PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário

I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pressupõe, em face da disciplina consagrada nos arts. 437.º e 438.º do CPP, a verificação de pressupostos, de índole formal e substancial, assunto sobre o qual a jurisprudência do STJ se tem debruçado com frequência. II - Constituem pressupostos, de índole formal: -a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); -a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição;-indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento;-o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento);- a indicação de apenas um aresto fundamento. Como pressupostos, de índole substancial: - dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação; -que incidam sobre a mesma questão de direito;-e assentem em soluções opostas.
III - A estes requisitos, a jurisprudência do STJ tem uniformemente advogado que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas.
IV - O recorrente pretendia que fosse revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 04-11-2015, atento o facto de este propugnar por interpretação das normas em causa (em equação estava o problema da admissibilidade da remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no art. 4.º do CPP em manifesta distonia com o AFJ 3/2014.
V - O Acórdão recorrido, da Relação de Coimbra, de 04-11-2015, afastou expressamente a jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, proferido pelo STJ a 06-03-2014 e publicado no DR, 1ª série, n° 74, a 15-04-2014, por considerar que o regime legal subjacente àquele acórdão foi expressamente revogado pelo art. 4.º, da Lei 41/2013, de 26-06.
VI - Enquanto no aresto fundamento foi exarado no domínio do anterior CPC, o aresto recorrido foi elaborado com base na nova disciplina resultante da aprovação do vigente CPC pela Lei 41/2013.
VII - Perante o diferente enquadramento fáctico dos arestos em causa, verifica-se a ausência de um dos pressupostos, atrás enunciados, que estão na base deste recurso extraordinário, o que implica a rejeição (arts. 440.º, n.º 3 e 4 e 441.º, n.º 1, do CPP) do mesmo.

Texto Integral

           

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. RELATÓRIO

         1. Por acórdão de 15/7/2014 do Tribunal Judicial de ... (actualmente comarca dc ...--Juízo Central Criminal-Juiz ...) foi o arguido AA condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

 O ora Recorrente, inconformado com aquela sentença condenatória, dela interpôs Recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por Acórdão proferido em 4/11/2015 (fls. 13-43) rejeitou o recurso por extemporaneidade.

          Tendo o referido Acórdão transitado em julgado em 7/6/2018 (v. certidão de fls. 94).

 ● Conclusões do recurso do arguido

2. O arguido, invocando o disposto nos arts. 437.º e ss. do CPP, veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência com o seguinte argumentário:

«AA vem, nos termos do regime plasmado no artigo 446º, do Código de Processo Penal, maxime dos respectivos números 1 e 2, interpor

 Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça,

com os seguintes fundamentos:

O ora recorrente foi alvo do procedimento criminal que conheceu tramitação como Processo Comum Colectivo n.º 5668/11.0TDLSB, hoje pertinente à Comarca de ..., mormente ao Juiz ... do respectivo Juízo Central Criminal.

Todavia, antes da Lei da Organização Judiciária hoje vigente, o sobredito processo tramitou junto do Tribunal de Círculo de ..., aquele territorialmente julgado competente para conhecer da factualidade em causa; por isso, foi o referido Tribunal que proferiu a decisão que condenou o aqui recorrente na pena única, resultante da operação de cúmulo jurídico, de cinco anos e cinco meses de prisão.

  Inconformado com tal decisão, o aqui requerente interpôs recurso penal para o Tribunal da Relação. Coube-lhe em sortes – para usar conhecida expressão idiomática, dado que a expressão que caracterizará impressivamente a consequência da falada distribuição será a de um insuperável azar – o Tribunal da Relação de Coimbra.

Ora, o Exmo. Desembargador a quem foi distribuído o processo exarou Douta Peça (de que se junta cópia, protestando enviar-se certidão com nota de trânsito logo que emitida) em que fez veemente apologia da insusceptibilidade de, em sede de processo penal, serem enviadas peças por correio electrónico ou por aparelho de telecópia não certificado – isto é, não registado na Direcção Geral da Administração da Justiça...

E, respaldado na feérica magnitude da aludida argumentação rejeitou, liminar e inapelavelmente, o predito recurso (em que, importará lembrar, se discutia uma pena de prisão efectiva)...

