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CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
TERCEIRO TRIBUNAL
DELIMITAÇÃO COMPETÊNCIA
Sumário
I – Suscitado um conflito negativo de competência, o órgão que o dirime não pode decidir que a competência não é de nenhum dos tribunais em conflito, atribuindo-a a um terceiro tribunal.
II – Por força do art. 23 do CPP (processo respeitante a magistrado), o Juízo de Instrução Criminal de Guimarães é incompetente para a realização da instrução num processo em que é ofendida uma magistrada do Ministério Público colocada no DIAP de Guimarães.
Texto Integral
I - No Proc. 687/18.8PBGMR o magistrado do MP, usando da faculdade prevista no art. 16 nº 3 do CPP, acusou em processo comum com intervenção do tribunal singular o arguido A. M., imputando-lhe a autoria de:
- 1 crime de dano p. e p. pelo art. 212 nº 1 do Cod. Penal; e
- 1 crime de dano qualificado p. e p. pelo art. 213 nº 1 al. c) do Cod. Penal e art. 2 da Lei nº 62/2013 de 26-8.
Ambos os crimes terão sido praticados na área da cidade de Guimarães.
No primeiro dos apontados crimes é ofendida L. M., procuradora adjunta, que exerce funções no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Guimarães.
II - O arguido A. M. requereu a instrução, tendo os autos sido remetidos à distribuição pelo Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo.
Concluso o processo, o sr. juiz do Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo proferiu despacho a considerar que exercendo a ofendida L. M. funções de procuradora adjunta no DIAP de Guimarães e não no Juízo de Instrução Criminal de Guimarães não é aplicável ao caso a norma do art. 23 do CPP.
Em consequência, julgou territorialmente incompetente o Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo para “apreciar e tramitar o requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido” e competente o Juízo de Instrução Criminal de Guimarães.
III – Remetidos os autos a Guimarães, o sr. juiz do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães-J1 igualmente se declarou incompetente por considerar, além do mais, que a colocação dum magistrado do Ministério Público no DIAP de Guimarães implica o exercício de funções nos Juízo de Instrução Criminal de Guimarães.
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Suscitado o conflito, foi observado o disposto no art. 36 nºs 1 do CPP.
O magistrado do Ministério Público junto desta Relação de Guimarães e o arguido A. M. pronunciaram-se no sentido da competência ser atribuída aos Juízos de Instrução Criminal de Braga.
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FUNDAMENTAÇÃO
I –Questão prévia
Tratam estes autos dum conflito negativo de competência entre os juízes do Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo e do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães – Juiz 1, que se atribuem mutuamente a competência.
Ouvidos nos termos do art. 36 nº 1 do CPP, o sr. procurador geral adjunto e o arguido A. M. pronunciaram-se no sentido da competência não ser de nenhum daqueles tribunais, mas, antes, dos Juízos de Instrução Criminal de Braga, a quem a competência deve ser atribuída.
É uma decisão que não pode ser tomada neste momento.
Vejamos:
“Há conflito negativo de competência quando dois ou mais tribunais (…) se considerarem incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido” – art. 34 nº 1 do CPP.
Podia o juiz do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães – Juiz 1 ter decidido que a competência não era do seu tribunal, nem do tribunal de Viana do Castelo, mas dos Juízos de Instrução Criminal de Braga, remetendo para aí o processo.
Não o tendo feito, esta decisão está limitada a atribuir a competência a um dos dois tribunais em conflito.
O art. 36 nº 1 do CPP dispõe que, após a denúncia do conflito, “o órgão competente para o dirimir envia os autos com vista ao Ministério Público e notifica os sujeitos processuais que não tiverem suscitado o conflito para, em todos os casos, alegarem no prazo de cinco dias, após o que (…) resolve o conflito”.
O juiz é um «sujeito processual» - Livro I, Título I do Código de Processo Penal.
Aquela norma é bem clara no sentido de que nenhuma decisão pode ser tomada sem, previamente, ser observado o direito de audiência relativamente a todos os juízes que, tendo previamente declarado a incompetência do seu tribunal, possam ser afetados. O «direito de audiência» consiste “na oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo” Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pag. 153, Coimbra Editora, ed. 1973.
Atribuir a competência aos Juízos de Instrução Criminal de Braga implicaria não respeitar aquela expressa obrigação de previamente se observar o direito de audiência.
