CONTESTAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
Sumário

1. É tempestiva a arguição da nulidade processual por falta de notificação da contestação quando a parte a arguiu no ato processual subsequente a ter sido notificada do despacho que indeferiu o pedido de reforma do despacho que determinou a manutenção da contestação nos autos, porquanto não é de presumir que a parte, atento o teor do referido despacho de indeferimento, tenha tomado conhecimento ou se tenha apercebido que a secretaria não a ia notificar da apresentação da contestação.
2. Ademais, estando patenteado nos autos que a autora se viu confrontada com um pedido reconvencional contra si deduzido, sem que tivesse tido oportunidade de o contraditar por nunca lhe ter sido notificada a contestação, sem que tal lhe fosse imputável, e na iminência de ser proferida uma sentença a decidir a causa, viola gravemente o princípio do contraditório, da defesa, da igualdade substancial das partes e da obtenção de um processo equitativo, o despacho que não concede à parte prazo para apresentar o articulado previsto na lei, ou seja, a réplica, sanando-se, desse modo, a nulidade processual detetada em ato processual presidido pelo juiz.

Texto Parcial

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
(…)
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são, sucessivamente, as seguintes:
1. Do recurso interposto do despacho proferido na audiência prévia que julgou intempestiva a arguição de nulidade processual por falta de notificação da contestação à autora.
2. Do recurso interposto da sentença proferida no saneador-sentença:
- Questão prévia: Junção de documentos com as alegações de recurso;
- Se os autos continham na fase do despacho saneador todos os elementos que permitiam a prolação de uma decisão conscienciosa;
- Cláusula resolutiva aposta no contrato-promessa;
- Resolução contratual e pedido de devolução do sinal prestado;
- Danos não patrimoniais;
- Abuso de direito;
- Pedido reconvencional;
- Litigância de má-fé da autora.

B- De Facto
A 1.ª instância considerou na sentença a seguinte matéria de facto:
1. Por acordo escrito denominado “contrato de promessa de compra e venda”, datado de 22/10/2015, os Réus declararam prometer vender e a Autora declarou prometer comprar a fracção autónoma designada pela letra “A” a que corresponde o rés-do-chão direito, destinado à habitação, do prédio urbano sito … em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … da Freguesia de São Jorge de Arroios e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia da Penha de França.
2. No referido acordo escrito, ficou estabelecido que os promitentes vendedores, aqui Réus, prometiam e obrigavam-se a vender à promitente compradora, aqui Autora, a fracção supra identificada, pelo preço de 118.000,00€ (cento e dezoito mil euros).
3. Mais foi acordado que o preço (118.000,00€) seria pago da seguinte forma:
a. Na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, em 22/10/2015, a entrega pela Autora do valor de Eur: 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros) a título de “sinal e início de pagamento”, através de cheque;
b. O remanescente do preço – Eur: 105.500,00€ (cento e cinco mil e quinhentos euros) seria pago no ato da celebração da escritura pública.
4. Estabeleceram igualmente as partes que a outorga da escritura de compra e venda teria que ocorrer no prazo de 90 dias a contar da data da celebração do contrato prometido.
5. Estabeleceram ainda as partes na cláusula segunda, parágrafo segundo, que “o presente contrato fica sujeito à condição resolutiva de aprovação do crédito bancário no prazo de 4 (quatro) semanas à Promitente Compradora. Assim e no caso do empréstimo não seja concedido à Promitente Compradora, os Promitentes Vendedores acordam em devolver em singelo a quantia paga a título de sinal, e no prazo de 10 dias; após entrega da eventual recusa bancária”.
6. No dia da assinatura do acordo escrito acima referido, a Autora entregou aos Réus, conforme acordado, o cheque n.º 5081415081 no valor de Eur: 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros) a “título de sinal e princípio de pagamento”.
7. Os Réus apresentaram o referido cheque a pagamento a 23/10/2015.
8. A Autora, na data referida no ponto 1, não dispunha da quantia monetária necessária para efectuar o pagamento da totalidade do preço acordado para a compra e venda do imóvel acima identificado.
9. A Autora solicitou junto do Banco Popular Portugal, S.A., a concessão de empréstimo/crédito bancário para aquisição de habitação própria permanente, à qual foi apresentada a proposta/produto “A Minha Casa”, a que a Autora aderiu.
10. No decorrer do processo de concessão de empréstimo bancário, a Autora muniu a instituição bancária de toda a documentação necessária e por aquela solicitada e submeteu para aprovação o pedido de crédito para habitação e as respectivas condições financeiras e pessoais.