Ou seja, o recorrente, condenado no Tribunal Judicial de ... na pena de cinco anos e seis meses de prisão, interpôs recurso no terceiro dia útil após o término do prazo legalmente fixado para o efeito, enviando o requerimento de interposição de recurso por telecópia e por correio electrónico, bem como liquidando o montante devido pela prática do acto nos termos em que ocorreu.
Mas tal recurso veio a soçobrar fragorosamente, já que no que tange ao envio por telecópia julgou-se que não estando o número de fax, do qual o requerimento foi enviado, registado na DGAJ, como comanda o DL 28/92 de 27 de Fevereiro, tal circunstancialismo é passível de invalidar o acto praticado. (No entanto, a chamada a terreiro do predito decreto-Lei 28/92 parece assaz problemática: é que o mesmo estará, ao menos, tacitamente revogado como explicita o Conselheiro CURA MARIANO, em reclamação advinda da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, no Proc. 689/2007, em que escreve: «O D.L. 324/2003 alterou a redacção do art. 150.º do CPC, o qual passou a dispor o seguinte no seu nº 1, sobre a utilização de meios electrónicos para a comunicação de actos processuais: /1 – Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:/… c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição;/…”./ Com esta alteração, em que se suprimiu a referência à existência de diploma regulamentador desta forma de prática de actos processuais, verificou-se uma derrogação tácita do D.L. nº 28/92, de 27 de Fevereiro, enquanto diploma regulamentar do referido artº 150.º, do C.P.C., deixando de vigorar a exigência da “inscrição do aparelho emissor na lista oficial” (vide, neste sentido, CARLOS LOPES DO REGO, em “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1º vol., pág. 157, da 2.ª edição, da Almedina, ABÍLIO NETO, em “Código de Processo Civil anotado”, pág. 247, da 18.ª edição, da Ediforum, e o acórdão da Relação de Coimbra de 9-5-2006, na C.J., Ano XXXI, tomo 3, pág. 8, relatado por ISAIAS PÁDUA). Assim, deixou de ser exigível que o envio de peças processuais para os tribunais através de telecópia devessem ser emitidos por aparelho constante de lista oficial, pelo que deve considerar-se que o recurso sub iudice foi interposto atempadamente, atenta a multa liquidada, nos termos do artº 145.º, nº 5, do C.P.C.. Estando reunidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, deve o mesmo ser admitido.”
E, diga-se, nada nas diversas e sucessivas leis que disciplinaram esta matéria trouxe qualquer novidade significativa ao predito entendimento. Com efeito, a redacção actual do artigo 144º, n.7 do NCPC (embora se destine unicamente às partes não representadas por advogado, nas hipóteses em que tal é processualmente admissível) na respectiva al. c), salvaguarda a possibilidade do documento ser apresentado por telecópia, sem que na DGAJ exista departamento para registo dos aparelhos de telecópia de particulares).

No entanto no que releva especificamente para a materialidade conexa ao recurso agora interposto – justamente o envio da peça processual usando o meio “correio electrónico” – não obstante a existência do Acórdão para Fixação de Jurisprudência 3/2014 de 6 de Março de 2014 (que emergiu motivado por posição, em tudo, similar do mesmo Exmo. Sr. Desembargador Relator) – faz-se a apologia de que tal aresto estará revogado em virtude da emergência da Lei 41/2013, de 20 de Junho, designadamente da norma revogatória inserta no respectivo artigo 4º.
Contudo, parecer ignorar-se que o Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela citada Lei 41/2013, confirmou a revolução coperniciana nas comunicações entre os advogados e os processos de natureza civil, emergente da reforma de 2007. Com efeito, a partir daí, é univocamente obrigatório o envio de qualquer peça processual por transmissão electrónica nos termos da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto – ou seja, qualquer referência a envio por correio electrónico – vulgo mail – por advogados seria espúria excrescência (no entanto, o artigo 144º, n.º 7 do NCPC, na sua alínea b), continua a admiti-lo para as partes não representadas por advogado!)

