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INSOLVÊNCIA
CONFISSÃO
DOCUMENTOS
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
Sumário
I – A prova da propositura e do teor de processos de execução fiscal exige a apresentação de certidões extraídas desses autos, os quais configuram documentos existentes em serviços do Estado; II - As certidões extraídas desses autos, reproduzindo o respetivo teor ou parte dele, configuram certidões de teor, nos termos previstos no artigo 383.º, n.º 1, do Código Civil, tendo a força probatória dos originais; III - A confissão mostra-se insuficiente para se considerarem provados factos relativos à propositura e ao teor de execuções fiscais, não fazendo prova contra o confitente, nos termos do artigo 354.º, al. a), 1.ª parte, do Código Civil.
Texto Integral
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório BB, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, n.ºs … a …, em Ponta Delgada, intentou a presente ação declarativa, com processo especial, requerendo a declaração de insolvência de CC, divorciada, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, n.º …, em Almodôvar.
A fundamentar o pedido, alega que é credora da requerida no montante de € 33 819,10, relativo a capital em dívida, juros, imposto de selo, despesas e comissões, emergente de mútuo garantido por hipoteca sobre dois bens imóveis, incumprido desde 19-09-2014; sustenta que a requerida se encontra em incumprimento da generalidade das suas obrigações há mais de quatro anos e meio e que incumpre as obrigações de pagamento tributário há mais de cinco anos, acrescentando que, devido ao incumprimento do pagamento à Fazenda Nacional dos seus tributos vencidos em 2013 e 2014, foram intentados contra a requerida os processos de execução fiscal com os números 2984201401004751, 2984201401009451, 2984201481002106, 2984201501003844, 2984201501005570 e 2984201501007556, nos quais são reclamados valores que no total perfazem o montante de € 1166,68, relativo a IMI..
Citada, a requerida não deduziu oposição.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte: Face a todo o exposto, julgo a presente ação especial de insolvência, em que é Requerente BB, S.A. e Requerida CC totalmente improcedente, absolvendo-se consequentemente a Requerida de todos os pedidos deduzidos nos presentes autos. Custas a cargo da Requerente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Fixo à causa o valor € 30.000,00 (cfr. art. 301.º do CIRE). Registe e notifique.
Inconformado, o requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que julgue provados todos os factos alegados na petição inicial e considere preenchidos os requisitos constantes alíneas a), b) e g), pontos i) e iv), do n.º 1 do artigo 20.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declarando a insolvência da requerida, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Vem o presente recurso solicitar a apreciação superior da douta sentença que julgou totalmente improcedente o pedido deduzido, e, consequentemente, absolveu a recorrida do pedido de declaração de insolvência;
2. O recorrente entende que a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo que recaiu sobre a matéria de facto assente que, foi incorretamente julgada, e discorda ainda da aplicação do direito aos factos, requerendo que seja proferida decisão diferente;
3. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa referir que, a recorrida foi regularmente citada para querendo deduzir oposição ao pedido deduzido, com a expressa advertência de que, na falta de oposição consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial;
4. A recorrida não contestou, devendo assim ficar provado, por confissão, todos os factos alegados na petição inicial pelo recorrente que provam a incapacidade da recorrida em solver as suas obrigações vencidas, pelo que deve este douto Tribunal alterar a factualidade assente dada como provada e não provada pela sentença recorrida;
5. Para além disso, apesar de na certidão de dívidas emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira constar apenas o nome do ex-cônjuge da aqui recorrida, DD, e por sua vez, os processos de execução fiscal recaírem apenas sobre este, verdade é que, trata-se de uma dívida comum a ambos os cônjuges;
6. E isto porque, o período a que se referem estas dívidas, designadamente, anos 2013 e 2014, coincide com o período em que a aqui recorrida e o seu ex-cônjuge encontravam-se casados em regime de comunhão geral, e por isso ambos proprietários do dito imóvel, e por isso ambos responsáveis;
7. De acordo com o alegado na p.i., e conforme resulta da factualidade assente dada como provada, desde 2014 que as obrigações da recorrida se encontram vencidas;
8. Dúvidas não restam que a recorrida encontra-se em incumprimento da generalidade das suas obrigações vencidas, desde 2014, ou seja, há mais de 4 anos;
9. Estando, desta forma, provado que se verificam os factos-índice previsto e enumerados nas alíneas a), b), g) ponto i) e ponto iv) do n.° 1 do artigo 20.°, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artigo 3.°;
10. Posto isto, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 3.°, n.°1 e nas alíneas a), b), g) ponto i) e ponto iv) do n.º 1 do artigo 20.°.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da declaração de insolvência da requerida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. A Requerente é uma sociedade anónima (anteriormente denominada BB, SA) que tem por objeto o exercício da atividade bancária, bem como a prestação de serviços conexos.
