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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
Sumário
i) é aplicável subsidiariamente ao concurso de contraordenações laborais o regime jurídico previsto no art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações. ii) não há concurso entre contraordenações que sejam conhecidas após a condenação definitiva por qualquer uma delas. iii) a aplicação do cúmulo jurídico nos mesmos termos previstos para os crimes traria problemas de competência material insanáveis, pois cada autoridade administrativa tem competência limitada à instrução e decisão das contraordenações relativas à matéria em questão e não está prevista a competência material para efetuar o cúmulo jurídico decorrente de concurso de contraordenações de diferentes matérias
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Recorrente: M…, SA (arguida).
Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho.
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J1
1. Nos presentes autos de contraordenação n.º 311700225, a arguida veio impugnar judicialmente a decisão do Centro Local de Portimão da Autoridade para as Condições no Trabalho, o qual lhe aplicou a coima de € 17 340 (170 UC) por contraordenação ao disposto no artigo 129.º n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código de Trabalho.
A recorrente alegou como consta a fls. 129 e ss., e nas suas conclusões veio invocar, em suma, que:
- a decisão administrativa é nula por não ter sido feito cúmulo jurídico;
- faltam dar como provados factos relevantes, como os relativos à tentativa de integração da trabalhadora noutro serviço e a proposta de dispensa de assiduidade feita à trabalhadora;
- não existe prova de que a trabalhadora foi afastada do exercício de funções de forma injustificada, antes foi afastada num movimento global de mobilidade funcional e com vista à otimização dos seus recursos humanos;
- não são invocados factos que a recorrente, de forma deliberada e injustificada e com o exclusivo propósito de lesar os interesses da trabalhadora em causa, a colocou em situação de inatividade;
- a situação da inocupação da trabalhadora resulta da sua intransigência em não compreender e admitir a reestruturação da recorrente;
- a título subsidiário, a coima aplicada é desproporcionada, devendo ser aplicada pelo seu valor mínimo.
Não juntou quaisquer documentos, mas arrolou uma testemunha.
O recurso foi recebido pelo despacho de fls. 168.
Procedeu-se a julgamento como consta da ata respetiva.
Após, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial e confirmou a decisão da autoridade administrativa.
2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e concluiu o seguinte:
A. A coima em causa foi aplicada em por, alegadamente, a ora recorrente ter obstado à prestação efetiva de trabalho da sua trabalhadora M…, a título de negligência.
B. Contudo, e salvo o devido respeito por diversa opinião, tal decisão não foi corretamente tomada, pelos motivos que cumpre, nesta sede, arguir e suprir.
C. Antes de mais, suscitou a recorrente a questão da nulidade por falta de realização do cúmulo jurídico, o que, não obstante ter sido teoricamente aceite pelo Tribunal recorrido, foi considerado improcedente por inexistência de indícios relativos à verificação de outros processos contraordenacionais em curso, bem como à falta de invocação concreta da existência desses processos.
D. No entanto, verifica-se que foi efetivamente alegado pela recorrente a existência de uma pluralidade de processos de contraordenação ativos e, portanto, passíveis de cúmulo jurídico nos termos previstos no art.º 19.º do RGCO, constando ainda dos autos uma listagem de processos de contraordenação instaurados contra a aqui recorrente pela ACT que o Tribunal recorrido apenas presumiu que estariam findos, sem apontar qualquer certeza ou considerar provada tal realidade.
E. Assim, antevendo a possibilidade de verificação da invocada nulidade, e para aplicação plena do princípio da verdade material, deveria o Tribunal recorrido ordenar a devolução do processo à entidade administrativa, para que esta apurasse da existência de processos de contraordenação pendentes contra a recorrente para, após, provando-se tais factos, ser aplicada coima única, suprindo-se assim a invocada nulidade.
F. Pelo que mal esteve a decisão recorrida ao determinar o indeferimento da invocada nulidade, devendo, nesse concreto ponto, ser a decisão revogada e substituída por outra que determine a devolução dos autos ao Centro Local de Portimão da Autoridade para as Condições do Trabalho para o apuramento da existência de processos de contraordenação pendentes contra a recorrente e, em caso afirmativo, para a aplicação da competente coima única.
