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ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DELIBERAÇÃO SOCIAL RENOVATÓRIA
DELIBERAÇÃO SOCIAL SUBSTITUTIVA
VALIDADE
REQUISITOS
Sumário
I) - Com a renovação duma deliberação social visa-se, não apenas substituir a anterior deliberação, mas retomá-la escorreita dos vícios que a inquinavam, ou de outros. II) – Uma verdadeira “renovação” postula que a segunda deliberação tenha um conteúdo idêntico – e sem vícios – ao da primeira – o que só será compaginável com problemas de ordem formal – sob pena de lidarmos com algo distinto, que se suceda no tempo. III) – Não só a modificação do conteúdo tem de se restringir ao estritamente necessário para “extirpar” a deliberação dos vícios que a inquinam, como também os efeitos jurídicos da nova deliberação têm de ser os mesmos, sob pena de se não poder falar de renovação da deliberação.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO:
Na ..ª Secção da ..ª vara Cível da Comarca do Porto veio B………….. instaurar acção contra C…………, CRL, pedindo que fossem declaradas nulas ou anuladas todas e cada uma das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da R., de 29/12/2005, em específico as que aprovaram o orçamento e o plano para 2006 e o parecer do conselho fiscal.
Alega, em síntese:
- Que foi violado o direito à informação, violação aquela consubstanciada na não disponibilização nos 15 dias anteriores à assembleia dos documentos de suporte do orçamento, apresentação de parte dos mesmos em período de tempo insuficiente para a sua análise, sendo tal informação, nuns casos, parcial e insuficiente e, noutros, obscura, ambígua e não fiável e, finalmente, por na própria assembleia não lhe ter sido facultado nem dado resposta aos pedidos que aí o A. formulou.
- Que há irregularidades e vícios materiais no orçamento, que se prendem com orçamentação incorrecta de receitas e aumento de custos desproporcionado face ao não crescimento da receita;
- Que a deliberação é inválida ainda por se sustentar na deliberação de aprovação de um parecer do conselho fiscal inexistente, porque não legalmente constituído.
- Que houve manifesto abuso de direito, consubstanciado no abuso da posição dominante de um grupo de cooperantes que, sistematicamente, aprova as deliberações da R., o que, igualmente, conduziria à invalidade das mesmas.
Contestou a Ré, alegando reconhecer que o orçamento em causa aprovado pelas deliberações cuja invalidade é suscitada pelo A. “enferma de alguns erros materiais e também de alguns pressupostos”, bem assim aí anunciando que a ré “irá convocar uma Assembleia Geral para aprovar um orçamento rectificativo, que expurgue do actual todos os vícios que contém”.
Conclui que “as deliberações em causa nos presentes autos não surtiram qualquer efeito útil, tornando-se, por isso, desnecessário o prosseguimento dos autos”.
Replicou o autor, salientando a posição contraditória da ré, na medida em que, “por um lado, impugna todos os factos alegados e, por outro, admite os erros materiais no orçamento e alguns erros em alguns pressupostos, os quais não revela”.
Por outro lado, refere que a ré não pode usar da faculdade prevista no artº 62º do CSC na medida em que não reconhece, de forma concreta e clara, a invalidade da deliberação a renovar.
Conclui pelo indeferimento da pretensão da ré, até porque o que esta pretende é aprovar um novo orçamento e não renovar a anterior deliberação impugnada.
Nos dias 8 e 22 de Maio e 2006 teve lugar uma Assembleia Geral extraordinária da Ré, tendo como ponto único da ordem de trabalhos a aprovação do orçamento rectificativo do ano de 2006, o qual aí foi aprovado, nos termos que constam das respectivas actas, com cópias a fls. 278 a 280 e 402 a 404 e documentos que lhes estão anexos ( com cópias certificadas a fls. 377 e segs.).
O A., entretanto, informou o tribunal, no seu requerimento de fls. 275, que também já impugnou esta última deliberação da ré, em acção que pende na ..ª Vara Cível do Porto, ..ª Secção -- Processo n.º …./06.2TVPRT--, requerendo, no entanto, o prosseguimento dos presentes autos “para efeitos de apreciar a invalidade das deliberações, tal como o autor peticionou”, até porque a ré “expressamente declarou que não considera inválidas as deliberações tomadas na assembleia de 29.12.05 e sob impugnação nesta acção”.
Conclusos os autos, foi proferido o despacho de fls. 430 a 432(1), no qual se decidiu julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide”.
