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MEIOS DE PROVA
FACTOS
PROVA PERICIAL
OBJECTO DA PROVA PERICIAL
Sumário
Sumário (do relator):
1- “Factos” são os acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos.
2- “Meios de prova” são os mecanismos colocados pelo legislador ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar ou não a realidade/verificação dos “factos”, isto é, trata-se dos meios legalmente fixados a que as partes e o próprio tribunal se podem socorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não de acontecimentos externos ou internos captáveis pelos sentidos.
3- A prova pericial é um “meio de prova” e não um meio alegatório de factos, sequer se destina a obter outros meios de prova, designadamente, prova documental, e através dela não se podem suprir as omissões de alegação em que incorreram as partes.
4- A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente previstos, a circunstância da perceção (verificação material) dos “factos” e/ou a apreciação destes (determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros) reclamar conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que por não fazerem parte da cultura geral e da experiência comum, se devem presumir não serem detidos pelo juiz.
5- A prova pericial, tal como os demais meios de prova legalmente previstos, apenas podem recair sobre os “factos da causa”.
6- Consideram-se “factos da causa” os factos essenciais alegados pelo autor, na petição inicial, para fundamentar a causa de pedir nela invocada para sustentar o pedido, os factos essenciais alegados pelo réu na contestação, para fundamentar as exceções que nela invocou contra o autor, os factos essenciais alegados pelo autor na réplica, audiência prévia ou no início da audiência final (arts. 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC) para fundamentar as contra exceções que invocou contra o réu e, bem assim os factos complementares e instrumentais dos essenciais pertinentemente alegados.
7- Quando as questões de facto colocadas pelas partes para efeitos de integrarem o objeto da perícia não versem sobre os “factos da causa”, impõe-se que o juiz indefira essas questões por impertinentes. Já quando essas questões de facto versem sobre “os factos da causa”, mas a perceção e a apreciação desses factos não reclame conhecimentos científicos, técnicos e/ou artísticos especiais, deve-se indeferir essas questões por dilatórias.
Texto Integral
I. RELATÓRIO
Recorrente: (…) Lda. Recorrida: (…) Lda.
(…) Lda., com sede da Av. (…) Porto, instaurou a presente ação especial de anulação de deliberações sociais, contra (…) , Lda., com sede na Rua (…) Caminha, pedindo que:
a) se declare nula ou anulada a deliberação constante da ponto um da ordem de trabalhos;
b) se declare nula ou anulada a deliberação constante do ponto dois da ordem de trabalhos; e
c) se declare nula ou anulada a deliberação constante do ponto três da ordem de trabalhos, substituindo-a por outra que aprove a destituição dos gerentes da Ré sem justa causa, A. M., A. J. e M .T..
Para tanto alega, sem síntese, que a Ré tem como sócios a Autora, A. M., A. J. e a “X – Consultores, Lda”.
Em 11/03/2016, a Ré remeteu-lhe carta registada com a/r, convocando-a para a assembleia geral anual, onde constava a seguinte ordem de trabalhos: ponto um – deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2015; ponto dois – deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2015; e ponto três – proceder à apreciação geral da gerência da sociedade no exercício de 2015;
Acontece que essa convocatória não se encontrava assinada por nenhum dos gerentes da Ré;
Acresce que essa convocatória viola o art. 376º, n.º 1 do CSC, posto que omite a eleição dos corpos gerentes da Ré que sejam da competência da assembleia geral;
Acresce ainda que, em 21/03/2016, o representante da Autora apresentou-se no escritório onde é feita a contabilidade da Ré e os documentos de prestação de contas desta não continha o mapa de fluxos de caixa, sequer o relatório de gestão assinado por todos os gerentes;
Também não se encontravam disponíveis para consulta, um conjunto de informações escritas e documentos, que a Autora tinha solicitada à Ré, por carta regista com a/r, que junta aos autos, e que aquela considerou serem indispensáveis para poder participar esclarecidamente na assembleia geral;
No dia da assembleia geral foi aprovado o relatório de gestão e contas da Ré do exercício de 2015, a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2015 e não foi aprovada a proposta de destituição dos gerentes da Ré, A. R. e A. J., apresentada pela Autora no âmbito do ponto três da ordem de trabalhos.
Sucede que os gerentes da Ré não procederam ao registo na Conservatória do Registo Comercial do pedido de renúncia de funções de gerente daquela, H. R., que este apresentou por carta registada com a/r de 25/03/2011;
E também não procederam ao registo do início de funções da gerente indicada pela Autora, em assembleia geral de sócios de 02/04/2013, H. R., o que impediu esta de iniciar essas funções a partir de 01/04/2013;
Acresce que os gerentes da Ré não reúne e não lavra atas das reuniões do conselho de gerência da Ré;
Todos os documentos de prestação de contas da Ré não foram assinados por todos os gerentes desta;
Os gerentes da Ré não convocaram a assembleia geral destinada a destituir o gerente M. T. e não promoveram o respetivo registo;
Os gerentes da Ré reembolsaram-se a si próprios empréstimos, erradamente contabilizados como suprimentos, que na sua qualidade de sócios efetuaram àquela, porém, apesar de por diversas vezes solicitados, não reembolsaram a Autora dos empréstimos que esta tinha feito à Ré, também eles erradamente contabilizados como suprimentos, atuando conluiados, de forma parcial e no interesse apenas de alguns sócios, com abuso de poder;
A. J. e A. R. são sócios da Ré e os únicos gerentes desta em funções, o que os impede de votar por se verificar conflito de interesses;
As contas dos últimos sete anos da Ré, apesar desta se encontrar inativa, apresentam prejuízos e é com base em deliberações da assembleia geral, em que votaram os identificados A. J. e A. R. que essas contas foram aprovadas;
Além do balanço do exercício da Ré do ano de 2015 e documentos anexos não se encontrarem assinados por todos os gerentes daquele e de deles não constar qualquer declaração quanto às razões da omissão dessas assinaturas, naqueles documentos encontram-se registados almoços, jantares e despesas de gasóleo que os gerentes pagaram a si próprios;
Há mais de nove anos que a Ré tem arrendado o único edifício que possui e onde funciona a “Discoteca ...” e cujas rendas recebe e, ainda assim, apresenta prejuízos;
O contrato de arrendamento quanto a esse edifício é simulado;
Os gerentes da Ré omitiram na contabilidade desta o valor real das rendas recebidas pelo arrendamento daquele espaço e simularam os valores recebidos com as sociedades fornecedoras de bebidas para a discoteca;
Dos documentos de prestação de contas do exercício de 2015 nada consta sobre o valor total da dívida da Ré, reportada a 31/12/2015, ao advogado, a cujos serviços aqueles sócios gerentes sistematicamente recorrem;
Esses documentos não contêm inscritas todas as despesas que a Autora, na sua qualidade de gerente da Ré, suportou no âmbito dos processos de impugnação de deliberações sociais, que correram neste tribunal sob os n.ºs 610/10, 239/13, 195/14 e 152/15;
A proposta de destituição dos gerentes da Ré, A. R., A. J. e M. T., apresentada pela Autora na assembleia geral apenas não foi aprovada porque A. R. e A. J. votaram contra essa proposta, quando se encontravam impedidos de votar.
A Ré contestou, defendeu-se por exceção e impugnação.
Invocou a exceção da ilegitimidade passiva daquela para contestar o pedido formulado pela Autora na segunda parte da al. c) do petitório, sustentando que para além da Autora não poder formular este pedido, que ela, Ré, não tem legitimidade para o contestar, mas apenas os gerentes cuja destituição é requerida.
Invocou a exceção do erro na forma de processo quanto a esse pedido.
Impugnou parte dos factos alegados pela Autora.
Conclui pedindo que se declare a ilegitimidade daquela quanto ao pedido formulada na segunda parte da al. c) ou, em alternativa, que se declare existir erro na forma de processo quanto ao mesmo e se julgue improcedente a ação e se condene a Autora como litigante de má fé, em multa e em indemnização a favor daquela, em montante não inferior a cinco mil euros.
A Autora respondeu, concluindo pela improcedência das exceções invocadas pela Ré.
Realizou-se audiência prévia, em que se tentou conciliar as partes e onde, após suspensão da instância, essa conciliação se frustrou.
Proferiu-se despacho, fixando o valor da ação em 8.000,00 euros, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou procedente as exceções da ilegitimidade passiva e do erro da forma de processo deduzidos pela Ré e absolveu-se esta da instância relativamente ao pedido formulado na alínea c), a partir de “substituindo-a por outra”, até final.
Fixou-se o seguinte objeto do litígio:
“O objeto do litígio consiste na validade e da eficácia das deliberações sociais da Ré tomadas na assembleia geral realizada em 30/03/2016 e na eventual litigância de má fé da A.”
E fixaram-se os seguintes temas da prova:
a) no dia 21/03/2016, quando o representante legal da Autora se apresentou no escritório de contabilidade X, Lda., em Viana do Castelo, não constava o mapa de fluxos de caixa dos documentos de prestação de contas;
b) até à apresentação da ação no tribunal, a A. recebeu ou não resposta escrita às questões que colocou aos gerentes da Ré, através de carta registada com a/r, datada de 23/03/2016;
c) os documentos de prestação das contas da Ré do ano de 2015 composto pelo balanço, demonstração individual dos resultados por natureza, o anexo do balanço e a demonstração de resultados, o relatório de gestão, a demonstração individual das alterações no capital próprio no período de 2015, estão assinados por todos os gerentes que constam registados na Conservatória do Registo Comercial ou se faltam assinaturas e se desses documentos consta ou não declaração das razões pelas quais não estão assinados pelos gerentes;
d) no exercício em causa, os gerentes da R. esbanjaram o dinheiro da sociedade, pagando-se a si próprios almoços e jantares, despesas de gasóleo, coimas fiscais, obras e outras despesas e quais os respetivos valores;
e) relativamente ao contrato de arrendamento vigente celebrado com a sociedade .. Unipessoal, Lda., com sede na Rua …, Vila Praia de Âncora, inquilina da Discoteca ..., os gerentes da R. omitiram à contabilidade o valor real das rendas que a inquilina paga pelo arrendamento do edifício de que é proprietária, e quem recebeu as contrapartidas dos rendimentos resultantes do contrato que realizaram, de forma direta ou indireta, com as sociedades fornecedoras de bebidas para a discoteca, nomeadamente, as empresas “… – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A.”, com sede na …, e “Y, Distribuição Alimentar, Lda.”, com sede em … Coimbra”;
f) se os documentos de prestação de contas do exercício de 2015 em causa incluem, ainda que de forma estimativa, na conta contabilística de Acréscimo de Gastos, todas as despesas que a A., na qualidade de gerente da R., suportou com os processos judiciais de impugnação de deliberações sociais que correram os seus termos neste tribunal sob os n.ºs 619/10.1TBCMN, 239/13.9TBCMN, 195/14.6TBCMN e 152/15.5TT8CMN, e se os documentos de prestação de contas do exercício em causa consta contabilizada sobre o valor total da dívida reportada a 31/12/2015 a dívida ao mandatário judicial contratado pela Ré;
g) no exercício em causa foi instaurado à Ré o processo de execução fiscal n.º 22752101481012616 pelo Serviço de Finanças de Caminha a que se refere o documento n.º 6 junto à petição inicial datado de 06/01/2015, conforme matéria alegada no art. 65º da p.i.”.
Conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e, quanto à perícia requerida pela Autora, ordenou-se a notificação desta para identificar as concretas questões que pretende ver esclarecidas, com referência aos temas de prova.
A Ré reclamou quanto aos temas de prova fixados pelo tribunal, requerendo a eliminação do tema de prova vertido na alínea d), ao que se opôs a Autora, tendo essa reclamação sido indeferida pelo tribunal.
A Autora acatou o convite que lhe foi dirigido, nos termos que se seguem:
“Quanto às questões que pretende ver esclarecidas com a perícia com referência aos temas de prova:
1. Como referiu no seu requerimento de 22/01/2018, a Autora tem interesse na realização de perícia ao abrigo do disposto nos artigos 467º e seguintes do CPC, com referência aos temas de prova enunciados no douto despacho saneador sobre as alíneas d), e), f), g).
2. A perícia deve ser efetuada por nomeação do tribunal a perito inscrito na lista oficial, e deve recair sobre pessoa que exerça as funções de revisor oficial de contas.
3. Dada a falta de cooperação processual da Ré e da .. Unipessoal Lda., e a grande dificuldade da Autora na obtenção da prova para prova da simulação do contrato de cessão de exploração da Discoteca ... e das obrigações e dos benefícios que lhe são adjacentes e que resultam do regime de exclusividade do fornecimento e da venda de bebidas e outros produtos naquele estabelecimento, os quesitos apresentados não podem ser considerados definitivos em função das respostas que forem dadas pelo Sr. Perito, sob pena de se contender ou comprometer irremediavelmente a prova da Autora.
4. Apesar de se indicarem os nomes de algumas empresas que figuraram em contratos de fornecimento de bebidas em regime de exclusividade celebrados anteriormente com a Ré, tendo em vista a Discoteca ..., a Autora desconhece se os contratos foram celebrados de forma direta ou indireta através de outras sociedades para dificultar o acesso a uma informação clara e transparente e atinente a interesses ocultos.
Assim, com referência à alínea e) dos temas de prova: Quesito 1º
Tendo em conta o teor da cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração vigente no exercício de 2015, nos autos junto à contestação sob o documento nº 3, que foi renovado sucessivamente, que impõe a obrigação à cessionária “W Unipessoal Lda.” de vender e fazer consumir apenas as bebidas e os produtos descritos na referida cláusula, e que tal vantagem terá sido paga pela empresa que fornece diretamente as bebidas à cessionária, deve o Sr. Perito identificar a empresa que fornece as bebidas à cessionária para o estabelecimento Discoteca ... em Caminha? Deverá juntar cópias dos contratos e dos meios de pagamento efetuados ao beneficiário das vantagens atribuídas pela empresa fornecedora das bebidas em consequência do regime de exclusividade. Quesito 2º
Considerando que o primeiro contrato de cessão de exploração celebrado entre a Ré e a “W Unipessoal Lda.” foi celebrado no final de 2013 para vigorar em 2014, deve o Sr. Perito indicar quanto a esses anos, quanto aos 3 anos anteriores (2011, 2012 e 2013), e quanto aos anos posteriores (2015) quem são os outorgantes do(s) contrato(s) celebrados com a cláusula deexclusividade do fornecimento e venda das bebidas referido(s) na cláusula 13ª do contratopara o estabelecimento Discoteca ... em Caminha? Deverá juntar cópia dos contratos e dos meios de pagamento efetuados ao beneficiário das vantagens atribuídas pela empresa fornecedora das bebidas em consequência do regime de exclusividade. Quesito 3º
Atento o que decorre da cláusula 13ª do contrato em causa, pretende-se saber se deramentrada na Ré, ou em caso negativo, a quem foram entregues ou pagos os valores pagospelas empresas distribuidoras de bebidas e de outros produtos com destino ao consumo naDiscoteca ... em consequência do regime de exclusividade.
A Ré é quem deveria ter recebido esses valores, atenta a exclusividade das marcas de bebidas e outros produtos fornecidos para a venda e o consumo do público na Discoteca ..., mas esses valores não se encontram refletidos na sua contabilidade.
Se não foi a Ré que os recebeu, quem é que recebeu esses valores então? Quesito 4º
Tendo em conta o teor da cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração vigente no exercício de 2015, que foi renovado sucessivamente, diga o Sr. Perito, se as sociedades “K –Sociedade Central de Cervejas, SA” com sede na Estrada …, “Y, Distribuição Alimentar, Lda.”, com sede em … Coimbra, “... – Rede Distribuição Lda.”, com sede em … Coimbra, “… –Produtos Alimentares Lda.”, com sede no Parque … Viana do Castelo, e/ou as sociedades com as quais se fundiram ou se redenominaram ou que as representam, ou ainda outras sociedades que a Autora desconhece mas admite existirem, que distribuem os seus produtos no distrito de Viana do Castelo com vista ao fornecimento de bebidas e outros produtos à cessionária “W Unipessoal, Lda.” destinados ao consumo e venda na “Discoteca ...” de Caminha, pagaram diretamente à W Unipessoal Lda. o valor devido pela contrapartida da venda exclusiva das bebidas e produtos descritos na referida cláusula? Ouse pagaram a outra pessoa/sociedade, identificando-a? Quesito 5º
Tendo em conta o teor da cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração vigente no exercício de 2015, que foi renovado sucessivamente, diga o Sr. Perito, se as contrapartidaseconómicas devidas em consequência do regime de exclusividade do fornecimento e vendade bebidas e outros produtos na Discoteca ... pagas por qualquer das sociedades referidas no quesito anterior, ou por outras sociedades que a Autora desconhece mas admite existirem, entraram no caixa social ou nas contas bancárias da Ré ou no caixa social ou nascontas bancárias da cessionária W Unipessoal Lda.? Quesito 6º
No caso de os valores apurados nos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º não terem dado entrada no caixa social ou nas contas bancárias da Ré, no caixa social ou nas contas bancárias da “W Unipessoal Lda.”, diga o Sr. Perito, em que contas bancárias foram esses valores depositados,ou em que caixa social de que empresa entraram esses valores? Quesito 7º
Em qualquer dos casos das respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º diga o Sr. Perito, qualo destino dado a esses valores? Quesito 8º
Tendo em conta o teor da cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração vigente no exercício de 2015, que foi renovado sucessivamente até à presente data, diga o Sr. Perito, quaisos valores de rapel e dos descontos de quantidade, de publicidade ou a qualquer outrotítulo, com vista ao fornecimento de bebidas e produtos à cessionária “W Unipessoal, Lda.” com destino ao consumo na “Discoteca ...”?
Com referência à alínea f) dos temas de prova:
Quesito 9º
Diga o Sr. Perito, se todos os documentos de prestação de contas da S., Lda. do ano de 2015, apresentados na assembleia-geral de sócios realizada no dia 30/03/2016, composto pelo Balanço, pela Demonstração dos Resultados, pelo Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados, pelo Mapa dos fluxos de Caixa, pelo Mapa da Variação dos Capitais Próprios reportados a 31 de Dezembro de 2015 e pelo Relatório de Gestão do ano de 2015, cumprem as leis do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e se foram elaboradas de acordo com o disposto no Código Comercial e no Código das Sociedades Comerciais? Quesito 10º
Diga o Sr. Perito, se os capitais próprios da Ré em 31 de Dezembro de 2015, designadamente, a conta de Resultados Transitados e as contas de Reservas Livres, incluem os valores de 50% dos lucros que a Ré obteve nos anos de 2009, 2010 e 2011? Quesito 11º
Diga o Sr. Perito, se os documentos de prestação de contas do exercício de 2015 incluem, ainda que de forma estimativa na conta contabilística de Acréscimo de Gastos, todas as despesas que a Autora na qualidade de gerente da Ré, suportou com os processos judiciais de impugnação das deliberações sociais que correm os seus termos neste tribunal sob os nº 619/10.1TBCMN, 239/13.9TBCMN, 195/14.6TBCMN e 152/15.5T8CMN? Quesito 12º
Diga o Sr. Perito, se nos documentos de prestação de contas do exercício económico de 2015 se consta contabilizado sobre o valor total da dívida reportada a 31/12/2015 os valores de honorários ao Ilustre Advogado contratado pela Ré para efeitos dos processos judiciais referidos no quesito 9º? Quesito 13º
Diga o Sr. Perito, se todos os documentos de prestação de contas da Ré do ano de 2015, tendo em conta as respostas aos anteriores quesitos 1º, 2º, 3º, 4º 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º, apresentam imagem fiel e verdadeira da situação económica e financeira da empresa em 31 de Dezembro de 2015, e se estão ou não afetados por atos de gestão e contratos simulados, como exige o nº 2 do artigo 65º do CSC? Quesito 14º
Diga o Sr. Perito, tendo em conta as respostas aos anteriores quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º, se na contabilidade da Ré, a conta 12 dos depósitos bancários, apresentava em 31 de dezembro de 2015 um saldo diferente do saldo que o extrato do Banco ... indica naquele dia, mês e ano?
Com referência à alínea g) dos temas da prova:
Quesito 15º
Diga o Sr. Perito, se no exercício económico em causa (ano de 2015) existem indícios de o Contabilista Certificado e/ou a Ré dar cumprimento intempestivo de quaisquer obrigações declarativas (identificando-as de modo completo) quer à Administração Tributária quer à Segurança Social? E se em sua consequência foi instaurado algum processo de contraordenação fiscal ou de execução fiscal contra a Ré?
Com referência à alínea d) dos temas da prova:
Quesito 16º
Diga o Sr. Perito, se as contas da Ré do exercício económico em causa (2015), estão afetadas com gastos de almoços e jantares dos gerentes, identificando-os por datas e por valores?
Se tais gastos se justificam realizar nesta empresa? E de que forma esses gastos terão contribuído para a formação dos rendimentos da Ré no exercício em causa? Quesito 17º
Diga o Sr. Perito, se no exercício de 2015 a Ré pagou coimas, multas e/ou juros decorrentes das situações questionadas no quesito 14º, ou se esse(s) pagamento(s) ocorreu(ram) no(s) exercício(s) seguinte(s)?
A Ré pronunciou-se quanto ao objeto da perícia concretizado pela Autora, alegando que, como meio de prova que é, a perícia não pode ser modo das partes introduzirem factos novos, não por elas alegados, como pretende a Autora fazer.
Acresce que os quesitos 1º a 8º não se conformam com os temas de prova, extravasando até o marco temporal a que respeitam as deliberações sociais impugnadas.
A matéria que a Autora diz querer provar com a realização da perícia não se restringe à que vem alegada por aquela, visando a mesma, através de respostas do perito, o alargamento da matéria factual objeto do litígio, suprindo as insuficiências de alegações factuais cujo ónus lhe cabe, até porque a Autora diz querer provar com a perícia a invocada simulação do contrato de cessão de exploração da Discoteca da Alfândega, o que não constitui o objeto do litígio e, inclusivamente, extravasa o arco temporal a que respeitam as deliberações sociais impugnadas.
