de segurança que aplicou e aplica.
Cabendo à ré a obrigação de garantir a integridade exterior do cofre, o que fez, por meio do emprego das mais modernas técnicas de segurança.
Sempre a não responsabilidade da ré nestas situações se encontra expressamente prevista no contrato – e disso os autores tinham e têm perfeito conhecimento, que dispõe que “…a perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade do CLIENTE…”.
Mais impugna estarem em causa os bens cujo valor vem reclamado pela autora, por desconhecimento.
Finalmente, aduz a ré BB que tinha contratado com a sociedade comercial CC - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância. Donde, acaso se tivesse verificado, no âmbito da factualidade em apreço, um qualquer incumprimento das obrigações contratuais da BB no âmbito da segurança e vigilância – que não houve – e acaso tal incumprimento decorresse de qualquer actuação abrangida pelo mencionado contrato de prestação de serviços, sendo a BB condenada a indemnizar os autores, teria a BB direito de regresso contra a mencionada CC para ser indemnizada pelos prejuízos que, nesse caso, lhe causaria a perda da demanda. Donde a justificação do interesse em que a CC intervenha no processo, como auxiliar na defesa.
Admitida a intervenção acessória, como pedida, veio a interveniente aduzir o cumprimento por si da totalidade das obrigações contratualmente assumidas e requer a intervenção, por seu turno, da companhia de Seguros DD, para a qual tinha transferida a respectiva responsabilidade por eventos como o em apreço.
Foi ainda admitida a intervenção acessória da DD, que apresentou nos autos articulado basicamente coincidente com o da respectiva segurada, pugnando pela não verificação de qualquer evento coberto pelo contrato convocado.
Em 8.11.2017 foi proferida, pelo Tribunal de 1.ª instância, a seguinte decisão:
“Tudo visto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré BB a satisfazer à Autora a quantia de 128.470 EUR.
Absolvo-a do mais peticionado”.
Contra-alegou a autora argumentando no sentido do não provimento do recurso.
Em 10.09.2018 foi proferido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com a seguinte decisão:
“Nestes termos, sem prejuízo das supra referidas alterações à matéria de facto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida”.
Formulou a ré / ora recorrente BB as conclusões seguintes:
1. O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão, datado de 10.09.2018, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso de Apelação interposto pela ora Recorrente BB da douta sentença, proferida em primeira instância, pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de … – Juiz …, no âmbito da ação em que figurava como Autora AA.
2. O Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto dada como provada em 1ª Instância, tendo prolatado uma decisão diversa desta, e assentando o Acórdão, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil, em factos diversos, embora concluindo, ainda assim, pela condenação da ora Recorrente, com o que esta não se conforma.
3. Pelo que, ainda que a conclusão de Direito seja a mesma da sentença – a de que estão reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da responsabilidade contratual – a fundamentação de facto em ambas as decisões apresenta diferenças relevantes, uma vez que o rol de factos considerados como provados e que estão na base do iter decisório sofreu alterações.
4. O Acórdão recorrido, para além de não cumprido cabalmente os seus deveres quanto à alteração da matéria de facto e, para além disso, ainda que nada houvesse a corrigir quanto aos factos dados como provados e não provados, fez uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais, violou leis substantivas e processuais e errou na aplicação das leis de processo, tendo proferido uma decisão que se revela manifestamente injusta e claramente violadora do basilar instituto jurídico da responsabilidade civil contratual, violando o disposto no artigo 483º, nº 1 do CC.
5. O Tribunal a quo, no exercício da competência que lhe é atribuída para a fixação da matéria de facto, violou a lei processual, por erro de interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 662.º, n.º 1 e 2 do CPC, o que se inscreve ainda no âmbito de sindicância do recurso de revista, em conformidade com o disposto no artigo 674.º, n.º 1, al. b) do CPC.
6. A decisão de facto não constitui base suficiente para a decisão de direito e ocorrem contradições insanáveis na decisão sobre a matéria de facto por parte do Tribunal da Relação que poderão inviabilizar a decisão jurídica do pleito, em violação do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPC.
7. Veja-se também que, num ponto essencial do regime jurídico aplicável ao caso, o Tribunal de 1ª Instância considerou nula a cláusula contratual pela qual as partes acordaram que a Recorrente não seria responsável pelo conteúdo dos cofres dos AA., ao passo que o Tribunal da Relação, não pondo em causa a respetiva validade, apenas afirmou que a mesma não teria o alcance que a Recorrente lhe atribui.
8. Sem prescindir de tudo o até agora exposto, caso seja entendido estar-se perante uma situação de “dupla conforme”, a Recorrente BB interpõe Recurso de Revista Excecional, nos termos do artigo 672º do CPC
9. Com efeito, as questões em causa nos presentes autos da (i) “qualificação dos contratos de locação de cofre” e correspondentes direitos e obrigações das partes, (ii) das cláusulas contratuais, (iii) dos deveres dos funcionários bancários em caso de evento de cariz criminal, (iv) do nexo de causalidade entre facto e danos e (v) Suscetibilidade de se dar como provado um facto essencial (que os bens pretensamente colocados no cofre no dia da celebração do contrato aí se mantiveram ao longo dos mais de 2 anos que durou o contrato) apenas com base na alegação feita na PI e sem qualquer prova…nem mesmo por “declarações de parte” são questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
10. São também questões que assumem acentuada “relevância social”, por terem ponderosas implicações na vida patrimonial e profissional de um grande número de pessoas, sendo ademais inegável que os efeitos das soluções a dar a estas questões se projetarão para além da esfera jurídica da Recorrente e do universo dos seus clientes.
11. O douto Acórdão recorrido entra em frontal contradição, quanto a duas das questões acima mencionadas, com o que o Tribunal da Relação do Porto havia decidido sobre as mesmas questões de Direito (e de facto!), através do douto Acórdão prolatado no processo que correu termos pela … Secção, Processo N.º 351/14.7TBPNF.P1, datado de 08.05.2017, já transitado em julgado.
12. O que sempre justificaria a admissão da revista excecional a título subsidiário interposta, e a apreciação de tais relevantes questões por este Supremo Tribunal.
13. O douto Acórdão é nulo por manifesta contradição entre a fundamentação constante de fls 456 dos autos e os factos provados, uma vez que o que consta de tal fundamentação corresponde a factualidade expressamente considerada como não provada pelo Tribunal da Relação. Esta contradição constituiu causa de nulidade do Acórdão, conforme vem previsto no artigo 615º, 1 c) do CPC, por remissão do disposto nos artigos 685º e 666º do CPC.
14. O douto Acórdão é também nulo por manifesta contradição entre o decidido nos pontos U), V) e X) da matéria de facto provada (decisão) e a fundamentação constante de fls 453 dos autos. Naquela factualidade dada por provada o Tribunal declara provados os pesos de cada um dos bens e o seu valor total. Contraditoriamente, na fundamentação, o Tribunal afirma que esses valores totais dos bens foram encontrados multiplicando o peso dos bens pelo valor por grama de ouro. Acontece que esta fundamentação é contrariada pelo teor do próprio ponto V) da matéria de facto provada, uma vez que basta dividir o valor indicado para cada bem pelo pretenso peso do mesmo para se perceber duas coisas:
(i) A primeira, a de que não se encontra o mesmo valor para “valor do ouro” por grama, sendo os valores por grama extremamente díspares;
(ii) A segunda, a de que a totalidade dos valores por grama assim encontrados estão muito acima do valor do ouro.
15. Ora, aceitar considerar, como fez o Tribunal da Relação, como montante a indemnizar pela Recorrente o valor do ouro (que não foi indicado) multiplicado pelo peso dos bens dado como provado no ponto V) da matéria de facto provada é manifesta e frontalmente contraditório com aceitar e dar como provado para valor desses bens o constante desse ponto V), uma vez que multiplicando o peso dos bens referido no ponto V) pelo preço público do ouro (nunca superior, nos últimos 5 anos, a 40€ por grama, estando atualmente, para o ouro mais caro, nos 33,27€) encontramos valores muito inferiores aos constantes do ponto V) da matéria de facto.
16. Esta contradição constituiu causa de nulidade do Acórdão, conforme vem previsto no artigo 615º, 1 c) do CPC, por remissão do disposto nos artigos 685º e 666º do CPC.
17. Esta contradição traduziu-se numa condenação que, mesmo seguindo o raciocínio do Tribunal da Relação, é superior em mais de 57.000,00 ao que seria se a mesma não existisse.
18. No que concerne à matéria dos artigos 37º, 38º e 125º da Contestação, referida na Conclusão 15 das alegações de apelação, o douto Acórdão da Relação incorreu em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
19. No que concerne à matéria do nexo de causalidade, referida nas Conclusões 45 a 52 das alegações de apelação, o douto Acórdão da Relação incorreu também em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
20. No que concerne à matéria da pretensa ilicitude, referida nas Conclusões 23 a 36 das alegações de apelação, o douto Acórdão da Relação incorreu também em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
21. Tanto as testemunhas, como a própria sentença, como o Acórdão da Relação, reconhecem que a prova produzida sobre o conteúdo do cofre termina – no que ao aspeto temporal diz respeito – em 2010, aquando da alegada colocação de pretensos bens no cofre, nada estando provado (nem alegado pela Autora, que tinha o ónus de provar os bens que tinha no cofre em 2012, no momento do assalto, e não em 2010, aquando da celebração do contrato) quanto aos bens que teria no cofre em 18.11.2012 (data do assalto).
22. Ou seja, existe uma manifesta insuficiência de matéria de facto sobre este aspeto.
23. Acresce que o Tribunal da Relação não reapreciou os meios de prova especificados pelo Recorrente.
24. A Relação tem o dever de reapreciar a prova indicada pelo Recorrente, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição e tornar inútil o cumprimento do ónus que impende sobre o Recorrente de especificar “os concreto meios probatórios (…) que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
25. Não tendo sido efetivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, o Tribunal da Relação não assegurou um efetivo duplo grau de jurisdição, pelo deve o processo ser remetido à Relação para o efeito.
26. Salvo o devido respeito, errou manifestamente o douto Acórdão recorrido na qualificação do contrato que está em causa nos presentes autos, bem como na interpretação do mesmo e na posição assumida quanto aos correspondentes direitos e obrigações das partes do mesmo decorrentes.
27. A Recorrente BB não cometeu qualquer ilícito – elemento essencial para a responsabilidade civil.
28. Sem necessidade de mais, dado o reconhecimento do seu autor, a Recorrente BB louva-se, a esse propósito, no douto Parecer, ora junto aos autos, emitido pelo Senhor Professor António Pinto Monteiro.
29. Esclarece o Professor António Pinto Monteiro:
“A nossa posição, a este respeito, é que se trata de um contrato de locação, ainda que com particularidades, tendo em conta as condições de segurança a cargo do banco, por um lado, e as condições de gozo do bem locado, por outro lado, dependente da chave em poder do banco e só dentro do horário de expediente deste.
Rejeitamos, em absoluto, que se possa estar perante um contrato de depósito, uma vez que este é um contrato real “quoad constitutionem”, carece da entrega da coisa. Ora, no contrato de locação de cofre o cliente não entrega nada ao banco, este é que cede a utilização do cofre. Pela mesma razão, rejeitamos, igualmente, que se possa falar de contrato misto de locação e depósito (…)
I – Em face do exposto, não há dúvida de que o contrato de aluguer de cofre não faz surgir, a cargo do banco, a obrigação de guarda dos bens colocados dentro do cofre. O contrato não é de depósito, pelo que essa obrigação só existe se for acordada entre as partes. (…)
8.º — Mas importa distinguir, para este efeito, a obrigação de guarda ou de segurança dos bens colocados no interior dos cofres — que não existe, salvo se for acordada entre as partes — das condições de segurança a prestar pelo banco ao disponibilizar a utilização dos cofres; 9.º — Esta última, sim, é uma prestação típica de contratos desta natureza, os quais devem qualificar-se como contratos de locação — ou, quando muito, como contratos mistos de locação e prestação de serviços —, mas não como contratos de depósito nem como contratos mistos, de locação e depósito;
10.º — Efectivamente, nos “contratos de aluguer (ou de locação) de cofre” faltam, em absoluto, os elementos essenciais do contrato de depósito: a entrega da coisa e a obrigação de guarda (art. 1185.º);
11.º — Por um lado, o cliente não entrega nada ao banco, nem este sabe, sequer, se o cofre contém lá o que quer que seja, o que não impede a constituição do “contrato de aluguer de cofre”, mas já impediria essa constituição se ele fosse um depósito, como contrato real quoad constitutionem que este último é!;
12.º — Por outro lado, o “contrato de locação de cofre” também não depende da existência do dever de guarda, diferentemente do que seria se ele fosse um depósito: basta lembrar que o contrato existe e a retribuição é devida ainda que o banco nada tenha que guardar por os cofres estarem vazios! De resto, nem o banco saberia o que guardar, por não fazer qualquer ideia do que os cofres contêm;(…)
16.º — Sai assim reforçada a conclusão de que a Ré não cometeu qualquer ilícito contratual, não podendo ser censurada pelo não cumprimento de uma obrigação que não assumiu!;
30. A Relação acabou por condenar a Apelante BB, censurando-a, não obstante reconhecer que tudo funcionou, conforme resulta dos pontos Z, AA, CC, DD, EE, FF, HH, II, JJ, LL, MM, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE (este último, alterado pelo Tribunal da Relação em moldes mais favoráveis à Recorrente) da matéria provada. Ao que acresce o que é mencionado também na douta sentença, cfr. fls. 263 e 264 dos autos - de reconhecimento da “existência e operacionalidade do sistema de vigilância electrónica das instalações e o estabelecimento e cumprimento dos procedimentos contratualizados com a empresa CC”, e, “bem assim, a configuração reforçada, em termos de segurança, das instalações onde se encontravam os cofres-forte” e ainda acrescentando a douta sentença estarem “Cumpridos, pois, confrontada a Portaria n.º 273/2013, Diário da República n.º 159/2013, Série I de 2013-08-20, mormente o seu artigo 91º, os requisitos técnicos mínimos dos sistemas e medidas de segurança aplicáveis às instituições de crédito e às sociedades financeiras previstos no artigo 8.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio”.
31. Ao concluir ter existido ilicitude na atuação/omissão da Recorrente BB, o Tribunal da Relação violou, no douto Acórdão recorrido, o disposto nos artigos 483º, nº 1 e nº 2 e 405º do Código Civil.
32. Ao considerar que o clausulado do contrato celebrado, em especial o constante das cláusulas referidas no ponto B) da factualidade provada, “não contende com a perda dos objectos depositados em caso de violação dos deveres de vigilância e custódia acima aludidos na medida em que a recorrente é responsável pela subtracção fraudulenta do conteúdo do cofre sob a sua guarda (a perda ou deterioração dos bens teriam que ocorrer noutro contexto porque se a recorrente se responsabilizou pela segurança dos mesmos terá que assumir as consequências da violação desse dever sob pena de contradição)”, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 405º e 237º do CC.