Inconformado com esta decisão, o autor recorreu, apresentando alegações que remata com as seguintes
“CONCLUSÕES:
1- A renovação de uma deliberação anulável, importa, não só que a nova deliberação não enferme do vício da antecedente, mas também que o seu conteúdo coincida no essencial com conteúdo da antecedente.
2- Quando na nova deliberação, se ultrapassa a mera expurgação do vicio e se altera de forma substancial ou essencial o conteúdo da antecedente, a nova deliberação já não constitui uma verdadeira renovação mas, sim, a tomada de uma deliberação que modificou ou substituiu a deliberação anterior mas sem carácter renovatório, assim ficando afastado o efeito excepcional do convalescimento da primeira previsto no art° 62° n° 2 do CSC.
3- No orçamento objecto de deliberação em Maio de 2006 a agravada para além de expurgar do orçamento a receita que indevidamente havia sido inscrita no
orçamento de Dezembro de 2005, altera os pressupostos que havia presidido à inscrição previsional da receita em Dezembro de 2005, considerando como receita as propinas decorrentes da admissão de cerca de 60 novos alunos no ensino secundário, e através dessa alteração altera, também a quantia inscrita como receita previsível a esse título.
4- Essa alteração foi e constituiu uma alteração fundamental e substancial do conteúdo da deliberação tomadas em Dezembro de 2005 pois foi efectuada em relação à componente da receita com maior expressão e valor nas receitas da agravada e, através dela, permitiu transformar o resultado de exercício negativo para 2006 que resultava da expurgação da receita indevidamente considerada no orçamento de Dezembro de 2005 num resultado de exploração positivo.
5- Na medida em que na deliberação de Maio de 2006 os cooperantes deliberaram sobre um orçamento que, sem a receita indevidamente considerada em Dezembro, e por força das alterações de critérios e verbas inscritas apresentava um resultado de exploração positivo, diverso quer do negativo resultante da mera expurgação do erro, quer do que erradamente se previa em Dezembro de 2005, essa deliberação excedeu e modificou o conteúdo da deliberação de Dezembro de 2005 de forma a vedar a sua qualificação como renovatória.
6- O efeito renovatório da deliberação tomada na assembleia de Maio de 2006 não decorre tacitamente da mesma, pois a agravada expressamente afirmou e
confessou perante o agravante que não reconhecia qualquer invalidade das deliberações tomadas na assembleia de Dezembro de 2005.
7- Só é passível de renovação uma deliberação ferida de invalidade, pelo que não pode atribuir-se carácter renovatório a uma outra que é tomada, confessadamente e de forma plenamente provada - art° 358° n° 2 do CC -, no pressuposto da validade de uma primeira e cuja modificação ou substituição se pretende.
8- A deliberação de Maio de 2006 não expurgou os vícios apontados pelo agravante quanto à violação do seu direito à informação, pois não só a intervenção retratada no documento de fls 406 a 413 não deu resposta às questões levantadas nos autos, como os documentos cuja consulta o agravante tinha solicitado no período preparatório da assembleia geral de Dezembro de 2005 não foram facultados para consulta, como deveriam ter sido, no período preparatório da assembleia de Maio de 2006, mas apenas na sessão da assembleia de 22/5/2006, conforiüe resulta dessa mesma intervenção e dos documentos a ela anexos.
9- Na assembleia de Maio de 2006 apesar do conselho fiscal ter afirmado ter emitido parecer sobre o orçamento rectificativo, tal parecer não foi posto à votação e aprovado, nem sequer fazendo parte da ordem do dia, pelo que, pelo menos nessa parte, na assembleia de Maio de 2006 não foi renovada a deliberação que aprovou o parecer do conselho fiscal sobre o orçamento para o ano de 2006, pois, em relação a tal parecer, ainda hoje só existe uma deliberação da agravada, que é a tomada na assembleia de Dezembro de 2005.
10. Violou a douta decisão recorrida as disposições constantes dos arts. 59º. 62º do CSC e artºs 287º e) do CPC.
Termos em que Vª Exª dando provimento ao recurso e revogando a douta decisão recorrida farão
JUSTIÇA”.
Não foram apresentadas contra-alegações
A Mmª Juiz a quo, conclusos os autos, escreveu o tabelar “sustento nos seus precisos termos a decisão objecto do recurso” (fls. 498).
Foram colhidos os vistos
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a resolver resumem-se a saber se a deliberação da ré de Maio de 2006 constituiu uma verdadeira deliberação renovatória da anteriormente tomada (em 29.12.2005), ou se apenas se traduziu numa deliberação que modificou ou substituiu a deliberação anterior, mas sem carácter renovatório, bem assim saber se tal deliberação é, ou não, válida e quais as respectivas consequências.