Conclui pedindo que se indefira a perícia requerida.
Após, foi proferido o despacho que se segue a propósito do objeto da perícia:
“A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art.º 388.º do CC).
Os quesitos formulados nos n.ºs 1, 2, 9, 15 e 17 não exigem conhecimentos (técnicos) especiais e podem, além disso, ser provados por documentos.
No que concerne aos demais quesitos pela A., afigura-se-nos que os mesmos ainda se contêm dentro do âmbito definido pelos temas de prova, sendo certo que, quando proferir a sentença, o tribunal apenas poderá ter em conta os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art.º 5.º, n.º 1 e 2, do CPC).
No que respeita à realização da perícia, apenas poderão ser tidos em contas os elementos ou documentos constantes da contabilidade da R. e os elementos constantes destes autos.
Assim sendo, admito a perícia requerida pela A., a qual terá por objeto o esclarecimento das questões que constam dos pontos 3 a 8, 10 a 14 e 16 do requerimento da A. de 12/02/2019.
A perícia ser levado a cabo por um único perito, Revisor Oficial de Contas, que a respetiva Ordem venha a indicar e que desde já se nomeia.
Prazo para a realização da perícia: 20 dias.
O Sr. Perito prestará compromisso de honra por escrito, no relatório pericial que venha a entregar.
Oficie à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a indicação de um Perito que tenha domicílio profissional nos concelhos de Viana do Castelo ou Caminha, preferencialmente, ou nos concelhos limítrofes, se não for possível naqueles primeiros”.
Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:
1ª - O douto despacho recorrido rejeitou para efeitos da perícia ordenada os quesitos formulados pela Autora sob os nº 1, 2, 9, 15 e 17 no seu requerimento com a referência 31518483 justificando o seguinte: “Os quesitos formulados sob os nº 1, 2, 9, 15 e 17 não exigem conhecimentos (técnicos) especiais e podem, além disso, ser provados por documentos”.
2ª – Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido contendeu com a admissibilidade de meios probatórios que coarctam o direito da Autora provar a existência de simulação e/ou ocultação de receitas da Ré que não se encontram registadas na sua contabilidade nem deram entrada no caixa da empresa, e pode influir no exame e na decisão da causa.
3ª - Pelo estabelecido na cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração a Ré cede aexploração do estabelecimento comercial incluindo o seu vínculo de cumprimento de um contrato de fornecimento de cerveja, águas sumos e refrigerantes, que o segundo outorgante se obriga a dar continuidade adquirindo ao distribuidor para o distrito de Viana do Castelo, a sociedade comercial Y Lda. ou a qualquer outro que venha a ser indicado pela K – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas SA e de apenas vender, permitir a venda e publicitar no estabelecimento as marcas debebidas discriminadas na referida cláusula, conforme os documentos nº 5 e 6 juntos à contestação da Ré.
4ª - O contrato de cessão de exploração prevê no parágrafo primeiro da cláusula 13ª que, no caso de o arrendatário (segundo outorgante) quebrar esse vínculo relativo à venda, permissão de venda e publicidade das bebidas nela elencadas, terá de indemnizar a Ré (primeira outorgante) por todos os prejuízos que lhe vier a causar, que as partes do contrato fixaram no montante de € 25.000,00.
5ª - A Ré recebe, como já recebeu no passado, contrapartidas financeiras avultadas pelo acordo de exclusividade, que se calculam no montante de € 25.000,00 atenta a redação da cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração, correspondente ao valor dos prejuízos que a Ré sofreria (e teria de pagar à empresa distribuidora/fornecedora) no caso de a cessionária não dar cumprimento à venda e publicidade das bebidas elencadas naquela cláusula.
6ª – As vantagens económicas que a Ré recebe pelo vínculo de exclusividade na venda e na publicidade das bebidas elencadas na cláusula 13ª do contrato de cessão exploração encontram-se dissimuladas em atos da Ré, através dos seus gerentes de facto, que envolvem terceiras pessoas ou empresas por forma a serem ocultados da Autora.
7ª - A Autora não tem condições, meios ou poder que lhe permitam de per si identificar as pessoas e/ou as empresas que estão associadas ou relacionadas com o estabelecido na cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração que a Ré celebrou com a “W Unipessoal Lda.”, a quem impôs a continuidade desse vínculo.
8ª - Trata-se de documentos essenciais e relevantes para a decisão da causa quanto à anulação das deliberações sociais tomadas sobre os pontos 1 e 2 da assembleia-geral impugnada, aos quais a Autora não tem acesso, sendo que os Intervenientes Acidentais (Y – Distribuição Alimentar Lda., ... – Rede Distribuição Lda. e K – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas SA) não estão a colaborar processualmente, e provavelmente o tribunal não se apercebeu que o acesso da Autora a tais contratos e aos meios de pagamento é completamente impossível.
9ª – No âmbito probatório desta ação de anulação de deliberações sociais a Autora poderá aceder e conhecer esses contratos e os meios de pagamento, ponderados os pedidos da ação, os temas da prova (alíneas d), e), f) e g)), o objeto da perícia e os princípios da igualdade, do contraditório e do inquisitório.
10ª – Com a perícia ordenada a Autora pretende efetuar prova da simulação e da ocultação de receitas da Ré, que constituem fundamento da anulabilidade e matéria de facto relacionada com a impugnação das deliberações sociais tomadas pela Ré sobre os pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos da assembleia-geral, uma vez que na contabilidade e nos documentos de prestação de contas não constam inscritas quaisquer receitas provenientes dos contratos que celebrou com as empresas distribuidoras e fornecedoras identificadas e elencadas na cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração do estabelecimento Discoteca ..., e cujo vínculo de exclusividade a Ré impôs à cessionária.
11ª – O que se pede nos quesitos 1 e 2 é que o Perito identifique qual da(s) empresa(s) referidas na cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração, que a Autora desconhece qual seja em rigor, distribui e fornece as bebidas e os produtos elencados na referida cláusula, e que localize os contratos e os meios de pagamento e junte cópias aos autos.
12ª - No contexto da cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração referidos, a “K – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas SA” admitiu a existência desses contratos que celebrou com a Ré que vigoraram até ao dia 02/01/ 2011 conforme requerimento que apresentou com a referência nº 2243675.
13ª - O artigo 417º do CPC constitui um afloramento do princípio da cooperação para a descoberta da verdade, o qual admite em certos casos a recusa dessa colaboração se a obediência importar violação da intimidade privada e da vida familiar, da dignidade humana ou do sigilo profissional atento o disposto nos artigos 25º e 32º da Constituição da República, porém, nenhum desses valores intangíveis que seja suscetível de recusa de colaboração se identifica com o que está em causa nos presentes autos ou com os interesses que possam conflituar.
14ª - À luz da ponderação de interesses e de direitos em causa, e tendo presente o disposto nos artigos 147º e 443º do CPC, que manda verificar da pertinência das provas, existe fundamento para que no âmbito da perícia ordenada o Perito indague dos documentos solicitados no âmbito dos quesitos 1 e 2, como meio de prova, justificando-se a sua junção aos autos.
15ª – O douto despacho recorrido decidiu também o seguinte, com o que não se conforma a Recorrente: “No que respeita à realização da perícia, apenas poderão ser tidos em contas os elementos ou documentos constantes da contabilidade da Ré e os elementos constantes destes autos.”
16ª - Ao decidir como decidiu o douto despacho recorrido violou os princípios da igualdade, de contraditório e do inquisitório coarctando a possibilidade de a Autora poder juntar aos autos os documentos que possam ser localizados e encontrados em consequência da perícia ordenada, porquanto não tem outra forma de o fazer porque tais documentos são inacessíveis para a Autora.
17ª - O tribunal recorrido, ao não ordenar as diligências quanto aos quesitos 1, 2, 9, 15 e 17, está a violar o exercício de um autónomo poder-dever de indagação, e a cometer erro decisório que prejudica a parte (Autora) e pode influir no exame ou na decisão da causa quando o tribunal proferir sentença.
18ª - O artigo 413º do CPC sob a epígrafe “provas atendíveis” estabelece que “o tribunaldeve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.”
19ª - Do artigo 20º da Constituição da República decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, princípio que foi acolhido no artigo 413º do CPC, e por outro lado, a possibilidade de utilização pelas partes, em seu benefício, dos meios de prova que mais lhe convierem e do momento da respetiva apresentação, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário.
20ª - O artigo 411º do CPC, consagrador do princípio do inquisitório determina incumbir ao juiz ou realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer.
21ª - Nos presentes autos deve ser admitida a junção dos documentos pertinentes ou necessários à prova dos fundamentos da ação e o Perito deve poder aceder aos documentos de que carece para realizar a perícia, quer a partir dos que se encontram nos autos, quer dos que se encontram na Ré, quer daqueles que por confronto com documentos analisados sejam necessários consultar para que se cumpra o objeto da perícia, ainda que se encontrem na posse dos Intervenientes Acidentais.
22ª - O trabalho do Perito será identificar quem são as pessoas e as sociedades que outorgaram os contratos de fornecimento exclusivo de bebidas que permitem que a Ré (gerida pelos restantes sócios, A. M., A. J., e X Consultores Lda.) impõem à “W Unipessoal Lda.” (cessionária do estabelecimento de discoteca) a venda exclusiva das bebidas elencadas na cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração; com efeito, para que se faça justiça, no respeito pelos princípios da igualdade, do contraditório, do inquisitório e dos princípios processuais eventualmente conflituantes, e para a justa composição das partes e do litígio, deve o Perito poder agir dentro deste quadro.
23ª - O tribunal deverá conceder ao Perito todos os poderes para que este possa apurar junto dos Intervenientes Acidentais, nomeadamente, a “Y – Distribuição Alimentar Lda.”/“... – Rede Distribuição Lda.” e a “K – Sociedade Central de Cerveja e Bebidas SA”, ou outras empresas que venham a ser identificados na documentação relacionada com o vínculo de cumprimento que obrigou a Ré a impor ao cessionário do estabelecimento Discoteca ... a venda e a publicidade de uma lista de bebidas e marcas elencadas na cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração.
24ª - O Perito, revisor oficial de contas, é a pessoa indicada e habilitada a avaliar a contabilidade da Ré para determinar se a mesma obedece às regras da do Sistema de Normalização Contabilística e ao disposto nas leis comerciais e fiscais.
25ª - Quanto aos quesitos 9º, 15º e 17º justifica-se a sua admissão porquanto a Autora não conhece todos os atos praticados pela Ré em matéria contabilística e fiscal, destinando-se os quesitos a esclarecer esse quadro, e a sua rejeição prejudicou a parte (Autora) na medida em que o decidido a quo pode influenciar o exame e a decisão da causa no momento em que o tribunal proferir sentença.
26ª - O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 147º, 411º, 417º e 443º do CPC e o artigo 20º da Constituição.
27ª - O douto despacho recorrido prejudicou a Autora, o que deve ser sindicado pelo douto tribunal ad quem.
Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, por provado, devendo o despacho recorrido ser revogado, com as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento do que se caba de dizer, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste Tribunal são duas, a saber:
a- se a decisão recorrida que indeferiu os quesitos 1, 2, 9, 15 e 17 apresentados pela Autora (a apelante) padece de erro de direito, violando o disposto nos arts. 147º, 411º, 417º e 433º do CPC e 20º da CRP, dado que coarcta o direito daquele a provar a existência da simulação e/ou a ocultação de receitas da Ré, que não se encontram registadas na contabilidade desta, sequer deram entrada na caixa da empresa;
b- se aquela decisão, quando nela se decide que “no que respeita à realização da perícia, apenas poderão ser tidos em conta os elementos ou documentos constantes da contabilidade da Ré e os elementos constantes destes autos”, padece de erro de direito, violando aqueles dispositivos legais, por postergar os princípios da igualdade, do contraditório e do inquisitório, coarctando a possibilidade da apelante poder juntar aos autos os documentos que possam ser localizados e encontrados em consequência da perícia ordenada, uma vez que esta não tem outra forma de o fazer dada a inacessibilidade desses documentos para a mesma.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na decisão sobre recurso rejeitou-se os quesitos apresentados pela apelante sob os n.ºs 1, 2, 9, 15 e 17 com fundamento de que as questões neles colocadas não reclamavam conhecimentos técnicos especiais, podendo, além disso, ser provados por documentos.
Mais se decidiu que na realização daquela perícia, cujo objeto se fixou naquela decisão, limitado aos quesitos 3 a 8, 10 a 14 e 16 apresentados pela apelante, apenas poderiam ser tidos em conta os elementos ou documentos constantes da contabilidade da Ré e os elementos constantes dos presentes autos.
A apelante recorre de ambas estas decisões, imputando-lhes erro de direito, com os fundamentos acima explanados.
Os quesitos rejeitados constam do seguinte teor:
Quesito 1º
Tendo em conta o teor da cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração vigente no exercício de 2015, nos autos junto à contestação sob o documento nº 3, que foi renovado sucessivamente, que impõe a obrigação à cessionária “W Unipessoal Lda.” de vender e fazer consumir apenas as bebidas e os produtos descritos na referida cláusula, e que tal vantagem terá sido paga pela empresa que fornece diretamente as bebidas à cessionária, deve o Sr. Perito identificar a empresa que fornece as bebidas à cessionária para o estabelecimento Discoteca ... em Caminha? Deverá juntar cópias dos contratos e dos meios de pagamento efetuados ao beneficiário das vantagens atribuídas pela empresa fornecedora das bebidas em consequência do regime de exclusividade. Quesito 2º
Considerando que o primeiro contrato de cessão de exploração celebrado entre a Ré e a “W Unipessoal Lda.” foi celebrado no final de 2013 para vigorar em 2014, deve o Sr. Perito indicar quanto a esses anos, quanto aos 3 anos anteriores (2011, 2012 e 2013), e quanto aos anos posteriores (2015) quem são os outorgantes do(s) contrato(s) celebrados com a cláusula deexclusividade do fornecimento e venda das bebidas referido(s) na cláusula 13ª do contratopara o estabelecimento Discoteca ... em Caminha? Deverá juntar cópia dos contratos e dos meios de pagamento efetuados ao beneficiário das vantagens atribuídas pela empresa fornecedora das bebidas em consequência do regime de exclusividade. Quesito 9º
Diga o Sr. Perito, se todos os documentos de prestação de contas da S., Lda. do ano de 2015, apresentados na assembleia-geral de sócios realizada no dia 30/03/2016, composto pelo Balanço, pela Demonstração dos Resultados, pelo Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados, pelo Mapa dos fluxos de Caixa, pelo Mapa da Variação dos Capitais Próprios reportados a 31 de Dezembro de 2015 e pelo Relatório de Gestão do ano de 2015, cumprem as leis do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e se foram elaboradas de acordo com o disposto no Código Comercial e no Código das Sociedades Comerciais? Quesito 15º
Diga o Sr. Perito, se no exercício económico em causa (ano de 2015) existem indícios de o Contabilista Certificado e/ou a Ré dar cumprimento intempestivo de quaisquer obrigações declarativas (identificando-as de modo completo) quer à Administração Tributária quer à Segurança Social? E se em sua consequência foi instaurado algum processo de contraordenação fiscal ou de execução fiscal contra a Ré? Quesito 17º
Diga o Sr. Perito, se no exercício de 2015 a Ré pagou coimas, multas e/ou juros decorrentes das situações questionadas no quesito 14º, ou se esse(s) pagamento(s) ocorreu(ram) no(s) exercício(s) seguinte(s)?
Dir-se-á liminarmente que os fundamentos de rejeição destes quesitos invocados pela 1ª Instância, não procedem, uma vez que manifestamente neles a apelante não coloca questões que não reclamem conhecimentos técnicos especiais, até porque nestes, a última não coloca quaisquer questões atinentes a factos que tenha sido por ela alegados, mas antes, como bem intui a apelada, limita-se a pretender recolher factos (não alegados em sede petição inicial) e recolher meios de prova quanto a esses potenciais factos (não alegados e que se venham a apurar), mais concretamente, prova documental.
Acresce que em relação aos quesitos 9º e 15º, para além de pretender fazer a recolha de factos não alegados, e de prova documental relativa a esses factos, a apelante submete aos peritos meras questões de direito quanto a esses possíveis factos que venham a ser recolhidos na sequência da realização da perícia, questões de direito essas a que apenas cabe aos tribunais responder, uma vez colocadas essas questões pelo meio processualmente admissível - mediante a pertinente apresentação de petição inicial, em que se alegue esses factos (causa de pedir), formulação da pretensão que com base neles é deduzida (pedido) e identificação dos sujeitos dessa relação material (sujeitos) e após pertinente observância do contraditório (contestação, mas não só) e produção da prova pertinente que venha a ser requerida e a ser deferida ou que o tribunal determine oficiosamente, em sede de decisão judicial a proferir.
Dir-se-á mesmo que analisada a petição inicial e o ulterior processado, as duas questões que são submetidas pela apelante a este tribunal assentam numa série de equívocos desta quanto aos princípios e às regras processuais que informam a lei processual civil nacional vigente e que regulam, designadamente, o ónus alegatório que sobre si impende em sede de petição inicial, fixam o objeto do processo judicial e, bem assim, o significado do que seja prova e quais as finalidades por esta prosseguidas, questões essas que iremos procurar esclarecer, a fim de bem dilucidarmos os enunciados equívocos e à cabal fundamentação do presente acórdão e daquilo que nele se vai decidir.
Como bem salienta a própria apelante, são princípios basilares e estruturantes do ordenamento processual civil nacional os princípio dos dispositivos e do contraditório, os quais são condição do princípio da igualdade e de um processo equitativo, erigido em direito fundamental pelo art. 20º, n.º 4 da CRP.
Os princípios do dispositivo e do contraditório projetam-se em múltiplas dimensões, a saber: no ónus de impulso processual inicial (art. 3º, n.º 1 do CPC, nos termos do qual, nesta dimensão, o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses sem que essa resolução lhe seja pedida); o ónus de circunscrição do thema decidendum (arts. 2º, n.º 2, 5º, 552º, n.º 1, 572º, als. c), 607º, n.º 4, 608º, n.º 2, 609º, 615º, n.º 1, als. d) e e) do CPC, nos termos do qual cabe às partes, através do petição inicial e da defesa circunscreverem esse tema, mais concretamente, cabe ao autor, em sede de petição inicial, circunscrever a relação material controvertida quanto aos sujeitos, causa de pedir (alegando os factos essenciais que a integram) e pedido, e cabe ao réu, em sede de contestação, alegar os factos essenciais das exceções que eventualmente deduza quanto às pretensões (pedido) que contra ele são formuladas pelo autor, sendo nula a sentença que não se pronuncie sobre todas essas questões que lhe foram submetidas pelas partes ou que se pronuncie sobre questões que aquelas não lhe submeteram e que não sejam do conhecimento oficioso do tribunal ou que condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido); disponibilidade da tutela jurisdicional, que se exprime, antes de mais, pela liberdade de decisão sobre a instauração do processo, mas também pela liberdade de desistência da instância (arts. 277º, al. d), 285º, n.ºs 2 e 286º, n.º 1 do CPC) e de determinação do conteúdo da sentença de mérito, por confissão (art. 283º, n.º 1, in fine, do CPC), desistência do pedido (art. 283º, n.º1, parte inicial) e transação (arts.283º e 284º do mesmo Código); e adução do material probatório, destinado à prova dos factos da causa, adução essa que incumbe às partes, sem prejuízo do princípio do inquisitório que recai sobre o tribunal (arts. 552º, n.º 2, 572º, al. d), 598º, 411º do CPC e 341º e 342º do CC) (1).
Por via daqueles princípios, na sua dimensão de que cabe às partes através do pedido e da defesa delimitarem o thema decidendum, impõe-se referir que não obstante aqueles se encontrem atenuados na atual vigente lei processual civil nacional, no esforço desta de privilegiar decisões de mérito em detrimento das de forma, em que se aliviou o ónus alegatório que faz impender sobre o autor, sobre este continua a recair o ónus de delimitar o objeto da relação material controvertida quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir em sede de petição inicial.
Na verdade, na petição inicial, o autor é obrigado a identificar os sujeitos dessa relação, a ter de formular a sua pretensão de tutela jurisdicional (pedido) e a ter de alegar os respetivos fundamentos de facto e de direito (causa de pedir).
Como refere Paulo Pimenta, atenta a função capital desempenhada pela petição inicial, pode-se afirmar que esta “é o articulado mais importante (do processo), a base de todo o processo. Sem a petição inicial, o processo não chega, sequer, a existir. É a entrada da petição inicial em juízo que determina o momento do início da instância (n.º 1 do art. 259º), sendo também esse ato que impede a caducidade relativamente aos direitos cujo exercício implique a via judicial (art. 333º, n.º 1 do CC)” e é na petição inicial que o autor “deve dar cumprimento ao ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, isto é, todos aqueles de cuja verificação depende a procedência da pretensão deduzida. É na causa de pedir, melhor dito, nos factos que a constituem que o autor estriba ou sustenta o pedido formulado. Tais factos, na expressão de Lebre de Freitas, são todos aqueles que integram a previsão da norma ou normas materiais que estatuem o efeito pretendido” e é nesse articulado que cumpre ao autor formular o pedido, isto, é “a concreta tutela jurisdicional pretendida … ao propor a ação. O pedido é também um elemento fundamental da petição inicial, na medida em que é por ele que se estabelecem, desde logo, os limites da sentença, no caso de a ação vir a proceder” (2).
Conforme resulta do que se vem dizendo, embora atualmente o autor não esteja sujeito aos rígidos ónus alegatórios que sobre si impendiam e que vigoravam na anterior lei processual civil quanto à narração ou exposição dos factos integrativos da causa de pedir que invoca para sustentar o pedido que deduz, como não podia deixar de ser, atento o princípio do dispositivo e a consequente função nuclear desempenhada pela petição inicial, a que acresce a circunstância de se manter vigorante o princípio do contraditória, aquele continua a ter o ónus de delimitar a relação material controvertida na petição inicial quanto aos seus elementos essenciais para que, por um lado, o tribunal conheça esses elementos essenciais e, consequentemente, os concretos contornos estruturantes do conflito que lhe é submetido e, por outro, a parte contrária possa conhecer desses limites nos seus aspetos essenciais e se possa deles cabalmente defender.