11. No âmbito do processo de concessão de empréstimo bancário, a Autora foi convidada a preencher um questionário clínico, que preencheu.
12. Um dos requisitos obrigatórios, previamente estipulados pelo Banco Popular S.A., que a Autora tinha que reunir para que o crédito bancário fosse aprovado, era a contratação de um seguro de vida pela aqui Autora, na seguradora pertencente ao Banco - Eurovida - Companhia de Seguros de Vida, S.A., ou caso assim a Autora entendesse, numa outra seguradora.
13. A Autora submeteu para aprovação e análise, juntamente com o pedido de crédito bancário, os elementos clínicos relativos à proposta Eurovida 01-0128435.
14. A seguradora Eurovida recolheu as informações necessárias para a análise dos elementos clínicos relativos à Autora e, após identificar um factor de risco, recusou-se a aceitar o mesmo, recusando, em consequência, a subscrição do seguro de vida.
15. Por comunicação datada de 11/11/2015, a seguradora recusou a subscrição do seguro e, informou nessa conformidade a instituição bancária – Banco Popular S.A.
16. Em 11/11/2015 o Banco Popular S.A, através da gestora de conta AP, comunicou à Autora que a mesma não reunia os requisitos exigíveis por aquela entidade pelo facto de não ser possível proceder à subscrição do seguro de vida, junto da seguradora do banco e que, consequentemente, o crédito para habitação tinha sido recusado.
17. Uma vez que a autora pretendia efectuar a compra da fracção autónoma acima identificada, não desistiu do negócio e procurou, a partir de 11/11/2015, outras alternativas, recorrendo à lista das operadoras do ramo seguros de vida, disponibilizada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, tendo encaminhado, durante os meses de Novembro/2015 a Fevereiro/2016, os formulários de adesão à proposta de seguro de vida.
18. Todos os formulários remetidos foram recusados pelas respectivas Companhas de Seguros, nas seguintes datas:
a. Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A, de 09/12/2015;
b. Real Vida Seguros, S.A, de 15/12/2015;
c. Metlife Europe Limited, de 15/12/2015;
d. Axa Portugal, Companhia de Seguros, S.A, de 17/12/2015;
e. Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A, de 23/12/2015;
f. Groupama Seguros de Vida S.A, de 16/12/2015 e de 04/01/2016; g. Generali Vida – Companhia de Seguros, S.A, de 06/01/2016;
h. Liberty Seguros, S.A, de 07/01/2016;
i. Victoria Seguros, S.A., de 13/01/2016;
j. Zurich – Companhia de Seguros de Vida, S.A., de 15/01/2016;
k. Lusitania Vida, Companhia de Seguros, S.A., de 18/01/2016;
l. Mapfre Seguros Gerais, S.A., de 21/01/2016;
19. No dia 23/12/2015, a autora reuniu com o Banco Popular S.A, na pessoa da gestora de conta AP e com a representante da seguradora Axa Portugal, Companhia de Seguros, S.A, na pessoa da JP a fim de acordarem as condições necessárias para a subscrição do seguro, tendo a autora apresentado proposta para a outorga do contrato de crédito para habitação com fiadores e sem subscrição do seguro, não tendo tal proposta sido aceite.
20. Em 30/12/2015, a Autora apresentou queixa junto do Provedor de Justiça, ao qual foi atribuída o n.º de procedimento Q/608/2016 (UT2)
21. No dia 14/03/2016 por contacto telefónico, e através de carta datada de 09/08/2016, a Autora foi informada por aquele Provedor de que o mesmo não poderia intervir na situação por esta reportada, sendo que, a única via seria o recurso às instâncias judiciais.
22. A Autora efectuou junto do Banco de Portugal uma exposição sobre a situação acima descrita, que não teve sucesso.
23. A Autora recorreu ao Banco BIC PORTUGUÊS, SA., através de email datado de 03/12/2016, a fim de ver aprovado o crédito para habitação, o que não foi aceite pela referida instituição de crédito.
24. Os Réus foram informados por intermédio da consultora CC e através da Era Imobiliária de que o crédito bancário tinha sido recusado à Autora.
25. No início de Dezembro/2015, foi a Autora que diligenciou pelos contactos com os Réus, através da filha destes (Sr.ª D), nos quais foram estes informados de que o crédito à habitação tinha sido recusado porquanto o mesmo encontrava-se sempre condicionado à aprovação do seguro de vida e que à Autora estaria a ser negada a respectiva subscrição.
26. A Autora sempre informou os Réus das diligências encetadas, nomeadamente a subscrição de várias propostas em diversas seguradoras.