II. 2. OS FACTOS:
Os factos a ter em conta na apreciação do agravo são, na essência, os supra relatados, que aqui se reproduzem, sem prejuízo de (outras) eventuais referências a factos constantes dos autos (maxime documentos).
III. O DIREITO:
Vejamos, então, as questões suscitadas nas conclusões das alegações da agravante, e que se resumem, como dito supra, a saber se a deliberação da ré de Maio de 2006 constituiu uma verdadeira deliberação renovatória(2) da anteriormente tomada (em 29.12.2005), ou se apenas se traduziu numa deliberação que modificou ou substituiu a deliberação anterior, mas sem carácter renovatório, bem assim saber se tal deliberação é, ou não, válida e quais as respectivas consequências.
Entendeu-se no despacho recorrido que a deliberação social da ré de Maio de 2006 - tomada numa assembleia geral em que o único ponto da ordem do dia era a elaboração de um “orçamento rectificativo do ano dois mil e seis” - “contém a anterior, agora expurgada dos vícios e erros contidos no anterior orçamento”. Por isso se defendeu no mesmo despacho que se tratou de verdadeira deliberação renovatória, “nos termos gerais em que as mesmas são admitidas pelo referido Código” ( o das sociedades comerciais).
Caímos, desta via, na algo complexa e controvertida figura da “renovação de deliberação” prevista no artº 62º do CSC.
Dispõe este normativo:
“(Renovação da deliberação)
1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros.
2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.
3. O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.”
Como é bom de ver, trata-se de norma que surgiu da preocupação crescente do Direito das Sociedades com as perturbações que a pendência de acções de invalidade de deliberações sempre represente para os entes colectivos.
É que instaurada a acção de impugnação da deliberação, visando conseguir a declaração da sua invalidade, pode bem acontecer que as coisas fiquem sem serem definidas por muitos e muitos anos, com os consequentes prejuízos, maxime para os sócios - não se olvidando o prejuízo que tal também acarreta para a própria sociedade, desde logo pela publicidade negativa que o decurso da acção sempre lhe acarreta.
Por isso, o legislador entendeu minorar o problema, por via da figura da renovação de deliberação inválida - sendo certo que muitas das vezes apenas ad cautelam se usa desse mecanismo da renovação da deliberação.
Tem sido entendido que a renovação de deliberação de apresenta, no essencial, como uma tipização particular, aplicada às deliberações dos sócios, da figura geral, típica, da renovação do negócio jurídico(3).
Actualmente, podem ser renovadas, tanto as deliberações sociais nulas por vício de formação - artº 62º, nº1 do CSC - como as deliberações anuláveis, desde que na deliberação renovatória se sane o vício da renovada (nº2 do mesmo artigo (3)).
Mas para a solução desta primeira questão suscitada pelo agravante, cremos não ser espúrio, antes de mais, fazer a destrinça entre renovação e substituição - pois o que o agravante sustenta é, precisamente, em primeiro lugar, que in casu não ocorreu renovação da deliberação de ré de 29.12.2005, mas, apenas e só, a sua substituição.
Ora, substituir -- “no sentido de raiz que o nosso direito mobiliza o vocábulo em numerosas situações” - significa “colocar uma dada realidade no lugar de outra e em vez dela”(4).
Dito de outra forma, a substituição da deliberação é a absorção de uma deliberação, previamente constituída, por outra que passa a valer em vez dela.
Parece indiferente à ideia de substituição que tenha a primeira deliberação começado já, ou não, a produzir os seus efeitos – situação que cremos não ocorrer na noção de renovação.
Por outro lado, como refere Pinto Furtado(5), é essencial à renovação a reprodução fundamental da disciplina de interesses firmada na primitiva deliberação, aliada ao propósito de preservação ou recuperação prática dos seus efeitos, ameaçados ou inquinados, que a simples substituição, por si só, pode não ter em vista.
E conclui o Ilustre autor, a pág. 589: “A adopção de nova deliberação destinada a ocupar retroactivamente o lugar da anterior, para introduzir uma regulamentação diferente da que tinha sido editada, integrará, portanto, uma substituição que não envolve renovação da deliberação” - sublinhado nosso.
Renovar (na acepção que ora ponderamos) não é, portanto, apenas “colocar uma dada realidade no lugar de outra e em vez dela”, como se aquela primeira realidade… nunca tivesse existido.
