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ACÇÃO DE DESPEJO
ARRENDAMENTO PLURAL
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
I) Os factos essenciais têm de ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). O réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do artigo 574.º do CPC). II) Os factos não principais dividem-se, na terminologia do Código, em factos instrumentais, concretizadores e complementares. III) Nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CPC, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo. IV) Para que possa ser considerado pela Relação um facto complementar, o mesmo tem de ter sido aportado até ao encerramento da discussão em 1.ª instância e anunciado às partes, para que as mesmas pudessem sobre ele exercer contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado. V) Não tendo tal tido lugar até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração na instância de recurso. VI) Tendo a ré – então casada com o réu - outorgado em 1972, contrato de arrendamento para habitação do casal e tendo os réus, quando se divorciaram um do outro, em 2002, acordado em permanecerem ambos na casa que era a de morada de família, acordaram em assumir ambos a posição de arrendatários, passando o arrendamento a ser um arrendamento plural (por os réus serem simultaneamente e compativelmente arrendatários do mesmo objecto), com dois coarrendatários. VII) Ao contrário do que sucedia à luz do artigo 45.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948 (que estipulava expressamente que a modificação da titularidade da posição de arrendatário só produziria efeitos em relação ao senhorio na medida em que este fosse dela notificado em determinado prazo), nem o Código Civil na redação primitiva ou na do actual artigo 1105.º, nem o RAU, consignam a imposição de um prazo para a comunicação ao senhorio da referida alteração da posição contratual de arrendatário, com efeitos preclusivos. VIII) Tal deriva da circunstância de a lei, nessa situação, visar salvaguardar os interesses de protecção da casa de morada de família, sobrepondo-os aos interesses do locador. IX) Uma coisa é a obrigação de pagamento da renda - a qual persiste em todo o tempo de execução do contrato de arrendamento até ao seu término - outra, é a compensação a que, no final do contrato, o arrendatário tem direito, por obras licitamente feitas no arrendado - a qual só se origina com o termo do contrato. Não existindo sinalagma ou correspectividade das prestações entre ambas as obrigações, não se encontra verificado o requisito atinente à reciprocidade dos créditos, para a compensação poder ter lugar. X) Atento o disposto no artigo 15.º-F nº 3 do NRAU, aprovado pela Lei 6/2007 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição (ao pedido de despejo), que pagou a taxa de justiça devida (responsabilidade perante o Estado) e que prestou caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (responsabilidade perante o senhorio), sendo de afastar a regulação que, em contrário, emana do artigo 10º, n.º 2, da Portaria n.º 9/2013 de 10 de Janeiro, verificando-se uma invalidade da portaria aludida, porquanto o seu conteúdo é incompatível com a respectiva fonte de produção.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
* 1. Relatório:
Nos presentes autos de acção especial de despejo que CJ… e EB… (entretanto falecida, tendo sido habilitados os seus herdeiros IL… e JA…) intentaram contra MS… e FA…, todos identificados nos autos, foi proferida sentença a: “a) declarar validamente resolvido o contrato celebrado entre as partes; b) condenar os réus a pagar aos autores a importância de 10.936,80€, relativa aos montantes das rendas em dívida até 30/1/2016, acrescidas das rendas vencidas e vincendas desde aquela data, no montante de 750,00€ cada, até efectivo despejo, bem como os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal desde o momento em que os réus se constituíram em mora perante os autores; -Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido pela ré MS… e, consequentemente (…): a) condenar os autores a pagar à ré ré MS… a importância de 8.395,00€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da interposição da oposição até efectivo pagamento; b) reconhecer que à Requerida MS… assiste o direito de retenção relativamente ao imóvel até integral e efectivo pagamento da importância referida na al. anterior, após o que deverá entregar o locado aos autores; -Julgar improcedentes os seguintes pedidos reconvencionais: a) o acordo sobre o destino da casa de morada da família ser declarado nulo, nos termos dos artigos 84º do RAU e 294º e 280º do Código Civil; b) o acordo sobre o destino da casa de morada da família ser anulado, por erro sobre o objecto jurídico, nos termos dos artigos 251º e 247º do Código Civil; c) reconhecer-se, quer num caso quer noutro, que o acordo sobre o destino da casa de morada da família não pode ser oposto pelos Requerentes à Requerida; d) ser reconhecido abusivo o exercício dos direitos de resolução do contrato de arrendamento, de pagamento das rendas e de despejo da Requerida pelos Requerentes, declarando-se impedido esse exercício; e) ser compensado, no montante no qual a Requerida possa vir a ser condenada a pagar aos Requerentes, o montante de 8.395,00€ correspondente ao crédito detido pela Requerida sobre os Requerentes; f) julgar inconstitucional, nos termos do artigo 204º da CRP, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, por violação do disposto nos artigos 2º, 3º, nº 3, 18º, 20º, nº 1, e 266º, nº 2, da CRP (…)”.
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Não se conformando com a decisão, dela apelaram os AA. e os RR.
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A R. MS… interpôs recurso de apelação concluindo: “Quanto à matéria de facto, em primeiro lugar, 1. Tendo em conta o teor do contrato de arrendamento, os factos provados 3 e 17 a 21 e os artigos 371º e 376º do Código Civil, o facto provado 1 deve ter a seguinte redacção: 1 - Por contrato de 18 de Maio de 1972, com início em 01/07/1972, e pela renda mensal de 3.000 $00, o requerente marido, na qualidade de administrador dos bens comuns do casal, deu de arrendamento à requerida MS…, para habitação dos requeridos, então casados um com o outro, o rés-do-chão e garagem do prédio sito na Rua …, Lote …, actual nº …, na Costa da Caparica, inscrito sob o artº … na matriz predial urbana da freguesia de Costa da Caparica, actual artº … da mesma freguesia (…). 2. Tendo em conta: (i) Os factos provados 6 a 21, 27 e 35 a 39; (ii) As declarações de parte do A. CS… (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 7:00 a 7:47, 8:10 a 8:22, 19:26 a 19:45, 1:05:00 a 1:05:40), nas quais disse, essencialmente, que soube há dois ou três anos, quando o processo agora se levantou (…), que o Requerido não vive no locado, correspondendo esse lapso de tempo, pelo menos, ao momento em que o A. enviou aos Requeridos as comunicações de transição para o NRAU, no ano de 2014, as quais eram entregues à Recorrente mas devolvidas quando remetidas ao Requerido (factos provados 4 a 16), e que os seus filhos e netos frequentarem permanentemente os pisos superiores do prédio do locado nas férias de Verão; (iii) As declarações de parte da A. IC… (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 1:43:25 a 1:44:20 e 1:44:48 a 1:45:35), nas quais disse, essencialmente, que pelo menos desde 2006 vai todos os anos passar férias de Verão nos andares de cima do locado e que o irmão tem feito o mesmo em Agosto desde sempre, e que nele não vê o Requerido FT… há 3, 4, 5 anos, período que ultrapassa a altura em que o A. CS… enviou aos Requeridos as comunicações de transição para o NRAU, no ano de 2014; O que torna no seu conjunto inverosímil que os AA., passando todos os anos férias nos andares de cima do locado, não se dessem desde logo conta que o Requerido FT…, que eles conhecem, e seu alegado arrendatário, já não vivia no locado pelo menos em 2014; (iv) Os depoimentos das testemunhas FP… e LB…, amigos dos AA., que, frequentando frequentemente as fracções dos Autores por cima do locado, nunca nele viram os Requeridos (no ficheiro áudio20170905143915_17850577_2871158, passagens 6:08 a 7:32 e 49:44 a 51:15); (v) O depoimento da testemunha FG…, empreiteiro do A., que disse (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) que foi ao locado diversas vezes (passagem 13:32 a 14:04), que conhece os Requeridos há 13 ou 14 anos, mas que a partir de certa altura, voltando ao locado, nos últimos 10 ou 12 anos, só lá vê a Requerente, não o Requerido (passagem 20:11 a 23:04, 26:22 a 28:03) e que disse ao Autor CS… que o Requerido já não vivia no locado: eu por vezes é que lhe dizia, portanto, que não via lá o senhor F… (passagem 45:25 a 46:36), concluindo-se, portanto, que o Autor CS… sabia disso; (vi) O depoimento da testemunha PT… (filho dos Requeridos), que confirmou (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) que os senhorios sempre se comportaram perante a Requerida como se esta fosse a única arrendatária, até 2014, aquando do envio das comunicações aos Requeridos para transição para o NRAU (passagem 58:09 a 1:00:13), e que disse que numa conversa tida com o Autor CS… em Março de 2016 no locado, aquando da vistoria promovida pela CM de Almada (e cujo relatório foi junto a fls., confirmando a presença do senhorio), o Autor CS… lhe disse que sim, que sabia que a Requerida vivia no locado sozinha há uma série de anos, embora a casa fosse muito grande e a renda baixa, depois da testemunha PT… o confrontar com o facto de ele saber, tal como toda a sua família (filhos, netos, primos) e vizinhos, que o Requerido não vive no locado há vários anos, sendo o litígio entre as partes motivado verdadeiramente pelo valor da renda (passagem 1:00:57 a 1:07:13, especialmente 1:05:04 a 1:06:40); (vii) O depoimento da testemunha RB…, que (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) confirmou ter presenciado a conversa tida entre o A. CS… e PT…, aquando da vistoria promovida pela CM de Almada, dizendo que, de facto, o Autor CS… disse a PT… que sabe que o Requerido não vive no locado há uma série de anos, tendo usado até a mesma expressão para descrever o lapso temporal em causa – uma série de anos – que PT…, e que a contenda existente entre as partes se prenda verdadeiramente com o valor da renda, que era baixa (passagem 1:46:00 a 1:52:33, especialmente 1:50:10 a 1:51:14); Pelo que, não sendo crível que um senhorio normal não sabia se os seus arrendatários vivem no locado, sobretudo quando ele vai aos andares de cima e os seus filhos neles passam sempre as férias de Verão e, aparentemente, até a vizinhança sabe que assim é, os testemunhos de FG…, PT… e RB… são decisivos, porque são coerentes neste ponto: foi dito ao A. CS… e por ele reconhecido, perante os três, que sabia que o Requerido FT… não vive no locado há sua série de anos. Ou seja, RB… e PT… confirmaram que o A. CS… lhes disse que sabia que o Requerido FT… já não vivia no locado há uma série de anos e FG… disse que disse ao A. CS… que o Requerido FT… já não vivia no locado (ele que ia várias vezes ao longo dos últimos 10 anos), o que, conjugado com as declarações do próprio A. CS… (que sabe que o Requerido FT… não vive no locado há dois ou três anos), da A. IC… (que não vê o Requerido FT… no locado há 3, 4, 5 anos, pese embora passe sempre as suas férias de Verão, nos últimos 10 anos, nos andares de cima) e das testemunhas FP… e LB… (que disseram que nunca viram o Requerido no locado ao longo destes anos), e com os factos provados 6 a 21, 27 e 35 a 39, é impossível acreditar que, pelo menos em 2014, os AA. já não soubessem que o Requerido FT… já não vivia, nessa altura, no locado; (viii) E, ainda, certidão de notificação da notificação judicial avulsa junta pelos AA. como doc. 13 da PI, onde o oficial de justiça, aquando da citação do Requerido no locado, dá conta, em 30.10.2015, que não o pode fazer porque a Requerente lhe diz que ele ali não vive há cerca de 10 anos, facto que veio a ser provado em Tribunal mas que foi ignorado pelos AA., já que, ainda assim, em 10.12.2015, remeteram nova comunicação ao Requerido para o locado, com o objectivo de resolveram o contrato de arrendamento, sem poderem contudo desconhecer, de todo, que o Requerido não vivia no locado nesse momento, sendo esse desconhecimento também impossível quando fica claro que a Recorrente sempre respondeu aos AA., ao invés do Requerido, e que era com ela e não com este que os AA. tratavam de todos os assuntos do arrendamento, especialmente o pagamento da renda – factos provados 20 e 21 – e cuja falta deu origem à resolução; 3. E conjugando assim a prova testemunhal com a documental e as declarações das partes, ao abrigo dos artigos 5º do CPC e 396º do Código Civil, os factos não dados por provados 47, 48 e 49, correspondentes aos artigos 40º, 43º, 44º, 46º e 51º da oposição da Recorrente, deveriam ter sido dados por provados (o 49 no limite, como presunção judicial, nos termos do artigo 351º do Código Civil), nos seguintes termos: 47-Os Requerentes, antes de enviarem aos Requeridos as comunicações referidas nos factos provados 4 a 16, já sabiam que o Requerido não vivia no locado há uma série de anos. 48-Até 2014, os Requerentes sempre se comportaram perante a Requerida como se fosse esta a única arrendatária, tal como vinham fazendo desde o início do contrato (1972), sempre sem invocarem a alegada qualidade de arrendatário do Requerido. 49-Os Requerentes tentam usar, em 2014, o teor do acordo sobre o destino da casa de morada da família dos Requeridos para, através dele, imporem, com isso, um aumento de renda (e posterior despejo) à Requerida, com fundamento na omissão de resposta do Requerido às suas interpelações para actualização de renda, que até ali e mesmo em diante apenas negociavam com a Requerida. Em terceiro lugar, 4. Tendo em conta: (i) O depoimento de parte da Recorrente (gravado no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158), onde esta disse que o Requerido lhe exigiu, aquando do divórcio, continuar a viver no locado, durante algum tempo, até encontrar um outro local para viver (passagens 2:16:22 a 2:16:50 e 2:17:28 a 21:17:40), que tal era uma mera tolerância, como até o próprio Tribunal recorrido reconhece durante o julgamento, ao usar a palavra “tolerar” (passagem 2:15:35 a 2:17:40), e que o acordo sobre a casa morada de família não era para o Requerido ficar como arrendatário (passagens 2:31:57 a 2:32:40 e 2:33:05 a 2:33:25); (ii) E o depoimento de parte do Requerido (gravado no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158), onde ele disse que não ia assinar o divórcio, portanto sem ser litigioso, sem ter garantia onde ficar, até ter casa para onde ir viver no início de 2004 (passagem 3:08:20 a 3:08:35) e que pagava a renda à Requerida, sendo esta que a entregava na sua totalidade ao senhorio, e que todas as questões do arrendamento eram tratadas pela Requerida: (passagem 18:23 a 19:47 do ficheiro áudio gravado 20170905181830_17850577_2871158); 5. Os factos 22, 40 e 41 devem ser dados por provados, nos seguintes termos, tendo em conta a prova produzida e os poderes cometidos ao Tribunal, nos termos dos artigos 5º do CPC e 396º do Código Civil: 22-Aquando da negociação dos termos do divórcio por mútuo consentimento, o Requerido impôs à Requerida uma condição: poder continuar a habitar, durante algum tempo, o locado, até encontrar um outro local para viver e para garantir tal pretensão, pretendia consignar no acordo de divórcio que o referido arrendamento, da casa de morada de família, foi atribuído a ambos os requeridos. 40-Os Requeridos não pretendiam que o Requerido marido assumisse, juridicamente, a posição de arrendatário do locado perante os Requerentes. 41-O que os Requeridos de facto queriam acordar era apenas o seguinte: a Requerida mantinha-se como única arrendatária do locado, mas permitiria que o Requerido nele continuasse a viver, temporariamente, até encontrar outro local para habitação (como acontece em diversos casos), ajudando o Requerido a pagar metade da renda que a Requerida suporta todos os meses. Quanto à matéria de direito, em primeiro lugar, 6. Tendo em conta dos factos dados por provados 6 a 21, 27 e 35 a 39, aditados aos factos 47, 48 e 49, conjugados com o facto provado 1, é claro que os AA. resolveram ilicitamente o contrato de arrendamento dos autos, porque sabiam, ou não podiam ignorar, que o Requerido já não vivia no locado, quando promoveram a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aumentando a renda e, depois, por falta do seu pagamento, resolvendo o contrato, em 2014/2015. 