G. Por outro lado, e agora no que se refere à matéria concretamente dada por provada, resulta que, não obstante ter ficado provada a situação de inocupação da trabalhadora em causa, não logrou ficar inequivocamente comprovado nestes autos que essa situação de inocupação é injustificada.
H. Uma vez que não basta ficar comprovada a situação de inocupação dos trabalhadores para que se verifique uma situação de violação do dever de ocupação efetiva por parte de qualquer entidade empregadora, sendo ainda necessário que fique devidamente comprovado nos autos que tal situação é totalmente injustificada.
I. Percorrendo o elenco dos factos dados por provados, não consta um único facto do qual se infira que a situação de inocupação da trabalhadora M… é injustificada. Muito pelo contrário - o que resulta da matéria de facto provada é que a recorrente tentou atribuir funções à trabalhadora em causa, que tentou negociar com esta uma saída amigável da empresa, e a dispensou de assiduidade – tendo a trabalhadora recusado liminarmente todas estas iniciativas da recorrente.
J. Ora, tais factos, por si só, são amplamente reveladores da inequívoca existência de boa-fé por parte da entidade empregadora, aqui recorrente.
K. É que, muito embora os factos constantes da decisão impugnada possam aparentar indiciar um caso de violação do dever de ocupação efetiva por parte da recorrente relativamente à identificada trabalhadora, a verdade é que nem todas as situações de inatividade dos trabalhadores são juridicamente tuteladas e correspondem à violação do dever de ocupação efetiva, uma vez que só estaremos perante uma real e inequívoca violação desse direito dos trabalhadores se se verificar, de forma comprovada, uma injustificada desocupação dos mesmos, através da qual a entidade empregadora mantenha os trabalhadores desocupados em clara violação, entre outros, dos mais elementares princípios da boa-fé.
L. Pelo que, numa situação em que a recorrente não tinha alternativas, face à própria postura evidenciada pela trabalhadora, de recusa das várias alternativas que lhe foram propostas pela empresa, manifestamente não ocorre qualquer violação do dever de ocupação efetiva desta trabalhadora.
M. Por outro lado, a aparente a violação do dever de ocupação efetiva não pode ser analisada – como foi feito na decisão recorrida – exclusivamente no plano da realização pessoal do trabalhador em termos de se entender que a sua inatividade consubstancia forçosamente a violação grosseira do direito à prestação do trabalho pelos trabalhadores, uma vez que, ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores, que poderá encontrar respaldo na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, se contrapõe o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também consagrado constitucionalmente (artigo 61.º n.º 1), de tal forma que a existência de um dever de ocupação efetiva decorre, em primeira linha, de um princípio de igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa; os trabalhadores devem estar sempre numa situação de igualdade quer quanto à ocupação quer quanto à execução do trabalho, e daí que a violação do dever de ocupação efetiva se deva reconduzir a um problema de boa-fé.
N. Não obstante ter sido dado por provado, a verdade é que não existe nos autos qualquer comprovativo de que a recorrente tenha afastado a trabalhadora do exercício de funções de forma injustificada. Muito pelo contrário, aliás – o que resulta dos autos é que a recorrente tentou, por todas as formas ao seu alcance, atribuir-lhe funções noutras instalações da empresa, bem como negociar com a trabalhadora uma rescisão amigável do contrato de trabalho e, por fim, determinar a dispensa de assiduidade desta, como forma de minimizar o impacto da situação de inocupação na saúde física e mental da trabalhadora – o que só não logrou fazer por ação direta da trabalhadora, que recusou liminarmente todas estas iniciativas da recorrente no sentido de pôr termo à situação de inocupação.
O. Assim, inexiste, face aos factos em presença, quaisquer evidências de que o comportamento da recorrente tenha representado uma violação grave e grosseira dos direitos da trabalhadora e/ou que tenha implicado algum prejuízo para esta, nada tendo sido sequer alegado a este propósito, não obstante a imputação da violação de tais normativos legais.