27. Em Dezembro/2015, a Autora solicitou junto do Banco Popular S.A a declaração relativa à recusa do empréstimo bancário para habitação a fim de a entregar ao promitentes-vendedores.
28. Do teor da declaração datada de 08/01/2016 resulta que “BANCO POPULAR PORTUGAL, S.A., DECLARA, pela presente e para os devidos efeitos que o Banco recusou, a concessão de um crédito à habitação, por não se encontrarem reunidos os requisitos necessários e fixados por esta instituição para a concessão do mesmo.”.
29. Por carta registada com aviso de recepção datada de 11/01/2016 a Autora remeteu aos Réus a referida declaração e interpelou-os para procederem à devolução da quantia de € 12.500,00 paga a título de sinal no prazo de 10 dias a contar da recepção da carta.
30. Os Réus receberam a carta de interpelação em 14/01/2016.
31. Os Réus, por carta registada datada de 21/01/2016 e remetida pelo seu mandatário – Dr. PA – , informaram a Autora do seguinte: “a condição resolutiva consignada o ponto 2 da cláusula segunda do Contrato-promessa de Compra e Venda (CPCV) celebrado com V. Exa. era aplicável apenas dentro do prazo de quatro semanas após a celebração do CPCV. Ora, considerando que o CPCV em questão foi celebrado em 22 de Outubro de 2015, o referido prazo de quatro semanas terminou, sensivelmente, no dia 20 de Outubro de 2015, data até à qual não lhes foi comunicada qualquer recusa de aprovação do crédito bancário a V. Exa., o que, aliás, vai de encontro à declaração de recusa de crédito de habitação do Banco Popular agora junta por V. Exa. datada de 08 de Janeiro de 2016, ou seja, em data muito posterior ao prazo de quatro semanas estabelecido no CPCV após a celebração deste. Com efeito, é entendimento dos meus clientes que não há lugar à devolução da quantia paga a título de sinal por V. Exa. no âmbito deste CPCV.”
32. A declaração referida no ponto 29, que a Autora remeteu aos Réus, não continha, por lapso da instituição bancária, a data da recusa da concessão do empréstimo bancário ocorrida a 11/11/2015.
33. A Autora requereu imediatamente junto da gestora de conta do Banco Popular – AP, a correcção da declaração, tendo aquela instituição bancária emitido nova declaração datada de 27/01/2016.
34. Do teor da nova declaração referida no ponto anterior resulta o seguinte: “BANCO POPULAR PORTUGAL, S.A. DECLARA, pela presente e para os devidos efeitos que o Banco recusou, a 11 Novembro de 2015, a concessão de um crédito à habitação, por não se encontrarem reunidos os requisitos necessários e fixados por esta instituição para a concessão do mesmo.”
35. Por carta datada de 28/01/2016, a Autora remeteu a nova declaração bancária, com a data de recusa (11/11/2015) ao Mandatário dos Réus e interpelou-os novamente para procederem à devolução da quantia de € 12.500,00 paga a título de sinal.
36. Por escritura de compra e venda lavrada em 22/01/2016 a fls. 39 do livro 159 no Cartório Notarial da Dr.ª Maria do Céu dos Santos Fernandes Garcia, em Lisboa, os Réus declararam vender a fracção autónoma acima identificada a GR e a CG pelo preço de noventa e um mil euros.
37. O registo de aquisição foi efectuado na descrição n.º … sobre a AP. … de 2016/01/22 na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Braga.

C- De Direito
1. Do recurso interposto do despacho proferido na audiência prévia que julgou intempestiva a arguição de nulidade processual por falta de notificação da contestação à autora:
A apelante interpôs recurso do despacho proferido na audiência prévia que julgou intempestiva a arguição de nulidade consubstanciada na falta de notificação da contestação.
Como decorre da conjugação do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 644.º, do CPC, esta decisão interlocutória é recorrível juntamente com a decisão proferida que ponha termo à causa, no caso, a sentença proferida em sede de despacho saneador.
Impõe-se, assim, em primeiro lugar apreciar o recurso interposto desta decisão interlocutória.
Como reconhece o despacho recorrido, a autora não foi notificada da contestação apresentada pelos réus, na qual, para além do mais, formularam pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a pagarem-lhe a quantia de €14.500,00.
O despacho recorrido concluiu que foi cometida a nulidade processual prevista no artigo 199.º, n.º 1, do CPC.
Porém, como entende que não foi arguida no prazo de 10 dias após a notificação do despacho proferido em 18/12/2018 – que expressamente admitiu a contestação apresentada nos autos – considerou intempestiva a arguição da aludida nulidade processual.