7. De facto, se o declarante envia uma declaração ao declaratário para local que ele sabe que este não se encontra, aquele actua em manifesto abuso do direito, por violação da boa fé: artigo 334º do Código Civil. 8. A má fé dos AA. é ainda mais clara quando ficou provado que eles sempre trataram dos assuntos do arrendamento com a Recorrente, especialmente o aumento da renda, cuja falta de pagamento da alegada nova renda fundamentou a resolução do contrato; a Recorrente sempre respondeu às comunicações dos senhorios, ao invés do Requerido; não obstante as cartas remetidas ao Requerido para o locado serem devolvidas, mesmo após a informação da Recorrente ao oficial de justiça, os Senhorios apenas remetiam comunicações ao Requerido para o locado, sem nunca confirmarem, pelo menos, se ele ali ainda vivia; eles movem a acção de despejo contra os Requeridos por falta de pagamento da renda por esta e não por um deles já não viver no locado ou por a Recorrida não pagar a renda; e fazem-no (com fundamento na falta de pagamento da renda) ainda que o A. CS… não sabia, por exemplo, por que meio a renda é paga nem quem a pagava e paga, nem sequer sabia, sobretudo, que valor de renda é pago nem procede ao levantamento do valor das rendas depositadas há anos, embora ela seja paga, demonstrando não ter, em bom rigor, qualquer vantagem real com a acção, mas, ao invés, apenas o objectivo de despejar a Recorrente (ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 9:46 a 10:25, 12:54 a 15:53, 49:14 a 1:04:15). Por outro lado, 9. Como o Requerido não recebia as comunicações enviadas pelos AA. de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de aumento de renda, os AA. recorreram à notificação judicial avulsa para, com fundamento na falta de pagamento da nova renda, resolverem eficazmente o contrato de arrendamento, ao abrigo dos artigos 9º, nº 7, alínea a), e 10º, nº 5, alínea b), da Lei nº 6/2006 e 1083º, nº 3, e 1084º, nº 2, do Código Civil. 10. Porém, a alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006 só é aplicável quando não é possível localizar o arrendatário, desde logo porque ele não se encontra no locado. 11. Ora, quando os AA. enviam essa comunicação ao Requerido (doc. 14 da PI) não fundamentam a impossibilidade de localização do Requerido. 12. Com efeito, a impossibilidade aí em causa não é a do Requerido receber ou não a notificação judicial avulsa, para efectivar a resolução do contrato, mas sim não se saber onde ele se encontra para se poder tornar eficaz a comunicação subjacente à notificação judicial avulsa enviada: ou seja, esta impossibilidade está relacionada com a localização do arrendatário e não com a não recepção em si das comunicações enviadas (que, de resto, ele já não recebia), sob pena de, se assim não fosse, se bastar prever novo envio da comunicação para o locado, independentemente de qualquer impossibilidade de recepção. 13. No mais, para esse efeito, competia aos AA. alegar e provar que tentarem localizar, sem sucesso, o Requerido, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, porque o ónus dessa prova é seu. 14. Porém, nem naquela comunicação, nem nos autos ficou provado que para os AA. foi impossível localizar o Requerido para lhe remeter a comunicação de resolução do contrato: os AA. simplesmente nunca tentaram, sequer, saber onde o Requerido se encontrava. 15. Tal disposição legal, naqueles termos, está também ligada à boa-fé, pois exige-se ao senhorio que procure primeiro apurar onde o arrendatário efectivamente se encontra e, só quando não o consegue, é que há impossibilidade de comunicação com o arrendatário, permitindo-se então ao senhorio remeter a comunicação em apreço novamente para o locado. 16. Pelo que, além de actuarem em manifesto abuso do direito, os AA. também não cumpriram o disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006: não demonstraram, como lhes competia, que lhes foi impossível localizar o Requerente, antes de remeterem, por esse motivo, a comunicação junta como doc. 14 da PI, sendo assim esta comunicação ineficaz. 17. Nesta linha, o Tribunal recorrido não tem razão quando diz que o conhecimento, pelos AA., do facto de o Requerido já não viver no locado é irrelevante: quer a boa-fé, decorrente dos artigos 762º e 334º do Código Civil, quer o disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006 vão noutro sentido: se o senhorio sabe que o arrendatário já não vive no locado, não pode enviar para lá as comunicações de cessação do contrato, salvo se, depois de procurar localizá-lo, não o conseguir, ponto este que não resulta dos factos provados. 18. Sendo assim ilícita ou, apenas, ineficaz a resolução do contrato de arrendamento, nada a Recorrente deve aos AA., nem estes a podem despejar do locado. 19. Como tal, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 224º, 342º, 334º, 762º, 1083º, nº 3, e 1084º, nº 2, do Código Civil e 9º, nº 7, alínea a), e 10º, nº 5, alínea b), da Lei nº 6/2006. Em segundo lugar, 20. Tendo em conta dos factos dados por provados 1, 2, 3, 22, 23, 24, aditados aos factos 40 e 41, é igualmente claro que os Requeridos não pretendiam que o Requerido marido assumisse, real e juridicamente, a posição de arrendatário do locado perante os Requerentes, o que se traduz num erro manifesto dos Requeridos sobre o objecto jurídico do dito acordo sobre a casa morada de família, ao tratarem o Requerido também como arrendatário, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil. 21. O erro é comum a ambos os Requeridos e deles conhecido, devendo aquele acordo ser anulado, ou, no limite, e com o mesmo efeito, a Requerida não aceitaria que o Requerido ficasse seu co-arrendatário, pois isso impediria a separação efectiva do casal, o que se traduz num elemento essencial do acordo, cuja essencialidade o Requerido sabia ou não podia ignorar. 22. (…) o artigo 84º, nº 1, do RAU, aplicável à data do divórcio dos Requeridos, apenas permite que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer um dos divorciados. 23. Logo, o acordo feito entre os Requeridos (…) é nulo, por violação do artigo 84º do RAU, enquanto norma imperativa (cf. artigo 294º do Código Civil) ou objecto juridicamente impossível (cf. artigo 280º do Código Civil) e não deveria ter sido aceite pela conservatória do registo civil do Seixal que o homologou. 24. Pelo que, o Tribunal recorrido deveria ter anulado ou declarado nulo, na parte em que se atribui ao Requerido a posição de arrendatário, o acordo sobre a casa morada de família, aquando do seu divórcio com a Recorrente, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil ou 84º do RAU e 280º e 294º do Código Civil, respectivamente, e cuja falta determinou precisamente a violação destas disposições legais. Sem prejuízo, ainda que assim não fosse, 25. O que nunca se pode aceitar, pelos factos provados, é que os efeitos jurídicos do contrato quanto a um dos arrendatários se reproduzam sobre o outro, como o Tribunal recorrido decidiu. 26. Com efeito, tendo em conta os efeitos do divórcio (decorrentes dos artigos 1688º do Código Civil e 84º do RAU) e o acordo sobre a casa morada de família, a posição de arrendatário no contrato dos autos é plural, composto por dois sujeitos separados, a Requerida e o Requerido, havendo assim dois arrendatários (e não um), o que se traduz em dois direitos de arrendamento e, com isso, um feixe de direitos e obrigações separados para cada um dos arrendatários: cada um deles, individualmente, por exemplo, tem o direito de usar o locado e a obrigação de pagar a renda, independentemente do outro. 27. (…) havendo dois arrendatários, só por isso, os senhorios têm que comunicar a ambos a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, por força do artigo 11º, nº 4, da Lei nº 6/2006, independentemente do disposto no artigo 12º, nº 1, da mesma Lei, aplicável apenas aos cônjuges não separados de pessoas e bens (artigos 1688º e 1795º-A do Código Civil). 28. Feita essa comunicação, cada arrendatário pode, querendo, a ela responder, atento o efeito previsto para a não resposta à comunicação do senhorio decorrente no artigo 31º, nº 6, da Lei nº 6/2006, exercendo assim um verdadeiro ónus jurídico. 29. O exercício do ónus pelo respectivo titular é manifestamente individual, excepto quando a lei ou as partes convencionarem o exercício conjunto de uma posição jurídica, por decorrência da autonomia privada e da dignidade humana. 