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CÔNJUGE DO EXECUTADO
LEGITIMIDADE PASSIVA
PATRIMÓNIO COMUM
DIREITO À MEAÇÃO
Sumário
- O cônjuge do executado, desde que não vigore o regime de separação de bens, deve ser citado para a execução, nos termos do artigo 786º e para os efeitos do artigo 787º do CPC, quando a penhora tenha recaído sobre imóvel que o executado não possa alienar livremente, independentemente de tal imóvel ser próprio ou comum.
- A norma visa a proteção da “economia familiar”, salvaguardando determinados ativos que se encontram na esfera patrimonial do casal. Para tais bens exige a lei uma confluência das vontades de cada um dos membros do casal para a prática dos atos previstos no artigo 1682.º-A do Cód. Civ. Só assim não será se vigorar o regime de separação de bens, e sempre com salvaguarda da casa de morada de família.
- Nos casos previstos no artº 740º, que não se integrem na previsão do artigo 786º, 1, a), primeira parte, ao cônjuge assiste apenas o direito de solicitar a separação de bens, sob pena de a execução prosseguir no bem comum conforme artº 740º, 1, parte final. Os direitos decorrentes dos depósitos bancários presumem-se comuns.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
Veio A. M., cônjuge do executado, por embargos, deduzir oposição à execução e à penhora deduzidas contra seu marido A. C., sendo embargada X- Empresa de Defesa, SGPAS, S.A.
Alegou sinteticamente que a dívida é própria do marido, tendo sido penhorados um imóvel comum do casal e saldos bancários comuns.
«Invoca a nulidade da sua citação referindo não ter sido efetuada nos termos legais. Não se anexou à citação o auto de penhora lavrado em 3 de Maio de 2018 de vários saldos bancários que são igualmente bens comuns do casal, o que significa que não realizou a citação, como era sua obrigação, do cônjuge do Executado após a penhora de “bens comuns do casal”. Não foi citada nos termos e para os efeitos do disposto no artº 787º, nº1 do C.P.C.
Mais invoca inexequibilidade do título, ilegalidade da extensão da penhora dos saldos bancários.
- Por decisão de 6/1/2019 julgou-se improcedente a nulidade de citação e não se admitiu a oposição com fundamento na falta de legitimidade da oponente. Inconformada a embargante interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
…
B) O presente recurso destina-se, portanto, à apreciação pelo Tribunal da Relação de duas questões: a legitimidade do cônjuge do executado para deduzir oposição à execução e oposição à penhora numa execução em que foram penhorados um imóvel e saldos bancários, ambos bens comuns do casal, e a nulidade da citação do cônjuge do executado por violação do disposto nos artºs 786º, nº1 a) e 787º do C.P.C.
C) No âmbito da execução para cobrança de custas de parte (em virtude de uma condenação em custas numa ação declarativa em que foi parte o Executado A. C.) movida (apenas) contra o (cônjuge) devedor por se tratar de uma dívida própria deste (artº 1692º, b) do Código Civil), foram penhorados um imóvel comum do casal e saldos bancários comuns do casal constituído pelo Executado A. C. e pela Apelante.
D) Pese embora seja parte na Acão apenas o devedor, o seu cônjuge pode intervir na execução no caso de penhora de bens imóveis ou estabelecimento comercial, próprios do executado ou comuns (artº 786º, nº1 a) do C.P.C.), o que se justifica porque “nestas situações está em causa a possibilidade de alienação forçada de bens que só por ambos os cônjuges podem ser alienados, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens (cfr. artº 34º, nº3, 3ª parte e artº 1682-A, nº1 do CCiv.)”.
E) “Citado o cônjuge, tem este o estatuto de parte principal, ficando ao lado do executado numa situação de litisconsórcio sucessivo passivo – necessário, pelo menos na sequência da penhora de bens imóveis ou estabelecimento comercial, se entre os cônjuges não vigorar o regime de separação de bens -, com os poderes de ambos totalmente equiparados.”(J.H. Delgado de Carvalho, in Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa, Quid Juris, 2ª edição, pág. 110).
F) A norma do artº 786º, nº1 alínea a) 1ª parte do C.P.C. traduz, no direito adjetivo, o que prevê o direito substantivo: o artº 1682º-A, nº1 do Código Civil determina que “carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens, (a) a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns; (b) a alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum.”