P. Face ao quadro fáctico acima exposto, facilmente se alcança não ter a recorrente praticado a contraordenação pela qual foi condenada, na medida em que a questão da eventual violação do dever de ocupação efetivo não poderá ser encarado de forma simplista, pois nem todas as situações de inatividade se reconduzem à conduta imputada à recorrente.
Q. Tal significa que, para que lhe seja imputada a prática de qualquer contraordenação, terá que ficar devidamente alegado, e provado, que a recorrente, de forma deliberada e injustificada, e com o exclusivo propósito de lesar os interesses da trabalhadora em causa, a colocou em situação de inatividade – o que, como se viu, não sucede.
R. Ainda, choca ainda o mais elementar senso de justiça que a decisão recorrida dê como comprovado o elemento subjetivo da norma incriminadora – a alegada injustificação da conduta da recorrente – com base em meros dados da experiência, ou seja, com base em generalizações, sem atentar à situação concreta da trabalhadora em causa e aos factos que constam do elenco da prova feita, e que comprovam, de forma inequívoca, a boa-fé da conduta da aqui recorrente.
S. Termos em que se requer que seja revogada a decisão recorrida e, em sua substituição, seja emitida decisão que absolva a recorrente da prática da contraordenação em causa.
T. A título subsidiário relativamente às alegações supra, e apenas para o caso destas não procederem, cumpre nesta sede refutar a argumentação utilizada na decisão recorrida.
U. Conforme resulta da decisão recorrida, a recorrente foi aqui condenada a título de negligência, sendo a moldura contraordenacional entre € 9 180 e € 30 600, não se encontrando comprovado qualquer especial enquadramento fático ou de direito do qual resulte um juízo de especial intencionalidade da conduta da recorrente – muito pelo contrário, tendo ficado comprovado que a recorrente tentou, por diversas formas, obstar à situação de inatividade da trabalhadora.
V. Assim, afigura-se manifestamente desproporcionada a aplicação à recorrente de uma coima de € 17 340, coima essa de valor muito próximo do máximo legal, desproporção essa acentuada por todo o circunstancialismo fáctico supra-alegado, o qual se dá por integralmente reproduzido, e que comprova a atuação de boa-fé da recorrente.
W. Pelo que, caso decida V. Ex.ª pela manutenção da condenação da recorrente, sempre será de decidir pela aplicação de coima pelo seu valor mínimo, atenta a moldura contraordenacional aplicável.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente da prática da contraordenação de que foi acusada ou, caso assim não se entenda, o que só por dever de patrocínio se admite, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a remessa dos presentes autos ao Centro Local de Portimão da Autoridade para as Condições do Trabalho para os efeitos previstos no art.º 19.º do RGCO; subsidiariamente, deverá a medida da coima ser concretamente revista e, face à factualidade dada por provada, ser fixada pelo seu valor mínimo, atentas a moldura contraordenacional aplicável.
3. O Ministério Público respondeu e concluiu que:
1.ª A douta decisão ora impugnada mostra-se corretamente fundamentada quer no domínio dos factos, quer no do Direito aplicado, por forma a poder apreender-se plenamente os motivos e o processo lógico-formal que o julgador usou para, de acordo com as regras da experiência comum, formar a sua convicção.
2.ª No tocante à invocada nulidade da decisão administrativa por falta de realização do cúmulo jurídico das coimas importa dizer que, se da leitura do art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações conjugado com o art.º 558.º n.º 3 do Código do Trabalho parece resultar que deverá ser efetuado cúmulo jurídico das coimas aplicadas à mesma arguida a nível nacional, a verdade é que sempre seria necessário saber qual a unidade local competente para a hipótese em que estejam em causa processos contraordenacionais distribuídos pelas diversas unidades locais da ACT por força da sua competência territorial.