30. Ora, no caso dos autos, de nenhuma disposição legal ou convencional resulta que os arrendatários têm que exercer em conjunto o ónus decorrente do artigo 31º da Lei nº 6/2006 e que o facto de o Requerido não ter respondido às comunicações dos AA., seja porque razões forem, tem como efeito a Requerida ser prejudicada, podendo os AA. opor-lhe a transição do contrato para o NRAU e resolver também quanto a ela o contrato de arrendamento por aquele motivo. 31. Por isso, tendo a Requerida Recorrente exercido o ónus decorrente do artigo 31º da Lei nº 6/2006, o contrato de arrendamento terá transitado para o NRAU apenas relativamente ao Requerido, não para a Recorrente, seja porque, como se viu, existindo dois arrendatários, ou seja, dois direitos de arrendamento, nunca, em caso algum, o direito de um dos arrendatários é prejudicado pelo do outro, seja ainda tendo em conta as comunicações trocadas entre os AA. e a Recorrente, juntas com a PI, bem como o fundamento da resolução do contrato: apenas a falta de pagamento da nova renda fruto da transição do contrato para o NRAU somente para o Requerido. 32. Nessa medida, o argumento de a resolução do contrato poder decorrer da falta de pagamento da nova renda pelo Requerido também não colhe: havendo dois arrendatários, a obrigação de pagamento da renda é divisível (separável), e não solidária, por cada um dos arrendatários, devendo cada arrendatário pagar a parte da renda que lhe compete, de acordo não com a actuação de cada um, mas sim com a sua posição legal e contratual face ao senhorio (artigos 513º e 534º do Código Civil), e cujo valor, para a Recorrente, porque o seu contrato não transitou para o NRAU, correspondente ao decorrente da aplicação dos artigos 35º e ss. da Lei nº 6/2006, não podendo os AA. exigir à Recorrente o pagamento da parte da renda do Requerido, seja a parte que a este compete, seja a parte decorrente da transição, para este, do contrato de arrendamento para o NRAU. 33. (…) se assim fosse, o divórcio de pouco serviu, tendo, ao invés, prejudicado a Recorrente: divorciando-se teve que passar a dividir o arrendamento com o Requerido e a ficar sujeita às acções deste inerentes à transição do contrato para o NRAU e ao pagamento da nova renda, ao arrepio dos efeitos do divórcio previstos no artigo 1688º do Código Civil e do regime dos artigos 35º e ss. da Lei nº 6/2006 relativos ao valor da renda devida: as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com o divórcio e o arrendatário apenas tem que pagar a renda decorrente daqueles primeiros preceitos. 34. Como tal, Requerida e Requerido assumem, cada um, perante os AA., uma posição individual e separada de arrendatário e quaisquer efeitos decorrentes do contrato de arrendamento que atinjam o Requerido não são extensíveis ou comunicáveis à Requerida, uma vez que a Requerida é divorciada do Requerido e, por isso, a falta de resposta deste último à comunicação dos Requerentes, para efeitos de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, e a falta de pagamento por este da nova renda, não podem produzir efeitos contra a primeira. 35. O disposto no artigo 10º, nº 5, alínea b), da Lei nº 6/2006, invocado pelo Tribunal recorrido, não obsta a este entendimento, porque esta disposição apenas é válida para se determinar se o Requerido se considera notificado ou não da comunicação para ele enviada para o locado pelos AA. e não para se validar uma transmissão de efeitos da conduta subsequente do Requerido, relativamente à transição do contrato para o NRAU e ao pagamento da nova renda, para a esfera jurídica da Recorrente. 36. Igualmente, o disposto no artigo 31º, nº 6, da Lei nº 6/2006, invocado pelo Tribunal recorrido, também não obsta a este entendimento, porque esta disposição apenas se refere à transição do contrato de arrendamento para o NRAU (e à nova renda, duração e tipo de contrato) e não à comunicabilidade da actuação de um dos arrendatários para a esfera jurídica do outro. 37. E menos força tem o argumento de a renda ter um valor único: sendo pecuniária a obrigação de pagamento da renda, ela é divisível, tendo de ser paga pelos arrendatários nos termos do que lhes incumba a lei e o contrato, não tendo nenhum deles que pagar a parte da renda do outro. 38. Pelo que, é claro que a Recorrente não estava obrigada a pagar aos AA. a renda que estes querem cobrar ao Requerido, ou a renda decorrente da não resposta do Requerido à comunicação de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sendo assim a resolução do contrato de arrendamento relativamente à Recorrente, pelos fundamentos apresentados pelos AA., também por isso ineficaz, nada ela devendo, consequentemente, aos AA., por conta do que eventualmente o Requerido lhes deva, nem podendo assim ela ser despejada: não há aqui a comunicação de quaisquer dívidas entre os Requeridos, nem sequer se operou a transição do contrato de arrendamento para o NRAU relativamente à Recorrente. 39. Como tal, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 513º, 534º e 1688º do Código Civil e 31º e ss. da Lei nº 6/2006. Em terceiro lugar, 40. Ao reconhecer a existência de créditos recíprocos entre os AA. e a Recorrente (pontos b) da acção e a) da reconvenção, na parte decisória da sentença), o Tribunal recorrido deveria ter permitido a compensação desses créditos, pecuniários (logo, fungíveis e da mesma espécie e qualidade), exigíveis e líquidos (que até vencem juros), nos termos do artigo 847º, nºs 1 e 2, do Código Civil. 41. Ao não o fazer, violou esta disposição legal. Em quarto lugar, 42. O artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, ao impor a prestação de caução ao arrendatário em acções de despejo por falta do pagamento da renda, mesmo quando o arrendatário tenha apoio judiciário ou direito ao apoio judiciário, contraria logo a letra do artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006: por força deste artigo o arrendatário está isento de prestar caução e de pagar taxa de justiça se beneficiar ou pedir apoio judiciário. 43. Por isso, é manifesta a ilegalidade e a inconstitucionalidade do artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, porque, dispondo contra o artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006, viola o princípio da legalidade a que a Administração Pública está vinculada, por força dos artigos 3º, nº 3, e 266º, nº 2, da CRP: o Governo não pode emitir normas regulamentares que violem normas legais, como é o caso. 44. Por outro lado, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, em si mesmo, é inconstitucional, por violar os artigos 2º, 18º e 20º, nº 1, da CRP: ignora a confiança que os cidadãos têm no Estado, é manifestamente desproporcional e nega o acesso à justiça por insuficiência económica, porque não faz sentido que um sujeito processual que esteja isento de pagar taxa de justiça e que beneficia de uma renda de valor limitado por insuficiência económica, tenha que prestar uma caução igual a seis rendas, de valor superior a essa taxa de justiça ou a seis vezes o valor da renda que tem que pagar, sobretudo quando o valor em dívida de rendas é, para este efeito, fixado pelo senhorio, e que serve como valor de referência para a prestação da caução. 45. Por isso, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013 deveria ter sido julgado inconstitucional, nos termos do artigo 204º da CRP, por violação do disposto nos artigos 2º, 3º, nº 3, 18º, 20º, nº 1, e 266º, nº 2, da CRP. 46. Sem prejuízo, nos autos foi concedido apoio judiciário à Recorrente (cf. notificação com a ref. 357260417, de 06.09.2016) e já foi decidido pelo Tribunal recorrido que a Recorrente estava isenta de prestar caução, seja porque ela beneficia de apoio judiciário, seja porque, de facto, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, nos termos referidos, contraria, ilegalmente, o artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006, e que a caução que ela prestou lhe devia ser devolvida, como veio a ser (cf. despacho de 21.09.2016, com a ref. 357606265). 47. Como tal, tendo já o Tribunal recorrido apreciado a questão, não o pode fazer de novo, porque esgotou o seu poder judicial: artigo 613º do CPC, o qual, ao voltar a apreciar esta questão, o Tribunal recorrido violou”.