G) Sendo os cônjuges casados num regime de comunhão e sendo penhorado um imóvel ou estabelecimento comercial próprio ou comum, e, portanto, um “bem” de que, nos termos do artº 1682º-A do Código Civil, o executado não pode dispor livremente (sem o consentimento do cônjuge), a lei processual civil determina que o cônjuge tem de ser citado para a execução, após a penhora, e é admitido a deduzir oposição à penhora e oposição à execução, nos termos estatuídos no artº 787º, nº1 do C.P.C.
H) Além disso, tratando-se de penhora de bens comuns (se o imóvel ou o estabelecimento comercial for um bem comum), o cônjuge do executado pode ainda exercer a faculdade prevista no artº 740º do C.P.C. (cfr. artº 787º, nº2 do C.P.C.), designadamente requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de Acão em que a separação já tenha sido requerida (“sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns”).
I) Tendo sido penhorado um imóvel comum, o cônjuge do executado pode usar, em simultâneo, o inventário (requerer a separação de bens) e a oposição à execução, podendo cumular diversos fundamentos da oposição, bem como a oposição à penhora, equiparando-se a intervenção processual do cônjuge ao estatuto processual do executado.
J) Assim, diversamente do que se decidiu na sentença recorrida, a Apelante tinha, no caso concreto, de ter sido citada também nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 786º, nº1 a) 1ª parte e 787º, nº1 do C.P.C. porque, além dos saldos bancários comuns, foi penhorado um imóvel (comum) que o executado não pode alienar livremente.
K) A Apelante foi citada apenas nos termos e para os efeitos do disposto no artº 740º, nº1 do C.P.C., pelo que verifica-se nulidade da citação (como foi invocado pela Apelante na petição de embargos e oposição à penhora), pois não foram cumpridas as formalidades que a lei prescreve, porquanto à data da citação já tinha sido penhorado o imóvel e o agente de execução já tinha verificado, pela situação registral, que tal bem era comum;
L) Não é exato que o facto de a Apelante ter requerido inventário e de este abranger todos os bens comuns – que é dos argumentos da sentença recorrida para julgar improcedente a arguida nulidade da citação – implique que a Apelante não tenha prejuízos, pois basta ver que se a oposição à execução for julgada procedente, tal implica a extinção da execução e, por conseguinte, a desnecessidade de prosseguir o inventário para separação de bens instaurado na sequência da penhora do imóvel comum (dado que os cônjuges se mantêm casados e não pretendiam, por sua iniciativa, pôr termo à comunhão de bens);
M) E no caso de a oposição à penhora proceder, é levantada a penhora sobre bens comuns do casal (o que implica que o credor não tenha, sobre esse valor – impenhorável – a preferência que lhe é conferida pelo artº 822º do Código Civil).
N) O prejuízo para a defesa da Apelante resulta precisamente de lhe ter sido vedada, com este entendimento do Tribunal recorrido, a possibilidade de ver extinta a execução, pela procedência dos embargos de executado, e a possibilidade de ver levantada a penhora, no caso de procedência da oposição à penhora deduzida.
O) Existe também erro na parte em que o Mmo Juiz a quo entende que a Apelante não tinha de ter sido notificada do auto de penhora de saldos bancários, por duas ordens de razões: (i) em primeiro lugar, porque o próprio Julgador reconhece que pelo menos dois dos saldos bancários serão bens comuns do casal (pois não são titulados apenas pelo executado), o que bastaria para que fosse necessário citar ou notificar (caso já tivesse sido citado) o cônjuge dessa penhora e, por conseguinte, para que tivesse sido declarada a nulidade da citação (que não foi acompanhada do auto de penhora); (ii) em segundo lugar, o facto de o depósito ser titulado apenas por um dos cônjuges não significa que o dinheiro depositado não seja bem comum do casal; com efeito, o único rendimento do Executado A. C. e do seu cônjuge provem do seu trabalho e o salário é um bem comum do casal (artº 1724º, a) do Código Civil), prevendo, aliás, o artº 1678º do Código Civil que, além da administração dos seus bens próprios (nº1), cada cônjuge tem ainda a administração dos proventos que receba pelo seu trabalho – que são bens comuns (nº2 alínea a)).