Continuam, pois, válidos e subsequentemente vigentes os argumentos de natureza material aduzidos no mencionado Ac. 3/2014 do STJ, nomeadamente quando apela à intencionalidade de desburocratizar a justiça penal.
De resto, também não será despiciendo recordar que no mencionado aresto se escreve:
 “A afirmação acabada de referir, feita no acórdão recorrido, esquece, todavia, que o artigo 11.º n.º 2 do Decreto –Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, estabeleceu que a produção de efeitos da nova redacção dos artigos 138.º -A e 150.º, entre outros, ficou dependente da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º -A do Código de Processo Civil.
A Portaria n.º 114/2008, no seu artigo 2.º, limitou, como vimos, o respectivo âmbito de aplicação às acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, bem como às acções executivas cíveis, só sendo nesse segmento que foi revogada a Portaria n.º 642/2004”.
Ora, deve acrescentar-se que a Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, no seu artigo 37º – que consubstancia a norma revogatória – também não abrange a citada portaria 642/2004, que, acrescente-se, continuará válida no processo penal.
Isto é, só por questões de minudência eivadas de um formalismo horroroso – e nem sempre clarividente… – retirou-se ao ali e aqui recorrente a possibilidade de ver discutida a argumentação eleita para lutar contra a respectiva privação de um bem jurídico fundamental de qualquer cidadão – a liberdade.
Ora, “atravessado” requerimento, onde se arguiu a nulidade do Douto Acórdão em causa, estribando-se em argumentação – dimanada de outros arestos de Tribunais Superiores – tendente a demonstrar a validade do acto praticado por telecópia, bem como a bondade alternativa do envio por correio electrónico, tal pretensão logicamente improcedeu.
Invocada a inconstitucionalidade das normas em causa, atenta a actividade hermenêutica desenvolvida, tudo foi rejeitado (como rejeitado foi o recurso interposto para o Tribunal Constitucional – ver cópia de Acórdão que se junta notificado por ofício de 18 de Maio do corrente ano e transitado a 31 do referido mês, a dar vívida e exuberante ilustração à blague ouvida ao Exmo. Emérito Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Rogério Alves: “Tivesse o escritor bíblico acesso à actualidade jurídica coeva e reputaria mais impressiva a comparação entre a extrema dificuldade da entrada dos ricos no reino dos céus com a admissão de um recurso pelo Tribunal Constitucional do que qualquer referência a passagem de camelos por buracos de agulha”… Todavia, junto do Tribunal que persegue o escopo de defender a dita norma normarum sempre se recolheu a proficiente posição de que o Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e motivador deste recurso, tem uma faceta “insólita”, bem como o utilíssimo conselho de não se esquecer a possibilidade de deitar mão do presente mecanismo/expediente processual…)
Assim, apesar de certo que o Ministério Público não deixará de interpor o recurso que a parte final do n.º 2 do artigo 446º do CP Penal lhe comina, vem, pela sempre recorrente cautela de patrocínio, desde já apresentar o presente requerimento.

Na verdade, a rejeição da peça processual interposição de recurso por se julgar que o correio electrónico não é meio idóneo a promover a respectiva junção esbarra com a cristalina clareza da orientação dimanada do – unânime – Ac. para Fixação de Jurisprudência já diversas vezes citado (3/2014, de 6 de Março, publicado no DR n.º 74/2014, Série I, 15 de Abril de 2014):

Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria nº 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal.

Por isso, ao decidir como decidiu, o Acórdão recorrido, datado de 4 de Novembro de 2015 e notificado por ofício de 6 de Novembro, colidiu – frontal e inexoravelmente – com o mencionado aresto, que se mostra inequivocamente violado.

Termos em que, admitido o presente recurso, a final, deverá ser proferida decisão que reconheça que a jurisprudência decorrente do Ac. Para Fixação de Jurisprudência 3/14, proferido a 6 de Março, publicado no DR n.º 74/2014, Série I, 15 de Abril de 2014 mantém plena validade.

Consequentemente:


a) Revogue o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 4 de Novembro de 2015, atento o facto de este propugnar por interpretação das normas em causa em manifesta distonia com a sobredita jurisprudência fixada no predito Ac. 3/2014.
 
b) Nesse conspecto, julgue tempestiva e validamente apresentado o recurso interposto pelo aqui e ali recorrente, nomeadamente a versão apresentada pelo meio “correio electrónico” às 23h e 14 minutos do 3 de Outubro de 2014, do endereço profissional ...@advogados.oa.pt,

c) Mais determinando a ulterior tramitação legalmente fixada e que, por isso, se impõe para o respectivo e necessário conhecimento do referido requerimento de recurso.»