2. No dia 06.05.2010, DD (doravante DD), a Requerida e a Requerente outorgaram entre si, no Cartório Notarial de Ponta Delgada, a fls. 100 a 104 verso do Livro 364-G, uma escritura pública denominada por "HIPOTECA E MANDATO", através da qual os primeiros declararam constituir hipoteca a favor da Requerente sobre os seguintes prédios:
a. prédio urbano, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Nordeste, inscrito na matriz predial no artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nordeste sob o número …, com o valor patrimonial de € 41.790,00, determinado no ano de 2015; e
b. prédio rústico, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Nordeste, inscrito na matriz predial no artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nordeste sob o número …, com o valor patrimonial de € 102,82, determinado no ano de 1989.
3. A referida hipoteca destinou-se a garantir o pagamento até ao montante de capital e seus acessórios (juros de mora, despesas judiciais, extrajudiciais e de registo) de € 43.750,00 de todas e quaisquer obrigações que adviessem, nomeadamente, para a Requerida em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos, já celebrados ou que viessem a ser celebrados com a Requerente, designadamente, os relacionados com quaisquer garantias, como sejam letras ou livranças, mútuos, descobertos em conta ou qualquer outra forma de financiamento, nas quais a Requerida fosse interveniente, quer como mutuária, aceitante, subscritora, avalista ou de qualquer outro modo responsável e ainda: a) os juros moratórios contabilizados à taxa máxima de 9,80%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de 5%; e b) as despesas extrajudiciais que o reclamante tivesse de efetuar no caso de cobrança coerciva até ao montante de € 1.400,00.
4. A hipoteca sobre os prédios supra identificado mostra-se registada a favor da Requerente na Conservatória do Registo Predial pela AP n.º … de 06.05.2010.
5. No dia 18.05.2010, DD, a Requerida e a Requerente celebraram entre si, por escrito, um contrato denominado por "FINANCIAMENTO N.º FEC 2889/10", nos termos do qual a Requerente concedeu àqueles um empréstimo no valor de € 35.000,00 de capital, montante este que foi depositado numa conta aberta, pelo menos em nome da Requerida, sob o número …008.
6. DD e a Requerida comprometeram-se em tal escrito a reembolsar a Requerente do capital de € 35.000,00 em 120 prestações mensais e sucessivas, acrescida de uma taxa de juro de 8,007%, e, em caso de incumprimento, de uma sobretaxa de juro de 3% a título de cláusula penal.
7. As prestações acordadas com vencimento posterior a 19.09.2014 encontram-se por pagar, ascendendo atualmente o capital em dívida ao montante de € 22.680,93.
8. A Requerida não possui dívidas perante a Administração Tributária, nem perante a Segurança Social.
2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A Administração Tributária moveu contra a Requerida seis processos de execução fiscal, respetivamente, com os números 2984201401004751, 2984201401009451, 2984201481002106, 2984201501003844, 2984201501005570 e 2984201501007556, onde são reclamados os valores no montante global de € 1.166,68, relativos a IMI de 2013 e 2014.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que: i) o facto constante de 2.1.2. – com a redação: a Administração Tributária moveu contra a Requerida seis processos de execução fiscal, respetivamente, com os números 2984201401004751, 2984201401009451, 2984201481002106, 2984201501003844, 2984201501005570 e 2984201501007556, onde são reclamados os valores no montante global de € 1.166,68, relativos a IMI de 2013 e 2014 – foi indevidamente julgado não provado, devendo ser considerado assente; ii) o facto constante do ponto 8 de 2.1.1. – com a redação: a Requerida não possui dívidas perante a Administração Tributária, nem perante a Segurança Social – foi indevidamente julgado provado, devendo ser excluído da matéria assente.
Defende a alteração da decisão de facto, quanto aos dois pontos impugnados, com fundamento na falta de dedução de oposição pela requerida, citada com a advertência da cominação prevista no n.º 5 do artigo 30.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), sustentando que devem ser considerados confessados os factos alegados na petição inicial. Acrescenta que, apesar de constar da certidão de dívidas emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira apenas o nome do ex-cônjuge da requerida e de terem os processos de execução fiscal sido deduzidos unicamente contra este, trata-se de uma dívida comum a ambos os cônjuges, pelos motivos que expõe.
Extrai-se da sentença recorrida que a decisão de facto se baseou no seguinte: Os factos acima vertidos em 1 a 8 mostram-se provados por efeito da revelia da Requerida a que alude o art. 30.º, n.º 5 do CIRE, concatenada com o teor dos documentos juntos aos autos com a petição inicial, bem como com a informação prestada pela Administração Tributária e pelo Instituto da Segurança Social a fls. 34 e 36.
*
Reputou-se como não provada a factualidade supra descrita sob a epígrafe “Factos Não Provados” porquanto, quanto aos mesmos, a revelia não se pode considerar operante nos termos do disposto no art. 568.º, alínea d) do Cód. Proc. Civil e, ademais, da certidão de dívida fiscal constante de fls. 25 a 27v dos autos não consta como devedora a Requerida, mas tão-só DD. Por outro lado, da informação prestada pela Administração Tributária a fls. 34 resulta a inexistência, pelo menos à data, de execuções fiscais movidas contra a Requerida.