Não! Com a renovação duma deliberação social visa-se, não apenas substituir a anterior deliberação, mas “retomar a deliberação sem o ponto questionado”(6) - sem o vício que inquinava a anterior, ou outro qualquer que a invalide, como mais à frente melhor veremos. O que significa, também, que de forma alguma pode ser indiferente à ideia de renovação - e que vimos não ocorre com a ideia de substituição -- que a primeira deliberação tenha começado já, ou não, a produzir os seus efeitos(7).
A renovação - diferentemente da figura da revogação ( que tem em vista destruir a deliberação anterior) --, nas palavras eloquentes de Pinto Furtado(8), “visa repetir a parte sã da anterior, para obter a eficácia jurídica a que a primeira deliberação tendia”.
Assente esta diferença entre (meramente) substituir e renovar (a deliberação social), impor-se-á verificar se a deliberação da ré -- de Maio de 2006 -- foi, de facto, renovatória(9).
Cremos não restarem dúvidas de que a deliberação da ré de Maio de 2006 de forma alguma é simplesmente renovatória.
Com efeito, como bem acentua o agravante nas suas doutas alegações, a deliberação em causa “não só não expurgou todos os vícios que continha e que é objecto dos autos, como alterou, [….], uma parte essencial desse orçamento de Dezembro de 2005 e da deliberação que o aprovou”.
Com efeito, como a agravante já alegara na petição inicial, foi pela ré considerado como receita para o ano de 2006 o montante das inscrições dos alunos no ano lectivo de 2005/2006, de € 85.855,00, valor esse que já recebera em…2005.
Ou seja, se tal receita foi recebida pela ré em 2005 e levada em conta no exercício de 2005, é claro que não podia voltar a ser considerada no exercício posterior ( de 2006), sob pena de viciar – como acabou por ocorrer -- o orçamento para 2006, apresentado pela ré em 2005.
É certo, porém, que tal receita (indevida) acabou por ser expurgada pela agravada.
Só que a agravada fez mais do que isso: passou a contabilizar como receita esperada - a qual já tinha recebido - as propinas mensais de cerca de 60 novos alunos (só em relação ao ensino secundário) que havia admitido desde Janeiro a Maio de 2006 - diferentemente, portanto, do que ocorrera na aferição do orçamento de Dezembro de 2005, em que a agravante declarou ter utilizado como critério da receita o número de alunos inscritos nas suas escolas… em Novembro de 2005!
Basta isto para se concluir que, de facto, a agravante procedeu a uma alteração substancial do conteúdo do orçamento para 2006 - e, consequentemente, da própria deliberação de Maio de 2006 que mais não visava do que renovar a deliberação de 2005, expurgando-a dos vícios de que padecia.
Assim, portanto, afigura-se-nos perfeitamente correcta a afirmação vertida na conclusão 5ª: “Na medida em que na deliberação de Maio de 2006 os cooperantes deliberaram sobre um orçamento que, sem a receita indevidamente considerada em Dezembro, e por força das alterações de critérios e verbas inscritas apresentava um resultado de exploração positivo, diverso quer do negativo resultante da mera expurgação do erro, quer do que erradamente se previa em Dezembro de 2005, essa deliberação excedeu e modificou o conteúdo da deliberação de Dezembro de 2005 de forma a vedar a sua qualificação como renovatória”.
Perante esta alteração fundamental e substancial do conteúdo deliberação, é claro que a renovação pretendida não pode operar. É que a deliberação pretensamente renovatória continua viciada!
Aliás, também por outra razão nunca seria válida a deliberação de Maio de 2006, na vertente de deliberação renovatória.
Com efeito, se é certo que na assembleia geral de ré de 29.12.2005 - que se destinava, portanto, à “apreciação e votação do Orçamento e Plano de Actividades para o exercício do ano e dois mil e seis e do Parecer do Conselho Fiscal” ( cfr. fls. 156) - teve lugar a votação, designadamente, daquele Parecer do Conselho Fiscal (cfr. fls. 160), o certo é, também, que na assembleia geral da ré de Maio e 2006 -- que visava, precisamente, sanar os vícios, designadamente, materiais do “Orçamento e Plano de Actividades” e que a agravada sustenta que aí foram sanados ou expurgados - o Parecer do Conselho Fiscal—necessário, obviamente, atento o novo desenho do Orçamento, perante a alegada expurgação dos vícios - não foi votado - sem, sequer, submetido a apreciação da assembleia (cfr. acta de fls. 403). O que significa que, também neste segmento da deliberação de 2005 - deliberação esta que a agravada sustenta ter sido (integralmente) renovada em Maio de 2006 – não ocorreu a pretendida renovação.