3.ª Porém, da lei não resulta que esteja legalmente prevista solução para aferir tal competência administrativa, precisamente por ter sido essa a intenção do legislador e decorrer do sentido literal da lei ao não alargar a competência territorial de cada unidade local prevista no art.º 4.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a tais situações, ao mesmo tempo que apenas obriga ao registo de processos com decisão condenatória findos e não pendentes.
4.ª Nos termos do art.º 4.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a Delegação local da ACT tem competência circunscrita à respetiva área territorial, não tendo cada unidade local conhecimento de quaisquer outros processos para além dos obrigatoriamente constantes do registo individual (por imposição do art.º 565.º do Código do Trabalho), isto é, daqueles em que houve já decisão condenatória definitiva (não impugnada) ou transitada e, portanto, irrecorrível.
5.ª A Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, não estabelece a competência por conexão ou a extensão de competência das unidades locais da ACT, tal como prevê os art.ºs 36.º e 37.º do Regime Geral das Contraordenações, o que denota a intenção do legislador em matéria de contraordenações laborais, não se tratando de lacuna legal.
6.ª O dispositivo previsto no art.º 558.º n.º 3, do Código do Trabalho apenas poderá ser interpretado à luz do art.º 4.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e do art.º 565.º do Código do Trabalho, no sentido de que o cúmulo jurídico exigido na decisão da ACT apenas pode operar quanto às coimas aplicadas em processos contraordenacionais da competência de cada unidade local.
7.ª A recorrente não alude a qualquer processo contraordenacional que pudesse reunir as condições para que pudesse ser feita a apensação em causa, ou sequer faz a demonstração acerca da necessidade da conexão dos processos contraordenacionais eventualmente em causa, provando a existência dos pressupostos de conexão a que alude o art.º 24.º do Cód. Proc. Penal.
8.ª A aplicação das regras de concurso e de cúmulo jurídico (art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas) em matéria contraordenacional laboral na fase administrativa limitar-se-á aos casos de conexão expressamente previstos - art.ºs 558.º n.º 3 do Código do Trabalho e 24.º e 29.º do Cód. Proc. Penal e bem assim do art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09 e ainda do art.º 41.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (DL n.º 433/82, de 27/10).
9.ª O art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas não impõe à ACT a apensação dos processos da mesma arguida, nem sequer define em que situações se verifica concurso de contraordenações, nem em que situações se deverá operar o cúmulo jurídico das coimas, apenas se limitando a estatuir como deverá operar-se o cúmulo jurídico das coimas.
10.ª De resto, ainda que se considerasse ter sido omissa a efetivação de um cúmulo jurídico à luz do art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, inexiste normativo legal quer no ordenamento contraordenacional, quer no ordenamento penal, que fulmine de nulidade uma decisão administrativa por não ter sido operado um cúmulo jurídico.
11.ª A arguida ora recorrente – embora reconhecendo a situação de inocupação laboral da trabalhadora M… – considera, no entanto e em suma, que tal inocupação de mostra plenamente justificada por ter tentado junto da trabalhadora em causa “(…) atribuir-lhe funções noutras instalações da empresa, bem como negociar com a trabalhadora uma rescisão amigável do contrato de trabalho e, por fim, determinar a dispensa de assiduidade desta, como forma de minimizar o impacto da situação da inocupação na saúde física e mental da trabalhadora – o que só não logrou fazer por ação direta da trabalhadora, que recusou liminarmente todas estas iniciativas da Recorrente no sentido de pôr termo à situação de inocupação.».
12.ª Não assiste, porém qualquer fundamento ou justificação legítimas à ora recorrente por, desde logo, ao percorrermos a matéria de facto considerada provada se constatar que a trabalhadora M… desde setembro de 2016 por ordem da arguida nas instalações desta em Portimão encontrar-se inocupada, i. é, sentada em frente ao computador sem acesso a aplicações de trabalho e sem funções atribuídas.
13.ª Tal acontece por determinação da arguida na sequência de sucessivas propostas dirigidas pela arguida à referida trabalhadora de revogação do seu contrato de trabalho, de dispensa de assiduidade ou até de transferência da trabalhadora do seu local de trabalho para Faro – propostas que foram sempre recusadas.