Seria processualmente inviável a solução de, tentando integrar uma pretensa lacuna legislativa (art. 4 do CPP), ordenar agora a notificação do juiz do terceiro tribunal para se pronunciar sobre a resolução do conflito.
É que, o juiz só está em situação de conflito quando previamente proferiu alguma decisão que entra em colisão com outra, de outro juiz, sobre a questão da competência. É o que resulta da norma do art. 34 nº 1 do CPP. No caso, nenhum juiz dos Juízos de Instrução Criminal de Braga declarou a incompetência do seu tribunal.
Finalmente, no Juízo de Instrução Criminal de Braga exercem funções mais do que um juiz – v. Mapa III anexo ao Dec.-Lei 49/2014 de 27-3. Não haveria critério para decidir qual seria notificado para se pronunciar.
O objeto destes autos é só decidir um conflito negativo de competência, com os pressupostos de facto fornecidos pelos despachos proferidos pelos juízes em conflito.
II -
Segundo a regra geral fixada no art. 19 nº 1 do CPP, a competência para realizar a instrução do processo caberia ao Juízo de Instrução Criminal de Guimarães, por ter sido nesta cidade que se verificou a consumação de ambos os crimes imputados.
Porém, a ofendida L. M., procuradora adjunta, está colocada no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Guimarães.
A solução do conflito está em saber se, em consequência de tal facto, para os efeitos da norma do art. 23 do CPP, se deve considerar que ela exerce funções no Juízo de Instrução Criminal de Guimarães.
A resposta é, diga-se desde já, afirmativa.
Vejamos:
Dispõe aquele art. 23 do CPP, sob a epígrafe «processo respeitante a magistrado»:
Se num processo for ofendido, pessoa com a faculdade de se constituir assistente ou parte civil um magistrado, e para o processo devesse ter competência, por força das disposições anteriores, o tribunal onde o magistrado exerce funções, é competente o tribunal da mesma hierarquia ou espécie com sede mais próxima, salvo tratando-se do Supremo Tribunal de Justiça.
Para os efeitos desta norma, deve entender-se que um magistrado «exerce funções» num tribunal quando despacha, promovendo ou decidindo, em processos pendentes ou afetos a esse tribunal. Por outras palavras, quando tem intervenção ativa em processos do tribunal.
O âmbito de proteção da norma do art. 23 do CPP está em impedir que uma causa possa ser decidida num tribunal em que seja «parte» um magistrado na apontada situação de promover ou decidir em processos aí pendentes. Está em causa acautelar óbvios riscos para a imagem de independência e dignidade da administração da Justiça.
É este o alcance da expressão «tribunal onde o magistrado exerce funções».
É certo que os DIAPs não são «tribunais».
Porém, compete aos magistrados do Ministério Público neles colocados “dirigir o inquérito e exercer a ação penal relativamente a crimes cometidos na área da comarca” – art. 73 da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro – Estatuto do Ministério Público.
Durante o inquérito podem suscitar-se questões que requerem a decisão de quem tem funções jurisdicionais. A competência para tomar tais decisões é do juiz de instrução – art. 17 do CPP. No mesmo sentido, igualmente, o art. 119 nº 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário, nos termos do qual, além do mais, “compete aos juízos de instrução criminal (…) exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito”.
Por regra, as decisões do juiz de instrução durante o inquérito são tomadas na sequência de promoção do magistrado do Ministério Público titular do processo, ou após este se pronunciar sobre a questão a decidir, nos casos em que o requerimento é feito por algum outro sujeito processual.
Quando um magistrado do Ministério Público promove num processo, ou se pronuncia sobre pretensões de outros sujeitos processuais, está, naturalmente, a «exercer funções» no tribunal competente para decidir.
Ora, são da competência do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães as decisões de natureza jurisdicional relativas aos Inquéritos que correm termos no DIAP de Guimarães, onde a ofendida L. M. exerce funções de procuradora adjunta – art. 71 nº 1 al. f) da Lei 49/2014 de 27-3.
Por isso, sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a razão está do lado do juiz do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães.
DECISÃO
Decido o presente conflito negativo atribuindo a competência para o julgamento ao Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo.
Não é devida tributação.
Observe-se o disposto no art. 36 nº 3 do CPP.