Percute-se: tratando-se de orçamento rectificativo - alegadamente expurgado (segundo alegação da agravada) dos vícios que o agravante apontou --, não podia a Assembleia “Renovatória” da ré deixar de tomar posição sobre o Parecer do Conselho Fiscal – o qual, diga-se, não podia deixar de existir. E tal posição (entenda-se votação e necessária aprovação) não ocorreu, assim se corroborando a viciação da própria deliberação “renovatória”.
Assim sendo, o que constatamos é que a nova deliberação - pretensamente renovatória - passou a estar, agora também ela, viciada. Pelo que, também por esta (nova) situação, não seria possível a deliberação renovatória.
Isto já para não falar da continuação da viciação apontada pelo agravante, no que tange ao seu direito à informação - atento, designadamente, o facto de a agravada não ter demonstrado que os documentos solicitados pelo agravante para consulta no período preparatório da assembleia geral de Dezembro de 2005 lhe foram facultados no período preparatório da assembleia de Maio de 2006 -- apenas o tendo sido na própria sessão da assembleia de 22.05.2006, como parece emergir do documento de fls. 406 a 413.
Dos elementos que os autos facultam fica pelo menos a dúvida sobre a não satisfação desse direito à informação do autor. O que - na ponderação do ónus da prova (positiva) que a tal respeito sempre incidiria sobre a agravada - sempre permitiria ao agravante a satisfação da sua pretensão de continuar com a presente lide.
Do explanado parece (ou melhor, deve) concluir-se não ser possível afirmar que a deliberação tomada pela ré em Maio de 2006 teve carácter renovatório da que tomara em Dezembro 2005.
Efectivamente, como se escreveu no Ac. da Rel. do Porto, de 21.12.93, Col. Jur., XVIII-V-248, “a renovação prevista no artº 62º do C.S.C. pressupõe uma anterior deliberação dos sócios [….], carecida de expurgação de vícios que a inquinam”.
Isto é, a deliberação renovatória para ter validade não pode enfermar de quaisquer vícios. “Toda a deliberação renovadora deve estar isenta do pecado de invalidade (nulidade ou anulabilidade) [….]. Ou, por outra via, toda a deliberação renovadora tem de estar escorreita dos mesmos ou se outros vícios e, portanto, capaz de produzir os efeitos jurídicos a que tendia a anterior”(10). O que, como vimos, não ocorreu no caso sub judice.
A segunda deliberação - repete-se -,em de ter “o mesmo conteúdo” da anterior, apenas corrigindo o óbice antes verificado. Só a essa deliberação pode a assembleia atribuir eficácia retroactiva - ressalvando, como já dissemos, os direitos de terceiro. Não se trata de uma convalidação ou de uma sanação da primeira deliberação: antes ocorre uma segunda e própria deliberação, que visa produzir os mesmos efeitos jurídicos da anterior, “mas agora sem a pendência da invalidação”. Se é certo que “não se distinguem vícios formais e vícios substantivos”, “no entanto, há uma lógica subjacente irrecusável: uma verdadeira “renovação” postula que a segunda deliberação tenha um conteúdo idêntico ao da primeira, sob pena de lidarmos com algo distinto, que se suceda no tempo. Ora, um conteúdo idêntico e sem vícios só será compaginável com problemas de ordem formal” (11).
Também é este o entendimento sufragado por Joaquim Taveira da Fonseca, que, depois de referir que a renovação da deliberação não se confunde com a sanação do vício por confirmação(12), refere: “Diferentemente, a renovação da deliberação importa a formação de uma deliberação nova, mas de conteúdo tendencialmente idêntico…”. “o seu conteúdo corresponde a uma modificação apenas do que se mostrar estritamente necessário para eliminar ou fazer desaparecer o vício, sendo os efeitos que a nova deliberação é apta a produzir idênticos ou, pelo menos, análogos, na prática, aos da deliberação renovada. Se a modificação do conteúdo se não restringir ao estritamente necessário para “extirpar “a deliberação dos vícios que a inquinam e ainda se os efeitos jurídicos da nova deliberação não forem os mesmos, não se poderá falar de renovação da deliberação” (13).