33. Saliente-se que, quanto a este ponto, ambas as instâncias decidiram erradamente, como também decorre do Parecer do Professor Doutor António Pinto Monteiro, segundo o qual:
“Esta cláusula (ou outras, idênticas) consta dos contratos, foi neles incluída e é inequivocamente válida, seja como cláusula limitativa do objecto ou do conteúdo do contrato, seja como cláusula de exclusão de responsabilidade Será válida esta cláusula? Evidentemente que sim, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405.º), na sua vertente de liberdade de modelação do conteúdo contratual (“Gestaltungsfreiheit”), permitindo que cada parte decida livremente acerca dos deveres que assume, das obrigações que contrai, com o acordo da outra parte.
Se os clientes discordassem desta cláusula, no caso dos autos, tinham a liberdade de se recusarem a celebrar o contrato — o que não tinham nem poderiam ter seria o direito de obrigar a BB a assumir a obrigação de guarda dos bens que viessem a colocar no interior dos cofres!
Sabendo que a BB não assumia essa “responsabilidade” — isto é, essa obrigação de guarda —, teriam podido recusar o contrato, mas não impor à contraparte tal obrigação! (…)
III – Cláusula perfeitamente válida, repete-se, quer em geral, quer no caso concreto, como acabamos de ver. Mas se ela devesse ser interpretada à letra e qualificada como cláusula de exclusão de responsabilidade, a sua validade continuaria a não suscitar quaisquer dúvidas. (…)
Mas seja como for, temos por seguro que os referidos deveres de comunicação e de informação foram cumpridos.
Prova disso é que os contratos foram assinados. Se os clientes assinaram sem ler, sibi imputet! Pois, tratando-se de contratos redigidos por escrito, em que se pede às partes para os assinarem, a assinatura pelos contraentes faz prova de que concordam com o que consta do respectivo texto, de que fazem seu o que lá está escrito. É o princípio da auto-responsabilidade a impor esta conclusão.
Repare-se, aliás, que o que a lei pretende é que a comunicação “torne possível o seu conhecimento [do contrato] por quem use de “comum diligência” (art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º 446/85). Ora, no caso concreto, tratando-se de pessoas com formação superior, com maturidade e experiência, a assinatura do contrato pressupõe que o conheciam e que se o assinaram é porque não precisavam de melhores esclarecimentos!
Não se trata de pessoas indefesas, de “consumidores” carecidos de especial tutela, pois está provado que estamos perante “pessoas com elevada capacidade económica”, perante “cidadãos perfeitamente integrados na sociedade, com profissões tradicionais e respeitáveis (engenheiros, comerciantes e industriais, professora e funcionária administrativa”), ou seja, repete-se, de pessoas com formação superior, com maturidade e experiência, a quem é perfeitamente exigível que antes de assinarem leiam o contrato e peçam os esclarecimentos de que necessitem insiste-se, sibi imputet, não agiram com “comum diligência”, pelo que não podem vir depois afirmar-se vítimas de uma situação da sua própria responsabilidade!”
34. De resto, a este propósito, importa ainda assinalar que não consta da matéria de facto qualquer factualidade suscetível de colocar em causa a validade de um contrato livremente assinado entre duas partes sem qualquer factualidade que o justifique viola o disposto no artigo 405º do Código Civil.
35. Acresce que, conforme dispõe o artigo 237º do Código Civil, “em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”.
36. Ora, como resulta da matéria provada, a Autora pagava a quantia de 70€ por ano, relativa à locação do cofre. Por isso, salienta o Prof António Pinto Monteiro, no citado Parecer:
Já se imaginou o que seria responder o banco, por hipótese, por milhões e milhões de euros, a troco de uma pequena retribuição, sem sequer o banco poder calcular a responsabilidade — ilimitada! — que estaria a assumir?! Seria completamente desproporcionada e injustificada tal responsabilidade a cargo do banco. Daí, repete-se, a plena justificação deste tipo de cláusulas em contratos de aluguer de cofre.
37. Razão pela qual se deve concluir que a Recorrente não responde pelo conteúdo do cofre e que as cláusulas contratuais em apreço, interpretadas de acordo com o artigo 237º do Código Civil, traduzem esse equilíbrio contratualmente encontrado entre as partes e o Tribunal da Relação, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 405º e 237º do Código Civil.
38. O Tribunal da Relação, confundiu as obrigações dos funcionários bancários com as obrigações dos Agentes da Autoridade, no que o trecho seguinte do douto Acórdão é paradigmático:
“…a recorrida confrontada com os sucessivos disparos dos alarmes não deveria satisfazer-se com o mero registo destes e comunicação à GNR. (…) Acresce que, o primeiro funcionário da recorrente a contactar pela Central de Alarmes nem respondeu à chamada (…), o administrador EE nem as chaves da agência possuía (…) A GNR só uma vez foi avisada apesar dos alarmes terem disparado uma segunda vez e ter ocorrido a sobredita falha do teste de linha e uma eventual sofisticação do assalto não justificar a inacção (materializada num simples visionamento e na ausência de reacção aquando da falha do teste de linha)…”
39. Ou seja, segundo o douto Acórdão, o funcionário bancário que acorreu ao local do crime após a presença da GNR teria obrigações de segurança superiores àquelas que para a GNR resultam da Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro, que aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana, uma vez que nenhuma censura foi feita àquelas autoridades, ainda que o fosse para mera diminuição da culpa da Recorrente BB.
40. O douto Acórdão violou, assim, na apreciação da culpa, quer o disposto no Código Civil, quer o disposto nas aludidas disposições da Lei 63/2007, de 6 de Novembro, quer ainda o disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, 31-12-1992 (com as alterações subsequentes), pois sustenta que não só o funcionário da Recorrente BB que acorreu ao local teria funções e obrigações de investigação, combate ao crime e segurança (que, no caso concreto, competem à GNR), como que teria, relativamente à GNR, deveres de diligência superiores, como ainda, deveria ter suspeitado das conclusões desta autoridade policial quando esta havia concluído que “nada de anormal se passava” e “não haver necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente” (cfr. facto EEE) alterado pelo Tribunal da Relação).
41. Também a este propósito se louva a Recorrente BB no douto Parecer emitido pelo Exmo. Senhor Professor Doutor António Pinto Monteiro, que aqui se dá por reproduzido.
42. Aí se conclui (realces nossos):
20.º — Sendo assim, pergunta-se: será a Ré culpada por não ter observado, porventura, as condições de segurança que lhe eram exigíveis?
21.º — Em conformidade com a matéria de facto provada, só por ficção se poderá censurar o comportamento da Ré no caso concreto, tendo em conta tanto as medidas preventivas tomadas — designadamente no tocante à localização dos cofres e ao sistema de segurança instalado, com alarme ligado à central da empresa de segurança contratada e com contacto imediato com o banco e com a GNR —, como a actuação do banco na noite do assalto;
22.º — Efectivamente, na noite do assalto funcionaram os alarmes e foi avisada a GNR e um Administrador da Ré, que de pronto se deslocaram ao local, nada tendo detectado;
23.º — Não podemos concordar com a censura que as instâncias fazem ao Administrador da Ré por não ter entrado no banco ou por não ter chamado a GNR para esse efeito;
24.º — A nosso ver, esse Administrador fez o que devia e lhe competia fazer: avisado do acionamento do alarme, deslocou-se ao local, por duas vezes, em dois momentos diferentes, na primeira visionando o interior (através do exterior) e na segunda tendo inclusivamente verificado o estado da porta lateral de emergência, cujo alarme havia sido accionado, não detectando — tanto ele como a patrulha da GNR, que igualmente inspecionou o local — qualquer indício de que algo de anormal se estaria a passar;
25.º — Está efectivamente provado, inter alia, que a GNR “inspecionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto” (…);
26.º — Ora, perante isto, faria sentido o Administrador chamar a GNR, sendo-lhe a ele exigível que suscitasse suspeitas que as forças policiais não tinham?!;
27.º — E teriam os guardas da GNR acolhido um seu eventual pedido para entrarem nas instalações da Ré, quando os guardas estavam convencidos de que não existia “qualquer suspeita de assalto”?!;
28.º — Não serão as forças policiais a entidade competente para fazer o “diagnóstico” da situação, a elas competindo a responsabilidade de decidir que medidas tomar, quando e onde?!;
29.º — Fazemos inteiramente nossas as esclarecidas, pertinentes e justas considerações do Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 8 de Maio de 2017, sobre o mesmo caso: (…)
30.º — Também no caso agora “sub judice” a conclusão deve ser a mesma: a Ré conseguiu ilidir a presunção de culpa;
31.º — O mesmo Tribunal, contudo, no presente caso, adoptou uma posição oposta, porque, diz, o Supremo Tribunal de Justiça, embora confirmando aquele Acórdão, fê-lo porque o aí autor não provou ter bens no cofre, já que, quanto ao dever de diligência, a Ré não o teria cumprido;
32.º — Trata-se, com o devido respeito, de um “obiter dictum” sem fundamento, porque, como temos dito, não cremos que fosse exigível ao funcionário da Ré, nas circunstâncias concretas, outro comportamento, sendo despropositado recorrer aqui ao critério do “risco profissional”, do “risco-proveito ou risco do empreendimento”, como fez o Supremo;
33.º — De todo o modo, ainda que o Supremo venha a manter o mesmo critério, a verdade é que há, no presente processo, factos novos dados como provados que não constavam da matéria de facto provada no processo anterior, pelo que, sem se contradizer, o Supremo Tribunal de Justiça está agora em condições de decidir em sentido inverso, pois dispõe de factos diferentes que revelam ter o Administrador da Ré feito muito mais do que bastar-se “com o mero registo destes [disparos dos alarmes] e comunicação à GNR”; (…)
Foi pena, repete-se, que o Tribunal “a quo” não tivesse reparado nisso!...”
43. De resto, vale para este aspeto da culpa tudo o que em seguida se refere quanto ao nexo de causalidade. Na verdade, tudo o que é apontado como comportamento alegadamente “culposo” da Recorrente, é factualidade que ocorre em momento que não está provado que seja anterior ao da verificação dos danos. Assim sendo, não se pode sustentar que um comportamento pretensamente “culposo” posterior à verificação dos danos seja fundamento da responsabilidade civil. O que teria que se encontrar era qualquer comportamento culposo que fosse comprovadamente anterior aos danos e, assim, para os mesmos tivesse concorrido. O que não sucede, como se vê, no presente caso.
44. Quanto ao nexo de causalidade, o errado julgamento das instâncias é evidente
45. Não se encontra fixado pelas instâncias o momento da ocorrência dos danos, ou seja, o momento em que os bens da A. foram retirados pelos assaltantes das instalações da Recorrente.
46. Em especial, não se encontra minimamente fixado que os danos tenham ocorrido posteriormente à pretensa omissão do funcionário da Recorrente BB (que teria, segundo as instâncias, ocorrido cerca das 04h28m – cfr. Factos provados LL e MM) e muito menos que já não tivessem ocorrido no momento em que a GNR, após essa hora, sendo chamada, chegasse de novo às instalações do Banco).
47. Na verdade, não está provado que à hora da imputada “omissão” os assaltantes ainda estivessem dentro do Banco, até porque, como se encontra provado, o último registo de alarme – que inclui o da porta de emergência do Piso 0, por onde, com toda a probabilidade terão saído – está registado às 04h21m (cfr. Facto provado II).
48. Ora, é logicamente impossível estabelecer um nexo de causalidade entre facto e danos sem que esteja provado o momento da ocorrência dos danos e, em especial, sem que resulte dos autos, claramente, que os danos ocorreram em momento posterior à conduta pretensamente ilícita e/ou pretensamente culposa.
49. De facto, como parece evidente, para o estabelecimento do nexo de causalidade não interessa saber se “os assaltantes quando dispararam os alarmes estavam dentro das instalações”, porque nada é imputado de ilícito ao funcionário da Recorrente BB por referência ao momento de “quando dispararam os alarmes”.
50. O que é imputado ao funcionário da Recorrente BB é o facto de não ter recorrido (pela segunda vez) às autoridades após ter recebido notícia dos segundos alarmes (momento, portanto, posterior ao do toque dos alarmes, não coincidente com o mesmo). Só que, nesse momento, não há nenhuma prova no processo que possa confirmar que o assalto ainda estava em curso ou, por outras palavras, que demonstrem que o dano se produziu após esse momento.
51. E não existe nenhuma máxima de experiência de que se possa concluir que, do acionamento do alarme de uma porta de saída de emergência, às 4h21, resulta que os assaltantes (com os bens furtados), passados alguns minutos (quando a GNR, depois de novamente avisada, retornasse ao local), ainda não tivessem saído por essa mesma porta.
52. Em resumo, no caso sub judice, não está provado que os danos se produziram após o momento em que ocorreu a pretensa omissão, pelo que falece necessariamente o nexo de causalidade, por falta de prova.
53. Ou seja, não existe base factual suficiente para a decisão de Direito tomada pelo Tribunal da Relação.
54. Por outro lado, não consta da matéria de facto provada nenhum facto provado (posterior à alegada omissão) do qual se possa extrair a conclusão de que os danos ocorreram por causa da ação/omissão do funcionário da Recorrente BB.
55. Acresce que, não consta da matéria de facto provada nenhum facto relativo ao que sucederia caso a pretensa omissão não tivesse ocorrido e, em especial, que, caso ela não sucedesse, os danos também não existiriam.
56. Finalmente, constata-se existir uma abstrata incapacidade de o facto pretensamente ilícito produzir os pretensos danos e estão demonstrados nos autos factos bastantes para se concluir que o dano (a provar-se que ainda não estava consumado) decorreria de duas circunstâncias excecionais, anormais e extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e estão provadas, e que interferiram no processo de causalidade, considerado no seu conjunto, afastando, assim, o nexo de causalidade adequada, a saber:
(i) o caráter extraordinário do assalto e (ii) o facto extraordinário de a GNR ter estado no local e não ter detetado, após inspeção, que estava em curso um assalto destas dimensões tendo, pelo contrário, concluído pela “inexistência de qualquer suspeita de assalto” e “não haver necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente” (facto EEE) alterado pela Relação).
57. Não só o assalto foi extraordinário, como foi também extraordinário o facto de a GNR, tendo estado anteriormente no local durante um longo período, não se ter do mesmo apercebido e ter, pelo contrário, concluído que nada de anormal se passava ter concluído não haver necessidade de entrar nas instalações da recorrente; e estas duas circunstâncias extraordinárias afetaram as conclusões e atuação do funcionário da Recorrente BB e, sendo elas próprias causa de danos (se estivesse provado que a hora da sua produção era posterior, o que não está), fica claramente afastado qualquer nexo de causalidade entre a ação/omissão do funcionário da Recorrente BB e os pretensos danos.
58. Pelo que, ao concluir como concluiu, o douto Acórdão recorrido violou frontalmente o disposto nos artigos 563º, 342º, 483º e 798º do Código Civil, no que concerne à culpa e ao nexo de causalidade e decidiu de Direito sem base factual para tanto.
59. Aborda-se agora, por ser muito relevante, a questão da suscetibilidade de se dar como provado um facto essencial (que os bens pretensamente colocados no cofre no dia da celebração do contrato aí se mantiveram ao longo dos mais de 2 anos que durou o contrato) apenas com base na alegação feita na PI e sem qualquer prova…nem mesmo por “declarações de parte” (que não existiram) - cfr. Conclusões 12, 13 e 53 e páginas 22 e seguintes da apelação).