É assim, que o autor, na petição inicial, continua obrigado a identificar os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Quanto à causa de pedir, como referido, a atual lei processual civil dispensa o autor do ónus da alegação dos factos complementares e instrumentais dos factos essenciais por ele alegados e continua a dispensá-lo do ónus de alegação e prova dos factos notórios, mas não o dispensa do ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir em que aquele ancora o pedido (art. 5º, n.º 1 e 552º, al. d) do CPC), assim como o réu não está dispensado do ónus de alegação, na contestação, dos factos essenciais integrativos das exceções que nela invoque, com vista a fazer impedir, modificar ou extinguir o direito que o autor vem exercer contra o mesmo na ação (art. 572º, al. c) e 576º, n.º 3 do CPC).
Tal significa que quanto aos factos essenciais, também denominados de “principais”, continua a vigor, em pleno, os princípios do dispositivo (e, conforme se verá infra, do contraditório).
Por conseguinte, sobre o autor impende o ónus alegatório de narrar os concretos factos essenciais integrativos da causa de pedir na petição inicial, sob pena desta ser inepta por falta de causa de pedir (art. 186º, n.º2, al. a) do CPC).
De resto, a falta de alegação desses factos essenciais na petição inicial, não pode ser alvo de posterior supressão pelo que, quanto aos mesmos, não pode haver convite ao aperfeiçoamento a que alude o art. 590º, n.ºs 2, al. b) e 4 do CPC.
Mais. Esses factos essenciais integrativos da causa de pedir, quando não alegados na petição inicial, nem sequer podem ser considerados quando venham a ser apurados na sequência da instrução da causa (art. 5º, n.º 1 do CPC), sob pena do tribunal incorrer em nulidade (art. 615º, n.º 1, al. d) do mesmo Código), até porque a consideração desses factos, em tais situação de não alegação, constituir flagrante e frontal violação aos princípios do dispositivo, do contraditório e da igualdade de armas, já que, por um lado, o autor não estribou neles a causa de pedir que elegeu e invocou, na petição inicial, para sustentar a sua pretensão de tutela judiciária e, por outro, a parte contrária, desconhecia que essa causa de pedir contra a qual se defendeu também assentava naqueles factos essenciais não alegados na petição inicial e que se vieram a apurar na sequência da instrução da causa e, por isso, não teve oportunidade de, quanto a eles, se defender, no local oportuno para o efeito, que é a contestação (art. 573º do CPC).
Aliás, é também com base nas considerações que se acabam de enunciar que o réu tem, em sede de contestação, de alegar impreterivelmente os factos essenciais integrativos das exceções que deduza à pretensão do autor vertida na petição inicial, pelo que na ausência da alegação desses factos essenciais naquela peça processual, as exceções por ele nela invocadas terão de improceder, ainda que esses factos essenciais venham a apurar-se na sequência da instrução da causa.
Do mesmo modo, invocada, na contestação, pelo réu exceção, com a alegação dos pertinentes factos essenciais, caso o autor tenha um contra exceção a opor-lhe, caberá ao último invocar essa contra exceção e os pertinentes factos essenciais na réplica, quando esta seja admissível (o que se verifica apenas no caso de ter sido deduzida reconvenção – art. 584º, n.º 1, ex vi, art. 3º, n.º 4 do CPC), ou sendo esta inadmissível, na audiência prévia, ou não havendo lugar a audiência prévia, no início da audiência final (art. 3º, n.º 4 do CPC).
Deste modo, o autor na atual vigente lei processual civil apenas se encontra dispensado do ónus da alegação dos factos notórios e, bem assim, dos instrumentais e complementares (dos essenciais por ele alegados), os quais, não obstante o juiz pode e deve considerar na sentença, contanto que, quanto aos instrumentais, eles resultem da instrução da causa (al. a) do n.º 2 do art. 5º) e, quanto aos complementares, desde que estes, além de terem de resultar da instrução da causa, quanto a eles, cumpra o dever do contraditório (al. b), daquele n.º 2 do art. 5º do CPC).
Precise-se que esta diversidade de regimes aplicável aos factos essenciais, complementares, instrumentais e notórios decorre da diversidade de natureza e de funções desempenhadas por cada um destes factos no processo.
Na verdade, são “factos essenciais” aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina, por isso, a inviabilidade da ação ou da exceção; são “complementares”, aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção; são instrumentais, aqueles que não integram a causa de pedir ou a exceção, mas que apenas desempenham uma função meramente probatória, ao indiciarem a ocorrência/verificação dos factos essenciais ou complementares e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos (3) e são notórios aqueles que são do conhecimento geral e que, por isso, não carecem de prova, sequer de alegação (art. 411º do CPC).
Ora, se os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir e se por força do princípio do dispositivo é sobre o autor que impende o ónus de eleger e individualizar qual a concreta causa de pedir que ele escolhe para sustentar a sua pretensão de tutela judiciária (pedido), bem como individualizar esse pedido e os sujeitos da ação, isto é, em síntese, delimitar o objeto da relação material controvertida subjetiva (partes) e objetivamente (pedido e causa de pedir) que decide submeter à apreciação do tribunal, compreende-se que esses factos essenciais tenham de ser por eles alegados na petição inicial, sob pena de não poder posteriormente suprir a omissão dessa alegação e desses factos essenciais, porque não alegados, não poderem vir a ser posteriormente considerados pelo tribunal na sentença, ainda que venham a ser apurados na sequência da instrução da causa, porque tal consubstanciaria não só uma alteração, não consentida, da causa de pedir por ele invocada e, consequentemente, uma flagrante e frontal violação do princípio do dispositivo, mas, também, uma flagrante e frontal violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas e do direito do réu a lhe ser assegurado o seu direito fundamental, constitucionalmente consagrado, a um processo equitativo.
Tais violações naturalmente não se verificam em relação aos factos complementares e instrumentais e, muito menos, quanto aos notórios, já que nenhum destes integram a causa de pedir eleita pelo autor para ancorar a sua pretensão de tutela judiciária.
Aliás, notórios, são factos do conhecimento geral, isto é, da generalidade dos cidadãos de uma determinada comunidade histórica, pelo que se compreende que não tenham de ser sequer alegados, sequer provados para que o réu se possa defender contra os mesmos, dado que tratando-se de factos do conhecimento geral, estes são conhecidos do réu ou deviam dele ser conhecidos.
Desempenhando os factos instrumentais no processo uma função puramente secundária, porque probatória dos essenciais e complementares, compreende-se que aqueles não carecem de alegação, possam ser livremente discutidos e apreciados na sentença, desde que resultem da instrução da causa, e, inclusivamente, conforme realça Abrantes Geraldes, atenta a função probatória de tais factos, quando alegados pelas partes, não devem integrar os temas da prova, sequer devem ser objeto, ao menos em regra, de um juízo probatório específico (4), uma vez que o local adequado para considerá-los (ainda que não alegados) na sentença e a partir deles extrair as ilações quanto aos factos essenciais ou instrumentais (julgando-os provados ou não provados) será a motivação do julgamento da matéria de facto realizado na sentença quanto aos factos essenciais ou complementares.
Os factos complementares não integram a causa de pedir, pelo que se compreende que os mesmos não tenham de ser alegados na petição inicial ou na contestação (quanto à exceção).
No entanto, porque esses factos complementares dos essenciais (alegados) são indispensáveis à procedência da ação ou da exceção, entende-se que apesar de não terem de ser alegados, o juiz só os possa considerar na sentença (dando-os nela como provados) desde que estes resultem, por um lado, da instrução da causa e, por outro, desde que quanto aos mesmos observe o princípio do contraditório, a fim de que as partes se possam defender contra aqueles.
Não assim, quanto aos factos essenciais, os quais, porque consubstanciam a causa de pedir invocada pelo autor ou a exceção invocada pelo réu, têm de ser por eles invocados impreterivelmente, respetivamente, na petição inicial ou na contestação, a fim de por um lado, em obediência ao princípio do dispositivo, individualizarem concreta e claramente essa causa de pedir ou exceção e para que, por outro, no respeito do princípio do contraditório, a parte contrária, ciente dessa causa de pedir ou exceção(ões) se possa cabalmente defender daqueles.
Na verdade, outro princípio estruturante do sistema processual civil nacional, como referido, é o do contraditório.
Este princípio exige, antes de mais, que instaurada determinada ação, o réu tenha conhecimento de que contra si foi formulado um pedido, com fundamento em determinada causa de pedir e dando-lhe oportunidade de defesa.
Esta finalidade é naturalmente atingida pela citação para a ação ou para a execução ou mediante a notificação para a oposição à execução ou para os vários incidentes.
Citado o réu, diz o art. 573º do CPC, que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado (n.º 1) e que depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente (n.º 2).
Logo, sob pena de preclusão e salvo os casos previstos na lei, o réu tem de apresentar toda a sua defesa na contestação.
Por conseguinte, a necessidade da alegação pelo autor, na petição inicial, dos factos essenciais integrativos da causa de pedir em que alicerça a sua pretensão é igualmente uma decorrência do princípio do contraditório.
De resto, por força do princípio da estabilidade da instância, consagrado no art. 260º do CPC, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei, citado o réu, aquela deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, isto é, quanto aos seus elementos sujetivos e objetivos essenciais e estruturantes.
Precise-se, aliás, que o princípio do contraditório reclama, ainda, que ao longo de toda a tramitação do processo, qualquer das partes tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela sua contra parte no decurso desse iter processual, com a inerente possibilidade de se pronunciar antes de ser proferida decisão quanto a essas pretensões, assegurando uma efetiva igualdade de tratamento das partes ao longo de todo o processo, como é exigência de um processo equitativo.
Mais se precisa que a razão de ser do princípio do contraditório radica, também, na circunstância de perante a “estruturação dialética ou polémica do processo”, em que os pleiteantes apresentam interesses ou opiniões contraditórias, se esperar que da “discussão nasça a luz” e que “as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos ativo, dificilmente seria capaz de descobrir por si” (5), pelo que naturalmente, se é certo que o princípio do contraditório traz inegáveis vantagens em sede de descoberta da verdade material, essa verdade só logrará ser alcançada e é processualmente admissível, quanto a discussão dos pleiteantes se cinja ao objeto nele delimitado pelo autor, em sede de petição inicial, quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, e às exceções que forem invocadas pelo réu na contestação ou às contra exceções invocadas pelo autor no momento processualmente determinado para o efeito.
Precise-se ainda, que a conceção tradicional do princípio do contraditório, entendido como o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão, embora continue a ter consagração legal na segunda parte do n.º 1 e no n.º 2 do art. 3º do atual vigente CPC (6), esse princípio tem atualmente uma conceção ampla de contrariedade (art. 3º, n.º do CPC) ao proibir-se ao juiz que, salvo caso de manifesta desnecessidade, decida questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Nesta concepção ampla de contraditoriedade dá-se concretização ao princípio constitucional da proibição da indefesa, visando-se conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem a pretensão é dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (7).