Por isso é que Lobo Xavier(14) sustentava antes da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais que a renovação só seria possível quando estivesse em causa um vício no processo formativo e não no seu conteúdo. O Código, porém, como se sabe, foi mais longe, admitindo a renovação de deliberações inquinadas com vícios que atingem o seu próprio conteúdo - embora apenas quando estão em causa meras anulabilidades, ou seja, quando não sejam violadas normas de carácter imperativo ou ofendidos os bons costumes (cit. artº 62º/2 CSC).
Ora, como vimos, a deliberação de 2006 consubstanciou uma alteração fundamental e substancial do conteúdo da deliberação que a agravada tomara em Dezembro de 2005 (no que toca à supra referida componente da receita) (15).
Não vingando a pretendida renovação da deliberação, é claro que se mantém de pé a presente acção em que a agravante pretende a anulação das deliberações tomadas pela agravada na sua assembleia geral de 29.12.2005, com fundamento, designadamente, no estatuído nos arts. 49º e 56º do Cod. Cooperativo e arts. 56º e 58º do CSC. Não se vislumbra, assim, a inutilidade superveniente da presente lide face à pendência da acção a correr termos no 6º juízo cível do Porto - inutilidade que teria cabimento, sim, mas no caso de as deliberações de Dezembro de 2005 terem sido, entretanto, validamente renovadas. Situação que, como vimos, não se verificou.
Assim procedem as conclusões da apelação.
CONCLUINDO:
Com a renovação duma deliberação social visa-se, não apenas substituir a anterior deliberação, mas retomá-la escorreita dos vícios que a inquinavam, ou de outros.
Uma verdadeira “renovação” postula que a segunda deliberação tenha um conteúdo idêntico - e sem vícios -- ao da primeira - o que só será compaginável com problemas de ordem formal --, sob pena de lidarmos com algo distinto, que se suceda no tempo;
Não só a modificação do conteúdo tem de se restringir ao estritamente necessário para “extirpar “a deliberação dos vícios que a inquinam, como também os efeitos jurídicos da nova deliberação têm de ser os mesmos, sob pena de se não poder falar de renovação da deliberação.
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IV. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Porto, 14 de Fevereiro de 2007
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
_________________
(1) O despacho é do seguinte teor: “[………..] Das actas da nova assembleia, que decorreu em duas sessões separadas no tempo pela necessidade de analisar e dar resposta ao documento que o A. aí apresentou, resulta, que foi aprovado o orçamento rectificativo para o ano de 2006, que segue de perto e contém o orçamento anteriormente apresentado para o exercício económico de 2006, com excepção de cinco pontos alterados e que dizem respeito a um erro detectado no mapa de receitas, à revisão do número de alunos, aos custos com pessoal, a amortizações e ajustamentos do exercício e mapa de fluxos de caixa. Repare-se que o ponto n.º 6 deste orçamento rectificativo diz expressamente: «Os restantes pressupostos utilizados neste orçamento rectificativo, mantém-se inalterados face ao apresentado no orçamento inicial, pelo que transcrevemos o seu respectivo texto:».
Ou seja, a nova deliberação contém a anterior, agora expurgada dos vícios e erros contidos no anterior orçamento (sendo que, alguns deles, constavam da fundamentação aduzida pelo A. para peticionar a nulidade da deliberação).
Por outro lado, verifica-se, também, que a direcção da R., confrontada com as diversas questões suscitadas pelo A. no decurso da assembleia extraordinária e que haviam já sido suscitadas na assembleia de 29/12/2005 – onde foi tomada a deliberação aqui impugnada – respondeu na sessão de 22/05/2006, na forma que consta do documento de fls. 406 a 413 dos autos e que ficou a fazer parte integrante da acta da assembleia geral que aprovou o orçamento rectificativo. Tal documento dá resposta às questões que foram levantadas nestes autos e, como se disse, constam da acta daquela assembleia onde foi aprovado o orçamento rectificativo, que inclui, com alterações, o orçamento para 2006, aprovado na assembleia de 29/12/2005 e que nesta acção é posta em causa.
As deliberações da assembleia de 08/05/2006, que continuou no dia 22/05/2006, foram oportunamente impugnadas pelo A. naquela acção que corre termos na …ª Vara deste tribunal.
No caso dos autos, não tem aplicação directa o disposto nos artigos 62º e 56º do Código das Sociedades Comerciais, por não se verificarem taxativamente os pressupostos aí enunciados. Contudo, como já supra se disse, a deliberação posterior, contendo a anterior, expurgada de erros e vícios que aí se detectaram, é uma verdadeira deliberação renovadora nos termos gerais em que as mesmas são admitidas pelo referido Código.