                          

  ● Resposta da Ex.ma PGA da Relação de Coimbra



3. A Ex. ma Procuradora-Geral Adjunta da Relação de Coimbra respondeu ao recurso, em 16/7/2018 (fls. 135-137), nos seguintes termos:

«Em resposta ao recurso interposto pelo arguido AA, diz o Ministério Público

 1- AA interpôs o recurso extraordinário previsto no art. 446, do Código de Processo Penal, por considerar que a decisão proferida por este Tribunal da Relação de Coimbra a 4/11/2015, que rejeitou o seu recurso da decisão condenatória, proferida pelo Juízo Central Criminal de ..., comarca de ..., a 15/07/2014, com fundamento na extemporaneidade da respectiva interposição, violou a jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n° 3/2014, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 6/03/2014 e publicado no DR Iª série, n° 74, a 15/04/2014.

2- A decisão recorrida considerou que naquela data a apresentação a juízo de actos processuais escritos, pelos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal e/ou contra-ordenacional, e nos tribunais superiores, apenas poderia ser licitamente feita por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio sob registo ou envio através de telecópia - nos estritos limites regulamentados e disciplinados pelo regime legal-especial aprovado pelo D.L. n° 28/92, de 27/02.

3- Pelo que, embora o recorrente tenha enviado ao Tribunal o requerimento de interposição do recurso e respectiva motivação no 3º dia útil após o termo do prazo fixado, e ter pago a sanção respectiva, tal remessa não foi considerada por ter sido efectuada por correio electrónico e o original apenas ter sido remetido por via postal a 16/10/2014, ou seja, 13 dias depois, após o termo do referido prazo.

4- A decisão recorrida afastou expressamente a jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n° 3/2014, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 6/03/2014 e publicado no DR Iª série, n° 74, a 15/04/2014, por considerar que o regime legal subjacente àquele acórdão foi expressamente revogado pelo art. 4, da Lei n° 41/2013, de 26 de Junho.

5-Entende o recorrente que à data da interposição do recurso não admitido vigorava a jurisprudência fixada no citado acórdão, pelo que ao rejeitar o recurso com o fundamento na não relevância do envio do requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação por correio electrónico o Tribunal recorrido decidiu contra a jurisprudência fixada naquele acórdão.

6-Afigura-se-nos, porém, que a situação sub judice não consubstancia uma violação à jurisprudência fixada pelo referido Acórdão n° 3/2014.

7-Com efeito, a decisão recorrida não foi proferida no âmbito da vigência do quadro jurídico subjacente ao referido acórdão de fixação de jurisprudência.

8-Na verdade, o quadro jurídico analisado e que fundamentou a decisão do acórdão do STJ n° 3/2014 foi revogado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, bem como pela Portaria n° 280/2013, de 26 de Agosto, diplomas que entraram em vigor em 1/09/2013, o que, aliás, o próprio acórdão de fixação de jurisprudência salienta, na nota 1,

9- Na verdade para que existisse oposição entre a decisão recorrida e o acórdão que fixou jurisprudência obrigatória era necessário que ambas as decisões tivessem sido proferidas no âmbito do mesmo quadro legislativo, o que como vimos não ocorreu.

Nestes termos e em CONCLUSÃO:

1 - A decisão recorrida não foi proferida em oposição à jurisprudência fixada no acórdão do STJ n° 3/2014, uma vez que o enquadramento jurídico que subjaz a cada uma das decisões é diverso, porque não foram proferidas no âmbito do mesmo quadro legislativo.

2 - Não estão, assim, verificados os pressupostos do recurso extraordinário previsto no art. 446, do CPP.

Em conformidade deve ser rejeitado o recurso interposto.»

Parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal

4. Por seu turno, o Ex. mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu, em 23/10/2018 (fls. 152-154), parecer, nos termos do n.º 1 do art. 440.º do CPP, também a seguir transcrito.