Compulsados os autos, verifica-se que a requerida foi regularmente citada, com a advertência da cominação prevista no n.º 5 do artigo 30.º do CIRE, e efetivamente não deduziu oposição, pelo que cumpre apreciar os efeitos da revelia.
O n.º 5 do citado artigo 30.º dispõe o seguinte: Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º.
A 1.ª instância, invocando o disposto no artigo 568.º, al. d), do Código de Processo Civil, preceito que considera a revelia inoperante quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito, entendeu não poder considerar-se confessado o facto julgado não provado, relativamente ao qual decidiu não se mostrar operante a revelia. O apelante, por seu turno, defende que, dispondo o artigo 30.º, n.º 5, que se consideram confessados os factos alegados na petição inicial, deverá o facto em causa ser julgado provado por confissão, em resultado da falta de dedução de oposição pela requerida.
Cumpre apreciar se a revelia da requerida importa ou não se considere provado por confissão o facto constante de 2.1.2..
Está em causa a prova da propositura pela Administração Tributária de determinados processos de execução fiscal contra a requerida, destinados à cobrança coerciva de quantias respeitantes a IMI relativo aos anos de 2013 e 2014, alegando o requerente que os processos em causa têm os números 2984201401004751, 2984201401009451, 2984201481002106, 2984201501003844, 2984201501005570 e 2984201501007556, e neles são reclamados valores no montante global de € 1166,68.
A prova da propositura dos seis referidos processos de execução fiscal, bem como dos demais elementos constantes de cada um, exige a apresentação de certidões extraídas desses autos, os quais configuram documentos existentes em serviços do Estado, isto é, nos órgãos de execução fiscal onde corram termos as execuções em causa. As certidões extraídas desses autos, reproduzindo o respetivo teor ou parte dele, configuram certidões de teor, nos termos previstos no artigo 383.º, n.º 1, do Código Civil, tendo a força probatória dos originais.
Em anotação ao citado artigo 383.º, afirma José Lebre de Freitas (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 471-472) que as certidões “são, na parte relativa à atestação da sua conformidade com o original, documentos autênticos”. Acrescenta o autor (loc. cit.) que “da sua natureza de cópia resulta que o problema da sua força probatória se coloca em dois planos: no das relações entre a cópia e o original (ou a cópia de onde aquela foi extraída: art. 384.º) e no das relações entre este e os factos por ele provados. No primeiro plano, a cópia prova, com força probatória plena, o teor do próprio original; no segundo, e em consequência, a cópia assume a força probatória do original”.
Como tal, tratando-se de factos para cuja prova se exige documento escrito, cumpre concluir que a confissão se mostra insuficiente para se considerarem provados os factos relativos à propositura das aludidas execuções fiscais, assim não fazendo prova contra o confitente, conforme dispõe o artigo 354.º, al. a), 1.ª parte, do Código Civil.
Alega ainda o apelante que, apesar de constar da certidão de dívidas emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira apenas o nome do ex-cônjuge da requerida e de terem os processos de execução fiscal sido deduzidos unicamente contra este, está em causa uma dívida comum a ambos os cônjuges, pelo que entende dever ser modificada a decisão de facto, nos termos supra indicados.
Trata-se, porém, de uma questão nova, baseada em elementos factuais não apresentados perante a 1.ª instância e de sentido diferente relativamente à alegação constante da petição inicial, articulado no qual é invocada a instauração pela Administração Tributária de processos de execução fiscal contra a requerida, não estando em apreciação a natureza de dívidas que possam ter originado processos movidos contra terceiros.
Em suma, improcede totalmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
2.2.2. Declaração de insolvência da requerida
A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente não alteração da factualidade considerada provada, importa se considere prejudicada a apreciação da questão da verificação dos pressupostos do deferimento do pedido de declaração de insolvência da requerida, formulado pelo requerente.
Efetivamente, a solução que o recorrente defende para o litígio assenta no aditamento à matéria de facto provada do indicado ponto considerado não provado e na consequente exclusão da matéria assente do facto constante do ponto 8; rejeitada tal modificação da matéria de facto provada, não defende qualquer alteração da matéria de direito, a apreciar na hipótese de se manter a factualidade fixada pela 1.ª instância.
Mostra-se, assim, face à improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada na apelação deduzida pelo requerente.
Improcede, assim, a apelação.
Em conclusão:
I – A prova da propositura e do teor de processos de execução fiscal exige a apresentação de certidões extraídas desses autos, os quais configuram documentos existentes em serviços do Estado;
II - As certidões extraídas desses autos, reproduzindo o respetivo teor ou parte dele, configuram certidões de teor, nos termos previstos no artigo 383.º, n.º 1, do Código Civil, tendo a força probatória dos originais;
III - A confissão mostra-se insuficiente para se considerarem provados factos relativos à propositura e ao teor de execuções fiscais, não fazendo prova contra o confitente, nos termos do artigo 354.º, al. a), 1.ª parte, do Código Civil.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, 10-10-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
José António Moita