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O R. FA… interpôs recurso de apelação concluindo: “(…) 3.ª Por decisão transitada em julgado, em 2/12/2002, os réus divorciaram-se, tendo sido o arrendamento da casa de morada de família, objecto dos presentes autos, atribuído a ambos. 4.º Ao abrigo do disposto no artigo 30 do NRAU, os Autores promoveram, em 21/03/2014, a transição do mencionado contrato de arrendamento para o NRAU, bem como a actualização da respectiva renda, tendo proposto aos inquilinos a passagem do contrato para prazo certo, 5 (cinco) anos, e a actualização da renda para € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) mensais. 5.ª A Ré opôs-se à pretensão dos senhorios, contudo a comunicação enviada para o Réu veio devolvida por não ter sido levantada atempadamente. 6.ª Foi enviada nova carta ao Réu, nos termos e para os efeitos do artigo 10, n.º3 do NRAU, reiterando o teor da comunicação anterior, a qual voltou a vir devolvida. 7.ª Neste seguimento e não tendo existido oposição por parte do réu, a qual de acordo com o artigo 31, n.º 6 do NRAU, vale como aceitação da renda, tipo e duração do contrato propostos, é comunicada a ambos os réus por carta datada de 20/06/2014, essas mesmas alterações, informando ainda que a nova renda será aplicada a partir de 01/08/2014. 8.ª Sucede que desde essa data os réus não mais procederam ao pagamento integral da renda, continuaram a pagar apenas o montante correspondente à renda anteriormente fixada, no valor de € 142,40 (…). 9.ª Face ao ocorrido os Autores diligenciaram através da notificação judicial avulsa em comunicar aos réus o montante das rendas em divida e resolver o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 1084, do Código Civil, com fundamento na falta de pagamento de rendas por tempo igual ou superior a dois meses. 10.ª Mais uma vez, a notificação do Réu não foi realizada conforme atestado pelo Senhor Oficial de Justiça, tendo-se procedido conforme estipulado no artigo 10, n.º 5, alínea b) do NRAU. Foram assim os réus notificados para porem fim à mora no prazo de um mês, ou não o fazendo, restituírem o locado livre de pessoas e bens. 11.ª Apesar de decorrido mais de um mês sobre a notificação em causa, não procederam os réus, à restituição do locado nem procederam ao pagamento da quantia em divida, continuando a pagar apenas parte da renda, no montante de € 142,40 (cento e quarenta e dois euros e quarenta cêntimos) correspondente ao valor anterior da renda, pelo que se encontram assim em divida € 10.936,80 (dez mil, novecentos e trinta e seis euros e oitenta cêntimos) correspondente ao montante das rendas não pagas desde 01/08/2014 até 01/01/2016. 12.ª Face aos factos alegado pelos Autores, os Réus deduziram oposição. 13.ª Opôs-se o réu, excepcionando, alegando ser parte ilegítima, não sendo arrendatário do Autor, há muito, facto que é do mesmo conhecido. 14.ª Alega ainda que desde sensivelmente o ano de 2008 que não habita no locado, não tendo sido notificado de qualquer alteração ao contrato, ou para pagar rendas, ou ainda de qualquer resolução contratual. Alega que apenas teve contacto com a questão agora, aquando da citação. 15.º Desde que se divorciou da Ré e apesar de também lhe ter sido atribuída a posição de arrendatário e apesar das sucessivas interpelações que efectuou junto dos autores ou de quem os representava nesse sentido, nunca foi tratado como tal. Nunca foi notificado de qualquer aumento de renda, nunca foi chamado para nenhuma reunião, para obras ou qualquer assunto relativamente ao locado. 16.º Ademais era do conhecimento dos Autores que já há mais de dez anos que não vivia no locado, não podendo desta forma ser notificado no local arrendado para tomar posição relativamente à transição para o NRAU proposta. 17.ª Assim, tendo sido utilizada uma fórmula legal para simular a notificação do réu, concebida para aqueles que se furtam às notificações e constituindo esta ficção, uma presunção ilidível, deverá considerar-se a inexistência de título absolvendo-se os réus do pedido. Ou se considera que o réu tinha que ser notificado e de facto não foi, e não produz efeitos a transição para o NRAU operada, ou a considerar-se que não tem de ser notificado por não ter a qualidade de arrendatário, terá que operar a oposição realizada pela Ré quanto à transição operada face ao rendimento por si auferido. 18.ª Defende assim o réu, não ter existido incumprimento algum, uma vez que a renda não foi eficazmente alterada. 19.ª Interessa-nos em particular para o presente recurso o Tema de prova: a) apurar se o contrato de arrendamento existente entre as partes, foi validamente transferido pelos senhorios para o regime do NRAU (com o consequente aumento de renda) e se aqueles podem resolver o contrato de arrendamento com o fundamento na falta de pagamento integral das rendas; com cuja decisão, proferida pelo Tribunal “a quo” não nos conformamos. 20.ª A nossa discordância prende-se em primeiro lugar com os factos dados, no presente caso, como não provados. Entendemos que existiu erro na apreciação da prova existindo ainda contradição entre a fundamentação e a matéria de facto dada como assente. 21.ª Discutida a causa, resultaram, de entre outros, não provados os seguintes factos, com interesse para o presente recurso: 47 – Os requerentes sabem que o requerido não vive no locado desde o inicio de 2004, pelas visitas que já fizeram à Requerida, desde então e pelas férias que eles e os seus descendentes passam no andar de cima do locado; 48 – Até hoje, os Requerentes sempre se comportaram perante a Requerida como se fosse esta a única arrendatária, tal como vinham fazendo desde o início do contrato (1972); 49 – Os Requerentes tentam usar, em 2014, o teor do acordo sobre o destino da casa de morada de família dos Requeridos para através dele, imporem, com isso, um aumento de renda (e posterior despejo) à Requerida, com fundamento na omissão de resposta do Requerido às sua interpelações para actualização de renda, que até ali e mesmo em diante apenas negociavam com a Requerida. 22.ª Entendemos que estes factos deveriam ter sido dados como provados, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. 23.ª Na fundamentação desta decisão mais concretamente no que diz respeito ao facto constante do ponto 47, refere o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” – “ Já quanto ao conhecimento dos senhorios quanto a tal facto, cumpre dizer que não se provou que os mesmos dele tivessem conhecimento em data anterior a esta acção.” (sublinhado nosso). 24.ª Facto que fundamenta nos depoimentos de ambas as partes, de onde resultou a existência de falta de comunicação entre autores e réus, por causa de uma divergência relacionada com o locado, ocorrida nos anos 90. 25.ª Regista posteriormente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, as várias comunicações que as partes juntaram aos autos, que também não abonam nesse sentido tendo em conta pelo menos duas comunicações, que consistem em cartas que o Réu envia ao senhorio em 2008, em que apesar de já não habitar o locado, pretende ser reconhecido como arrendatário. 26.ª Neste momento convém remeter para a oposição e declarações do réu prestadas a 5/09/2017, constantes de gravação, rotações 17:32:58 a 18:46:46, em que o mesmo ainda que confusamente explica o que pretendia. 27.ª Alguém informou-o (ainda que incorrectamente ou mal percepcionado pelo interlocutor) de que, quando a Conservatória notificasse o senhorio do acordo relativo à casa de morada de família, o contrato de arrendamento deveria ser refeito, ou efectuado um aditamento ao mesmo onde ele passasse a constar como inquilino. 28.ª Tal preocupação decorria do facto de, inicialmente e apesar de casados, o arrendamento estar em nome da Ré e posteriormente apenas ela ser tratada como arrendatária, ele não era notificado para nada. A determinada altura das suas declarações, inquirido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” refere: “Mas considerava-se inquilino? Até prova em contrário sim, mas nunca fui reconhecido como tal. Nunca recebi um aumento em dez anos. Eu dava o dinheiro, era um género de hóspede”. – Gravação do dia 5/09/2017, rotações 18:18:31 a 18:19: 36. 29.ª Assim, e mesmo para pôr fim ao contrato, necessitava de ser arrendatário, uma vez que na sua ideia não seria, porque não era tratado coma tal, não iria pôr fim a um contrato a que não estava, de acordo com o seu entender, vinculado. Não tinha recibos, não podia mudar contratos da água, da luz… Daí a sua interpelação nesse sentido. 30.ª E prossegue o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, “É certo que todos os depoentes de parte declararam que os senhorios até há poucos anos atrás utilizavam as fracções cimeiras do locado de forma sazonal (Verão no mês de Julho), mas daí não se pode retirar sem mais que nas idas dos senhorios ao prédio, aqueles se tivessem apercebido que o Réu FT… já lá não morava.” 31.ª Neste seguimento, importa mencionar o depoimento da testemunha arrolada pelos autores, FB…. Esta testemunha executa trabalhos, obras para os autores. No seu depoimento prestado no dia 08/09/2017, constante da última gravação, a rotações de 11:00 em diante, ou considerando a totalidade das gravações de rotações 09:58:52 em diante, refere que “Eu vou constantemente à moradia”, moradia onde se integra o locado onde já efectuou pequenas reparações. 32.