Nesta conceção ampla do princípio do contraditório, em que se proíbe a indefesa e, nessa medida, a prolação de decisões-surpresa, visa-se assegurar às partes o direito de influenciarem efetivamente o rumo do processo e a decisão nele a proferir, pelo que o escopo principal do princípio do contraditório, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo (8).
Deste modo, compreende-se que o autor esteja obrigado a delimitar, na petição inicial, a relação controvertida quanto aos seus elementos estruturantes e fundamentais (sujeitos, pedido e causa de pedir), alegando, quanto a esta, os factos essenciais que a integram e, bem assim, a imposição legal de que quando não alegados na petição inicial, a consideração desses factos essenciais constituiria uma flagrante violação do princípio do dispositivo, mas concomitantemente, dos princípios do contraditório, da igualdade de armas e do direito fundamental, constitucionalmente garantido, do réu à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão de um processo equitativo (art. 20º, n.º 4 da CRP), uma vez que por força do já enunciado art. 573º do CPC, apurados esses factos essenciais integrativos da causa de pedir eleita pelo autor para ancorar o seu pedido (não alegados em sede de petição inicial) na sequência da instrução da causa, por um lado, o réu não se pôde defender contra os mesmos na contestação e está processualmente impedido de posteriormente apresentar a sua defesa quanto a esses factos.
Avançando.
As provas, nos termos do art. 341º do CC, têm por função a demonstração da realidade dos factos.
A expressão “prova” que vem utilizada neste preceito, tanto pode ser tomada na aceção de atividade processual adstrita aos fins da instrução, como na de meios ou instrumentos através dos quais se procura determinar a convicção do julgador (9).
Por sua vez, os “factos” são acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem percecionados pelos sentidos (10).
Deste modo as “provas” não são “factos”, mas antes os meios que o legislador coloca ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar a realidade (a verificação) dos enunciados acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos (que são os “factos”), ou dito por outras palavras, trata-se dos meios legalmente fixados, a que as partes ou o próprio tribunal pode recorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não desses acontecimentos externos ou internos.
Segundo Manuel Andrade, os “factos” que podem ser objeto de prova tanto podem ser: 1) estados ou acontecimentos que, direta ou indiretamente, sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os factos acessórios, que tocam apenas à admissibilidade dum meio probatório (ex: à capacidade duma testemunha) ou à sua autoridade (exs.: autenticidade dum documento, a credibilidade de uma testemunha); 2) como podem ser factos do mundo exterior (factos externos: uma convenção oral ou escrita, um choque de viaturas, a morte duma pessoa, etc.), como os da vida psíquica (factos internos: o dolo, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção, etc.); 3) como podem ser os factos reais (segundo a respetiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes, vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou conversão de negócios jurídicos, etc.); como factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (a impossibilidade de se produzir um certo facto, etc.) (11).
Por sua vez, são meios de prova legalmente admissíveis: a prova por confissão (arts. 352º a 361º do CC e 452º a 466º do CPC); a prova documental (arts. 362º a 387º do CC e 423º a 451º do CPC); a prova pericial (arts. 388º, 389º do CC e 467º a 489º do CPC); a prova testemunhal (arts. 392º a 396º do CC e 495º a 526º do CPC); a prova por inspeção judicial (arts. 390º, 391º do CC e 490º a 493º do CPC); e a prova por apresentação de coisas (art. 416º do CPC) (12).
A prova pericial é um meio de prova, ou seja, um meio ou atividade processual desenvolvida no âmbito de determinado processo através da qual, tal como acontece com os restantes meios de prova, se procura determinar a convicção do julgador acerca da verificação (ou não) de determinados “factos”, isto é, sobre a verificação ou não das tais realidades ou acontecimentos internos ou externos suscetíveis de serem captados pelos sentidos.
A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente admissíveis a circunstância de a perceção ou a apreciação dos “factos” exigir conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando aqueles factos sejam relativos a pessoas e não devam ser objeto de inspeção judicial e a consequente necessidade de se recorrer a peritos (art.388º, n.º 1 do CC)
Deste modo, em face da lei substantiva e adjetiva nacional, a prova pericial tem de característico e como pressuposto para a admissibilidade deste concreto meio de prova, a perceção de factos presentes (verificação material), acompanhada normalmente da sua apreciação, por meio de pessoa(s idónea(s) (“o(s) perito(s)”), quando a perceção desses factos não possa ser direta e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade legítima da pessoa em que se verifiquem esses factos, e/ou quando na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos desconhecidos) sejam necessários aqueles conhecimentos especiais, não acessíveis ao juiz, por não fazerem parte da cultura geral ou experiência comum, que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas (13).
Note-se, no entanto, que quer a prova pericial, quer os restantes meios de prova, para além de terem de visar o apuramento de factos, não têm, sequer podem ter, por finalidade o apuramento de quaisquer “factos”, mas antes e exclusivamente os factos que foram trazidos ao processo pelas partes (requerente, um seu comparte ou pela parte contrária), isto é, os factos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pelo autor na petição inicial, os factos essenciais fundamentadores das exceções alegados pelo réu na contestação ou os factos essenciais fundamentadores das contra exceções alegadas pelo autor contra o réu no momento processualmente fixado para essa alegação (nos termos já supra indicados), mas ainda, os complementares e instrumentais daqueles (os essenciais alegados no momento processual idóneo para o efeito) (14).
Na verdade, a produção da prova (dos meios de prova) não é um fim em si mesmo, mas encontra-se necessariamente subordinada e condicionada ao objeto do processo (partes, pedido, causa de pedir e exceções), pelo que os factos que esses meios de prova visam demonstrar terão de ser forçosamente os factos que constituem o objeto do concreto processo onde esses meios de prova são requeridos e que constituem o seu objeto. Em síntese, os factos da causa.
Como acima referido, sendo o objeto do processo integrado pelos sujeitos, pedido e causa de pedir em que o autor alicerçou esse pedido, pelas exceções invocadas pelo réu na contestação, destinadas a impedir, modificar ou extinguir a pretensão de tutela judiciária exercida pelo autor na petição e, bem assim, por eventuais contra exceções que o autor contraponha às exceções invocadas pelo réu no momento processualmente fixado para o efeito, carecendo o autor, em sede de petição inicial, de alegar os factos essenciais integrativos da causa de pedir, competindo, por sua vez, ao réu alegar, na contestação, os factos essenciais em que funda as suas exceções, e competindo, por último, ao autor alegar os factos essenciais das contra exceções que venha a invocar às exceções que lhe foram opostas pelo réu na réplica, quando a esta houver lugar (art. 584º, n.º 1 ex vi art. 3º, n.º 4 do CPC), ou, quando não haja lugar a réplica, na audiência prévia, ou ainda, quando não haja lugar a réplica, sequer a audiência prévia, no início da audiência final (art. 3º, n.º 4 do CPC), mas podendo o tribunal, na sentença, para além desses factos essenciais, considerar ainda os factos complementares e instrumentais desses factos essenciais (pertinentemente alegados) nos condicionalismos também já acima enunciado do art. 5º, n.º 2, als. a) e b) do CPC, daqui deriva que os meios de prova apenas podem incidir sobre esses factos essenciais alegados pelas partes e, bem assim, sobre os factos complementares e instrumentais (não carecidos de alegação) dos essenciais pertinente e tempestivamente alegados pelas partes.
Logo, e em síntese, em face do que se vem dizendo, impõem-se extrair as seguintes conclusões:
1ª- os meios de prova, incluindo a prova pericial (um dos meios de prova legalmente previstos), não são meios alegatórios, mas meios probatórios, não podendo através deles as partes suprir eventuais incumprimentos do ónus alegatório que sobre si impendiam quanto aos factos essenciais;
2ª – os meios de prova destinam-se a determinar a convicção do julgador no sentido de que determinadas realidades ou acontecimentos, internos ou externos, captáveis pelos sentidos, se verificaram ou não;
3ª – a prova pericial, como meio de prova que é, tem como pressuposto específico para a sua admissibilidade legal, que a percepção dessas realidades ou acontecimentos e/ou a apreciação dos mesmos reclamem conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum e que, por isso, se deve presumir não serem acessíveis ao juiz, reclamando o recurso a peritos; e
4ª – a perícia, assim como os restantes meios de prova, apenas podem recair sobre a perceção e/ou a apreciação de factos essenciais (alegados pelas partes), complementares e/ou instrumentais dos essenciais (alegados).
Desta feita, nos termos do art. 476º, n.º 1 do CPC, sempre que o juiz verifique que as questões de facto que as partes sugerem deverem constituir o objeto da perícia, não respeitam aos factos da causa (por não consubstanciarem factos essenciais que tenham sido alegados, ou por não consubstanciarem factos complementares ou instrumentais daqueles), tem de indeferir essas questões de facto por impertinentes; e sempre que verifique que essas questões de facto sugeridas, embora respeitem a factos da causa, não exigem conhecimentos especiais para a respetiva perceção e apreciação, terá de as indeferir por dilatórias (15).
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, a apelante instaurou a presente ação contra a apelada “S., Lda.”, pedindo que se declare a nulidade ou anulabilidade das deliberações da assembleia geral desta, que teve lugar em 30/03/2016, e que aprovaram o relatório de gestão e contas da apelada relativos ao exercício de 2015 e, bem assim, a proposta de aplicação dos resultados desse exercício e que indeferiu a aprovação da proposta apresentada pela própria de destituição, sem justa causa, dos gerentes da apelada.
Como referido, sobre a apelante impende o ónus da alegação, na petição inicial, dos factos essenciais que consubstanciam as invalidades que a mesma imputa às identificadas deliberações que pretende ver invalidadas, impendendo, por sua vez, sobre a apelada “S.”, o ónus da alegação, na contestação, dos factos essenciais de eventuais exceções que nela tenha invocado com vista a impedir, modificar ou extinguir a pretensão de invalidação dessas deliberações por parte da apelante.
Insurge-se a apelante, contra o facto da 1ª Instância ter indeferido do objeto da perícia os quesitos 1 e 2 que aquela apresentou, os quais, relembra-se, constam do seguinte teor:
Quesito 1º
Tendo em conta o teor da cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração vigente no exercício de 2015, nos autos junto à contestação sob o documento nº 3, que foi renovado sucessivamente, que impõe a obrigação à cessionária “W Unipessoal Lda.” de vender e fazer consumir apenas as bebidas e os produtos descritos na referida cláusula, e que tal vantagem terá sido paga pela empresa que fornece diretamente as bebidas à cessionária, deve o Sr. Perito identificar a empresa que fornece as bebidas à cessionária para o estabelecimento Discoteca ... em Caminha? Deverá juntar cópias dos contratos e dos meios de pagamento efetuados ao beneficiário das vantagens atribuídas pela empresa fornecedora das bebidas em consequência do regime de exclusividade. Quesito 2º
Considerando que o primeiro contrato de cessão de exploração celebrado entre a Ré e a “W Unipessoal Lda.” foi celebrado no final de 2013 para vigorar em 2014, deve o Sr. Perito indicar quanto a esses anos, quanto aos 3 anos anteriores (2011, 2012 e 2013), e quanto aos anos posteriores (2015) quem são os outorgantes do(s) contrato(s) celebrados com a cláusula deexclusividade do fornecimento e venda das bebidas referido(s) na cláusula 13ª do contratopara o estabelecimento Discoteca ... em Caminha? Deverá juntar cópia dos contratos e dos meios de pagamento efetuados ao beneficiário das vantagens atribuídas pela empresa fornecedora das bebidas em consequência do regime de exclusividade.