«I

a) O arguido AA, em 21 de Junho de 2018, veio interpor recurso extraordinários para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Maio de 2018, proferido nos autos de Recurso Penal supra identificados, alegando que decidiu contra jurisprudência fixada pelo AUJ 3/2014, de 6 de Março, publicado a 15 de Abril de 2014, no DR n.º 74/2014, 1.ª Série, do qual consta:

 Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324%2003, de 27.q2, e Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.

b) Respondeu o Ministério Público junto da Relação (135-137), pronunciando-se pela rejeição do recurso, por não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade, «uma vez que o enquadramento jurídico que subjaz a cada uma das decisões é diverso, porque não foram proferidas no âmbito do mesmo quadro legislativo.»

c) Segundo a certidão de fls. 94, o acórdão recorrido transitou em 07.06.2018.

II

a) Como preceitua o artigo 446.º, n.º 1, do CPP, o recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida.

Assim, o recurso interposto a 21 de Junho de 2017 inscreve-se naquele prazo, sendo, por isso, tempestivo.

b)

b) Da oposição:

 Antecipando a conclusão final, e acompanhando-se a resposta da Ex. ma Procuradora-Geral Adjunta na Relação de Coimbra, cremos não se verificar a oposição de julgados.

O acórdão recorrido, analisando a invalidade/extemporaneidade do recurso, considerou: o termo do prazo legal fixou-se em 30 de Setembro de 2014; a manifestação recursória foi noticiada a juízo por telecópia (fax) a 03.10.2014 e por anexo a mensagem de correio electrónico expedida às 23h14m concluiu pela «manifesta invalidade jurídica de tais actos de expedição da cópia da correspectiva peça recursiva por fax e email, por força da dimensão normativa extraída da conjugada interpretação dos arts. 294.º, 295.º e 286.º, do Código Civil (de aplicação geral – em qualquer jurisdição) …».

E mais à frente, para o que importa, considerou que a «utilização do correio-electrónico (email) apresenta-se, doutra sorte, inelutavelmente marginal a tal expresso e taxativo regime legal [envio através de telecópia, nos estritos limites regulamentados e disciplinados pelo regime legal-especial aprovado pelo D.L. n.º 28/92, de 27/02] – já subsequente/posterior ao quadro legal subjacente ao Acordão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 3/2014, de 06/03/2014…, e dele condicionante, entretanto expressamente revogado pelo art.º 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, normativo dessarte axiomaticamente comprometedor/impeditivo da respectiva (citado AUJ n.º 3/2014 – assim absolutamente insubsistente e ultrapassado) aplicabilidade no âmbito do presente processoe, logo, obviamente, jurídico-processualmente vedado».

Em suma: O acórdão recorrido afastou expressamente a aplicação da interpretação constante do AUJ n.º 3/2014, uma vez que regime legal que lhe estava subjacente foi expressamente revogado pelo art. 4.º da Lei n.º 41/2013, impeditivo da sua aplicação.

Ora, não tendo esta decisão sido proferida no âmbito do quadro legislativo considerado no AUJ (alteração essa que interfere directamente na resolução da questão de direito controvertida – art. 437.º, n.º 3 -, deve o recurso ser rejeitado - artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.»

******

 5. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência encontra-se disciplinado, na parte pertinente, nos arts. 437.º e 438.º do CPP do seguinte teor:

  Artigo 437.º
(Fundamento do recurso)
1 — Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 — É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 — Os acórdãos consideram‑se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 — Como fundamento do recurso só pode invocar‑se acórdão anterior transitado em julgado.
5 — O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.
Artigo 438.º
(Interposição e efeito)
1 — O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 — No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 — O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.


O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pressupõe, em face da disciplina consagrada nestes artigos, a verificação de pressupostos, de índole formal e substancial, assunto sobre o qual a jurisprudência do STJ se tem debruçado com frequência (Cfr. v.g., Acs. STJ de 9 de Outubro de 2013, Proc. 272/03.9TASX, Rel. Santos Cabral; de 20 de Novembro de 2013, Proc. 432/06.0JDLSB‑Q.S1, Rel. Pires da Graça; de 9 de Julho de 2014, Proc. 990/13.5T2OBR.C3‑A.S1, Rel. Raul Borges; de 22 de Setembro de 2016, Proc. 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, Rel. Helena Moniz; de 14 de Abril de 2016, Proc. 251/13.8GAVRM.G1-A.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva).
     

Constituem pressupostos, de índole formal:

--a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido);

--a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição;

--indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento;

--o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento);

-- a indicação de apenas um aresto fundamento.