ª Referiu que há cerca de 10 anos deixou de lá ver o Sr. F…, sabendo que o mesmo já não habita no locado. Questionado relativamente ao facto de os autores terem conhecimento do mesmo, referiu que apesar de existirem certas coisas de que não falavam, admitiu no seu depoimento que por vezes comentava a ausência do Sr. F… com os senhorios, sendo essa ausência de acordo com o seu depoimento, conhecido da vizinhança. 33.ª Posteriormente o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” referindo o depoimento da testemunha RB…, depoimento que considerou credível, em que o mesmo relata, no dia da vistoria camarária ao locado, ter presenciado uma conversa entre o Autor, Sr. CS… e a testemunha Sr. PT…, da qual se extraía que aquele tinha conhecimento que o Réu já não habitava no locado, considera contudo que, tendo em conta que o senhorio iniciou os procedimentos de resolução em 2015, o depoimento em si, não permite concluir que antes de decidir resolver o contrato já tinha conhecimento que o Réu não habitava o locado há largo tempo. 34.ª Ora salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal conclusão. Para além da testemunha RB…, esteve também presente na audiência o próprio interveniente na conversa, a testemunha, PT…. 35.ª Do seu depoimento, prestado a 8/09/2017, ultimo bloco de gravações, rotações 1:01:01, cujo teor, em parte, atrás transcrevemos, resulta a tal conversa tida entre ambos em que o Autor admitiu saber que a Ré morava sozinha e de que sabia desse facto há já alguns anos. 36.ª Não tendo sido posto em causa o seu depoimento, não entendemos porque razão é valorado no seu conteúdo de forma diferente, não valorando a antiguidade desse conhecimento da mesma forma que o resto, o que de facto também não é explicado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”. 37.ª Por outro lado e de acordo com o ponto 27 da matéria de facto assente, em 2014, em data não concretamente apurada existiu uma reunião entre a ré e o representante dos Autores, sem a presença do réu tendo em vista a obtenção de um acordo relativo à renda. 38.ª Ora de acordo ainda com a matéria de facto dada como provada, o procedimento de transição do contrato de arrendamento, em causa nos presentes autos, para o NRAU, bem como a actualização da respectiva renda, teve início em 21/03/2014 com o envio de cartas registadas com aviso de recepção para ambos os réus, dirigidas para a morada do locado. 39.ª Em declarações a Ré, referiu a realização desta reunião ocorrida em meados de 2014, em data não concretamente apurada, mas, certamente após o inicio do procedimento de transição e actualização da renda (…). 40.ª Localizar no tempo esta reunião é facilmente perceptível a partir das declarações da Ré, D.ª S…, constantes de rotações 2:36:00, em que a mesma refere que teve uma reunião, para a qual apenas ela foi convocada, onde estavam presentes ela acompanhada do filho e o Sr. AC…, em que propôs pagar € 250,00 de renda em vez dos € 215,00 legalmente previstos. 41.ª Ora os € 215,00 de lei, é já o resultado da aplicação do coeficiente dos 17% do RABC comunicado pela inquilina na sua oposição à transição notificada. De facto ao opor-se à transição, a Ré junta o pedido efectuado nas Finanças, juntando a certidão mais tarde aquando da respectiva emissão, a qual declara um RABC de € 15.229,60. 42.ª Este facto é confirmado pela testemunha PT…, no seu depoimento constante do último bloco de gravações a rotações 1:27:45, em que refere que a reunião na qual esteve presente com a sua mãe para tentarem um acordo relativamente ao valor da renda, e na qual apenas os dois estiveram presentes sem o Réu, ocorreu após o envio das cartas de transição do contrato para o NRAU. 43.ª Quer isto dizer que, o senhorio tentou negociar a transição sem a presença do Réu, FT…, o que nos leva a crer que de facto nesta data já tinha conhecimento que o Réu não morava lá, uma vez que se o considerasse seu inquilino, natural seria que também ele estivesse presente na reunião destinada a pôr termo a esta situação de transição, ou que para tal fosse notificado. 44.ª Ou, então, verificando a sua falta e sendo esta absolutamente necessária para por fim ao processo de actualização e transição desencadeado, tal assunto seria naturalmente e necessariamente, abordado, o que não se verificou tendo em conta os depoimentos prestados. 45.ª Ora, dos factos dados como provados, isto é, tendo em conta que ficou provado que os Autores e respectiva família utilizam as fracções cimeiras do prédio onde se situa o locado para utilização de veraneio e fins-de-semana, que em frente à moradia, vivem familiares dos autores, que o Réu F… deixou de habitar em 2004, o locado, que em 2014 em data que não se pode precisar mas ocorrida seguramente, em data posterior ao envio das cartas de transição para o NRAU, ocorreu uma reunião entre a Ré acompanhada do seu filho e um representante dos autores, reunião esta em que não esteve presente o réu F… tendo como objectivo pôr fim por acordo ao processo de transição e actualização da renda, em conjunto com os depoimentos, cuja credibilidade não foi posta em causa do filho dos Réus, do Sr. RB… e do Sr. F…, não deixam quaisquer dúvidas em considerar o facto constante do ponto 47 dos factos não provados como provado, ou seja, que os autores tinham conhecimento, à data em que deram inicio ao procedimento de transição para o NRAU que o Réu F… não habitava no locado. 46.ª Quanto ao ponto: 48 – Até hoje, os Requerentes sempre se comportaram perante a Requerida como se fosse esta a única arrendatária, tal como vinham fazendo desde o início do contrato (1972). Ficou provado no ponto 20 que a Requerida pagou e continua a pagar sozinha aos Requerentes o valor total da renda mensal e no ponto 21 que os aumentos de renda até 2009 foram sempre acordados entre os requerentes e a Requerida, após comunicações para o efeito apenas para ela enviadas. 47.ª Ora estes factos dados como provados, entram necessariamente em contradição com o ponto 48 dado como não provado. 48.ª Se os Autores se comportassem perante o Réu como se também este fosse arrendatário, então desde a data em que a decisão do divórcio com o acordo relativo à casa de morada de família lhes foi comunicado, o Réu também ele deveria ter sido notificado dos aumentos anuais da renda. O que nunca sucedeu. 49.ª Ora, tendo passado após o divórcio, ambos a ser titulares de um direito de arrendamento da fracção tanto qualitativa como quantitativamente idênticos, não existindo à data, norma legal ou contratual que previsse que um dos contraentes era representado pelo outro, então ambos deveriam ser alvo das comunicações tendentes a produzir efeitos no feixe das obrigações e direitos emergentes do contrato para os arrendatários, para que como declarações negociais receptícias produzissem efeitos em relação a eles (artigo 224, n.º1 do C.C.) 50.ª(…) também este ponto deveria ter sido dado como provado. Os Autores sempre se comportaram como se a Ré fosse a única arrendatária. 51.ª Ora destes factos, extrai-se a conclusão do ponto 49. Os autores apesar da notificação da Conservatória relativa ao acordo referente à casa de morada de familia nunca trataram o réu como inquilino, nomeadamente para procederem à actualização das rendas, sabiam que o Réu não habitava no locado e que não receberia as notificações, então utilizam o acordo, para usando a ficção contida na lei para simular a notificação do Réu e a partir daí e face à falta de resposta, simular uma declaração em sentido contrário ao emitido pela Ré ao apelar para o seu RABC, como se os Réus tivessem posições diversas face à transição e actualização operada, querendo assim valer-se dessa situação, para puderem aumentar a renda da forma como fizeram, ou seja, em mais de 500%. 52.ª Por outro lado, resultou da realização da audiência de discussão e julgamento, mais concretamente das declarações da Ré, constantes da gravação, a rotações 2:44:00, um facto com interesse para a demanda e que quanto a nós deveria ter sido acrescentado e dado como provado: - A Ré em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 2008, mudou a fechadura do locado impedindo o acesso ao mesmo por parte do Réu. 53.ª Estas alterações à decisão de facto vão necessariamente, originar uma resposta em sentido diverso à questão inicial que se traduz em apurar se o contrato de arrendamento existente entre as partes, foi validamente transferido pelos senhorios para o regime do NRAU (com o consequente aumento de renda) e se aqueles podem resolver o contrato de arrendamento com o fundamento na falta de pagamento integral das rendas. Defendemos que não, essa é a razão do recurso agora interposto. Vejamos novamente: 54.ª Os autores sabiam que o Réu não habitava no locado. Nunca o trataram como inquilino, nomeadamente por altura da actualização das rendas, por aplicação do coeficiente anual de actualização. Desde 2002, até pelo menos 2009, o Réu não foi notificado de qualquer aumento de renda. 55.ª Ora existindo pluralidade de arrendatários, as actualizações relativas às rendas teriam de ser notificadas a ambos os inquilinos, uma vez que estaríamos perante uma modificação objectiva do contrato por via unilateral, cujos pressupostos ambos os arrendatários tinham direito de controlar. Mas não foi isso que sucedeu. Foi sempre a Ré, que foi notificada das actualizações. 56.ª Ora apesar de, sempre ter agido desta forma, enquanto a lei lhe exigia um comportamento diferente, com o aparecimento do NRAU, e a possibilidade de fazer transitar o arrendamento celebrado em 1972, para um regime não vinculistico, os Autores dão inicio ao procedimento notificando ambos os Réus no locado, sabendo de antemão que o Réu não seria notificado porque não morava lá. Não só não morava, como também, nem sequer, desde 2008, tinha acesso ao locado, uma vez que a fechadura tinha sido mudada. 