P) Não estando à partida o dinheiro excetuado da comunhão (dado que o disposto no artº 1680º do Código Civil não significa que o dinheiro depositado não é bem comum, mas apenas que um dos cônjuges o administra e pode movimentar – estando inclusivamente dispensado de prestar contas), bastava a Apelante invocar, como invocou, que todo o dinheiro depositado nas contas bancárias que foi penhorado é bem comum do casal.
Q) A sentença recorrida, ao afirmar que “não obstante ter sido penhorado um bem imóvel, sendo este um bem comum, conforme decorre do citado artigo 787º, nº2, o meio processual de que o cônjuge podia se socorrer é, apenas o pedido de separação de bens”, ignorou que o imóvel que o executado não pode alienar livremente tanto pode ser próprio como comum e o cônjuge tem, em qualquer caso, que ser citado nos termos e para os efeitos dos artºs 786º e 787º do C.P.C.;
R) E ao afirmar, ainda, que “a hipótese que aqui o cônjuge do executado aqui lançou mão, a prevista no artº 787º, º1 do C.P.C. está reservada para os casos em que o bem penhorado não é comum, isto para os casos em que seja penhorado um imóvel ou estabelecimento comercial que, apesar de ser bem próprio do cônjuge do executado ele não pode alienar livremente”, incorre em erro manifesto, desde logo porque a lei se refere à penhora de bem próprio do executado (e não a “bem próprio do cônjuge do executado”, que não responde, sequer, por dívida própria do executado) que ele não pode alienar livremente (porque a sua alienação carece do consentimento de ambos os cônjuges).
S) Por outro lado, este raciocínio não tem em conta que quando a lei refere imóvel ou estabelecimento comercial que o executado, sendo casado num regime de comunhão, não pode alienar livremente, se reporta ao disposto no artº 1692º-A do Código Civil e portanto abrange quer imóveis próprios quer comuns.
T) O entendimento do Mmo Juiz a quo leva a uma solução absurda: a de que, sendo penhorado um imóvel próprio do executado (casado num regime de comunhão), o cônjuge poderia deduzir oposição à execução e à penhora; mas sendo penhorado um imóvel comum, o cônjuge já não o poderia fazer, embora neste segundo caso esteja em causa um bem que também lhe pertence (dado que a situação do património comum é a de indivisão).
U) Tal levaria, assim, a proteger mais o cônjuge do executado no caso de penhora de um imóvel (ou estabelecimento comercial) próprio do executado (ou seja, de um bem que não lhe pertence) do que no caso de penhora de um imóvel (ou estabelecimento comercial) comum (que pertence ao cônjuge, que tem direito à meação).
V) Além disso, e no que diz respeito à oposição à penhora, tendo sido penhorados saldos bancários comuns, deve admitir–se a oposição à penhora do cônjuge do executado, por um “argumento a fortiori” “pois se lhe assiste esse direito processual quando sejam penhorados bens que não são seus (mas próprios do executado) – como na hipótese prevista na 1ª parte da alínea a) do nº1 do artigo 786º (cfr artº787, nº1), então também se aceita que o cônjuge se possa opor quando sejam penhorados bens comuns”.
W) Face ao exposto, o cônjuge do executado (a Apelante) deveria ter sido citada nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 786º, nº 1 a) e 787º, nº1 do C.P.C., tendo legitimidade para deduzir, como deduziu, oposição à execução e à penhora, dado que foi penhorado um imóvel comum (que o executado não pode alienar sem o seu consentimento e que impõe a sua intervenção processual na execução) e, bem assim, para requerer, como requereu, inventário para separação e bens, sendo certo que os efeitos destes meios processuais são completamente distintos.
X) A sentença recorrida, ao julgar improcedente a invocada nulidade da citação e não ter admitido, por alegada falta de legitimidade processual, a oposição à execução e à penhora da Apelante, cônjuge do executado violou, designadamente, o disposto nos artºs 1682º-A do Código Civil e os artºs 786º, nº1 a) e 787º do C.P.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e admitindo-se a os embargos de executado e a oposição à penhora apresentados pela Apelante e, bem assim, julgando-se verificada a nulidade da sua citação, com as legais consequências.
A factualidade com interesse é a constante do precedente relatório e ainda:
- A embargante foi citada nos seguintes termos:
A 26/6/2018
Fica V. Exa citado(a), nos termos do artigo 740º do Código do Processo Civil (CPC), para o processo de execução à margem referenciado, tendo o prazo de 20 (vinte) dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
- Foi junto com a citação cópia do auto de penhora relativo ao imóvel e cópia do requerimento executivo e elementos juntos a este.