60. Como decorre dos autos, toda a prova produzida quanto (i) à existência dos bens, (ii) às suas características, (iii) à sua titularidade pela Autora e (iv) à sua colocação no cofre em 2010 assentou nas duas únicas testemunhas trazidas a depor pela Autora: a sua irmã e a sua sobrinha. De acordo com a sentença de 1ª Instância (e com o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora), a irmã da Autora e a sua sobrinha conheceriam os bens uma vez que, em 2010, aquando da celebração do contrato e da colocação dos bens no cofre, teriam auxiliado a Autora a fazer uma relação desses bens. Isto ter-se-ia passado, recorda-se, em 2010.
61. Ora, como salientou a Recorrente nas suas alegações de recurso, e como resulta da própria sentença, toda a prova produzida e existente nos autos teve como momento temporal a primeira visita da Autora ao cofre, nada tendo sido alegado nem provado pela Autora, como era seu ónus, sobre o período de mais de 2 anos, entre Agosto de 2010 e Novembro de 2012 (data do assalto), quanto ao que fez aos bens, nomeadamente utilizando a chave que estava em seu poder e à qual nenhuma das duas testemunhas teve acesso.
62. Ou seja, a Autora não produziu qualquer prova quanto ao pretenso conteúdo dos cofres no momento do assalto, uma vez que nada alegou nem provou quanto ao que fez relativamente aos bens durante os 2 anos que mediaram entre a assinatura do contrato e pretensa colocação dos bens no cofre (em 2010) e o momento do assalto (em 2012).
63. A então apelante e ora Recorrente sustentou, assim, nas alegações de apelação, que não pode ser dada como provada matéria de facto essencial, como a que está em causa, da qual apenas a Autora tinha conhecimento, sem qualquer meio de prova…nem que fosse através de declarações de parte (que não existiram).
64. Ou seja, o eventual conteúdo do cofre locado pela Autora (e o seu pretenso valor) era, naturalmente, desconhecido da BB e era também desconhecido das testemunhas, que apenas testemunharam momentos prévios à colocação dos bens no cofre, em 2010. Pelo que, como é evidente, ninguém pode saber o que a Autora AA lá terá colocado, ou não, ou terá de lá retirado, nos mais de 2 anos que durou a relação locatícia, sendo certo que as testemunhas expressamente afirmaram não saber. Pelo que não pode, de forma alguma, dar-se como provado que em 2012 (no momento do assalto) estava algo no cofre quando nenhuma prova foi feita sobre o que sucedeu após 2010.
65. Não existe qualquer regra de experiência que permita concluir que pelo facto de alguém ter colocado um bem num cofre num determinado ano (no caso, no ano de 2010), aí o mantém necessariamente passados que sejam dois anos (no caso, no ano de 2012, ano do assalto).
66. Até porque, como vimos, não podem “os funcionários do banco assistir às operações de colocação ou levantamento dos objectos do cofre pelo cliente”.
67. A presunção de que os bens estavam no cofre em 2012 representa, assim, violação da lei processual e da lei substancial a propósito do ónus de prova.
68. Nos termos do disposto no artigo 414º do CPC, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
69. Pelo que o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342º do CCivil e 662º,1 e 414º do CPC.
70. O Tribunal da Relação, ao dar como provada a existência dos bens, que identificou, no cofre, violou também o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 662º, pois, quanto muito, deveria ter atuado no sentido de qualquer uma das suas alíneas e não deveria ter dado como provado o que consta dos pontos V) e X) da matéria de facto provada.
Reproduzem-se aqui, para maior precisão, também as conclusões das alegações da recorrida:
A) Não se conformando com o douto acórdão da Relação que confirmou a sentença de 1ª instância, veio a Recorrente interpor o presente recurso de Revista.
B) Para ultrapassar o impedimento da dupla conforme, alega a sua não verificação, sustentando que o Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto dada como provada em 1ª Instância, tendo proferido uma decisão diversa desta quanto aos pressupostos da responsabilidade civil.
C) Alega ainda que, ainda que a conclusão de Direito seja a mesma da sentença – a de que estão reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da responsabilidade contratual - a fundamentação de facto em ambas as decisões, apresenta diferenças relevantes, uma vez que o rol de factos considerados como provados.
D) Sucede que, o recurso de revista não é admissível desde que ambas as decisões - a da 1ª instância e a da Relação – decidam no mesmo sentido, confirmando o Tribunal da Relação a decisão proferida pela 1ª instância, sem que seja lavrado voto de vencido, e sem que a fundamentação seja essencialmente diferente.
E) Isto é, não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.
F) Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada.
G) Não foi o que sucedeu nos presentes autos, pelo contrário!
H) Vejamos, a 1ª instância concluiu pela responsabilidade da Ré, porque não ilidiu a responsabilidade que sobre si impedia por força do contrato.
I) Sustentou o Tribunal de 1a instância que: “com efeito, está-se perante a responsabilidade contratual da instituição financeira imprudente ou não diligente, por não ter cumprido, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762.º, n.º 2 do CC), os deveres de diligência, protecção e de guarda dos cofres e dos legítimos interesses dos seus clientes. J) “Com efeito, sobre a Caixa impendia a obrigação de garantir a segurança dos cofres e respectivo conteúdo, por si alugados. E consequentemente sobre a Caixa recaía o dever de verificar cuidadosamente os variados sinais de alarme que, numa madrugada de um sábado para um domingo, foram accionados no seu estabelecimento, o que, perante os dados de que dispunha, impunha o dever de verificação/controlo do interior do estabelecimento. Ao contrário do que afirma a Ré na respectiva contestação esta não é uma daquelas situações em que o evento não era evitável ou susceptível de ser impedido, mesmo na observância dos mais rigorosos meios de segurança… É uma situação em que o evento não foi evitado (ao menos quanto à sua gravidade/dimensão) por não terem sido observados os deveres de cautela e previsão proporcionais e adequados aos dados objectivos que se deparavam ao seu representante… Sempre não pode impor-se à Autora o dano emergente (consequência adequada) do abrandamento do cumprimento das obrigações do Banco, por inobservância dos seus deveres de diligência e de cuidado na verificação da segurança das suas instalações, estando o sistema funcional e contratado com uma empresa especializada em segurança e vigilância, a avisar, mediante o accionamento sucessivo de alarmes, de intrusão e violação da integridade do estabelecimento bancário. Assim, o Banco que não use da exigível diligência não infirma a presunção que sobre si impende, de culpa/responsabilidade no cumprimento da obrigação de guarda/custódia assumida pelo contrato em causa. Na situação decidenda, a diligência/previsão/comportamento correcto do funcionário da Ré ficou aquém do exigível, com referência ao descrito circunstancialismo envolvente, em função já da natureza profissional da actividade exercida, como se adiantou.
Sendo que a Ré BB é responsável pela aludida omissão do seu representante/funcionário que compareceu no local, e omitiu os seus deveres de zelo e consequentemente a prática dos actos necessários e adequados tendentes a verificar o que se passava no interior do estabelecimento e assim aferir da sua segurança e integridade, em face do disposto no artigo 800º do CC.
É que, pese embora a actuação ilícita se constituir também como causa (extracontratual) do dano ou prejuízo, não há dúvidas quanto ao nexo causal entre o incumprimento do dever de custódia pela Ré e a consumação do dano, admitindo o direito português a concorrência de responsabilidades e bem assim que cada um dos responsáveis responda pela totalidade do dano”.
K) Por sua vez o Tribunal da Relação decidiu nos seguintes termos: “A recorrente assumiu um dever de vigilância e custódia dos sobreditos bens e sobre si impede uma presunção de culpa (artigo 799º n.º 1 do CC). Esta presunção de culpa não foi afastada pela recorrente porquanto, como se consignou o citado acórdão STJ e se sufraga “a Recorrida confrontada com os sucessivos disparos dos alarmes não deveria satisfazer-se com o mero registo destes e comunicação à GNR que realizou, tão só, inspecção exterior às instalações bancárias, quando pela persistência daqueles disparos, a denotar que algo de estranho e intrusivo se estava a passar no interior, se impunha que outras medidas de segurança fossem tomadas (e não foram), em ordem a salvaguardar os bens e valores que ali se encontravam depositados pelos clientes, confiantes de que a mesma os manteria em segurança”. Acresce que o primeiro funcionário da recorrente a contactar pela central de alarmes nem respondeu à chamada, o administrador EE nem as chaves da agência possuía. a GNR só foi avisada uma vez apesar dos alarmes terem disparados uma segunda vez e ter ocorrido a sobredita falha do teste de linha e uma eventual sofisticação do assalto não justificar a inação (materializada num simples visionamento e na ausência de reação aquando da falha do teste de linha tida na circunstância perante tantos sinais de intrusão na dependência bancaria da Ré.
L) Ou seja: na matéria da aplicação do direito o Acórdão do Tribunal da Relação confirmou, integralmente, e sem qualquer voto de vencido e, com fundamentação idêntica, a decisão proferida em primeira instância.
M) Idêntica quanto ao núcleo essencial da sua fundamentação jurídica, remetendo, inclusivamente, para o conteúdo da decisão da 1ª instância.
N) Quer isto dizer que, o regime jurídico que serviu de suporte às decisões proferidas em ambas as instâncias é exactamente mesmo, não se vislumbrando o tratamento de alguma questão que possa ser entendida como divergente nos termos do enquadramento jurídico que foi efectuado.
O) Sustenta, por outro lado, a Recorrente que ainda que a conclusão de Direito seja a mesma da sentença – a de que estão reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da responsabilidade contratual – a fundamentação de facto em ambas as decisões apresenta diferenças relevantes, uma vez que o rol de factos considerados como provados e que estão na base do iter decisório sofreu alterações.
P) Sucede que, a matéria de facto alterada pelo Tribunal da Relação, foi apenas uma explicitação de um facto dado como provado na 1ª Instância.
Q) Isto é deu-se por provado que a GNR, chamada ao local nas sobreditas circunstancias (item HH dos factos provados) concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto, pelo que está implícito que não viu necessidade de entrar no estabelecimento da Recorrente. Assim explicitando o item em causa o Tribunal da Relação acrescentou que a GNR concluiu não haver necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente.
R) Ora, não existiu propriamente alteração da matéria de facto, mas tão só uma explicitação da matéria de facto provada na 1ª instância e que não releva para a pretendida alteração da decisão.
S) À luz desta alteração/explicitação continua válida a conclusão referida na sentença, ou seja que o administrador da Ré se limitou a uma “mera observação exterior da integridade das portas e vidros existentes”.
T) Quanto à clausula contratual que estabelece que “2. A perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade dos CLIENTES, pelo que a CAIXA apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos” alega a Recorrente que a posição do Tribunal de 1ª Instância é diversa da do Tribunal da Relação.
U) Isto porque a douta sentença considerou a aludida cláusula nula, ao passo que, o Tribunal da Relação, no douto Acórdão, diz apenas que “A cláusula que a recorrente invoca como delimitadora do objecto do contrato (alínea B) dos factos provados onde consta que a perda ou deterioração dos objectos serão sempre da responsabilidade do cliente) não contende com a perda dos objectos depositados em caso de violação dos deveres de vigilância e custódia acima aludidos na medida em que a recorrente é responsável pela subtração fraudulenta do conteúdo do cofre sob a sua guarda (a perda ou deterioração dos bens teriam que ocorrer noutro contexto porque se a recorrente se responsabilizou pela segurança dos mesmos terá que assumir as consequências da violação desse dever sob pena de contradição).
V) Contudo, o Tribunal da Relação não apreciou a validade ou invalidade da cláusula, apenas concluiu que não tinha aplicação no caso, não se podendo afirmar que esta é uma posição diversa da 1ª instância, pois não tomou posição sobre a validade da mesma W) Assim, também neste ponto estamos perante uma situação de “dupla conforme”, o que impossibilita a admissão do presente recurso de revista.
X) Subsidiariamente sustenta a Recorrente que estamos perante uma situação passível de Recurso de Revista Excecional, nos termos do artigo 672º do CPC.
Y) Contudo, não se vislumbra, apesar dos argumentos tecidos pelo Recorrente que o presente caso preencha qualquer um dos requisitos, não devendo, por isso ser admitido o recurso a título excecional.
Z) Com vista à comprovação do não preenchimento da CULPA, como pressuposto da indemnização por responsabilidade civil, a Recorrente centra a sua fundamentação numa espécie de vitimização do Administrador da Caixa – Sr. EE – fazendo crer que o Tribunal a quo, exige deste “mero bancário” o cumprimento de deveres de cuidado que apenas impendem sobre os membros da GNR.
AA) Nesse sentido afirmou que “o Tribunal da Relação relevou/ignorou a atuação/omissão das autoridades policiais, e atribuiu o dever de proteção e segurança do estabelecimento a um cidadão, funcionário da Ré, que, aparentemente, segundo a sentença e o Acórdão recorridos, teria de ter feito um julgamento diferente do que os especialistas no combate ao crime fizeram e teria de ter tido uma atuação mais rigorosa do que estes”, com o que não se concede!
BB) As obrigações de organização/administrativas dos funcionários bancários obviamente não se confundem - nem se confundiram no Douto acórdão em crise – com as obrigações de segurança das autoridades policiais. No entanto, muitas vezes, as obrigações de segurança das autoridades policiais só são devidamente asseguradas quando as obrigações de organização/administrativas são devidamente cumpridas.
Circunstância que se verifica no caso em apreço, porquanto a atuação da GNR foi no sentido de escrutinar a razão de ser do disparo do alarme de intrusão da Caixa BB.
CC) E, se o caso em apreço se resumisse a esta simples factualidade - a de que, perante o disparo dos alarmes de intrusão da Caixa, verificado o exterior das instalações da mesma, e uma parte do interior (pelo exterior) – a GNR tivesse concluído como concluiu, “que tudo se encontrava dentro da normalidade”, sem mais acontecimentos posteriores, não poderia ser outra a conclusão, senão a de que tinham sido cumpridos os deveres de cuidado pela CC, pela GNR e pelo funcionário da Recorrente.
DD) Acontece que, no caso dos autos, como é já consabido, não foi essa a factualidade ocorrida, posto que, posteriormente a esses primeiros disparos, acionaram-se outros alarmes, desta feita, em três outras zonas, designadamente, o alarme da Porta de Emergência Lateral, no Piso O (Zona 62), o detetor do Hall/W.c., no Piso O (Zona 60) e o Detector do, chamado, Gabinete do Fundo, também no Piso O (Zona 64), sendo que, posteriormente, a CC verificou problemas de sinal.
EE) Portanto, a CC cumpriu, com as obrigações a que estava adstrita, designadamente, comunicando à GNR de … o acionamento dos alarmes de intrusão nas instalações da Recorrente, após o que tentou entrar em contacto com o funcionário do banco que constava, em primeiro lugar, na lista de contactos para este efeito, e não logrando, após várias tentativas, falar com o mesmo (cfr. Factos provados em BB), estabeleceu contacto com o segundo número daquela lista, no caso, com o Sr. EE.