14.ª Não se tendo provado ademais e designadamente que a trabalhadora em causa não tenha funções definidas porque a entidade empregadora/arguida não tivesse funções para lhe dar, ou que esta diligenciasse ativamente por uma ocupação alternativa adequada às competências e limitações da mencionada trabalhadora.
15.ª Num palavra, o propósito legítimo da arguida/recorrente de reestruturação e reorganização da empresa com a “otimização dos recursos” não pode permitir àquela justificar a não ocupação efetiva em que se encontra a trabalhadora em causa há mais de dois anos.
16.ª Não existe, pois, qualquer motivação legítima para tal inocupação, designadamente de natureza disciplinar ou em razão da extinção do posto de trabalho e ainda menos por a trabalhadora recusar acordar com a arguida a cessação do seu contrato de trabalho ou por, legitimamente, recusar a sua transferência para a Unidade de Faro – tudo em decorrência do reconhecimento que a estatuição prevista no art.º 129.º n.º 1, al. b), do Código do Trabalho impõe, ou seja, de que existe um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador independentemente do concurso da vontade deste (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª Edição, 2014, pag.s 260).
17.ª Da fundamentação exposta na sentença ora recorrida evidencia-se o exame crítico das provas em que se alicerça a douta decisão, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê da credibilidade que resultou da conjugação dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
18.ª A matéria de facto dada como provada e não provada é a que resulta da análise da prova produzida temperada com o princípio da imediação.
19.ª O Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova produzida, mostrando-se a mesma devidamente fundamentada e, em função dela, fez-se um correto enquadramento jurídico, mostrando-se adequada a fixação concreta da coima aplicada.
4. O Ministério Público, nesta Relação, apresentou parecer onde conclui que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, devendo ser mantida.
O parecer foi notificado e não obteve resposta.
5. O recurso foi admitido pelo relator.
6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.
7. Objeto do recurso
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
Questões a resolver:
1. O cúmulo jurídico
2. Existência da contraordenação
3. Medida da coima
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
1. A arguida/recorrente prossegue a atividade com o CAE 61100 – atividades de telecomunicações por fio e apresentou um volume de negócios referente ao ano de 2016 no montante de € 2 228 475 671 e 9 014 trabalhadores.
2. A trabalhadora da arguida/recorrente, M…, encontrava-se afeta ao local de trabalho situado no ….
3. Desde setembro de 2016 até à presente data a arguida/recorrente mantém a trabalhadora M… inocupada e sem funções atribuídas.
4. Em setembro de 2016 a arguida/recorrente propôs à trabalhadora M… um acordo de rescisão do contrato de trabalho, mediante uma indemnização, que esta rejeitou.
5. A trabalhadora M… permanece, desde novembro de 2016, sentada em frente ao computador sem acesso a aplicações de trabalho.
6. Em outubro de 2017 a arguida/recorrente propôs à trabalhadora M… novo acordo de rescisão do contrato de trabalho, mediante uma indemnização, que esta rejeitou.
7. Ainda na situação de inocupação da trabalhadora M…, a arguida/recorrente propôs à mesma a dispensa de assiduidade a 9 de outubro de 2017, com efeitos a partir de 16 de outubro de 2017 a 15 de janeiro de 2018, o que a trabalhadora recusou.
8. Em outubro de 2017 a arguida/recorrente propôs à trabalhadora M… que a mesma passasse a exercer as suas funções em Faro, o que esta recusou.
9. A arguida sabia que tinha de atribuir funções à trabalhadora M… mas optou por não o fazer, como podia, mesmo sabendo que a sua conduta era punida por lei.
B) APRECIAÇÃO
As questões a resolver são as que já mencionamos.
B1) O cúmulo jurídico
A arguida conclui que decisão da autoridade administrativa é nula, pois deveria ter efetuado o cúmulo jurídico com outras contraordenações a nível nacional, nos termos do art.º 19.º do RGCO, em face da lista constante dos autos.