Vejamos, então, se ocorre a referida nulidade e a sua arguição intempestiva.
Estipula o artigo 575.º, n.º 1, do CPC, que a apresentação da contestação é notificada ao autor. Tendo sido apresentada reconvenção, assiste ao autor o direito de apresentar réplica no prazo de 30 dias a contar da data em que for ou se considerar notificada a apresentação da contestação (artigos 584.º, n.º 1, e 585.º do CPC).
A notificação da apresentação da contestação é da competência da secretaria como decorre do artigo 221.º, n.º 1, do CPC,[1] pois só os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes, após a notificação da contestação do réu ao autor, é que são notificados pelo mandatário judicial apresentante ao mandatário judicial da contraparte, nos termos do artigo 255.º do CPC.
As nulidades processuais «…são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspectos processuais.»[2]
Atento o disposto nos artigos 186.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
A omissão da notificação da contestação à autora corresponde a ato processual imposto pela lei adjetiva, que é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, pelo que a sua omissão determina a nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC.
Trata-se de vício formal que viola princípios inerentes ao processo civil, como sejam, o princípio do contraditório, na vertente do direito à defesa, o direito à apresentação e produção de prova e o princípio da igualdade substancial das partes, expressamente consagrados nos artigos 3.º, n.º 3, 4.º do CPC, e artigo 13.º, n.º1, CRP, e, no fundo, ao princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da obtenção de um processo equitativo (artigo 20, n.º 4, da CRP, artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicáveis diretamente por força do artigo 18.º, n.º 1, da CRP).
Relembrando-se aqui de forma sucinta que o Tribunal Constitucional tem vindo a caraterizar os princípios acima referidos como estruturante da nossa ordem jurídica. Assim, e por exemplo, no Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de novembro de 2000, escreveu o seguinte:
«O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras [cf. o Acórdão nº 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.)].
É que - sublinhou-se no Acórdão n.° 358/98 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97 (publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997) - o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
A ideia de que, no Estado de direito, a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no Acórdão n.° 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.°, pp. 391 e segs.)»
Sublinhando o mesmo aresto que «…a ideia de processo equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e imparcial - um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de “indefensão”, a sentença só por acaso será justa».
No mesmo sentido, concluem Jorge Miranda e Rui Medeiros[3] que a exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º, nº 4, da CRP, postula «…a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas».
Posto isto, há que considerar que a lei adjetiva estipula regras para a arguição e conhecimento das nulidades processuais previstas no artigo 195.º do CPC.
O regime de arguição da nulidade processual em causa nos autos encontra-se consagrado no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, o qual estipula, em suma, o seguinte: quando a parte não esteja presente no ato em que a nulidade foi cometida, dispõe do prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1, do CPC) para a respetiva invocação, contando-se tal prazo de uma das circunstâncias seguintes: da sua intervenção em qualquer ato processual subsequente ou da notificação para qualquer termo do processo.
No primeiro caso, a mera intervenção processual desencadeia o início do prazo para arguir a nulidade; no segundo, não basta a simples notificação para marcar o início do prazo, impondo-se ainda que seja de presumir que a parte em face da notificação, tomou conhecimento da nulidade ou se pôde aperceber da mesma.
Invoca-se no despacho recorrido que o prazo de 10 dias para arguição da nulidade se conta da notificação do despacho proferido em 18/12/2018.
Não cremos que assim seja.
Este despacho determinou a manutenção da contestação nos autos e não ordenou a notificação da contestação à autora, designando, outrossim, a realização de audiência prévia, diligência processual que ocorre após terem findado os articulados (artigo 590.º, n.º 2 e 591.º, n.º 1, do CPC).
Assim, o prosseguimento dos autos para a fase da audiência prévia, com a respetiva notificação às partes do dia agendado para a prática desse ato processual, sem que a autora tenha sido previamente notificada da apresentação da contestação, indica claramente a omissão de uma formalidade essencial prescrita na lei, com influência no exame e decisão da causa.
Porém, antes de decorridos 10 dias sobre a notificação deste despacho, a autora suscitou a reforma do mesmo, pugnando pelo desentranhamento da contestação.
Requerimento que foi apreciado e indeferido por despacho de 22/01/2019, notificado às partes via CITIUS em 23/01/2019.