57.ª Refere o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que na presente acção não se provou que os senhorios sabiam que o Réu não morava no locado, (facto do qual discordamos conforme já referido anteriormente) mas ainda que soubessem, tal seria irrelevante uma vez que a comunicação tem de ser remetida para a morada do locado, a menos que o inquilino tivesse comunicado ao senhorio outra morada para notificação. Ora, de acordo com a prova produzida entendemos que não só os senhorios sabiam que o Réu não residia no locado, como nunca o trataram como inquilino, desde 2002, nunca lhe enviaram qualquer notificação nomeadamente de actualização das rendas, apesar das interpelações do Réu nesse sentido. 58.ª A lei estabelece que na falta de indicação por escrito do arrendatário em contrário, as cartas a este dirigidas devem ser remetidas para o local arrendado. Sendo as cartas devolvidas, devem ser remetidas novas cartas, entre 30 a 60 dias, sobre a data do envio da primeira carta, considerando-se esta recebida, no 10ª dia posterior ao seu envio, caso volte a ser devolvida. A lei presume a notificação do inquilino, presunção esta ilidivel. Na realidade, o Réu não foi notificado porque não se encontrava no locado há muito tempo. 59.ª Afirma o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que não podemos aceitar que o Réu FT… que comprovadamente deixou de habitar o locado, deixou de ser arrendatário do mesmo, por não se ter verificado qualquer das causas de cessação do contrato previstas na lei. Deste modo, também os procedimentos de resolução do contrato teriam de ser dirigidos a este. Ponderando tudo considera o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que os autores cumpriram toda a tramitação tendente à actualização da renda. 60.ª Ora, os autores cumprem de facto a lei, mas excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé. Entendemos que os autores agem ilegitimamente ao utilizarem-se de uma alteração legal, que lhes exige a notificação dos dois arrendatários para procederem à transição para o NRAU, quando nunca trataram o Réu como tal, apesar das suas insistências, nunca o notificaram de qualquer aumento de renda, sabendo à priori que não morando no locado, não será notificado. 61.ª Aliás, após o envio das cartas de transição promovem uma reunião tentando um acordo quanto ao montante, que declinam, porque não os satisfaz, sem a presença do Réu. Entendemos assim, que os autores agem com abuso de direito, ou seja embora a sua acção seja “consentânea com as normas jurídicas, contrariam o sistema jurídico em que estas se inserem, isto é, o conjunto de normas e princípios de Direito, ordenado em função de um ou mais pontos de vista, que aquele postula, iluminado pela ideia central do respeito pela boa-fé” – cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, 2.ª edição, 2015 Almedina, págs. 400 a 407. 62.ª Este mecanismo previsto no artigo 334 do C.C. positiva um mecanismo de correcção daquilo que de acordo com a formulação de Menezes Cordeiro, constitui o exercício disfuncional de posições jurídicas. 63.ª Deste modo entendemos que não se poderá considerar que o contrato foi validamente transferido pelos senhorios para o regime do NRAU. Não tendo sido validamente transferido por falta de notificação do réu, então não se verifica a alteração de renda cuja falta de pagamento é fundamento da resolução contratual, razão pela qual a acção terá de improceder com as legais consequências. 64.ª Ainda que se defenda posição contrária, temos que ponderar ainda os seguintes factos: desde 2004 que o réu não habita o locado; em data não concretamente apurada, mas seguramente em ano anterior a 2008, a Ré mudou a fechadura do locado impedindo o Réu de aceder ao respectivo interior. No fundo a Ré considerava-se a única arrendatária, a única com direito a usufruir do locado. Deste modo e apesar de posteriormente ao divórcio, o direito ao arrendamento ter sido atribuído a ambos os réus, após a saída do Réu existe como que uma cessão da sua posição contratual para a Ré, que concentra a totalidade de direitos e deveres da posição de locatário. 65.ª (…) o Réu nunca poderia ser condenado ao pagamento pela utilização de uma coisa da qual não podia nem devia usufruir. Entendemos assim, que o Réu deverá ser absolvido. 66.ª (…)a sentença enferma do vício do erro na apreciação da prova, falta de fundamentação e contradição entre fundamentação da decisão de facto e a matéria dada como provada. Ao decidir como decidiu violou o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, os artigos 661, n.º1 alínea b), do C.P.C., 224, n.º1 e 334 do C.C. e artigo 11, n.º4 e 10, n.º2, alínea a) do NRAU”.
*
Os AA. CJ…, IL… e JA… interpuseram recurso de apelação concluindo: “1º As alegadas obras que a Apelada diz ter realizado no locado (reboco e pinturas) devem ser consideradas benfeitorias voluptuárias, quando muito, úteis. 2º Tudo depende, efectivamente, da sua recondução à trilogia constante do artº 216º do Cód. Civil, que distingue entre benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias, consoante visem obstar à perda, destruição ou alteração da coisa, ou simplesmente lhe aumentem o valor, não sendo indispensáveis para a sua conservação, ou ainda só servem para recreio que quem a fez. 3º As benfeitorias voluptuárias não são indemnizáveis e só podem ser levantadas sem detrimento da coisa e são perdidas por quem as fez – artº 1275º, nº 2 do Cód. Civil. 4º As benfeitorias úteis podem ser levantadas sem detrimento da coisa e, no caso de tal causar detrimento a esta, dão direito a exigir o seu valor segundo as regras do enriquecimento sem causa – artº 1273º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil. 5º As benfeitorias necessárias dão direito à indemnização da obra feita – artº 1273º, nº 1 do Cód. Civil. 6º Contudo, a Apelada absteve-se de alegar o estado em que a casa se encontrava antes de efectuar as referidas obras. 7º Assim, jamais seria possível, nestes autos, apurar com circunstancialismo que conduza à sua qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis. 8º E também, neste último caso, a Apelada omitiu a alegação, elementar, que permitisse determinar em que medida se teriam os apelantes enriquecido . 9º Bem como, mesmo a admitir, sem todavia conceder, que assim não se entendesse, considera-se muito exagerado o valor atribuído à indemnização de 8.395,00€, sendo mais correcto e razoável o valor de 3.000,00€ atribuído pela testemunha Mestre de Obras F…, conhecedor do ofício e do locado, tendo em atenção a natureza de tais obras (simples reboco e pintura)”.
*
Foram apresentadas, pelos autores e pela ré MS… contra-alegações concluindo pela improcedência dos respectivos recursos.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, e tendo sido deduzidos vários recursos de apelação, nos quais foi impugnada a matéria de facto – importando conhecer desta, relativamente aos vários recursos - as questões a decidir são, sucessivamente, as seguintes:
A) Impugnação da matéria de facto:
A.1) Saber se deve ser alterada a redação do facto provado em 1)?
A.2) Saber se a matéria de facto dada como não provada nos números 47, 48 e 49 da sentença recorrida deverá ser dada como provada?
A.3) Saber se deve ser alterada a redação do facto provado sob o n.º 22) e se a matéria de facto dada como não provada nos números 40 e 41 da sentença recorrida deverá ser dada como provada?
A.4) Saber se deve ser acrescentado à matéria de facto provada que, a Ré, em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 2008, mudou a fechadura do locado impedindo o acesso ao mesmo por parte do Réu?
B) Do mérito da apelação da Recorrente/Ré:
B.1.) Saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 224.º, 342.º, 334.º, 762.º, 1083.º, n.º 3, e 1084º, n.º 2, do Código Civil e 9.º, n.º 7, alínea a), e 10.º, n.º 5, alínea b), da Lei nº 6/2006 (na alegação da recorrente, por não ter considerado que a resolução do contrato de arrendamento dos autos foi ilícita ou ineficaz, sabendo os autores que o réu já não vivia no locado quando promoveram a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aumentando a renda e, depois, por falta do seu pagamento, resolvendo o contrato, em 2014/2015)?
B.2) Saber se a decisão recorrida violou os artigos 247º e 251º do Código Civil, 84º do RAU e 280º e 294º do Código Civil (na alegação da recorrente por não ter anulado ou declarado nulo o acordo sobre a casa morada de família, aquando do divórcio dos réus, na parte em que se atribui ao réu a posição de arrendatário)?
B.3) Saber se a decisão recorrida violou os artigos 513º, 534º e 1688º do Código Civil e 31º e ss. da Lei nº 6/2006 Civil (na alegação da recorrente por o tribunal não ter considerado que os réus, sendo divorciados, assumem, cada um, perante os AA., uma posição individual e separada de arrendatário e os efeitos que atinjam o réu não são extensíveis ou comunicáveis à ré, não produzindo, a falta de resposta do réu à comunicação dos AA. para efeitos de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e a falta de pagamento por aquele da nova renda, efeitos contra a ré)?
B.4) Saber se a decisão recorrida violou o artigo 847º, nºs 1 e 2, do Código Civil (na alegação da recorrente por, não obstante reconhecer a existência de créditos recíprocos entre os AA. e a Recorrente -pontos b) da acção e a) da reconvenção, na parte decisória da sentença - não ter permitido a compensação desses créditos pecuniários, exigíveis e líquidos)?