FF) Por sua vez, a GNR, dentro daquilo que foram as informações prestadas pela CC – acionamento dos alarmes de intrusão – verificou, pelo exterior, que efectivamente não havia sinais de arrombamentos, nem barulho, pelo que concluiu ter sido um “falso-alarme”. Ou seja, também cumpriu com os deveres a que estava adstrita, nomeadamente, os elencados na peça recursiva pela Recorrente.
GG) Resta o funcionário da Recorrente, que não só foi informado sobre os disparos do alarme de intrusão, como foi sendo atualizado, durante aquela madrugada, das sucessivas anomalias que foram sendo detetadas (cfr. Factos provados em ll) e jj). Ainda assim, e sem ter qualquer preocupação em entrar em contacto com a GNR a dar conta do sucedido, negligenciando todos os sinais possíveis, indiciadores de uma verdadeira intrusão, omitiu tal informação e conformou-se com qualquer um dos possíveis resultados, perante aquelas circunstâncias, isto é, ou de um assalto, ou de uma avaria.
HH) Como já se disse anteriormente, por não se encontrarem melhores considerações, concitam-se as palavras do Tribunal da Relação do Porto: “Não está em causa a convicção subjectiva pelo referido funcionário, ora administrador da Ré, da existência de uma situação “normal”, mas a falta de diligência devida no afastar desse ilegítimo convencimento. Com efeito, perante as comunicações realizadas pela empresa de vigilância, o que se lhe impunha era ao menos que tentasse a análise da situação mediante o auxílio da autoridade policial, ao invés de se bastar com a comunicação de que a “polícia também já lá tinha estado e não tinha verificado nada de estranho ou anormal”.
II) Atente-se em que a autoridade policial foi alertada “apenas” para a existência de uma sinalização de um alarme de intrusão de um vidro/porta de entrada, ao passo que O REFERIDO FUNCIONÁRIO DA RECORRENTE FOI SENDO “ACTUALIZADO” COM A EXISTÊNCIA DE ACCIONAMENTO DE OUTROS ALARMES NO INTERIOR DAS INSTALAÇÕES (sendo-o pela 2a vez e em três sítios/locais diferentes: detector Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detector Hall w.c. Piso O (Zona 60) e Detector Gabinete Fundo Piso O (Zona 64) - ponto 32 ) e, após, com os problemas de sinal.
JJ) Refira-se que não está em causa o facto daquele representante da Ré não ser portador das chaves da instituição, concordando-se que o mesmo não possa e não deva levar consigo as chaves da mesma, por razões de segurança e de molde a não permitir que eventuais criminosos aproveitassem esse facto para se introduzirem na instituição bancária.
KK) Não lhe era exigível que fosse portador das chaves e, muito menos, que entrasse na instituição, pondo em sério risco a sua própria vida. Mas era-lhe exigível, face ao accionamento de outros alarmes no interior das instalações e, após, com os problemas de sinal, que recorresse às autoridades policiais para uma cabal certificação daquilo que de facto se estava a passar na instituição bancária, tanto mais, que o mesmo tinha conhecimento que a autoridade policial já não se encontrava no local quando ocorreram novos disparos do sistema de alarme. (bold e sublinhado nossos).
LL) Trata-se aqui, em particular, do modo de atuação da entidade obrigada a assegurar a integridade do cofre, perante a informação que detinha e que NÃO ERA CONHECIDA DAS AUTORIDADES POLICIAIS, que numa ótica de razoabilidade impunha – uma vez que se tratava de um mero funcionário – que remetesse aquelas informações posteriores aos agentes do combate ao crime, pois estes sim, estavam preparados para ajuízarem a situação, novamente, e decidir se as circunstâncias impunham – face àqueles novos disparos – tomar outras providências.
MM) O que na Douta sentença se teve em consideração, face às regras da experiência comum e tendo por base a atitude do homem médio (e não de polícias) é que, perante a informação previligiada de que o Administrador da BB dispunha – conhecimento do prédio e das suas dependências, a existência e o local onde se situa o cofre forte, o facto dos local onde dispararam os alarmes não serem visíveis do exterior do prédio (nomeadamente através dos vidros), que o disparo de alarmes, durante a noite, era inédita, bem como a perda de sinal – tinha o dever de ter tomado outras diligências que permitissem, designadamente, à GNR – que desconhecia todas aquelas informações, à exceção do facto de terem disparado alarmes – ajuízar da real suspeita de assalto, agindo, desse modo, em consonância.
NN) Portanto, NÃO, O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO NÃO CONFUNDIU AS OBRIGAÇÕES DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVAS DOS FUNCIONÁRIOS BANCÁRIOS COM AS OBRIGAÇÕES DE SEGURANÇA DAS AUTORIDADES POLICIAIS, SIMPLESMENTE, NESTE CASO, AS OBRIGAÇÕES DESTES ÚLTIMOS APRESENTAVAM UMA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ENTRE O REAL CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DOS PRIMEIROS – porem a policia ao corrente de todos os detalhes – PARA QUE A POLÍCIA PUDESSE FAZER O SEU TRABALHO, O QUE NÃO ACONTECEU.
OO) Não tendo, o funcionário da Recorrente, dados todas as informações que estavam na sua posse à GNR, de modo a permitir que esta ajuízasse a necessidade de tomar outras diligências, nomeadamente entrando no estabelecimento, ou montando um cerco ao local – e cujo mero alarme, por uma única vez, não impunha que assim acontecesse – obviou, com essa omissão, que a GNR tomasse uma decisão de forma conscienciosa.
PP) Não é esta a atitude esperada, de uma pessoa que está responsável por tomar providências em casos anormais, como este do disparo de alarmes.
QQ) Face ao exposto, é mais que claro que, os agentes especializados no combate ao crime não estavam em “pé de igualdade”, no que toca a informações, com o Administrador da BB, daqui se extraindo a conclusão de que este “podia ter prevenido a consumação do furto, mediante o recurso solicitação da entrada no estabelecimento pelas autoridades policiais, caso tivesse encarado com a diligência e zelo devidos os sucessivos e reiterados disparos do sistema de alarme instalado no estabelecimento bancário da Ré, ao longo de período temporal assinalável e durante a madrugada de um sábado para um domingo, desenquadrados de qualquer explicação plausível.”.
RR) Exatamente pelo facto do Administrador da BB não ser um agente especializado, é que devia ter entrado em contacto com a GNR dando todas as informações que tinha em seu poder e questionando, até que ponto, é que não havia motivo para alarme!
SS) Contráriamente, o que o Administrador da BB fez não alterou em nada o que poderia ter acontecido se não se tivesse deslocado às instalações da BB. Aliás, da segunda vez que se deslocou à BB, mesmo conhecendo que os locais onde dispararam os alarmes não eram visíveis do exterior, conformou-se com tal facto e ligou à CC confirmando que “não via nada de anormal”. Que tipo de verificação foi esta, se não conseguia ver para tais locais?!
TT) Lembramos que foi dado como provado, nos pontos 10) a 15) da Douta sentença, que os assaltantes se introduziram nas instalações da BB através da parede que confina com a Cooperativa Agrícola, tendo desativado os alarmes e, só após, desceram pelas escadas que permitem o acesso à zona do cofre-forte geral blindado da BB.
UU) Portanto, tendo em conta a planta do edifício e a cronologia dos factos, é manifesto que, na altura em que os alarmes de intrusão dispararam - às 03h18m (cfr. Facto provado em 24)) - os assaltantes se encontravam dentro das instalações da BB e aí permaneceram, pelo menos, até às 04h21m21s, última vez que os alarmes soaram (cfr. Facto provado em 32)).
VV) Por outro lado, sabendo que os alarmes de intrusão dispararam no piso zero, que é o piso onde estão instaladas as centrais telefónicas/alarmes, e que estas foram destruídas, com certeza, foram-no antes de os assaltantes terem ido para o piso menos um, onde estavam alocados os cofres.
WW) Ora, da conjugação da prova com as regras da lógica e da experiência comum, é mister concluir que, quando os alarmes soaram, daquela segunda vez, os assaltantes ainda não tinham violado, ou sequer, entrado na zona onde os cofres estavam alocados. Pelo que, é verossímil que, na hora em que o Administrador da BB se deslocou às instalações, o assalto ainda estava a decorrer.
XX) Mais, repare-se que, no momento em que a CC lhe ligou, pela última vez, DANDO CONTA DE QUE TINHAM PERDIDO O SINAL DA REDE e que desconheciam desde que horas é que o sistema se encontrava inativo, o Sr. Administrador da BB, para além de não se ter deslocado até àquelas instalações, tampouco, questionou a CC sobre a necessidade, ou não, de comunicar o facto às forças policiais! MESMO SABENDO QUE NÃO EXISTIAM ALARMES, DE TODO!!!
YY) Como se sabe, a violação pelo agente do cuidado objetivamente devido é concretizada com apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio”, e face aos factos apurados, é possível afirmar com toda a certeza que o funcionário da Recorrente podia, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado,
MAS NÃO O FEZ DE FORMA SUFICIENTE.
ZZ) Face ao exposto, nada mais se pode concluir senão que, a atitude passiva e conformista do funcionário da Recorrente – que, mesmo após a perda do sinal dos alarmes, foi descansar, omitindo tais informações à GNR – contruiu para a consumação do assalto. Tal omissão foi um erro deste funcionário, que estava adstrito a coadjuvar em situações como esta, por isso este erro tem que lhe ser imputado a título de CULPA.
AAA) Consequentemente cabe à recorrente indemnizar a Recorrida, como foi decidido no tribunal de 1ª instância, confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto, pois verificam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, atenta a não elidida presunção de culpa.
Por Acórdão de 19.09.2019 a Formação decidiu que existia interesse numa derradeira intervenção deste Supremo Tribunal e, portanto, a revista excepcional era admissível. Os autos foram reencaminhados, cumprindo agora a este colectivo de juízes apreciar as questões suscitadas.
Como se diz no Acórdão da Formação, neste recurso “está em causa a questão matriz de saber se a R é responsável pela perda e deterioração, na sequência de um furto, dos objectos depositados num cofre à sua guarda, por violação dos deveres de vigilância e custódia a que, nos termos peticionados, se encontraria contratualmente adstrita”. Mas em torno desta questão matriz gravitam outras questões que, tendo sido suscitadas pela recorrente, é preciso também considerar.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber:
1.ª) se existem as nulidades invocadas;
2.ª) se, ao apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal recorrido incorreu em violação de alguma norma da lei de processo ou de alguma norma de Direito probatório material
3.ª) se existiu erro na qualificação do contrato; e
4.ª) se existiu erro na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil.
II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:
A) A Autora celebrou com a Ré, por escrito, um contrato que designaram por “contrato de locação de cofre-forte”, no qual os Autores eram designados por clientes e a Ré por Caixa, o qual foi celebrado pela Ré com a Autora no dia 9 de Agosto de 2010.
B) Nesse contrato as partes convencionaram o seguinte:
“1. A CAIXA coloca à disposição do CLIENTE um cofre-forte, para nele serem colocados objectos em segurança”.
“2. A perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade dos CLIENTES, pelo que a CAIXA apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos” – 1ª cláusula.
C) Por força da 2ª cláusula, o cofre a utilizar pela Autora, tinha o número 247 com 22 dm3, e encontra-se no balcão de Penafiel, sito no Largo da Devesa - Penafiel.
D) Por força da 3ª cláusula, pela cedência do cofre a Ré cobrava a quantia anual de € 70,00 (setenta euros), acrescia de IVA, quantia que a Autora pagava através de débito na sua conta D.O. nº …, fosse o primeiro pagamento fosse as sucessivas renovações.
E) Estipulou-se na 5ª Cláusula, que constituíam deveres da CAIXA:
a) Entregar ao CLIENTE a única chave existente de funcionamento do cofre, e/ou dar-lhe as instruções para introduzir o segredo respectivo;
b) Não utilizar o cofre; e
c) Garantir a integridade exterior do cofre.
F) Estipulou-se na 10º cláusula, que o acesso ao cofre estará limitado pelas normas internas da CAIXA, nomeadamente quanto a horários, identificação de CLIENTES e assinatura com registos especiais.
G) Estipulou-se na 11ª cláusula que o contrato seria celebrado pelo prazo de um ano, considerando-se automaticamente renovado prorrogado por iguais períodos, nas mesmas condições, no caso de não ser denunciado no seu termo; tudo conforme os termos do contrato junto aos autos por cópia com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) 1) Foi entregue à autora (após a celebração do contrato) pela BB a chave do dito cofre (única que o poderia abrir juntamente com outra na posse da BB) e a autora acedeu à sala onde o cofre se encontrava nele podendo guardar, sem qualquer intervenção do banco réu, o que bem entendesse[1].
H) Na noite de 17 de Novembro, Sábado, para 18 de Novembro, Domingo, de 2012, o estabelecimento bancário explorado pela BB no …, em …, foi assaltado.
I) Nessa noite, uma ou mais pessoas penetraram indevidamente no interior desse estabelecimento bancário, tendo danificado paredes, bens, equipamentos de vigilância e alarme, arrombado a zona de acesso ao cofre-forte, e danificado cofres de aluguer e retirado haveres.
J) Os autores do assalto introduziram-se ilegitimamente na Cooperativa Agrícola de Penafiel, cujo edifício confina com o da BB, aí tendo permanecido escondidos com intenção de furtar a BB.
K) Os assaltantes, após várias tentativas infrutíferas, abriram, com a ajuda de instrumentos específicos, do género de martelos pneumáticos e rebarbadoras, uma passagem na parede do edifício-sede da BB confinante com a da aludida Cooperativa Agrícola.
L) Após terem conseguido penetrar no estabelecimento bancário explorado pela BB, os indivíduos em causa desactivaram os alarmes que encontraram, tendo aliás desactivado também a caixa de gravação da videovigilância.
M) Após tudo isto, os assaltantes desceram pelas escadas que permitem o acesso à zona do cofre-forte geral blindado da BB (dentro da qual se situavam os cofres de aluguer), sita na cave do edifício.
N) De novo munidos daqueles instrumentos do género de martelos pneumáticos, os criminosos abriram nova passagem através de uma parede reforçada em betão armado com cerca de 50-60 cm de espessura, do cofre-forte geral da BB.
O) Após terem conseguido abrir a referida passagem, os indivíduos em apreço procederam ao arrombamento dos vários cofres de aluguer utilizados por clientes da BB.
P) Tal furto foi objecto de investigação criminal, tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo n.º 989/12.7GBPNF que correu termos na … Secção do DIAP do Tribunal da Comarca do Porto.