Refira-se que entre os vários fundamentos de invalidação daquelas deliberações, a apelante alegou a simulação do contrato de arrendamento celebrado entre a apelada “S., Lda.” e a “W Unipessoal, Lda.”, tendo por objeto o espaço onde funciona a “Discoteca ...”; o não lançamento na contabilidade da apelada do valor real das rendas por ela recebidas da “W Unipessoal, Lda.” como contrapartida da cedência desse espaço; e a simulação de valores lançados na contabilidade da apelada e por ela recebidos e/ou pagos decorrentes de contratos celebrados, direta ou indiretamente, entre a “w” e os fornecedores de bebidas para a discoteca, nomeadamente, as sociedades “K – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A.” e “… – Distribuição Alimentar, Lda.”
Vejamos o que a este propósito foi alegado pela apelante na petição inicial.
Nessa peça, a apelante limitou-se a alegar o seguinte:
“47º - É com base nas deliberações que estes únicos sócios e gerentes têm vindo sistematicamente ao longo dos últimos 7 anos a aprovar as contas ruinosas e injustificadas da sua gestão, que violam as regras do mandato e constituem abuso de poder, pois, atuando de forma conluiada apenas no seu interesse e em prejuízo da A. e dos credores. 48º - Esta tem sido a prática do sócio e gerente da R., A. J., em pelo menos três outras sociedades das quais renunciou às funções de gerente poucos dias antes de terem sido declaradas falidas. 49º - Para ele, é melhor ser gerente do que sócio da R., pois, simula actos e contratos em prejuízo da R. e apenas em seu benefício e daqueles que o apoiam, caso do outro gerente, A. R.. (…) 55º - Ao longo destes anos, os gerentes esbanjaram o dinheiro da sociedade pagando-se a si próprios almoços e jantares, despesas de gasóleo quando a sociedade não possui viaturas, coimas fiscais, a simulação de obras e outras despesas, cujos valores totalizam o prejuízo social em discussão de anos anteriores, uma vez que a Discoteca ... há mais de 9 anos que está arrendada e que mesmo recebendo as rendas, a sociedade apresenta prejuízo. 56º - O contrato de arrendamento celebrado com a sociedade W Unipessoal Lda., com sede na Rua …, Caminha, inquilina da Discoteca ... pertencente à R. é um contrato simulado. 57º - Os gerentes da R. omitiram à contabilidade o valor real das rendas que a inquilina paga pelo arrendamento do único edifício de que é proprietária. 58º - Simularam os valores recebidos quer dos rendimentos resultantes do contrato que realizaram, de forma directa ou indirecta, com as sociedades fornecedoras de bebidas para a discoteca em causa. 59º - Bem como, os contratos de fornecimentos de bebidas a esta discoteca, que de forma directa ou indirecta, efectuaram com os fornecedores de bebidas, nomeadamente, a K - Sociedade Central de Cervejas e Bebidas SA, com sede na Estrada … e a Y, Distribuição Alimentar, Lda., com sede em … Coimbra. (…) 72º - A A. não prescinde de tudo quanto disse nesta assembleia-geral sobre a condutacensurável e reprovável daqueles sócios e gerentes, designadamente:
a) A simulação pelos gerentes de negócios da sociedade em prejuízo dos restantes sócios, nomeadamente, a A.;”
Diremos que esta alegação é totalmente destituída de quaisquer factos, designadamente, dos factos essenciais relativos à invocada “simulação do contrato de arrendamento” celebrado entre a apelada e a “W Unipessoal, Lda.” tendo por objeto o espaço onde funciona a “Discoteca ...” e, bem assim, a respeito dos contratos alegadamente celebrados entre a apelada, direta ou indiretamente, e as sociedades fornecedoras de bebidas à discoteca, através dos quais aquela recebeu ou pagou quantias.
Com efeito, “simulação” é uma qualificação jurídica de um negócio geneticamente inválido (nulo) por este não traduzir, propositadamente, a vontade real dos neles outorgantes, com o intuito de enganar terceiros (arts. 240º do CC).
Logo, em sede de factos essenciais, competia à apelante, na petição inicial, alegar os factos concretos em que se traduziu a pretensa “simulação do contrato de arrendamento”, alegando qual a vontade nele declarada pela apelada e pela “w” e qual a vontade real destas ao celebrarem esse contrato; o intuito da apelada e da “w” de enganar terceiros, indicando quem são esses terceiros e em que consistiu o engano por aquelas visado em relação aos últimos; e, finalmente, o acordo simulatório entre apelada e “w”.
A propósito dos pretensos contratos, direta ou indiretamente, celebrado entre a apelada e as sociedades fornecedoras de bebidas à discoteca, cumpria, desde logo, à apelante, alegar, na petição inicial, que concretos contratos foram esses alegadamente celebrados indiretamente pela apelada e os fornecedores de bebidas à discoteca, identificando as partes desses contratos.
Depois, quer quanto a estes, quer aos diretamente celebrados pela apelada com os fornecedores de bebidas, cumpria à apelante, na petição inicial, alegar, para além das partes outorgantes nesses contratos, quando é que esses contratos foram celebrados e qual o respetivo objeto (quais as concretas bebidas vendidas, respetivas quantidades e preço).
Alegando a apelante que esses contratos são “simulados”, vale o que atrás já se referiu, impondo-se que aquela tivesse alegado, em sede de petição inicial, qual a vontade declarada nesses concretos contratos pelas partes neles outorgantes, qual a vontade real destas, o intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório.
Nada disto foi alegado pela apelante, que se limitou, na petição inicial, a alegar que aquele contrato de arrendamento é “simulado” e a alegar, de forma puramente conclusiva, que igualmente são simulados os contratos de fornecimento de bebidas – “Simularam os valores recebidos quer dos rendimentos resultantes do contrato que realizaram (quais são esses valores e rendimentos?), de forma direta ou indireta, com as sociedades fornecedoras de bebidas para a discoteca em causa, bem como, os contratos de fornecimentos de bebidas a esta discoteca, que de forma direta ou indireta, efetuaram com os fornecedores de bebidas, nomeadamente, a K - Sociedade Central de Cervejas e Bebidas SA, com sede na Estrada … e a Y, Distribuição Alimentar, Lda., com sede em … Coimbra”.
A propósito da pretensa omissão do lançamento do valor real das rendas na contabilidade da apelada, cumpria à apelante alegar, em sede de petição inicial, quais os concretos valores que foram lançados na contabilidade da primeira e qual o valor de rendas que nela devia ter sido lançado, por corresponder à efetiva contrapartida recebida pela apelada da “w” pela cedência do espaço onde funciona a discoteca, o que também não fez.
Logo, a petição inicial é totalmente omissa a propósito de factos essenciais consubstanciadores das invocadas simulações de contratos de arrendamento e de fornecimento de bebidas invocadas pela apelante e, bem assim a respeito da pretensa omissão de lançamento na contabilidade da apelada do valor real das rendas por esta recebidas da “w”.
Como dito, estando-se na presença de uma total omissão de alegação desses factos essenciais integrativos da causa de pedir, essa omissão de alegação por parte da apelante era insuprível, pelo que não admitia convite ao aperfeiçoamento.
Por conseguinte, não havendo outra alegação da apelante na petição inicial que não seja a apontada, alegação esta, reafirma-se, totalmente destituída, enxuta de quaisquer factos, mas apenas explanando alegação jurídica e conclusiva, onde nenhuma referência se faz, inclusivamente, a qualquer “contrato de cessão de exploração” que tivesse sido celebrado entre a apelada e a “w” (mas sim, a “um contrato de arrendamento”), sequer se junta, em anexo à petição inicial, qualquer “contrato de cessão de exploração”, impunha-se rejeitar, por impertinentes, os quesitos 1º e 2º propostos pela apelante para integrarem o objeto da perícia, dado que estes não versam sobre os factos da causa (factos essenciais integrativos da causa de pedir por ela invocada na petição inicial para suportar os pedidos de invalidação das deliberação e/ou factos complementares e/ou instrumentais daqueles).
Acresce dizer, que conforme refere a apelada, mediante os apontados quesitos, a apelante não visa fazer prova, isto é, não pretende determinar a convicção do julgador quanto a factos essenciais por si alegados na petição inicial (até porque, reafirma-se, esse articulado é totalmente omisso quanto a esses factos essenciais), mas tão somente tem por escopo apurar factos (não alegados) e recolher meios de prova quanto a esses factos.
Mais. A apelante visa mediante o recurso à prova pericial suprir a total omissão de alegação daqueles factos essenciais na petição inicial, quando a prova pericial é um meio de prova destinado a demonstrar (ou não) a verificação daqueles factos essenciais já alegados em sede de petição inicial ou os respetivos factos complementares e instrumentais (que não carecem de alegação) e não um meio alegatório, sequer um meio de prova destinado a obter outros meios de prova, designadamente, prova documental.
Aliás, porque assim é, compreende-se a alegação da apelante quando escreve: “Dada a falta de cooperação processual da Ré e da W Unipessoal Lda., e a grande dificuldade da Autora na obtenção da prova para prova da simulação do contrato de cessão de exploração da Discoteca ... e das obrigações e dos benefícios que lhe são adjacentes e que resultam do regime de exclusividade do fornecimento e da venda de bebidas e outros produtos naquele estabelecimento, os quesitos apresentados não podem ser considerados definitivos em função das respostas que forem dadas pelo Sr. Perito, sob pena de se contender ou comprometer irremediavelmente a prova da Autora”, vício este em que reincide nas conclusões 21º a 25º do presente recurso, ao escrever:
“21ª - Nos presentes autos deve ser admitida a junção dos documentos pertinentes ou necessários à prova dos fundamentos da ação e o Perito deve poder aceder aos documentos de que carece para realizar a perícia, quer a partir dos que se encontram nos autos, quer dos que se encontram na Ré, quer daqueles que por confronto com documentos analisados sejam necessários consultar para que se cumpra o objeto da perícia, ainda que se encontrem na posse dos Intervenientes Acidentais.
22ª - O trabalho do Perito será identificar quem são as pessoas e as sociedades que outorgaram os contratos de fornecimento exclusivo de bebidas que permitem que a Ré (gerida pelos restantes sócios, A. M., A. J., e X Consultores Lda.) impõem à “W Unipessoal Lda.” (cessionária do estabelecimento de discoteca) a venda exclusiva das bebidas elencadas na cláusula 13ª dos contratos de cessão de exploração; com efeito, para que se faça justiça, no respeito pelos princípios da igualdade, do contraditório, do inquisitório e dos princípios processuais eventualmente conflituantes, e para a justa composição das partes e do litígio, deve o Perito poder agir dentro deste quadro.