Diz o artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais que «a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente (...)».
É a nova deliberação «que se constitui em exclusivo fonte dos efeitos jurídicos, expulsando a primeira da cena por renovação» - Carneiro da Frada, in “Deliberações Sociais Inválidas no Novo C. Soc. Comerciais”, pág. 336.
Aliás, resulta claro que se a R. resolveu renovar as deliberações, é porque, de certa forma entendeu que as deliberações anteriormente tomadas padeciam de alguns dos vícios apontados pelo A., pois de outro modo, aguardaria que o tribunal se pronunciasse, certa de que obteria ganho de causa.
E, assim sendo, é óbvio que não há qualquer interesse na prossecução da presente acção, onde se iria discutir a validade de deliberações, entretanto já renovadas noutra assembleia geral.
Tal assembleia geral – a última -, ou melhor, as deliberações aí tomadas, com se disse, foram já impugnadas através da competente acção intentada na …ª Vara Cível do Porto, …ª Secção, Processo n.º …../06.2TVPRT, onde o A. poderá fazer valer, também, a argumentação trazida a estes autos, uma vez que aquela deliberação contém a parte do orçamento não rectificado que aqui se pôs em causa.
O que não se compreenderia é que o A. estivesse a impugnar a deliberação que aprovou o orçamento para 2006 nesta acção e numa outra, paralelamente, a impugnar a deliberação que aprovou o mesmo orçamento (e que o contém), mas já expurgado e rectificado.
Assim, por força de um facto superveniente, a presente acção deixou de ter objecto.
Face ao exposto, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide – artigos 62º do Código das Sociedades Comerciais e 287º e) do C.P.C..”.
(2) Diz-se no despacho recorrido que “não tem aplicação directa o disposto nos artigos 62º e 56º do Código das Sociedades Comerciais” aos presentes autos. Mas obviamente que não vemos razões para deixar de aplicar os preceitos que regem ou regulamentam a renovação de deliberações sociais.
(3) Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, Almedina, 1993, a pág. 585.
(4) Já não serão passíveis de renovação as deliberações ofensivas de direitos de terceiros, isto é, “as deliberações dos sócios (…) cujo conteúdo não seja, por natureza, sujeito a deliberações dos sócios” (artº 56º-1-c) CSC) - deliberações que são nulas (cfr. Ferrer Correia, in RLJ , Ano 96º-161).
(5) Pinto Furtado, Deliberações,… 587, citando, com exemplos, as situações previstas nos arts. 710º, 914º, 264º, 1165º, 2281-1, 2297-1, todos do CC).
(6) Ob. Cit., a pág. 588.
(7) António Menezes Cordeiro, SA: Assembleia Geral e Deliberações Sociais, 2007, Almedina, a pág. 235.
(8) E o acabado de afirmar não é afastado, obviamente, pelo facto de em caso de renovação nos depararmos com uma nova e distinta deliberação que inutiliza o pedido e a causa de pedir numa acção que tenha sido exclusivamente dirigida contra a deliberação primitiva. Pelo que a oposição que pretenda mover-se contra a deliberação renovadora, obviamente, que não deixa de envolver um novo e distinto pedido, voltado unicamente para esta e fundado numa específica e diferente causa de pedir.
(9) Deliberações…., 591.
(10) Uma nota pode, desde já, ficar.
Diz o agravante na réplica (fls. 270) que “a faculdade prevista no artº 62º, nº3, do CSC, depende obrigatoriamnete do reconhecimento claro e em concreto da invalidade da deliberação a renovar”.
Por isso sustenta que, não tendo a Ré/agravada reconhecido essa invalidade - o que é correcto, como expressamente referiu na assembleia de 22.05.2006 (cfr. fls. 406), ao dizer que “A Direcção não considera inválida a deliberação que aprovou o orçamento para 2006…..”--, não pode ter lugar a renovação da deliberação social da ré de Dez./2005. Posição que o agravante reiterou na conclusão 7ª das suas doutas alegações recursórias.
Cremos que assim não deve ser, salvo o devido respeito.
Com efeito, como anota Menezes Cordeiro, ob. e pág. cits., a renovação “poderá operar adcautelam: afirmada a presença de certo vício e independentemente de se aceitar tal asserção, poder-se-ia retomar a deliberação sem o ponto questionado. O interesse prático da figura é, assim, muito grande, o que é atestado por numerosa jurisprudência ilustrativa”.
(11) Pinto Furtado, Deliberações…., págs. 598 e 461 a 462.