- Não foi anexado o auto de penhora de 3/5/2018 relativo às contas bancárias.
- O imóvel é bem comum do casal.
- Foram penhorados 4 depósitos bancários titulados apenas pelo executado, nos montantes de 36,94; 234,00; 511,05; 193,01, e dois titulados por executado e embargante nos montantes de 48,42 e 7,66. Refere-se no auto que se trata de bens comuns do casal.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões:
- Nulidade da citação do cônjuge do executado por violação do disposto nos artºs 786º, nº1 a) e 787º do C.P.C.
- A legitimidade do cônjuge do executado para deduzir oposição à execução e oposição à penhora numa execução em que foram penhorados um imóvel e saldos bancários, ambos bens comuns do casal.
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Pela sua interligação apreciaremos as questões em conjunto.
Refere a recorrente que não foram cumpridas as formalidades da citação, invocando que foi penhorado um imóvel, a que embora comum, deve aplicar-se o disposto na primeira parte do nº 1 da al. a) do artº 786º do CPC, porquanto se trata de bem imóvel que o executado não pode livremente alienar.
Quanto às contas bancárias refere que deve admitir–se a oposição à penhora do cônjuge do executado, por um “argumento a fortiori” “pois se lhe assiste esse direito processual quando sejam penhorados bens que não são seus (mas próprios do executado) – como na hipótese prevista na 1ª parte da alínea a) do nº1 do artigo 786º (cfr artº787, nº1), então também se aceita que o cônjuge se possa opor quando sejam penhorados bens comuns.
No caso presente temos como assente que a dívida é da exclusiva responsabilidade do executado, pelo que apenas o património deste deverá responder pela dívida – arts. 601º e 1696º, do CC. Foram penhorados um bem imóvel comum, e ainda contas bancárias, tituladas por ambos e tituladas pelo executado.
A citação foi efetuada nos termos referidos na factualidade, apenas para efeitos do artigo 740º do CPC, e sem referência aos saldos bancários.
Vejamos quanto ao imóvel.
Refere o artigo 786.º do CPC (aplicável por força do artigo 98-A do CPT)
Citações
1 - Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução:
a) O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou quando se verifique o caso previsto no n.º 1 do artigo 740.º;
…
O artigo 740º do CPC estabelece por sua vez:
Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges
1 - Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
2 - Apensado o requerimento de separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão.
Na interpretação dada e defendida pela recorrida, tratando-se de imóvel comum seria aplicável o normativo do artigo 740º, competindo ao cônjuge apenas o direito de requerer a separação de bens.
Relativamente ao estatuto processual do cônjuge do executado estabelece o artigo 787º do CPC
Estatuto processual do cônjuge do executado
1 - O cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução.
…
Este estatuto apenas é aplicável às situações que caiam na previsão da primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 786º, como claramente resulta da norma. Assim nos casos previstos no artº 740º, ao cônjuge assiste apenas o direito de solicitar a separação de bens, sob pena de a execução prosseguir no bem comum conforme artº 740º, 1, parte final.
Para compreensão das situações abrangidas na aludida primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 786º não pode deixar de se ter em mente os objetivos deste especial estatuto.
O estatuto do cônjuge consagrado no artigo 787º do CPC visa dar cumprimento processual ao regime substantivo do artigo 1682.º-A do CC, o qual dispõe:
(Alienação ou oneração de imóveis e de estabelecimento comercial)
1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens:
a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns;
b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum.
2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.
A citação do cônjuge do executado nos termos do aludido normativo, no caso de dívidas não comunicáveis, pressupõe que a intervenção por parte do cônjuge na execução, com todos os direitos que a lei processual confere ao executado, é para defesa de direitos próprios do cônjuge.
A norma do Cód. Civ. visa a proteção da “economia familiar”, salvaguardando determinados ativos que se encontram na esfera patrimonial do casal, considerados, dada a sua aptidão valorizativa e estabilizadora, como fundamentais, tal como a norma os entende (imóveis). Para tais bens exige a lei uma confluência das vontades de cada um dos membros do casal para a prática dos atos previstos na norma. Só assim não será se vigorar o regime de separação de bens, e sempre com salvaguarda da casa de morada de família.