O art.º 60.º do regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, prescreve que sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contraordenação previstos no regime geral das contraordenações.
Este regime jurídico especial que acabamos de referir não contém qualquer norma sobre o cúmulo jurídico em caso de várias contraordenações.
Existem, contudo, referências na Lei n.º 107/2009, de 14.09, que revelam que o legislador previu os casos de pluralidade de contraordenações, de coimas e de coima única, como decorre dos art.ºs 17.º n.º 3 e 47.º n.º 3 ao prescrever que quando se trate de três ou mais contraordenações a que seja aplicável uma coima única, o Ministério Público e o arguido podem arrolar até ao máximo de cinco testemunhas por todas as infrações e do art.º 49.º n.º 3 ao prescrever que se na sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações e se apenas quanto a alguma das infrações se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
De igual modo, o art.º 558.º do CT prevê a pluralidade de contraordenações quando a violação da lei afetar uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados e o art.º 565.º do mesmo código prescreve que o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral organiza um registo individual dos sujeitos responsáveis pelas contraordenações laborais, de âmbito nacional, do qual constam as infrações praticadas, as datas em que foram cometidas, as coimas e as sanções acessórias aplicadas, assim como as datas em que as decisões condenatórias se tornaram irrecorríveis.
O regime de punição do concurso das contraordenações laborais não está regulado na Lei n.º 107/2009, de 14.09, pelo que nos parece inequívoco que lhe é aplicável o regime geral das contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, em face das normas jurídicas que citámos.
O art.º 19.º deste último diploma legal, prescreve:
1. Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.
A arguida conclui que decisão da autoridade administrativa é nula, pois deveria ter efetuado o cúmulo jurídico com outras contraordenações a nível nacional, nos termos do art.º 19.º do RGCO, em face da lista constante dos autos.
O art.º 60.º do regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, prescreve que sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contraordenação previstos no regime geral das contraordenações.
Este regime jurídico especial que acabamos de referir não contém qualquer norma sobre o cúmulo jurídico em caso de várias contraordenações.
Existem, contudo, referências na Lei n.º 107/2009, de 14.09, que revelam que o legislador previu os casos de pluralidade de contraordenações, de coimas e de coima única, como decorre dos art.ºs 17.º n.º 3 e 47.º n.º 3 ao prescrever que quando se trate de três ou mais contraordenações a que seja aplicável uma coima única, o Ministério Público e o arguido podem arrolar até ao máximo de cinco testemunhas por todas as infrações e do art.º 49.º n.º 3 ao prescrever que se na sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações e se apenas quanto a alguma das infrações se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
De igual modo, o art.º 558.º do CT prevê a pluralidade de contraordenações quando a violação da lei afetar uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados e o art.º 565.º do mesmo código prescreve que o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral organiza um registo individual dos sujeitos responsáveis pelas contraordenações laborais, de âmbito nacional, do qual constam as infrações praticadas, as datas em que foram cometidas, as coimas e as sanções acessórias aplicadas, assim como as datas em que as decisões condenatórias se tornaram irrecorríveis.
O regime de punição do concurso das contraordenações laborais não está regulado na Lei n.º 107/2009, de 14.09, pelo que nos parece inequívoco que lhe é aplicável o regime geral das contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, em face das normas jurídicas que citámos.
O art.º 19.º deste último diploma legal, prescreve:
1. Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.
Por força do disposto nos art.ºs 32.º e 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplica-se subsidiariamente às contraordenações o Código Penal e o Código de Processo Penal, respetivamente, em tudo o que não for contrário ao mesmo.
Nos termos do art.º 4.º n.º 1, alínea a), da Lei n.º 107/2009, de 14.09, são territorialmente competentes para o procedimento das contraordenações, no âmbito das respetivas áreas geográficas de atuação de acordo com as competências previstas nas correspondentes leis orgânicas, os serviços desconcentrados da ACT em cuja área se haja verificado a contraordenação.
No caso, o serviço competente foi o Centro Local de Portimão da Autoridade para as Condições no Trabalho.