Este despacho ao reafirmar a manutenção da contestação no processo, não desencadeia a contagem do prazo para arguir a nulidade da falta de contestação, porquanto em face do concreto teor do mesmo despacho (que indeferiu o pedido reforma com o fundamento de que o despacho visado com o pedido de reforma, era suscetível de recurso, encontrando-se, por essa razão, esgotado o poder jurisdicional  do juiz que proferiu a decisão), não é de presumir que a parte tenha tomado conhecimento ou se tenha apercebido que não lhe ia ser notificada a contestação não obstante o tribunal entender que a mesma se mantinha no processo.
Na verdade, fosse por intervenção da secretaria, como é imposto por lei, fosse por ordem do juiz do processo a mandá-la cumprir a notificação, era legítimo que a parte aguardasse a notificação da contestação após a prolação do despacho que indeferiu o pedido de reforma e que, por essa razão, presumisse que iria ficar prejudicada a realização da audiência prévia, uma vez que teria de correr o prazo para a apresentação da réplica.
Não tendo sido notificada da contestação até ao dia da realização da audiência prévia, a arguição da nulidade processual naquele ato processual, que é o ato subsequente ao despacho proferido em 22/01/2019, encontra-se em prazo, não sendo intempestiva, pelo que se impunha que o juiz apreciasse a arguida nulidade e que não a indeferisse com tal fundamento.
Acrescentando-se, ademais, que também por força do n.º 2 do artigo 199.º do CPC, tendo sido arguida a nulidade processual no âmbito da realização da audiência prévia onde o juiz anunciou que se lhe afigurava ser possível conhecer do objeto processo, sem produção de provas, a constatação da violação do princípio do contraditório imputável a um ato da secretaria, de que o juiz não deu conta, nem sanou, no seu devido tempo, sempre determinaria que oficiosamente se ordenassem as diligências necessárias ao cumprimento da lei, no caso, concedendo à parte prazo para o exercício daquele direito.
Outro entendimento, corresponde a um juízo demasiado formal e rigorista, permitindo que se retirem efeitos preclusivos de omissões da secretaria, prejudiciais à defesa dos direitos das partes.
Ora, compete ao juiz observar e fazer cumprir, ao longo do processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, como prescreve o n.º 3 do artigo 3.º do CPC.
No caso, estando patenteado no processo que a autora se via confrontada com um pedido reconvencional contra si deduzido, sem que tivesse tido oportunidade de o contraditar, sem que tal lhe fosse imputável, e na iminência de ser proferida uma sentença a decidir a causa, viola gravemente o referido princípio do contraditório, da defesa, da igualdade e da obtenção de um processo equitativo, princípios já acima referenciados, o despacho que não concede à parte prazo para apresentar o articulado previsto na lei, ou seja, a réplica, sanando-se, desse modo, a nulidade processual detetada em ato processual presidido pelo juiz.
Finalmente, e quanto à menção que o despacho recorrido faz ao conhecimento que a autora teria da existência da contestação, cumpre dizer que uma coisa é a autora ter conhecimento que foi apresentada contestação nos autos (que até foi mandada desentranhar e gerou todo o processado que os autos revelam, incluindo um recurso), e outra, bem diferente, é ser notificada da mesma, para efeitos de apresentar a defesa que lhe aprouver, no prazo e na forma prevista na lei.
Em face do exposto, procede o recurso interposto da decisão interlocutória que decidiu ser intempestiva a arguição da nulidade processual por não ter sido notificada à autora a contestação-reconvenção dos réus, anulando-se o respetivo despacho, bem como os termos subsequentes que dele dependem absolutamente, no caso, todo o processado posterior à notificação do despacho de 22/01/2019, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação até final.
Em face do ora decidido, fica prejudicada a apreciação de todas as demais questões colocadas no recurso interposto da sentença recorrida.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação interposta do despacho que julgou intempestiva a arguição de nulidade processual por não ter sido a autora notificada da contestação-reconvenção, anulando consequentemente todos os termos do processo após a notificação do despacho de 22/01/2019 (fls. 268-268v), devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação até final, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 15 de Outubro de 2019
Maria Adelaide Domingos - Relatora
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa – 1.ª Adjunta
Vera Antunes - 2.ª Adjunta

[1] O artigo 221.º do CPC encontra-se alterada na sua redação inicial, através do Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26/07 (em vigor desde 16/09/2019), que não se aplica ao caso dos autos por a apresentação da contestação e o despacho que declarou expressamente que a mesma se mantinha no processo serem anteriores à entrada em vigor desta alteração, sendo que, na verdade, no que interessa para a situação em apreço, nada foi alterado, pois as notificações dos atos processuais entre mandatários continuam a só se encontrarem previstas para momento posterior à notificação da contestação.
[2] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1956, p. 156.
[3] Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2005, p. 192.