Q) A BB tinha contratado com a sociedade comercial CC - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA (de ora em diante, “CC”), com sede na Praça …, nº 5-A, … …, um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância, cujos termos são os que constam do documento junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
R) À data em apreço nos autos, a sociedade CC - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, S.A. tinha validamente contratado com a Interveniente Seguradora um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Exploração na modalidade Diversos de Exploração titulado pela apólice n.º 5…5 (vide Acta Adicional n.º 1 das Condições Particulares da apólice, com data efeito de 28.06.2012, e Informação Pré-contratual/Condições Gerais da Apólice de Responsabilidade Civil Geral, juntos como documentos n.os 1 e 2 com a contestação da Interveniente DD e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos);
S) A referida apólice garantia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana da tomadora do seguro em diversos locais de risco, de entre os quais aquele onde ocorreram os factos em causa, pelos danos causados a terceiros até ao montante de €1.250.000,00, decorrentes do exercício de segurança privada, nos termos da legislação em vigor, entendendo−se como tal a actividade que tem por objecto o exercício, exclusivo, dos serviços abaixo mencionados: «Vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis actos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções, conforme definido na alínea a) do nº 1 do Artº 2º do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro; Exploração e gestão de centrais de recepção e monitorização de alarmes, nos termos da alínea c) do artº 2º do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro» (vide documento n.º 1 acima identificado, págs. 2 e 3 de 5);
T) Mostrando-se aplicável a este contrato de seguro, in casu, uma franquia contratual a cargo do segurado de «10% no mínimo de 500,00 Eur. por sinistro no máximo de 5.000,00 Eur.» (vide Condições Particulares da apólice acima indicadas como documento n.º 1 - Franquia, pág. 4 de 5).
U) No mês de Outubro de 2013, a Autora, no âmbito do inquérito referido em P) compareceu na Polícia Judiciária do … onde estavam expostos alguns dos bens que foram deixados espalhados pelos autores dos furtos de 18.11.2012 e que as autoridades policiais conseguiram recuperar e ali reconheceu como sua a ali identificada verba nº 38 - um guarda jóias em porcelana fina, contendo no seu interior quatro pares de brincos em ouro, o qual não lhe havia sido entregue até à data de instauração da acção, tendo-o sido, entretanto.
V) À data em causa nos autos a Autora tinha guardados no cofre 247 os seguintes bens:
a) 1 medalha com peso de 2.0 g no valor de cento e vinte euros (120,00 €);
b) 1 volta mais libra com 39.5 g no valor de dois mil duzentos e vinte euros (2.220,00 €);
c) 1 Colar mais medalha com 25.3 g no valor de mil quinhentos e vinte euros (1.520,00 €);
d) 5 pulseiras com 45.8 g no valor de dois mil oitocentos e quarenta euros (2.840,00€);
e) Anéis mais brincos no valor com 19.0 g no valor de mil cento e oitenta euros (1.180,00€);
f) 1 par de brincos com 3.5 g no valor de duzentos e vinte euros (220,00€);
g) 2 alfinetes com 10.3 g no valor de seiscentos e vinte euros (620,00€);
h) 1 aliança com 2.0 g no valor de cento e vinte euros (120,00€);
i) 1 cordão mais medalha com 28.1 g no valor de mil oitocentos e quarenta euros (1.840,00€);
j) 7 medalhas mais dois alfinetes com 48.1 g no valor de dois mil e setecentos euros (2.700,00€);
k) 2 voltas mais medalhas com 24.0 g no valor de mil quatrocentos e cinquenta euros (1.450,00€);
l) 1 corrente com 15.2 g no valor de novecentos e vinte euros (920,00€);
m) 1 caixa branca com ouro dentro com 37.1 g , no valor de dois mil duzentos e trinta euros (2.230,00€);
n) 1 caixa pequena com ouro dentro com 24.0 g,. no valor de mil quatrocentos e cinquenta euros (1450,00€);
o) Caixa transparente com 52.8 g no valor de três mil cento e oitenta euros (3.180,00€);
p) 1 volta mais medalha com 27.3 g no valor de mil seiscentos e cinquenta euros (1.650,00€);
q) Vários anéis com 17.1 g no valor de mil e trinta euros (1.030,00€);
r) 1 pulseira com 20.9 g no valor de mil duzentos e setenta euros (1.270,00€);
s) 3 pulseiras com 23.4 g no valor de mil quatrocentos e vinte euros (1.420,00€);
t) 1 libra com 8.0 g no valor de trezentos e cinquenta euros (350,00€);
u) 9 anéis com 44.0 g no valor de dois mil setecentos e trinta euros (2.730,00€);
v) 1 alfinete com 2.7 g no valor de cento e sessenta e cinco euros (165,00€);
w) 1 medalha com 1.0 g no valor de cinquenta euros (50,00€);
x) 4 pares de brincos, um anel, mais uma pulseira de 9.2 g no valor de quinhentos e sessenta euros (560,00€);
y) 2 pares com brincos 3.3 g no valor de duzentos euros (200,00€);
z) 1 libra mais aro com 9.8 g no valor de quatrocentos e quarenta e cinco euros (445,00€);
aa) 1 fecho com 2.7 g no valor de centos e sessenta e cinco euros (165,00€);
bb) 17 pulseiras mais meia libra com 127.9 g no valor de oito mil euros (8.000,00€);
cc) 8 voltas com 97.2 g no valor de seis mil e trinta euros (6.030,00€);
dd) 1 cordão com 36.5 g no valor de dois mil e trezentos euros (2.300,00€);
ee) 2 libras com 16.0 g no valor de seiscentos e quarenta euros (640,00€);
ff) 1 cordão com 22.0 g no valor de mil quatrocentos e setenta e cinco euros (1.475,00€);
gg) 1 libra mais aro com 20.0 g no valor de mil e cem euros (1.100,00€);
hh) 1 cordão com 102.0 g no valor de seis mil cento e cinquenta euros (6.150,00€);
ii) 1 colar com 35.8 g no valor de dois mil cento e cinquenta euros (2.150,00€);
jj) 5 pulseira com 61.0 g no valor de três mil seiscentos e setenta euros (3.670,00€);
kk) 1 volta mais medalha com 13.0 g no valor de setecentos e oitenta euros (780,00€);
ll) 1 gargantilha com 25.8 g no valor de mil seiscentos e trinta euros (1.630,00€);
mm) 1 libra com 8.0 g no valor de trezentos e cinquenta euros (350,00€);
nn) 1 relógio mais bracelete em ouro com 29.9 g no valor de mil e seiscentos euros (1.600,00€);
oo) 1 cordão com 501.3 g no valor de vinte e nove mil e setecentos euros (29.700,00€):;
pp) 1 cordão mais medalha com 125.0 g no valor de oito mil e cem euros (8.100,00€);
qq) 1 relógio mais bracelete em ouro com 65.0 g no valor de três mil euros (3.000,00€);
rr) 1 relógio mais bracelete em ouro com 55.0 g no valor de dois mil e setecentos euros (2.700,00€);
ss) 1 volta mais medalha com 35.5 g no valor de dois mil e cem euros (2.100,00€);
tt) 1 colar mais libra com 26.4 g no valor de mil quatrocentos e trinta euros (1.430,00€);
uu) 15 anéis com 88.3 g no valor de cinco mil setecentos e quarenta euros (5.740,00€);
vv) 7 pulseiras com 113.8 g no valor de sete mil cento e oitenta euros (7.180,00€);
ww) 4 pares de brincos com 15.7 g no valor de mil e vinte euros (1.020,00€);
tudo no valor de cento e vinte e nove mil quatrocentos e noventa euros (129.490,00€).
X) Foram-lhe subtraídos na sequência do evento descrito aqueles objectos, sem prejuízo ainda do assente em U).
Z) No dia 18 em apreço nos autos, entre as 3h18m e as 3h20m, na central de alarmes da interveniente CC e com referência às instalações da Ré verificou-se o accionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o o detector quebra de vidros entrada frente piso 0 (zona 5) e da Tamper sirene (zona 32).
AA) Na sequência, a empresa encarregue da colocação, funcionamento e gestão do alarme (a empresa CC), comunicou esse facto à GNR, que se deslocou ao local.
BB) O funcionário da CC tentou entrar em contacto com o funcionário do banco em primeiro lugar da lista de contactos, o senhor FF, por mais do que uma vez, frustrando-se o contacto, o que sucedeu em escassos minutos
CC) Por esse motivo, entrou em contacto com o Administrador EE, o qual se dirigiu às instalações da R.
DD) Aí chegado, o mesmo efectuou uma vistoria exterior, informando a empresa de Alarmes que estava tudo bem, pelas 04h17m.
EE) Depois de aquele se deslocar às instalações da Ré, para verificar o que se passava, comunicou à Central de Alarmes a informar que se encontrava tudo normal.
FF) A Central de alarmes respondeu que já tinha conhecimento desse facto através da Guarda Nacional Republicana (GNR), que esta também fora informada pela referida Central de alarmes.
GG) O referido EE não era, na ocasião em que se deslocou às instalações da Ré e realizou a vistoria referida na alínea EE), portador de chave das portas das instalações da Ré.
HH) Pelas 04h03m os funcionários da CC contactaram telefonicamente a GNR de …, tendo-lhes sido comunicado que a patrulha daquela força policial se havia deslocado ao local, não tendo detectado, por vistoria ao exterior, qualquer indício de situação anormal.
II) Entre as 4h21m15s e as 4h21m21s , na central de alarmes da interveniente CC e com referência às instalações da Ré verificou-se o accionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o pela 2ª vez e em três sítios/locais diferentes: detector Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detector Hall w.c. Piso O (Zona 60) e Detector Gabinete Fundo Piso O (Zona 64).
JJ) Às 4h22, o referido EE, recebe nova chamada da Central de Alarmes (segunda), a dar conhecimento daqueles disparos de alarmes de intrusão noutras zonas do banco.
LL) O Senhor EE, mais uma vez, desloca-se ao local e, sem entrar dentro das instalações da R. e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspecção exterior às instalações.
MM) Às 4h28, aquele mesmo EE, contactou a Central de Alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal, dando nota da verificação da porta de emergência das instalações.
NN) Cerca das 6h15m verificou-se na central de alarmes uma falha de teste de linha, com relação às instalações da Ré, anomalia que significa uma falha de comunicação do sistema.
OO) Às 6h27, o mesmo EE recebeu nova chamada da Central de Alarmes a informar “falha de (teste de) linha”, o qual, desta vez, não se deslocou ao local para ver a causa do problema.
PP) Às 9 horas da manhã a R. e a empresa responsável estabelecem contactos no sentido da última enviar um técnico no sentido de averiguar as alegadas avarias no alarme do banco.
QQ) Pelas 11 horas os funcionários da R. vistoriaram o interior do banco e detectaram a existência do furto.
RR) Aquando da sua deslocação ao local o Administrador da Ré não se fez acompanhar das chaves das instalações, das quais, de resto, não dispunha.
SS) O Administrador da Ré não contactou ou sequer se cruzou com a GNR.
TT) Os cofres de aluguer encontravam-se dentro do cofre-forte geral da BB.
UU) Este cofre-forte estava protegido por uma porta blindada, com cerca de 50 cm de espessura.
VV) As paredes laterais do cofre-forte eram feitas em betão armado e tinham igualmente uma espessura de cerca de 50 cm.
XX) Fora do cofre-forte geral da BB, todo o estabelecimento era dotado de portas de segurança.
ZZ) Todo o estabelecimento estava coberto por um sistema de segurança, incluindo alarme.
AAA) O alarme estava ligado à central da empresa de segurança CC - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA (“CC”), empresa especializada neste tipo de serviços, que prestava à BB os serviços de segurança e vigilância, através de um sistema de tecnologia bidireccional, que permitia a comunicação, em tempo real, entre a central de detecção instalada na BB e a central receptora de alarmes da CC, permitindo ao operador da Central da CC controlar remotamente o sistema instalado.
BBB) Estava estabelecido com a CC um plano de actuação em caso de verificação de qualquer evento suspeito
CCC) Plano esse que, para além do mais, determinava o contacto, em caso de sinistro, quer com elementos da BB, quer com as autoridades policiais.
DDD) De resto, a BB havia informado as autoridade policiais – Guarda Nacional Republicana – por carta datada de 22.02.2006 – de que, a partir dessa data, os alarmes protectores do estabelecimento em apreço passaram a estar ligados àquela empresa de segurança que, em caso de qualquer urgência, contactaria o posto da GNR mais próximo do mesmo (Posto de …), por forma a permitir a mais rápida e eficiente actuação das autoridades policiais.
EEE) As autoridades policiais foram avisadas do evento pela CC, sendo que a GNR esteve presente no local nesse momento e inspeccionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto e que não havia necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente[2].
E foram dados como não provados os factos seguintes:
1. Foi por não dispor das chaves conforme RR) que o Administrador da Ré não entrou nas instalações daquela, limitando-se à vistoria exterior;
2. O Administrador da Ré desvalorizou a(s) informação(ões) da central de alarmes;
3. Na ocasião da situação e comunicação referidas em NN) e OO) o administrador da Ré foi informado de uma “avaria do alarme” e ficou ciente que o alarme estava desactivado, i.é, que as instalações da Ré estavam “sem alarme”;
4. A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto do funcionário da R. não ter chaves para entrar dentro da instituição bancária, tão-pouco diligenciando para as obter;
5. A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto dos funcionários da R. e da CC não terem dado nota/conta à GNR das situações e contactos sob II) e NN) e pela falta de solicitação por aqueles da intervenção imediata da GNR, para entrar nas instalações da Ré, a fim de se certificarem de que nada de anormal se passava;
6. Perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a BB para evitar o acontecido ou a respectiva dimensão.
O DIREITO
1.ª) Das alegadas nulidades do Acórdão recorrido
Alega a ré / recorrente BB, nas conclusões das suas alegações de recurso, que o Acórdão é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão [artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC] e por omissão de pronúncia [artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].
O Exmo. Senhor Conselheiro Relator a quem o processo foi distribuído neste Supremo Tribunal de Justiça (antecessor da presente relatora), preferiu despacho (fls. 670) ordenando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para que este se pronunciasse sobre as nulidades.
Vieram, então, os Exmos. Senhores Desembargadores em Acórdão de 21.01.2019 (fls. 680) recusar a existência das nulidades, cabendo agora a este Supremo Tribunal pronunciar-se.
Quanto à alegação de que “[o] douto Acórdão é nulo por manifesta contradição entre a fundamentação constante de fls 456 dos autos e os factos provados, uma vez que o que consta de tal fundamentação corresponde a factualidade expressamente considerada como não provada pelo Tribunal da Relação” e de que “[e]sta contradição constituiu causa de nulidade do Acórdão, conforme vem previsto no artigo 615º, 1 c) do CPC, por remissão do disposto nos artigos 685º e 666º do CPC” (cfr. conclusão 13 das alegações), deve dizer-se que a alegação da ré / recorrente parece assentar num mal-entendido: a indevida identificação da decisão sobre a matéria de facto com a decisão propriamente dita e a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
Dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC que “[é] nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Como é visível, o fundamento de nulidade previsto na norma é a contradição entre os fundamentos (de facto ou de direito) e a decisão. No ensinamento de José Alberto dos Reis[3], trata-se de um vício lógico que ocorre quando a decisão colide com os fundamentos / a justificação em que se apoia. Parafraseando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.06.2016[4], é um vício que “radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso”.