Este autor, a pág. 641, refere que 2ª renovação deliberativa tem por finalidade… salvar o resultado prático da eficácia da deliberação inquinada, através de outra de idêntico conteúdo, mas escorreita dos mesmos, ou de quaisquer vícios, e, portanto, capaz de produzir os efeitos jurídicos a que tendia a anterior”.
“Ai dizer-se na lei “desde que anulável não enferme do vício da precedente”, não que decerto circunscrever o sentido da expressão exactamente ao mesmo vício anteriormente cometido. Se assim fosse, dir-se-ia que a renovação não deixaria de ser eficaz, apesar de porventura viciada, desde que o vício não fosse o da precedente deliberação”.
“Assim, toda a deliberação que tenha em vista uma renovação deve estar isenta de qualquer invalidade, não só porque seria estranho que uma deliberação nula ou ferida de inexistência jurídica pudesse pôr de pé os efeitos jurídicos pretendidos por uma anterior deliberação meramente anulável, tal como não se conceberia que a renovação de uma deliberação com estes últimos vícios pudesse ser inatacavelmente renovada por uma renovação inválida, embora apenas anulável” ( ob cit. a pág.641).
Sobre a matéria pode ver-se, ainda, Carneiro da Frada, Renovação de Deliberações Sociais (Separata do BFD, LXI) . 1987.
(12) Menezes Cordeiro, Ob. cit., pág. 236.
(13) O que tem sido salientado pela doutrina, cfr. Carneiro da Frada, renovação de Deliberações Sociais, separata do vol. LXI (1985) do BFDUC e Dr. Pinto Furtado, Deiberações…, pág. 578.
(14) Deliberações Sociais: Suspensão e anulação (Separata da revista «textos» do Centro de estudos Judiciários, Porto, 1994, a págs. 78 a 81.
(15) Anulação de Deliberação Social e Deiberações Conexas, Atlântica Editora, 1975, p. 447 “in fine”- nota 16.
(16) Aqui fica alguma jurisprudência, quase toda citada na referida obra de Menezes Cordeiro, sobre a matéria da renovação de deliberações sociais, que se cita por se entender relevante para a compreensão desta problemática:
- não é logicamente possível a renovação de uma deliberação
Inexistente (RP 21-Dez.-1993, CJ XVIII (1993) 5, 246-250 (248/I) e RP 8-Jun.-(2000). CJ XXV (2000) 3, 206-211 209/11);
- pode ser renovada a deliberação que, apenas verbalmente, tivesse fixado a remuneração de um gerente (RCb 7-Abr.-1994, CJ XIX (1994) 2, 24-27 (27/II);
- admite-se que uma deliberação seja, em simultâneo, renovatória e interpretativa de uma deliberação anterior (STJ 4-Dez.-1996, CJ/Supremo IV (1996) 3, 34-36 (36/1) = BMJ 462 (1997), 441-447 (445);
- a renovação de deliberações materialmente inválidas - para o caso: uma amortização de quota - não é possível (STJ 6-Mai.-1997, CJ/Supremo V (1997) 2, 77-79 (78);
- é possível uma renovação de segundo grau, isto é, a adopção de uma deliberação renovadora de outra deliberação que, por seu turno, já tenha renovado uma anterior (RPt 2-Fev.-1998, CJ XXIII (1998) 1, 201-203 (202/11); assim não será se a primeira "renovação" for nula ou ineficaz por ter prejudicado terceiros: a segunda renovação já não é possível (RCb 17-Fev.-1998, CJ XXIII (1998) 1, 36-38 (38/1);
-- perante a deliberação renovadora é possível invocar novos e distintos vícios, mas em nova acção (RPt 2-Fev.-1998 cit., CJ XXIII, 1, 203/1);
não é possível uma deliberação renovatória que reproduza o conteúdo de uma outra, declarada nula com trânsito em julgado, mas agora sem o vício (RP, 8.7.99, Col. Jur., XXIV (1999) 4º, 194-198 (197/I);
- a renovação de uma deliberação que excluíra um sócio exige a regular convocatória deste (RP, 11.5.2000, Proc. nº 0030316/ITIJ;
- a renovação consolida a deliberação anterior desde que ela não enferme dos vícios desta (RL, 8.3.2001, Proc. nº 0078246/ITIJ;
- não há propriamente prazo para a renovação ( RC, 21.9.2004, Proc. nº 1466/04/ITIJ;
- Ac. da Rel. do Porto, de 21.12.93, Col. Jur., XVIII-V-248.