23ª - O tribunal deverá conceder ao Perito todos os poderes para que este possa apurar junto dos Intervenientes Acidentais, nomeadamente, a “Y – Distribuição Alimentar Lda.”/“... – Rede Distribuição Lda.” e a “K – Sociedade Central de Cerveja e Bebidas SA”, ou outras empresas que venham a ser identificados na documentação relacionada com o vínculo de cumprimento que obrigou a Ré a impor ao cessionário do estabelecimento Discoteca ... a venda e a publicidade de uma lista de bebidas e marcas elencadas na cláusula 13ª do contrato de cessão de exploração.
24ª - O Perito, revisor oficial de contas, é a pessoa indicada e habilitada a avaliar a contabilidade da Ré para determinar se a mesma obedece às regras da do Sistema de Normalização Contabilística e ao disposto nas leis comerciais e fiscais.
25ª - Quanto aos quesitos 9º, 15º e 17º justifica-se a sua admissão porquanto a Autora não conhece todos os atos praticados pela Ré em matéria contabilística e fiscal, destinando-se os quesitos a esclarecer esse quadro, e a sua rejeição prejudicou a parte (Autora) na medida em que o decidido a quo pode influenciar o exame e a decisão da causa no momento em que o tribunal proferir sentença”.
Precise-se que ao assim alegar, a apelante confunde o ónus alegatório, ónus esse que sobre si impede nos termos já ampla (e cremos), claramente explanados e explicados, com o princípio do inquisitório, o qual se impõe efetivamente ao juiz, mas em sede de instrução da causa (art. 411º do CPC).
O princípio do inquisitório significa que o juiz goza de poderes amplos no apuramento dos factos da causa (factos essenciais alegados, bem com os complementares e os instrumentais daqueles alegados), na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido requeridos pelas partes e que se revelem necessários ao apuramento da verdade sobre esses factos e à justa composição do litígio.
No entanto, tal como sucede com as partes, o juiz, no exercício desse seu poder-dever não pode determinar a realização de meios de prova em relação a factos que não integrem o objeto da causa, a menos que o processo seja de jurisdição voluntária (art. 986º, n.º 2 do CPC) – hipótese esta não verificável nos presentes autos.
Por conseguinte, o juiz não pode lançar do princípio do inquisitório para efeitos de apuramento de factos essenciais não alegados pelas partes ou para apurar factos complementares ou instrumentais dos essenciais, quando estes últimos não foram alegados (16), até porque, relembra-se, independentemente da prova que se viesse a fazer a propósito dos mesmos na sequência da instrução da causa, o juiz não pode, posteriormente, na sentença, considerar esses factos essenciais não alegados (e, consequentemente, sequer os complementares e instrumentais daqueles), sob pena de incorrer em nulidade, por flagrante violação aos princípios do dispositivo, contraditório, igualdade de armas e do direito fundamental das partes (no caso, da apelada) a um processo equitativo.
Deste resto, se a apelante desconhece quais os concretos contratos que foram celebrados, quem são os nele outorgantes, qual o respetivo objeto, a integralidade dos atos praticados pela apelada na sua contabilidade, mal se compreende que a mesma impute invalidades a esses contratos e atos contabilísticos, apodando-os de simulados e de não explanarem a real situação contabilística da última.
Mal se compreende que a apelante tenha instaurado a presente ação antes de ter diligenciado pela obtenção daqueles elementos, lançando mão, designadamente, dos mecanismos legais que a lei processual coloca ao seu dispor nos arts. 1045º a 1046º do CPC (apresentação de coisas ou documentos) e 1048º a 1052º do mesmo Código (inquérito judicial à sociedade).
Finalmente, mal se compreende que a apelante pretenda que ocorra violação do seu direito a um processo equitativo, quando a sua pretensão, caso fosse deferida, constituiria flagrante violação aos princípios do dispositivo, do contraditório e do direito fundamental da apelada à tutela jurisdicional efetiva, na vertente de processo equitativo.
Por último, cumpre precisar que, como bem salientou a apelada, tendo o presentes autos por pedido a invalidação das deliberações aprovadas na assembleia geral daquela respeitante ao exercício de 2015, é indiscutível que as questões sobre que versa o quesito 2º, por respeitar a exercícios dos anos de 2011, 2012 e 2013, cujas contas tiveram de ser necessariamente objeto de anteriores deliberações, que as aprovaram (e que caso não tenham sido validamente impugnadas, se consolidaram na ordem jurídica, sendo inatacáveis, assim como inatacáveis são os atos dos gerentes respeitantes a esses anteriores exercícios), não fazem parte do objeto dos presentes autos.
Passando aos quesitos 9º e 15º, neles a apelante não visa apurar quaisquer factos, mas antes que o perito informe se todos os documentos de prestação de contas da apelada do exercício de 2015 cumprem (ou não) as leis do SNC e se foram (ou não) elaboradas de acordo com o disposto no CSC e se existem (ou não) indícios de que a apelada e o seu contabilista derem cumprimento às suas obrigações junto da Administração Fiscal e a Segurança Social.
Mais uma vez salientamos que é à apelante que cabe alegar, em sede de petição inicial, quais os concretos vícios que imputa àquela contabilidade e os incumprimentos em que a apelada e/ou o seu contabilista incorreram junto da Administração Fiscal e/ou da Segurança Social e respetivas consequências e que sejam fundamento de invalidação das deliberações que peticiona.
Depois, caberá ao juiz, após cabal cumprimento do contraditório e da produção da prova, extrair ou não, face aos factos que se vierem a quedar como provados e não provados, se esses atos padecem ou não de ilegalidade e se são ou não fundamento de invalidação das deliberações sociais.
Reafirma-se, os meios de prova, incluindo a pericial, destinam-se a apurar os factos da causa e não se destinam a apurar indícios, sequer factos (não alegados e que sejam essenciais, complementares ou instrumentais daqueles), muito menos, são meios alegatórios ou destinados a suprir as insuficiências alegatórias das partes na exposição dos factos essenciais, sequer se destinam a recolher prova ou a substituir o tribunal no exercício da sua função jurisdicional.
Quanto ao quesito 17º, a única coima que a apelante alegou, na petição inicial (e ainda assim, de forma assaz deficiente, mas apesar de tudo, ainda suficiente, face à junção do doc. 6 em anexo à petição inicial) ter sido paga pela apelada e lançada na contabilidade desta, foi a que se reporta no ponto 65º daquele articulado e a que se alude no doc. 6, junto em anexo a esse articulado.
Por conseguinte, apenas quanto a esta coima a apelante alegou os pertinentes factos essenciais, o que, de resto, justifica que, em sede de coimas, se tenha elaborado o único tema de prova vertido na al. g).
Tal significa que o quesito 17º, porque não se refere a essa coima, mas a outras eventuais coimas, multas e/ou juros, as quais não fazem parte do objeto da causa, não podia ser admitido, por impertinente.
Aqui chegados, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, ainda que por motivos diversos dos apontados pela 1ª Instância, bem andou esta ao indeferir do objeto da perícia os quesitos apresentados pela apelante sob os n.ºs 1, 2, 9, 15 e 17.
Passando à segunda questão submetida pela apelante a esta Relação, onde imputa erro de direito à decisão proferida pela 1ª Instância, em que esta determinou que na perícia a realizar apenas poderão ser tidos em conta os elementos ou documentos constantes da contabilidade da Ré e os elementos constantes dos autos, por alegada violação dos princípios da igualdade, do contraditório e do inquisitório, coarctando-lhe pretensamente a possibilidade de poder juntar aos autos os documentos que possam ser localizados e encontrados em consequência da perícia ordenada, porquanto não tem outra forma de o fazer, porque tais documentos lhe são inacessíveis, cremos que já nos pronunciamos sobre todas essas questões.
No entanto, relembrando-o à apelante, de forma necessariamente sintética, para não nos repetirmos, a perícia destina-se ao apuramento de factos e não à obtenção de meios de prova, designadamente, prova documental.
A perícia não constitui meio alegatório.
A perícia apenas pode incidir sobre os factos que constituam o objeto da causa, como quem diz, os factos essenciais que tenham sido alegados, os complementares e os instrumentais daqueles.
A perícia não pode ter por objeto factos essenciais não alegados pelas partes (nos termos supra apontados), complementares ou instrumentais daqueles (não alegados).
O princípio do inquisitório que se impõe ao juiz, apenas é válido em sede de instrução da causa.
No exercício desse seu poder-dever o juiz encontra-se condicionado, na produção dos meios de prova que possa determinar oficiosamente, tal como as partes, aos factos da causa, com o sentido e alcance já enunciados.
Quanto aos factos da causa, submetidos a perícia, cumprirá às partes juntar aos autos os documentos que sirvam de base a essa perícia, após observância do princípio do contraditório (art. 427º do CPC).
Caso esses documentos sejam inacessíveis às partes, designadamente à apelante, assiste-lhe o mecanismo previsto nos arts. 432º e 417º, n.º 1 do CPC, que lhe concede a possibilidade de requerer a intervenção do tribunal para que, no exercício do princípio da cooperação e com vista à descoberta da verdade material (dos factos da causa) diligencie pela obtenção do(s) documento(s), para após obtenção deste(s) e cumprimento do contraditório (art. 439º do CPC), serem utilizados na perícia, o que tudo pressupõe naturalmente que esse requerimento, a junção e a obtenção dos documentos tenha lugar antes da realização da perícia.
A decisão recorrida, não padece, pois, de nenhum dos vícios que a apelante lhe assaca, mas antes pelo contrário, a pretensão desta é que seria suscetível que violar, de forma flagrante e frontal, os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade de armas e do direito fundamental da apelada à tutela jurisdicional efetiva, na vertente de processo equitativo.
Deste modo, a decisão recorrida, não padece de nenhum dos vícios que a apelante lhe assaca.
Resulta do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impondo-se, ainda que por fundamentos diversos dos invocados pela 1ª Instância, confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:
Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência
- confirmam a sentença recorrida.
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Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 26 de setembro de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)
1. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 374 e 375 2. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, págs.135 a 141. 3. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70. 4. Abrantes Geraldes, “Sentes Cível”, janeiro de 2014, pág. 12 5. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 379. 6. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, pág. 24 7. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI. 8. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97. No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 29. 9. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 305. 10. Ac. STJ. de 03/04/1963, Proc. 058690, in base de dados da DGSI. 11. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 194. 12. Teixeira de Sousa, ob. cit. “Estudos…”, págs. 324 a 333. 13. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 262. 14. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 325, onde escrevem: “As questões de facto objeto da perícia podem ter sido trazidas ao processo pelo requerente (ou um seu comparte) ou pela parte contrária. Podem igualmente constituir pontos de facto instrumentais, como tais não carecidos de prévia alegação, que sejam via para a prova dos factos principais da causa (art. 5º). O exame de documento impugnado (art. 455º), constitui disso exemplo; o de documento contra o qual se faça valer uma exceção probatória (art. 449º, n.º 1) é-o igualmente, embora neste caso os factos objeto de perícia devam ter sido considerados nos temas da prova enunciados (art. 449º, n.º 2). 15. Neste sentido, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., vol. 2º, págs. 325 e 326, onde escrevem: “O juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º do CC). Sendo a diligência impertinente ou dilatória, o juiz indefere-a e o despacho de indeferimento é recorrível, nos termos gerais”. 16. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., vol. 2º, pág. 411.