São estes interesses relativos ao património “familiar”, que o cônjuge defende, como interesse próprio, que justificam o especial estatuto a que nos vimos referindo, dando-lhe em consonância todos os direitos de defesa que cabem ao executado. Coloca-se assim a economia familiar a coberto de eventuais negligências do executado e desinteresse deste na proteção dos bens imóveis do casal.
E tendo em conta estes objetivos, é irrelevante saber se o imóvel é próprio ou comum. Tanto assim é que a norma do artigo 786º, a), primeira parte, não lhe faz referência, aludindo apenas a que deve tratar-se de imóvel que o executado não passo por si só alienar, o que no regime de comunhão de bens e de comunhão de adquiridos, ocorre com qualquer imóvel seja próprio ou comum.
A norma do artigo 740º deve ser vista em conjunto com a norma do artº 786º, não podendo da interpretação das normas resultar um regime bizarro, no sentido de os poderes concedidos ao cônjuge do executado serem mais amplos no caso de bens da exclusiva pertença do executado, e menores poderes no caso de imóvel de que também é proprietário, em comunhão.
A norma da primeira parte da al. a) do artº 786º, não depende na sua aplicação, da aplicabilidade em abstrato da previsão do artigo 740º.
Esta norma do artº 740º não limita o regime da al. al. a), e muito menos pode contrariar o regime substantivo do artigo 1682.º-A do CC.
Verificado o condicionalismo ali previsto, “não poder o executado dispor livremente do bem imóvel”, deve a norma ser aplicada, devendo o cônjuge do executado ser citado nos termos previstos, sendo admitido a deduzir, no prazo de 20 dias oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução.
Assim sendo e relativamente ao imóvel, a recorrente deveria ter sido citada para a execução nos termos dos artigos 786, 1 a), 787º, 856º, 227.º e 219º, 3 do CPC.
A citação não cumpriu as formalidades legais.
Tratando-se de nulidade prevista no artigo 191.º importa ver o respetivo regime.
Refere o normativo:
Nulidade da citação
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
…
4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Resulta dos termos da oposição que a irregularidade da citação não obstou a que a oponente defendesse capazmente os seus direitos. Invoca esta a inexequibilidade do título, questiona o quantum do valor de responsabilidade do executado marido, com a pertinente factualidade.
Consequentemente não é de atender a invocada nulidade.
Procede a alegação no que tange à legitimidade da oponente para a dedução da oposição, quanto ao imóvel, direito que lhe assiste nos termos do artigo 786, 1, a) e 787, 1 do CPC.
***
Quanto aos depósitos bancários:
Importa previamente referir que independentemente das titularidades conjunta ou singular das contas, na falta de prova de que os direitos respetivos pertençam exclusivamente ao executado, os direitos decorrentes os depósitos se presumem comuns - art.º 1724º, 1725º, e 1730.º, n.º 1 do CC -, sem embargo do regime relativo à responsabilidade que resulta do art.º 1696º, 2, c) do CC quanto ao produto do trabalho.
Deveriam ter sido referidos na citação os depósitos bancários. Contudo a falta dessa indicação não prejudicou o exercício dos direitos que competem à oponente, no caso apenas os que são referidos no artigo 740º do CPC. Relativamente a estes bens, não pode a recorrente exercer outros direitos, além de acautelar a sua meação, requerendo a separação de bens, como fez.
Assim não é de atender a nulidade da citação, já que não prejudicou o exercício dos direitos que competem à recorrente.
Em face da nulidade da citação, não obstante o seu aproveitamento por não resultarem prejudicados os direitos de defesa, importa devolver à parte, como esta requer, a multa paga nos termos do artigo 139º, 5 do CPC - note-se que à recorrente não foi indicado qualquer prazo para deduzir oposição à penhora e exercer todos os direitos que a lei processual confere ao executado.
Quanto à suspensão requerida nos termos dos artigos 733, 1, c) e 740, 2 do CPC, a apreciação das mesmas compete à primeira instância.
*
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, determinando-se o prosseguimento da dos embargos e oposição à penhora, quanto ao imóvel, com as legais consequências.
Determina-se a devolução do montante pago de multa nos termos do artigo 139º, 5 do CPC
Quanto ao mais confirma-se a decisão.
Custas na proporção de metade.