Analisados os autos, não encontramos factos suscetíveis de determinar a conexão de processos ou a sua apensação, nos termos exigidos e permitidos pelos art.ºs 24.º a 29.º do CPP, aplicado subsidiariamente.
Resulta da lista onde estão identificados diversos processos de contraordenação relativos à arguida que esta já havia sido condenada em coima, ou seja, a autoridade administrativa já havia tomado decisão definitiva sobre o mérito da causa.
A arguida não alega factos concretos que permitam determinar a conexão a fim de que ocorra a instrução de um único processo ou a apensação de processos.
Como prescreve expressamente o art.º 24.º n.º 2 do CPP, a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento[1].
Em face da lista constante dos autos, junta pela autoridade administrativa para efeitos de reincidência e sobre a qual esta se pronunciou, os processos aí referidos já não estão em nenhuma destas fases, pois já se mostram decididos.
Nesta conformidade, a autoridade administrativa recorrida não poderia legalmente aplicar uma coima única a contraordenações em relação às quais não se verificam os requisitos determinantes da conexão ou de apensação.
Outra questão seria a aplicação do cúmulo jurídico decorrente de conhecimento superveniente do concurso de contraordenações.
A aplicar-se o regime jurídico previsto no art.º 78.º do CP, relativo ao conhecimento superveniente do concurso, colocar-se-iam questões de solução problemática, como refere Paulo Pinto de Albuquerque[2], que parece que o legislador contraordenacional não terá querido, como decorre do que diremos a seguir.
O art.º 54.º do RGCOC, prescreve que a autoridade administrativa procederá à elaboração do processo, investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.
Não se prevê a hipótese de reabertura do processo para reapreciação de factos relativos às contraordenações.
De igual modo, o art.º 79.º n.º 1 do RGCOC prescreve que o caráter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contraordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contraordenação.
A esta luz, uma vez proferida a decisão pela autoridade administrativa, está vedado a esta voltar a reapreciar os factos contraordenacionais.
A ser seguido o entendimento da arguida, teria que ser efetuado não só o cúmulo jurídico em caso de concurso entre contraordenações laborais, como entre estas e as da Segurança Social, rodoviárias, mercado de valores mobiliários, ambientais, ordenamento do território, tributárias, etc, etc.....
Nesta hipótese, a realização do cúmulo jurídico colocaria desde logo questões de competência para a decisão. A lei atribui competência a determinada autoridade administrativa para investigar e decidir determinados tipos de contraordenações em razão de determinada matéria. A lei não concede poder a qualquer uma das autoridades administrativas competência material para decidir contraordenações de outras áreas de atividade, o que teria de estar previsto se tivesse que efetuar o cúmulo jurídico de todas as contraordenações em concurso, independentemente da matéria.
Note-se que o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, contém o regime geral das contraordenações e é aplicável subsidiariamente a todas elas, independentemente da matéria.
Resulta do referido que cada autoridade administrativa competente para determinadas contraordenações aplica a coima nos termos previstos no respetivo regime jurídico e em caso de necessidade, aplica subsidiariamente o regime geral das contraordenações e subsidiariamente a este, o Código Penal e o Código de Processo Penal.
A punição do concurso está prevista no art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10. Não está previsto neste regime geral nem no regime especial das contraordenações laborais e da segurança social a punição do concurso de contraordenações conhecido de forma superveniente, pelo que não há concurso entre contraordenações que sejam conhecidas após a condenação definitiva por qualquer uma delas[3].
Nesta conformidade, não é nula a decisão proferida pela ACT.
B2) Existência da contraordenação
O art.º 129.º n.º 1, alínea b) do CT prescreve que é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho.
Nos termos do n.º 2, constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
A contraordenação prevista e punida no art.º 129.º n.º 1, alínea b), e 2 do CT, carece da verificação cumulativa de dois requisitos.
Que o empregador tenha obstado à prestação efetiva de trabalho e que esta seja injustificada.