Como pressupostos, de índole substancial:

--dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação;

--que incidam sobre a mesma questão de direito;

--e assentem em soluções opostas.
A estes requisitos, a jurisprudência do STJ tem uniformemente advogado que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas (cfr., v.g., Ac. STJ 29 de Maio de 2003, CJACSTJ, XI, T. II, págs. 207; Ac. STJ de 4 de Março de 2004, Proc. 03P2387, Rel. Simas Santos; Ac. STJ de 5 de Julho de 2007, Proc. 07P1225, Rel. Rodrigues da Costa; Ac. STJ de 02-10-2008, proc.08P2484, Rel. Simas Santos, cit. na Resposta da Ex.ma PGA da Relação de Lisboa; Ac. STJ de 29 de Abril de 2010, Proc. 128/05.0JDLSB‑A.S1, Rel. Souto de Moura; Ac. STJ de 20 de Novembro de 2013, Proc. 432/06.0JDLSB‑Q.S1, Rel. Pires da Graça).

A linha separadora tradicional dos recursos ordinários e extraordinários é o trânsito em julgado das decisões em crise (Simas Santos Leal-Henriques, Recursos sem processo penal, 6.ª ed. 2007, Rei dos Livros, pág. 163)

Uma «decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ou de reclamação» (art. 628.º CPCivil, aplicável por força do art. 4.º do CPP).

No exame preliminar (art. 440.º, n.º 3 do CPP) verificou-se a inexistência de pressupostos que, a concretizarem-se, impedirão a prossecução dos autos para o conhecimento de mérito.

Cumpre então debruçar-nos sobre a tal problemática—já aflorada, como vimos supra, na Resposta da Ex.ma PGA da Relação de Coimbra e no o parecer do Exmo. PGA junto deste Supremo Tribunal--de não oposição de julgados em virtude de se não verificar o mesmo quadro legislativo. 

Vejamos:

Refira-se que no caso do Ac. do STJ 3/2014, que o recorrente defende ter sido violado pelo Ac. RC de 4/11/2015 (aresto recorrido), estavam em oposição os Acs. RC de 27/6/2012 e da RL de 18/11/2010.

E o quadro legislativo em causa, quando foram exarados aqueles dois arestos (Acs. RC de 27/6/2012 e da RL de 18/11/2010) era o resultante do art. 150.º do CPCivil na redacção do DL 303/2007, de 24/8 e o art. 1.º, al. a) e 2.º da Port. 114/2008, de 6 de Fevereiro.

Ora o Ac. RC de 4/11/2015 (aresto recorrido) foi exarado no âmbito de um quadro legislativo diferente, pois nessa altura já o velho CPC tinha sido revogado e vigorava o CPC aprovado pela L 41/2013.

Refere-se na nota 1 do cit. Ac. STJ 3/2014, DR I S. de 15/4/2014, que «Em 26 -06 -2013, foi publicada a Lei n.º 41/2013, que aprovou o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 1 de Setembro seguinte, tendo sido revogada, por força do disposto no artigo 4.º, toda a legislação anterior sobre esta matéria. Por seu turno, a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto revogou a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro

O aresto recorrido (Ac. RC de 4/11/2015) afastou, por isso, a aplicação do Ac. 3/2014.

Conforme escreve a Ex.ma PGA da RC na sua Resposta, entendimento perfilhado, igualmente, pelo parecer do Ex.mo PGA junto deste STJ:

«4- A decisão recorrida afastou expressamente a jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n° 3/2014, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 6/03/2014 e publicado no DR Iª série, n° 74, a 15/04/2014, por considerar que o regime legal subjacente àquele acórdão foi expressamente revogado pelo art. 4, da Lei n° 41/2013, de 26 de Junho

Perante o diferente enquadramento jurídico dos arestos em causa, verifica-se a ausência de um dos pressupostos, atrás enunciados, que estão na base deste recurso extraordinário.

O presente recurso não pode, por isso, prosseguir.

III DECISÃO

  Atento o exposto, os Juízes desta 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça acordam em rejeitar (arts. 440.º, n.º 3 e 4 e 441.º, n.º 1 do CPP) o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA.

Custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao RCP—DL 34/2008, de 26/2, na redacção do DL 52/2011, de 11 de 13 de Abril).

               


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Dezembro de 2018

Vinício Ribeiro (Relator)

Fernando Samões

Santos Cabral