A ré / recorrente afirma, porém, que a nulidade decorre de uma contradição entre os factos provados e a fundamentação. Ora, os factos provados / a decisão sobre a matéria de facto não são a decisão a que faz referência na norma do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC. Os factos provados / a decisão sobre a matéria de facto fazem parte da fundamentação (de facto) da decisão. Se bem se compreende, a ré / recorrente pretenderá, sim, aludir a um eventual erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto. Mas este erro não é regulado naquela norma. Não é possível, assim, reconhecer-se a nulidade nos termos invocados.
O mesmo se diga quanto à alegação de que “[o] douto Acórdão é nulo por manifesta contradição entre o decidido nos pontos U), V) e X) da matéria de facto provada (decisão) e a fundamentação constante de fls 453 dos autos” e de que “[e]sta contradição constituiu causa de nulidade do Acórdão, conforme vem previsto no artigo 615º, 1 c) do CPC, por remissão do disposto nos artigos 685º e 666º do CPC” (conclusões 14, 15, 16 e 17).
Alega ainda a ré / recorrente que “[n]o que concerne à matéria dos artigos 37º, 38º e 125º da Contestação, referida na Conclusão 15 das alegações de apelação, o douto Acórdão da Relação incorreu em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC” (cfr. conclusão 18 das alegações).
Na referida conclusão 15 das alegações de apelação a ré / recorrente dizia que “dev[ia]m ser aditados à matéria dada como provada os factos alegados nos artigos 37º, 38º e 125º da Contestação, por estarem assentes, designadamente com base em documentos de fls. 74 e 74 verso, este elaborado pela Polícia Judiciária, e reconhecidos na fundamentação da própria sentença”.
É verdade que na enunciação das questões a apreciar no contexto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação do Porto não se refere àquela pretensão. No entanto, no Acórdão em que se pronunciou sobre as nulidades, o Tribunal veio justificar-se dizendo que “[a] matéria de facto aludida nos itens 37º, 38º e 125º da contestação é de natureza conclusiva (a ser considerada, teria que resultar de factos concretos onde se pudesse apoiar)”. A afirmação justifica a não pronúncia expressa sobre a matéria, pelo que pode entender-se que, a ter existido, a referida nulidade foi suprida e já não se verifica.
Finalmente, alega a ré / recorrente, por um lado, que “[n]o que concerne à matéria do nexo de causalidade, referida nas Conclusões 45 a 52 das alegações de apelação, o douto Acórdão da Relação incorreu também em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC” (cfr. conclusão 19 das alegações) e que, por outro lado, “[n]o que concerne à matéria da pretensa ilicitude, referida nas Conclusões 23 a 36 das alegações de apelação, o douto Acórdão da Relação incorreu também em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC” (cfr. conclusão 20 e ainda conclusões 21 a 22 das alegações).
A ilicitude e o nexo de causalidade são, como é amplamente, sabido, pressupostos da responsabilidade civil. Tendo o Tribunal recorrido concluído pela responsabilidade civil e condenado a ré / recorrente na obrigação de indemnizar, é forçoso concluir que deu por verificados estes pressupostos. Mas é o próprio Tribunal recorrido que o afirma no Acórdão: “verificam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar”.
Quanto à ilicitude, diz-se ainda, com relevância, no Acórdão recorrido, que “[a] recorrente assumiu um dever de vigilância e custódia dos sobreditos bens (obrigação de resultado)” e que “não [se] justifica[] a inacção (materializada num simples visionamento e na ausência de reacção aquando da falha do teste de linha) tida na circunstância perante tantos sinais de intrusão na dependência bancária da ré”. Não existe afirmação homóloga quanto ao nexo de causalidade, pelo que, quanto a ele, terá de se ter em conta apenas aquela afirmação (genérica). Não há dúvida – reconhece-se – de que o Tribunal podia ter sido mais específico, tratando, um por um, os pressupostos. Ainda assim, aquela afirmação basta para se considerar que existiu pronúncia sobre todos e cada um dos pressupostos, não se configurando tão-pouco esta nulidade.
2.ª) Da alegada violação da lei processual e das regras de Direito probatório material aplicáveis
Segundo a ré / recorrente BB, a violação a lei processual ficaria a dever-se ao facto de o Tribunal a quo, no exercício da competência que lhe é atribuída para a fixação da matéria de facto, ter incorrido em erro de interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 662.º, n.º 1 e 2, do CPC (cfr. conclusão 5 das alegações) e de a decisão de facto não constituir base suficiente para a decisão de direito, havendo contradições insanáveis na decisão sobre a matéria de facto susceptíveis de inviabilizar a decisão jurídica do pleito, contrariando-se o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC (cfr. conclusão 6 das alegações).
Acrescenta ou precisa, mais adiante, a ré / recorrente que, ao ter dado como existência e a colocação no cofre dos bens que identificou e, especialmente, ao dar como provados os factos constantes dos pontos U), V) e X), o Tribunal recorrido teria violado a norma do artigo 342.º do CC e as normas dos artigo 662.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC e do artigo 414.º do CPC (cfr., conclusões 23 a 25, e conclusões 67 a 70 das alegações).
Antes de apreciar a questão, insiste-se, como já vai sendo habitual, num esclarecimento prévio.
Sendo certo que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é meramente residual no que respeita à apreciação e à fixação da matéria de facto realizada pelas instâncias, tem sido entendido que é possível apreciar o uso que a Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”[5] (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do CPC[6]. Isto é, naturalmente, diferente da hipótese de este Supremo Tribunal sindicar os resultados a que chegou o Tribunal recorrido, isto é, de este Supremo Tribunal controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto e se imiscuir na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção, tudo coisas que lhe estão e permanecem interditas[7].
Passando a apreciar se, ao dar como provados os factos relevantes, especialmente os constantes dos pontos U), V) e X), o Tribunal incorreu em violação de alguma das normas referidas, designadamente as normas dos artigos 662.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC e 414.º do CPC e a norma do artigo 342.º do CC, verifica-se que o raciocínio do Tribunal a quo foi o seguinte:
“O tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 607º nº 5 do CPC) sendo que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto só é lograda se os concretos meios probatórios invocados para o efeito impuserem decisão diversa da recorrida (art. 640º nº 1 al. b) do CPC).
(…) A recorrente argumenta no sentido da insuficiência da [] prova [que assenta essencialmente na relação dos objectos furtados apresentada no processo-crime e nas declarações de GG e HH, respectivamente, sobrinha e irmã da autora] para o fim em vista [de dar como provados os bens guardados no interior do cofre] porquanto, na sua perspectiva, a relação dos ditos bens é rudimentar no que diz respeito à identificação dos mesmos e pouco credível quanto ao seu valor (baseado no peso que lhes atribuiu a irmã da autora multiplicado pelo valor do ouro) ao que acresce reproduzir uma relação de bens original que não foi junta aos autos e o desconhecimento do uso que a autora deu ao cofre locado.
Como se referiu, na apreciação da prova funciona o princípio da livre convicção do juiz que deve ser suficientemente exteriorizada por forma a explicitar os fundamentos da decisão.
No caso em apreço, o tribunal a quo considerou que a referida lista conjugada com os depoimentos das duas testemunhas (mais fotografias juntas aos autos e objectos recuperados) era suficiente para demonstrar o conteúdo do cofre aquando do sobredito furto.
Apreciando a prova assim produzida conclui-se que a mesma assenta no que é normal acontecer. A autora elaborou inicialmente uma lista de bens onde, além do mais, fez constar o peso dos objectos que ia depositar e os bens aí relacionados, como referem as testemunhas, foram depositados no cofre da recorrente.
Por irem ser depositados num cofre de uma banco, onde supostamente estariam seguros, a relação de bens a depositar não terá sido a mais detalhada mas globalmente reflecte, crendo na sua exactidão, o acervo dos bens depositados (são os elementos que a autora tem para apresentar secundados pela prova testemunhal referida) e o valor dos mesmos à falta de outro método para o contabilizar.
Neste contexto, a convicção baseada na prova apresentada pela recorrida mostra-se secundada pela mesma que reflecte inclusive uma ausência de sofisticação que a torna genuína sendo certo que nestas situações a tendência para a extrapolação dos prejuízos é porventura tentadora.
Improcede, por isso, a impugnação deduzida a este propósito”.
Em face disto, não se pode acompanhar a ré / recorrente quando diz que o Tribunal da Relação do Porto violou as normas dos artigo 662.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC e artigo 414.º do CPC e do artigo 342.º do CC (cfr. conclusão 5 e conclusões 67 a 70 das alegações).
É manifesto, em primeiro lugar, que o Tribunal da Relação do Porto fez um uso adequado dos poderes que lhe são conferidos artigo 662.º do CPC. Procedeu à reavaliação dos meios de prova sujeitos à livre apreciação e reponderou a questão de facto em discussão. É manifesto, por outro lado, que o Tribunal da Relação do Porto formou uma convicção própria e autónoma, fundada na prova documental e na prova testemunhal. A fundamentação apresentada reflecte o percurso traçado para formar tal convicção, não se tendo o Tribunal limitado a remeter para a fundamentação da 1.ª instância ou a aderir genericamente a ela mas tendo-se pronunciado com desenvolvimento sobre a questão. O facto de a decisão do Tribunal da Relação ser, como é, coincidente com a decisão proferida pela 1.ª instância não pode constituir indício de que aquele não exerceu os poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do CPC. Veja-se que no n.º 1 desta norma se dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se – só se – os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
É manifesto, em segundo lugar, que não houve violação do artigo 414.º do CPC. Não tendo o Tribunal tido dúvidas sobre a realidade dos factos nem sobre a repartição do ónus da prova, o aí disposto não é pura e simplesmente aplicável.
É manifesto, em terceiro lugar, que não houve violação do artigo 342.º do CC, sobre a distribuição do ónus da prova. O Tribunal recorrido limitou-se a considerar a prova carreada para os autos suficiente e adequada a dar como provados os factos em causa.
Alega ainda a recorrente que houve violação da norma do artigo 607.º, n.º 4, do CPC (cfr. conclusão 6 das alegações). Exige-se, por via dela, ao juiz que proceda à análise crítica das provas, relativamente à prova sujeita à livre apreciação e à fundamentação das respostas negativas, no que toca à fundamentação da decisão de facto[8]. Como se viu, o Tribunal a quo indicou as provas que o levaram a formar a sua convicção e articulou-as, explicando claramente os motivos que o conduziram a decidir em determinado sentido relativamente aos factos provados e impugnados pela recorrente, não se verificando transposição dos limites legalmente estabelecidos à livre apreciação, pelo que tão-pouco existe violação desta norma
3.ª) Da qualificação e da natureza jurídica do contrato
Sobre o contrato dos autos sustenta-se no Acórdão recorrido que “estamos perante um contrato de aluguer de cofre-forte, permitido pelo artigo 4º nº 1, al) o) do RGICSF[9], que se caracteriza, em suma, pela obrigação da instituição bancária de ceder o uso de cofre e garantir a sua inviolabilidade e preservação da integridade dos bens ou valores guardados, mediante remuneração do cliente” e que “[a] recorrente assumiu um dever de vigilância e custódia dos sobreditos bens (obrigação de resultado)”.
Diz a ré / recorrente que “errou manifestamente o douto Acórdão recorrido na qualificação do contrato que está em causa nos presentes autos, bem como na interpretação do mesmo e na posição assumida quanto aos correspondentes direitos e obrigações das partes do mesmo decorrentes” (cfr. conclusão 26 das alegações).
Relativamente à presente questão – da qualificação e da natureza jurídica do contrato –, cumpre revelar que este colectivo tem a tarefa facilitada. Foram já proferidos, neste Supremo Tribunal, dois arestos em que, estando em causa o mesmo contrato da ré / recorrente BB com outros clientes, a questão foi tratada: o Acórdão de 8.03.2018, Proc. 351/14.7TBPNF.P1.S1 (citado por várias vezes no Acórdão recorrido), e o Acórdão, recentíssimo, de 19.09.2019, Proc. 1817/16.0T8PNF.P1.S2 [10]. Ainda que assim não fosse, a qualificação do contrato não acarretaria grandes dificuldades.
Como diz José Engrácia Antunes, no universo amplo da contratação bancária existem contratos que têm por objecto serviços acessórios prestados pelos bancos e instituições de crédito. Um deles é o “contrato pelo qual o banco coloca à disposição do cliente cacifos blindados existentes nas instalações bancárias especificamente destinados à guarda, em segurança e segredo, de quaisquer coisas móveis (dinheiro, títulos, metais preciosos, documentos, etc.) [designado] contrato de aluguer de cofre-forte ou “contrato de cofre-forte ('safe deposit boxes', 'Schrankfach', 'coffre-fort', 'cassette de sicurezza', 'caja de securidad')” [11].
Atendendo à designação escolhida pelas partes mas principalmente aos efeitos jurídicos pretendidos pelas partes [cfr. pontos A) a G) 1) da decisão da matéria de facto], não há dúvidas de que foi um contrato de locação de cofre-forte ou contrato de cofre-forte o contrato que a autora celebrou com a ré no dia 9 de Agosto de 2010. O interesse essencial da autora era o de colocar em segurança (e em segredo) determinados objectos; o objectivo da ré era o de receber uma remuneração pela prestação deste serviço à autora. Antecipando já a resposta à questão seguinte, destacam-se, especificamente, as obrigações que resultam do contrato para a ré / recorrente BB: a obrigação de disponibilizar um cofre-forte para a colocação pela ré de objectos em segurança e a obrigação de garantir esta segurança.
Para confirmar, veja.se, em particular, a 1.ª cláusula contratual, por força da qual a BB coloca à disposição do cliente um cofre-forte, para nele serem colocados objectos em segurança e assume a responsabilidade pela segurança dos mesmos [cfr. ponto B) da decisão da matéria de facto]. Veja-se ainda a 5.ª cláusula contratual, por força da qual constituem deveres da BB garantir a integridade exterior do cofre [cfr. ponto E) da decisão da matéria de facto].
Tendo em conta que, ainda que socialmente típico, o contrato de cofre-forte é um contrato legalmente atípico [i.e., apesar da referência no artigo 4.º, n.º 1, al. o), do RGICSF não lhe corresponde ainda uma disciplina legal específica], celebrado ao abrigo da autonomia contratual e do postulado do numerus apertus negotiorum que vigora no Direito Bancário[12], torna-se importante qual é o regime que lhe aplicável, logo, de que contrato típico ou contratos típicos é possível “aproximá-lo”.
Aproveitando a exposição do Acórdão, já referido, de 19.09.2019, no que toca à natureza jurídica do contrato de cofre-forte, é possível identificar, na doutrina portuguesa, quatro grandes correntes[13].
As duas primeiras são correntes a que pode chamar-se unitárias, já que reconduzem o contrato de cofre-forte a um único contrato típico: ao contrato de locação ou ao contrato de depósito.
No primeiro caso acentua-se que a obrigação do banco é colocar à disposição do cliente um local seguro, comprometendo-se somente à segurança e vigilância do cofre-forte, e não dos objetos nele depositados. Integra-se nesta corrente, desde logo, Francisco Manuel Pereira Coelho, para o qual “[p]arece que se trata de locação (ou quando muito, de contrato misto), até porque a retribuição é devida mesmo que o cofre nada contenha em determinado período, por o cliente não ter feito uso dele” [14]. Integra-se nela também José Carlos Brandão Proença[15][16]. No segundo caso propugna-se a recondução ao contrato de depósito porque, tal como qualquer depositário, o banco assume uma obrigação de custódia e de restituição do bem recebido.