O primeiro requisito verifica-se. A empregadora deixou de dar ocupação à trabalhadora ou de lhe atribuir qualquer tarefa, desde setembro de 2016, pelo que durante este período de tempo obstou a que este prestasse a sua atividade.
Importa agora averiguar se foi injustificada a não ocupação da trabalhadora.
Analisados os factos provados, não se encontra qualquer causa que justifique a não atribuição de funções à trabalhadora.
Está provado que a arguida propôs por duas vezes a rescisão do contrato de trabalho, mediante o pagamento de uma indemnização, que a trabalhadora rejeitou.
De igual modo, está provado que a arguida propôs a transferência da trabalhadora para Faro, mas esta rejeitou.
Parece resultar dos factos provados que a arguida pretenderia fazer cessar o contrato de trabalho ou de transferi-la para outro local de trabalho.
Contudo, nada existe que contextualize a proposta de rescisão do contrato de trabalho ou a transferência para outro local.
Nesta medida, a recusa da trabalhadora em fazer cessar o contrato de trabalho ou em ser transferida para Faro, não nos parecem minimamente justificativas da não ocupação. Não está provado que não havia funções que a trabalhadora pudesse exercer e que a não ocupação resultava da falta de trabalho.
Daí que não existe qualquer justificação para a não ocupação da trabalhadora, pelo que esta se considera injustificada, até pelo longo período de tempo em que tal ocorre.
Não se mostra minimamente colocado em causa o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, consagrado no art.º artigo 61.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Este princípio está balizado por outros princípios e é exercido harmoniosamente em equilíbrio com todos. Faz parte do conteúdo da liberdade de iniciativa económica das empresas o respeito pelas obrigações assumidas com a celebração dos contratos. Neste caso, a arguida violou o contrato de trabalho, na exata medida em que obstou de forma injustificada à prestação de trabalho pela trabalhadora.
A boa-fé exigia outro comportamento da arguida.
A arguida violou o art.º 129.º n.º 1, alínea b), do CT e o art.º 61.º n.º 1 da Constituição, na medida em que este preceitua que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”, o que a arguida não cumpriu, uma vez que não exerceu a sua atividade nos termos da lei e tendo em conta o interesse geral.
A arguida deve exercer a sua atividade com respeito pela lei e pela constituição, o que não fez no caso concreto.
A conduta da arguida integra a previsão do art.º 129.º n.º 1, alínea b), do CT e constitui uma contraordenação muito grave, nos termos do n.º 2 deste artigo, como se decidiu na sentença recorrida.
B3) Medida da coima
A moldura da coima abstratamente aplicável situa-se entre o mínimo de 90 UC (€ 9 180) e o máximo de 300 UC (€ 30 600), nos termos do art.º 554.º n.ºs 1 e 4 do CT, uma vez que se trata de uma contraordenação muito grave. A arguida foi sancionada com a coima de 170 UC (€ 17 340).
O art.º 18.º n.º 1 do regime geral das contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicável ex vi art.º 60.º do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, prescreve que a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.
Considerando os factos provados, verificamos que a ilicitude é de nível superior ao médio, atendendo a situações idênticas, a culpa é negligente e também de nível superior ao médio, se atendermos a que se trata de uma empresa de grande dimensão, com cerca de 9 000 trabalhadores, e que tem a obrigação jurídica de cumprir as prescrições relativas à prestação do trabalho sem constrangimentos, a coima mostra-se adequada e proporcional à gravidade da contraordenação e à culpa da arguida, pelo que se mantém.
Termos em que improcede totalmente o recurso interposto pela arguida.
II - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela arguida.
Notifique
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 11 de julho de 2019.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
[1] Neste sentido Ac. STJ, de 5.09-2007, CJ(STJ), 2009, T3, pág.185.
[2] Albuquerque, Pinto, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Editora, p. 90.
[3] Neste sentido, Ac. RC, de 15.03.2019, processo n.º 1873/18.6T8VIS.C1, doutrina e jurisprudência aí citada, www.dgsi.pt/jtrc e autor citado na nota 1.