Perfila-se, depois, uma terceira corrente, que se afasta das duas anteriores pelo facto de entender que o contrato de cofre-forte é, na verdade, um contrato misto, no qual convivem elementos de ambos os contratos, de locação e de depósito. Esta é a posição, entre outros, de Antunes Varela[17] e de José Engrácia Antunes. Este último autor sustenta que “[o] contrato de cofre-forte, referido expressamente no art. 4.º, n.º 1, p), do RGIC[18], constitui um negócio que combina elementos dos negócios de depósito e de locação, que não está sujeito a forma especial, e cujo conteúdo se caracteriza essencialmente pelas obrigações de o banco ceder o uso do cofre alugado e garantir a sua inviolabilidade, mediante remuneração pelo cliente”[19] [20].
A quarta e última corrente reconduz o contrato de cofre-forte a um contrato sui generis, denominado por alguns “contrato de guarda” (“contrat de garde”). De uma forma geral, renuncia à qualificação do contrato dizendo que ele é insusceptível de qualificação correcta devido especificidade do serviço bancário que está em causa[21].
Depois de tudo., por que posição deve optar-se quanto à natureza jurídica deste contrato / do contrato de cofre-forte?
Como já se disse, esta não é uma questão inédita na jurisprudência portuguesa, contando-se já, entre outras decisões, com dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria e proferidos no âmbito do mesmo quadro factual.
A tendência da jurisprudência é, em suma, para conceber o contrato como um contrato misto, como elementos da locação e do depósito. Em particular, chama a jurisprudência a atenção para a obrigação de segurança que recai sobre o banco / a instituição bancária, que emerge como razão preponderante da celebração do contrato por parte do cliente[22].
É esta a concepção para a qual se propende também aqui, isto é, para a concepção do contrato de cofre-forte como um contrato em que convivem elementos essenciais de, pelo menos, dois contratos típicos – os contratos de locação e de depósito. Na realidade, por força do contrato de cofre-forte, as partes ficam simultaneamente constituídas em grupos de direitos e de obrigações muito semelhantes àquelas em que ficam constituídas, por um lado, o locador e o locatário no contrato de locação. Mas aqueles direitos e obrigações (no fundo, os efeitos jurídicos do contrato de cofre-forte) não são rigorosamente coincidentes os direitos e obrigações resultantes para as partes do contrato de locação e partilham elementos – elementos importantes – do contrato de depósito, nomeadamente o “elemento de guarda”, a que se refere Carlos Ferreira de Almeida[23].
Como se explicou no Acórdão de 19.09.2019[24], por um lado, “o direito de uso do cofre não assume a extensão do uso concedido ao locatário, tal como se prevê no art. 1022º do C. Civil, na medida em que aquele a quem foi cedido o uso do cofre não pode exercer tal direito sem a cooperação ativa do dono do mesmo cofre (ou seja, a presença de um funcionário do banco); por outro lado, “os deveres assumidos pelo banco também não se limitam aos próprios do locador, previstos no art. 1031º do C. Civil, porquanto, se o cliente contratou o uso do cofre, foi porque tinha em vista a segurança que aquele inspira, guardando eficazmente os valores que lhe são confiados”. “Esta proteção e segurança dos bens guardados no cofre – continua o Acórdão – é um elemento preponderante na formação do mútuo consenso das partes, na esteira da orientação seguida no Acórdão do STJ, de 08.03.2018 (processo nº 351/14.7TBPNF.P1.S1), não podemos deixar de aderir à tese daqueles que defendem que o contrato de cofre forte assume a natureza de um contrato misto, que combina elementos da locação e do depósito. Daí que, segundo o critério geral enunciado no art. 1028º do C. Civil, relativamente à prestação do banco, seja de aplicar, além das regras da locação, as regras próprias do contrato de depósito, designadamente as previstas no art. 1185º e segs. do C. Civil. Logo era dever do banco, nos termos do estabelecido no art. 1187º do C. Civil, guardar os cofres alugados e as coisas neles contidas [ al. a) ] e facultar a restituição destas mesmas coisas aos seus clientes [ al. c)]”.
Evoque-se, por fim, um argumento de direito comparado. O artigo 1839.º do Codice Civile, regulando o contrato de cofre-forte (cassette di sicurezza), determina que “[n]el servizio delle cassette di sucurezza, la banca risponde verso l’utente per l’idoneità e la custodia dei locali e per l’integrità della cassetta, salvo il caso fortuito”. A lei italiana aponta para a configuração do contrato como um contrato indissociável de obrigações essenciais de custódia e de guarda por parte do banco[25].
Depois de tudo, não pode dar-se razão à ré / recorrente quando imputa ao Tribunal recorrido erro na qualificação do contrato e das obrigações dele decorrentes.. Bem pelo contrário, a posição adoptada pelo Tribunal recorrido corresponde àquela que o presente colectivo reputa como a mais correcta.
Estabelecida a natureza jurídica do contrato de cofre-forte e destacando o “elemento de guarda” presente nos contratos de depósito, passe-se à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.
4.ª) Dos pressupostos da responsabilidade civil
Os pressupostos da responsabilidade civil podem ser sintetizados por recurso à fórmula clássica, quíntupla, “facto / ilicitude / culpa / nexo de causalidade / dano”.
Quanto a eles, recorde-se que o Tribunal da Relação do Porto afirmou que “[se] verificam[] todos os pressupostos da obrigação de indemnizar”, levantando a ré / recorrente objecções quanto a todos com excepção do primeiro.
Veja-se que lhe assiste razão, começando pela questão da ilicitude, à qual, além do mais, aproveita a resposta dada à questão anterior.
A) Da ilicitude
A este propósito, alega a ré / recorrente, especialmente, que:
a) “não cometeu qualquer ilícito – elemento essencial para a responsabilidade civil” (cfr. conclusão 27 das alegações);
b) “[a]o concluir ter existido ilicitude na atuação/omissão da Recorrente BB, o Tribunal da Relação violou, no douto Acórdão recorrido, o disposto nos artigos 483º, nº 1 e nº 2 e 405º do Código Civil” e “[a]o considerar que o clausulado do contrato celebrado, em especial o constante das cláusulas referidas no ponto B) da factualidade provada, “não contende com a perda dos objectos depositados em caso de violação dos deveres de vigilância e custódia acima aludidos na medida em que a recorrente é responsável pela subtracção fraudulenta do conteúdo do cofre sob a sua guarda (a perda ou deterioração dos bens teriam que ocorrer noutro contexto porque se a recorrente se responsabilizou pela segurança dos mesmos terá que assumir as consequências da violação desse dever sob pena de contradição)”, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 405º e 237º do CC (cfr. conclusões 31 e 32 das alegações); e
c) “como resulta da matéria provada, a Autora pagava a quantia de 70€ por ano, relativa à locação do cofre”, pelo que “se deve concluir que a Recorrente não responde pelo conteúdo do cofre e que as cláusulas contratuais em apreço, interpretadas de acordo com o artigo 237º do Código Civil, traduzem esse equilíbrio contratualmente encontrado entre as partes” (cfr. conclusões 36 e 37 das alegações).
d) “[o] Tribunal da Relação, confundiu as obrigações dos funcionários bancários com as obrigações dos Agentes da Autoridade” (cfr. conclusão 32 das alegações).
Como se decorre do que se disse atrás, o elemento de guarda é um elemento essencial ao fim / à realização do fim do contrato de cofre-forte. Consequentemente, recaía sobra a ré / recorrente uma obrigação de guarda, destinada a garantir a segurança e a integridade do cofre-forte. Sucede que, no caso em apreço, e como demonstra a factualidade provada, a ré / recorrente não cumpriu cabalmente esta obrigação, não tendo actuado, na noite do assalto, de forma adequada (proactiva e eficaz) às circunstâncias ocorridas.
Relembra-se aqui, para ilustrar, aquilo que de mais significativo resulta, com intermitências, dos factos constantes dos pontos BB) a SS) da decisão sobre a matéria de facto: depois do acionamento do alarme, o funcionário da empresa de segurança tentou entrar em contacto com o funcionário do banco que figurava em primeiro lugar da lista de contactos, por mais do que uma vez, mas o contacto frustrou-se; contactado o administrador da ré / recorrente, dirigiu-se este às instalações mas apenas efectuou uma vistoria exterior, tendo informado a empresa de Alarmes de que estava tudo bem ou de que se encontrava tudo normal; este administrador não era, na ocasião em que se deslocou às instalações e realizou a vistoria, portador de chave das portas das instalações; recebendo nova chamada (segunda) da Central de Alarmes, a dar conhecimento de disparos de alarmes de intrusão noutras zonas do banco, o mesmo administrador deslocou-se de novo ao local e, mais uma vez, sem entrar dentro das instalações da R. e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspecção exterior às instalações, contactando depois a Central de Alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal; recebendo nova chamada da Central de Alarmes a informar “falha de (teste de) linha”, o administrador já não se deslocou ao local para ver a causa do problema; o administrador não entrou em contacto directo com a GNR.
Em conclusão, a violação da obrigação contratual da ré / recorrente (a omissão do seu dever de velar pela segurança do cofre-forte) é manifesta, logo, ao contrário do que entende a recorrente, a ilicitude verifica-se.
É certo que, na cláusula 1.ª do contrato ficou convencionado que “[a] CAIXA coloca à disposição do CLIENTE um cofre-forte, para nele serem colocados objectos em segurança; a perda ou deterioração destes objectos serão sempre da responsabilidade dos CLIENTES” [cfr. ponto B) da decisão sobre a matéria de facto]. No entanto, na mesma cláusula existe uma consecutiva: “pelo que a CAIXA apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos”. Além disso, na cláusula 5.ª ficou estabelecido que um dos deveres da ré BB era “garantir a integridade exterior do cofre” [cfr. ponto E) da decisão da matéria de facto]
Sobre o assunto diz-se (bem) no Acórdão recorrido que “[a] cláusula que a recorrente invoca como delimitadora do objecto do contrato (alínea B) dos factos provados onde consta que a perda ou deterioração dos objectos serão sempre responsabilidade dos clientes) não contende com a perda dos objectos depositados em caso de violação dos deveres de vigilância e custódia acima aludidos na medida em que a recorrente é responsável pela subtracção fraudulenta do conteúdo do cofre sob sua guarda (a perda ou deterioração dos bens teriam que ocorrer noutro contexto porque se a recorrente se responsabilizou pela segurança dos mesmos terá que assumir as consequências da violação desse dever sob pena de contradição)”.
Tornam-se oportunos apenas alguns esclarecimentos.
Ainda que se entendesse que as partes queriam referir-se, naquela cláusula 1.ª, estritamente à segurança do cofre-forte e não também à segurança dos bens nele colocados (a muito custo, dado que a palavra “mesmos” está no plural), a verdade é que aquela segurança sempre ficou comprometida pela omissão dos deveres contratuais, configurando-se da mesma forma ilicitude.
Nem se argumente, como parece argumentar a ré / recorrente, que a cláusula exclui a sua responsabilidade pela subtracção dos bens. Interpretada no sentido de uma cláusula de exclusão da responsabilidade – exclusão da responsabilidade em todas e quaisquer circunstâncias – , a cláusula não poderia valer pela simples razão de que seria incompatível com o fim contratual prosseguido pelas partes. A razão que leva um cliente a concluir um contrato de cofre-forte com um banco para aí colocar bens que têm ou a que atribui valor em vez de os deixar em sua casa ou os colocar noutro local é o facto de este tipo de instituições apresentar condições superiores de segurança, gerando nele a expectativa (legítima) de que os bens estarão tão bem guardados como os valores do próprio banco, ou seja, estarão tão bem guardados quanto é possível. A obrigação de guarda e de vigilância dos cofres-forte e das instalações em que estão situados é, portanto, uma obrigação essencial ao fim do contrato e não pode ser afastada sob pena de se frustrar a realização deste fim[26].
Quanto ao argumento da falta de equivalência entre as prestações, ele não é relevante. Tal falta de equivalência não elimina nem diminui a obrigação de guarda que impende sobre a ré / recorrente, sendo compreensível / aceitável à luz da autonomia contratual, isto é, do disposto na norma do artigo 405.º do CC (onde se reconhece às partes a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver) norma tantas vezes evocada, pela ré / recorrente, para efeitos diversos.
Diga-se, por último, para refutar a última alegação, que, ao longo deste raciocínio, não houve / não há qualquer confusão entre os deveres da ré / recorrente e os deveres dos agentes da autoridade. Independentemente dos deveres destes últimos, a ré / recorrente estava obrigada, por meio dos seus funcionários ou de quem disso encarregasse, a manter uma vigilância permanente e zelosa do local onde se encontrava o cofre-forte e na adopção de procedimentos céleres e eficazes no caso de ocorrência de alguma ameaça à sua segurança, designadamente comunicando às forças de segurança episódios anómalos e colaborando com elas para impedir a sua concretização. É incontestável que esta obrigação contratual não foi cumprida pela ré / recorrente e que o eventual incumprimento de deveres por parte de outros sujeitos em nada releva.
Conclui-se, em síntese, que não houve violação neste ponto, pelo Tribunal recorrido, das normas dos artigos 483.º, 405.º e 237.º do CC, ao contrário do alegado pela ré / recorrente (cfr. conclusões 31, 32, 34, 35 e 37 das alegações).
B) Da culpa
Diz o Tribunal da relação do Porto que “a recorrente assumiu um dever de vigilância e custódia dos sobreditos bens (obrigação de resultado) e sobre si impende uma presunção de culpa (art. 799º nº 1 do CC). Esta presunção de culpa não foi afastada pela recorrente (…)”.
Estando em causa a violação de uma obrigação contratual, presume-se, de facto, a culpa do devedor (cfr. artigo 799.º, n.º 1, do CC). Cabia, assim, à re / recorrente ilidir esta presunção para afastar a sua culpa (cfr. artigo 350.º, n.º 2, do CC).
A verdade é que, apesar das medidas preventivas tomadas pela ré / recorrente (maxime, a instalação do sistema de segurança, com alarme ligado à central da empresa de segurança contratada e com contacto imediato com o banco e com a GNR), não pode entender-se que a presunção tenha sido ilidida.
Para que a presunção pudesse considerar-se ilidida teria sido necessário demonstrar que não era razoavelmente exigível à ré / recorrente ter adoptado conduta diversa da que adoptou, em concreto, na noite dos acontecimentos anómalos, rectius: que não era razoavelmente exigível aos funcionários por ela especialmente destacados para a função de manter a segurança do cofre-forte e impedir que ela fosse posta em causa adoptar conduta diversa da que adoptaram, em concreto, nessa noite
Ora, a verdade é que nada do que se encontra na factualidade provada justifica ou “desculpa” que eles não estivessem, como deviam estar, genuinamente (substancialmente) empenhados no desempenho desta função. Nada justifica ou “desculpa” que o primeiro sujeito destacado para a função não estivesse contactável; nada justifica ou “desculpa” que o outro sujeito não tivesse efectuado uma vistoria ao interior do local e nem estivesse munido da chave, que seria útil nem tanto para que ele próprio entrasse (pois poderia correr risco de vida) mas facultar, se tal fosse necessário, a entrada nas instalações às autoridades policiais; nada justifica ou “desculpa”, em suma, que, perante indícios de uma situação anormal, ou seja, de risco actual para a segurança do cofre, eles não estivessem, como tinham de estar, disponíveis e predeterminados para a prática, por iniciativa própria ou seguindo instruções das entidades competentes, de todos os actos adequados a certificar-se da inexistência daquele risco.
Os comportamentos referidos atrás mostram, ao contrário, que os funcionários da ré / recorrente não actuaram com a diligência, o cuidado e o zelo que lhes era exigível: o primeiro funcionário contactado não estava, de facto, contactável; o segundo funcionário contactado (o administrador) deslocou-se ao local duas vezes, é certo, mas limitou-se sempre a uma vistoria exterior do edifício, mesmo quando foi informado, pela empresa de alarmes, de que o alarme disparara, pela segunda vez, em zonas diferentes (interiores) do banco; nunca teve a chave das instalações consigo; não entrou em contacto directo com a GNR; depois de um terceiro contacto da empresa de alarmes, já não se deslocou ao banco.
Alega a ré / recorrente que os agentes da autoridade tão-pouco cumpriram os deveres que lhe incumbiam. E pretende que isso seja tido em conta, pelo menos, para a apreciação (diminuição) da sua culpa [cfr. conclusão 39].
A verdade é que não pode acompanhar-se a ré / recorrente neste ponto. A GNR não deixou de cumprir os seus deveres. Olhando, em particular, para os factos constantes dos pontos AA), FF) e EEE) da decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que, na sequência do contacto da empresa de alarmes, a patrulha daquela força policial se deslocou ao local e efectuou uma vistoria ao exterior, como devia, não tendo detectado indício de situação anormal e comunicado isso à empresa de alarmes.
Quando os alarmes disparam pela segunda vez, exigir-se-ia, aí sim, pela insistência do alarme (o indício que se passava, de facto, algo anormal), que a GNR actuasse de outro modo, realizando uma vistoria mais minuciosa ou exaustiva e no interior das instalações. Mas, como bem salientou o Tribunal a quo, quando os alarmes disparam pela segunda vez, a GNR já não foi avisada nem pela central de alarmes nem pelo funcionário do banco, pelo que não podia ter actuado.
Não se ignora que o Tribunal recorrido procedeu a um aditamento na decisão sobre a matéria de facto, mais precisamente, acrescentando ao teor do ponto de facto EEE) uma referência a que, depois de ter estado presente no local e inspeccionado o local, a GNR concluiu não haver necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente.
Mas, por tudo o que se disse acima, este aditamento não altera a resposta à dada à questão; ele respeita, nas palavras do Tribunal a quo, a uma mera “explicitação” dos factos provados[27].
Conclui-se, em síntese, que não houve violação neste ponto, pelo Tribunal recorrido, das normas dos artigos 342.º, 483.º e 798.º do CC, ao contrário do alegado (cfr. conclusão 58 das alegações).
C) Do nexo de causalidade
Como se sabe, o Tribunal da Relação do Porto deu por assente também o nexo de causalidade.
Volta, então, a ré / recorrente a invocar erro de julgamento (cfr. conclusão 44 das alegações). E avança com dois grupos de argumentos. Argumenta, em primeiro lugar, que, não se encontrando fixado o momento da ocorrência dos danos, “é logicamente impossível estabelecer um nexo de causalidade entre facto e danos” (cfr. conclusões 25 a 55 e, em especial, conclusão 48 das alegações). E argumenta, em segundo lugar, que, estando demonstrado nos autos que existiram duas circunstâncias excepcionais, anormais e extraordinárias ou anómalas (o carácter extraordinário do assalto e o facto extraordinário de a GNR ter estado no local e não ter detectado, após inspecção, que estava em curso um assalto) estas teriam interferido no processo causal, sendo o facto ilícito que lhe é imputado insusceptível em abstracto de produzir aqueles danos (cfr. conclusões 56 a 58 das alegações).
Não procede, contudo, a argumentação da ré / recorrente. Se não veja-se.
Em primeiro lugar, sendo certo que não consta da factualidade provada – porque seria muito difícil tal prova – o momento exacto do assalto e muito menos da subtracção dos bens dos cofre-forte, a verdade é que, com base na mesma factualidade, é razoável estabelecer-se que o assalto estaria em curso no período ou em parte do período em que a ré / recorrente podia e devia ter adoptado medidas para o impedir ou interromper. O assalto a um banco e, ainda para mais, um assalto como o assalto dos autos, não é, evidentemente, um acto instantâneo; é um acto cuja prática se estende ou está em curso durante certo tempo. É razoável dar relevância ao momento em que soaram os dois alarmes (pois que eles servem, justamente, para sinalizar este tipo de eventos) e entender que algures durante este período o assalto estaria a decorrer no interior do edifício. Durante o mesmo período foi o primeiro funcionário da ré / recorrente contactado em vão, foi o segundo funcionário da ré / recorrente contactado por duas vezes, tendo-se deslocado, por duas vezes, ao banco e feito vistoria exterior. Com toda a probabilidade, teria sido possível ao primeiro funcionário (mais cedo) ou ao segundo funcionário (mais tarde) evitar o furto do cofre (sobretudo se os assaltantes tivessem sido surpreendidos logo após a intrusão no edifício e antes de consumado o assalto) ou, pelo menos, minimizá-lo (se o assalto estivesse já em curso, sempre se teria interrompido o assalto e, mesmo que os assaltantes conseguissem fugir, ter-se-ia evitado que ele se consumasse na íntegra).
Em segundo lugar, e parafraseando Antunes Varela, é possível dizer “para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha actuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano” [28]. Ora, o incumprimento do dever de velar pela segurança e pela integridade do cofre-forte é, em abstracto ou segundo a sua natureza geral, causa adequada dos danos.
Interpretando o disposto no artigo 563.º do CC (sobre o nexo de causalidade) e recorrendo de novo a Antunes Varela, verifica-se que, para que um facto seja causa adequada de um dano, é preciso que este é uma consequência natural ou provável daquele (formulação positiva da causalidade adequada) ou que este não seja de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o só provocado por força de circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas que intervieram no caso concreto (formulação negativa e formulação preferível da causalidade adequada) [29].
Poder-se-ia, em boa verdade, dizer que o incumprimento da obrigação de guarda que impendia sobre a ré / recorrente é um facto de todo indiferente para a verificação dos danos, tendo-os provocado apenas pela interferência de circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas? Poder-se-ia sequer dizer que o assalto ao banco e a subtracção dos bens do cofre-forte não é uma consequência natural ou previsível do incumprimento pela ré / recorrente daquela obrigação de guarda? A resposta é, evidentemente, negativa mesmo na segunda formulação.
Com interesse ainda para o nexo de causalidade, diz a ré / recorrente, a certa altura, que “não consta da matéria de facto provada nenhum facto relativo ao que sucederia caso a pretensa omissão não tivesse ocorrido e, em especial, que, caso ela não sucedesse, os danos também não existiriam” (cfr. conclusão 55 das alegações).
Embora o argumento apareça na sequência de argumentos dos dois grupos acabados de analisar e tenda a diluir-se por entre eles, podia – pode – ser autonomizado. Trata-se, em rigor, da invocação de uma excepção – da excepção de comportamento alternativo / hipotético lícito. Reconduz-se ela, basicamente, à ideia de que a responsabilidade é – deve ser excluída – sempre que se revele que os danos não teriam ocorrido ainda que o facto ilícito não tivesse sido praticado. Pressupõe que se encontrem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, tratando-se apenas de saber se o responsável / lesante pode ser libertado da obrigação de indemnizar[30].
Sucede que, como bem reconhece a ré / recorrente, não consta da matéria de facto provada qualquer facto relativo ao que sucederia na hipótese de a ré / recorrente ter cumprido os deveres que lhe competiam. Mas, se não consta, sibi imputet. Cabia à ré / recorrente o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito à indemnização da autora / recorrida (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC). Não tendo exercido o ónus de provar que os danos não teriam ocorrido ainda que o facto ilícito não tivesse sido praticado, não pode aproveitar-lhe o facto.
Conclui-se, em síntese, que, ao contrário do alegado pela ré / recorrente (cfr. conclusão 58 das alegações), não existe violação de quaisquer normas, tendo o Tribunal construído o seu raciocínio sobre o nexo causal com apoio no e observância do disposto nos artigos 563.º, 342.º e 483.º do CC.
D) Do dano
Chega-se, finalmente, à derradeira questão, do dano, com repercussões na respetiva avaliação e, portanto, no cálculo da obrigação de indemnização.
Insurge-se a ré / recorrente, ainda que indirectamente, contra a verificação do dano ou, mais precisamente, contra a susceptibilidade de ser dado como provado que os bens (os bens descritos na factualidade provada) tenham sido colocados no cofre no dia da celebração do contrato e que aí se tenham mantido ao longo dos mais de dois anos que durou o contrato (cfr. conclusões 59 a 70 das alegações).
O certo é que os factos referidos são factos constantes da factualidade provada [cfr., em particular, factos U), V) e X) da decisão sobre a matéria de facto], não tendo o Tribunal a quo, na sua reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, entendido eliminá-los.
Entendeu isto, sem que houvesse, como se viu atrás, violação de qualquer norma da lei processual ou de Direito probatório material aplicável. Sendo estes. como também se explicou, os limites da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no que toca à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido, há que aceitar a sua decisão. E, sendo esta explícita quanto àqueles factos, não pode deixar-se de dar por verificado o dano nos termos definidos, isto é, o dano consubstanciado na subtração dos bens em causa.
Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
LISBOA, 17 de Outubro de 2019
Catarina Serra (Relatora)
Bernardo Domingos
João Bernardo
_________
[1] Este facto foi aditado pelo Tribunal da Relação do Porto, na sequência da apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida pela ré.
[2] O teor deste facto foi alterado, tendo sido aditada pelo Tribunal da Relação do Porto a parte sublinhada, na sequência da apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida pela ré.
[3] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 141.
[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.06.2016, Proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (disponível em http:// www.dgsi.pt).
[5] Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015, Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[6] Sobre isto cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2019, Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2, relatado pela presente relatora (disponível em http://www.dgsi.pt).
[7] Cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2009, Proc. 1834/03.0TBVRL-A.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[8] Cfr., sobre estas exigências, entre outros, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), pp. 705 e s.
[9] Trata-se do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. A previsão em causa constava antes da al. p) da mesma norma.
[10] Neste último participou, aliás, a presente Relatora como Adjunta. Ambos os Acórdãos estão disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[11] Cfr. José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, Almedina, 2009, p. 563 (sublinhados do autor).
[12] Cfr. António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2014 (5.ª edição), pp. 445 e s.
[13] Que, por sua vez, segue de perto a sistematização apresentada por Paula Ponces Camanho [Do Contrato de Depósito Bancário (Natureza jurídica e alguns problemas de regime), Coimbra, Almedina, 1998, pp. 77 e s.]-
[14] Cfr. Francisco Manuel Pereira Coelho, Arrendamento – Direito Substantivo e Processual, Porto, RED – Revista Electrónica de Direito | Ad Perpetuam Rei Memoriam, 2016, p. 31.
[15] Cfr. José Carlos Brandão Proença “Do dever de guarda do depósito e outros detentores precários: âmbito e função, critério de apreciação da culpa e impossibilidade de restituição”, in: Direito e Justiça, 1995, volume IX, tomo I, p. 71. Sublinha este autor o domínio no contrato dos elementos locativos.
[16] Também para António Pinto Monteiro, em parecer junto aos presentes autos, se trata “de um contrato de locação, ainda que com particularidades, tendo em conta condições de segurança a cargo do banco, por um lado, e a condições de gozo do bem locado, por outro, dependente da chave em poder do banco e só dentro do horário de expediente deste” ou, quando muito, de um “contrato misto de locação e de prestação de serviço, para abranger as condições de segurança tidas em vista pelas partes ao celebrarem este contrato” (sublinhados do autor).
[17] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I,, Coimbra, Almedina, 2000 (10.ª edição), p. 280.
[18] Como se disse, a previsão em causa consta agora da al. o) da mesma norma.
[19] Cfr. José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, cit., p. 564 (sublinhados do autor).
[20] Ainda na linha do contrato misto é possível integrar Januário da Costa Gomes (Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 1980, p. 137), para quem o contrato de cofre-forte é ainda mais complexo / composto, identificando este autor “elementos do contrato de locação, traduzido na utilização do cofre forte enquanto parte integrante do edifício ou enquanto coisa móvel; elementos do contrato de depósito, traduzido na obrigação de guarda do cofre, através dum rígido controle do seu acesso; e elementos da prestação de serviços traduzidos na obrigação por parte do concedente, de limpeza do local, iluminação, etc.”.
[21] Veja-se a doutrina citada em Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário (Natureza jurídica e alguns problemas de regime), cit., p. 79.
[22] Lançando um olhar â jurisprudência (e à doutrina) estrangeira [cfr. Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário (Natureza jurídica e alguns problemas de regime), cit., pp. 73 e s.] verifica-se que existe uma convergência quanto à obrigação de segurança ser um elemento essencial do contrato.
[23] Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, “Contrato bancário geral e depósito bancário”, in: Direito Bancário, Lisboa, Centro de Estudo Judiciários, 2015, p. 23 (disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf). Considera-o indispensável ao tipo legal do contrato de depósito, em qualquer das suas modalidades, e refere-se, especificamente, ao contrato de cofre-forte.
[24] Citado anteriormente.
[25] Sobre a natureza jurídica do contrato de cassette di sicurezza cfr. G. Cian / A. Trabucchi, Commmentario breve al Codice Civile, Padova, CEDAM, 2016, pp. 1839 e s.
[26] No sentido da ineficácia de uma cláusula de não indemnização aposta num contrato de cofre-forte por “a mesma ser excludente de obrigação essencial do contrato, que é de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo” cfr. o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4.06.2019, Proc. 812/17.6T8PNF.P1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[27] Diz-se no Acórdão recorrido: “Deu-se como provado que a GNR, chamada ao local nas sobreditas circunstâncias, (item HH dos factos provados) concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto pelo que está implícito que não viu necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente. Contudo, explicitando o item ora em causa, acrescenta-se que a GNR concluiu não haver necessidade de entrar no estabelecimento da recorrente” (sublinhados nossos).
[28] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I,, cit., p. 900 (sublinhados do autor).
[29] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I,, cit., pp. 890 e s.
[30] Cfr., sobre o problema do comportamento alternativo / hipotético lícito, Jorge Sinde Monteiro,, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Coimbra, Almedina, 1989,, pp. 286-291, Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 1060-1065 (notas 2969 e 2970) e Nuno Manuel Pinto Oliveira, princípios de Direito dos Contratos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 711-716. Cfr., ainda, no contexto do Direito Administrativo, Margarida Cortez, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp. 142-145.