B.5) Saber se o Tribunal deveria ter julgado ilegal o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013 (por na alegação da recorrente o referido artigo, ao impor a prestação de caução ao arrendatário em acções de despejo por falta do pagamento da renda, quando o arrendatário tenha apoio judiciário ou direito a apoio judiciário, dispor contra o artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006) por violar o princípio da legalidade da Administração Pública artigos 3º, nº 3, e 266º, nº 2, da CRP (não podendo o Governo emitir normas regulamentares que violem normas legais) e inconstitucional, por violar os artigos 2º, 18º e 20º, nº 1, da CRP (por na alegação da recorrente o referido artigo 10º, nº 2 ignorar a confiança que os cidadãos têm no Estado, sendo manifestamente desproporcional e negando o acesso à justiça por insuficiência económica, não fazendo sentido que um sujeito processual que esteja isento de pagar taxa de justiça e que beneficia de uma renda de valor limitado por insuficiência económica, tenha que prestar uma caução igual a seis rendas, de valor superior a essa taxa de justiça ou a seis vezes o valor da renda que tem que pagar, sobretudo quando o valor em dívida de rendas é, para este efeito, fixado pelo senhorio, e que serve como valor de referência para a prestação da caução)?
B.6) Saber se a decisão recorrida violou o artigo 613.º do CPC (por na alegação da recorrente a sentença ter voltado a apreciar a questão da caução, quando já antes tinha decidido que a ré estava isenta de prestar caução)?
C) Do mérito da apelação do Recorrente/Réu:
C.1) Saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 661.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C., 224.º, n.º 1 e 334.º do C.C. e artigos 11.º, n.ºs. 4 e 10.º, n.º 2, alínea a) do NRAU (por na alegação do recorrente os AA. terem agido em abuso de direito, por não se poder considerar que o contrato foi validamente transferido pelos senhorios para o regime do NRAU e por o réu não poder ser condenado ao pagamento pela utilização de uma coisa da qual não podia nem devia usufruir)?
D) Do mérito da apelação dos Recorrentes/AA.:
D.1) Saber se deverá (e, neste caso, se é exagerado o valor atribuído) ou não ser mantida a condenação dos recorrentes no pagamento da quantia de € 8.395,00 a título de indemnização por obras realizadas no locado à ré (por na alegação dos recorrentes a ré não ter alegado o estado em que a casa se encontrava antes de efectuar as referidas obras, pelo que não seria possível nestes autos apurar circunstancialismo que conduza à sua qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis)?
* 3. Fundamentação de facto: A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1- Por contrato de 18 de Maio de 1972, com início em 01/07/1972, e pela renda mensal de 3.000$00, o requerente marido, na qualidade de administrador dos bens comuns do casal, deu de arrendamento para habitação dos requeridos, então casados um com o outro, o rés-do-chão e garagem do prédio sito na Rua …, Lote …, actual nº …, na Costa da Caparica, inscrito sob o artº … na matriz predial urbana da freguesia de Costa da Caparica, actual artº … da mesma freguesia.
2- Por decisão de 15/11/2002, transitada em julgado em 02/12/2002, foi declarado o divórcio dos requeridos, cujo processo correu termos pela Conservatória do Registo Civil do Seixal.
3- No âmbito desse processo, o referido arrendamento, da casa de morada de família, foi atribuído a ambos os requeridos.
4- Através de cartas registadas, com aviso de recepção, datadas de 21/3/2014, os requerentes promoveram, remetidas para aos réus para a morada do locado, a transição do mencionado contrato de arrendamento para o NRAU, bem como a actualização da respectiva renda, tendo proposto aos inquilinos a passagem do contrato para prazo certo, com o prazo de cinco anos, e a actualização da renda para 750,00€ mensais.
5- Com a mencionada proposta juntaram cópia da caderneta predial, comprovativa que o locado tem o valor patrimonial tributável de 88.140,00€, avaliado nos termos dos artºs 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
6- A carta remetida para o réu FT… foi devolvida. por não ter sido levantada.
7- Por carta de 03/04/2014, a inquilina MM… opôs-se à pretensão dos senhorios e enviou documento comprovativo de haver requerido, à Autoridade Tributária e Aduaneira, certidão comprovativa do valor do seu rendimento anual bruto corrigido - RABC.
8- Em 28/04/2014 foi enviada carta à inquilina MM…, rectificada por carta de 20/05/2014, informando, que face à alegação do seu RABC ser inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), se aguardaria pelo envio da certidão solicitada à Autoridade Tributária e Aduaneira, o que se veio a verificar em 12/06/2014.
9- Em 28/04/2014 foi também enviada nova carta ao inquilino FT…, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 10º do NRAU, reiterando a pretensão formulada na anterior comunicação de 21/03/2014, a qual também veio devolvida.
10- Em 20/06/2014, os requerentes enviaram para ambos os inquilinos carta informando-os que a renda mensal passaria para 750,00€ a partir da que se vencesse em 01/08/2014, tendo essa informação sido reiterada à inquilina MM… por carta de 02/07/2014.
11- Os inquilinos não pagaram aos requerentes o montante de 750,00€.
12-A requerida MS…, após 20/06/2014, pagou a quantia mensal de 142,40€.
13- Os requerentes, através de notificação judicial avulsa, diligenciaram por comunicar aos arrendatários o montante das rendas em dívida e resolver o aludido contrato de arrendamento.
14- Tendo a requerida MM… sido notificada em 30 de Outubro de 2015, de que deveria restituir aos requerentes o local em apreço completamente livre de pessoas e bens, caso não pusesse fim à mora no prazo de um mês.
15-A notificação não foi realizada quanto ao requerido FT…, porquanto não foi possível localizar o arrendatário, conforme atestado pelo Senhor Oficial de Justiça na "certidão negativa" de 30/10/2015.
16- Face à não localização do arrendatário FT… para cumprimento da notificação judicial avulsa, foi-lhe remetida, para o local arrendado, em 11/12/2015, através de carta registada com aviso de recepção, cópia da mencionada notificação.
17-A Requerida habita no locado desde a data da celebração do contrato de arrendamento, ininterruptamente.
18-O Requerido habitou o locado com a Requerida até data não concretamente apurada mas ocorrida no início de 2004.
19-A Requerida pagou e continua a pagar sozinha todas as contas relativas a água, energia (luz e gás), comunicações (telefone e internet) e seguro multirriscos do locado.
20- A Requerida pagou e continua a pagar sozinha aos Requerentes o valor total da renda mensal do locado.
21- Os aumentos de renda até 2009 foram sempre acordados entre os Requerente e a Requerida, após comunicações para o efeito apenas para ela enviadas.
22-Aquando da negociação dos termos do divórcio por mútuo consentimento, o Requerido propôs à Requerida uma condição: poder continuar a habitar, durante algum tempo, o locado, até encontrar um outro local para viver e para garantir tal pretensão, pretendia consignar no acordo de divórcio que o referido arrendamento, da casa de morada de família, foi atribuído a ambos os requeridos.
23- Porque a Requerida queria obter o decretamento do divórcio, aceitou a condição do Requerido, que viveu no locado até ao início de 2004.
24- Desde início de 2004, o Requerido tem vivido em diversos locais do país: primeiramente viveu na Praça do Chile, em Lisboa; depois no Parque de Campismo de S. João da Caparica; posteriormente deslocou-se para o Cadaval; mais tarde, mudou-se para a Sertã; depois para a Trafaria; e actualmente vive na zona de Murfacém, no concelho de Almada.
25-A Requerida habita o rés-do-chão do prédio dos presentes autos e o 1.º andar, que também pertence aos Requerentes, constitui, desde há muitos anos, a casa de férias dos Requerentes e da sua família, para a qual se deslocam regularmente nos meses de Verão.
26-É no 1.º andar do referido prédio que, inclusivamente, os filhos e netos dos Requerentes passam as suas férias de verão.
27- Em data não concretamente apurada, mas ocorrida no ano de 2014, existiu uma reunião entre representante do requerente e requerida MS… -sem a presença do requerido FT… - com vista à obtenção de acordo relativo ao aumento da renda.
28-Desde há vários anos que o locado apresenta diversas anomalias, as quais têm origem, essencialmente, na inexistência de obras de conservação periódica, designadamente na parte inferior das fachadas (partes inferiores do r/ch e socos/rodapés do edifício), nos pontos de ligação das escadas exteriores de acesso ao 1ª andar e, quanto ao anexo da garagem, na ausência de obras de manutenção e conservação da sua cobertura.
29-Ao nível das partes comuns do prédio, que engloba o rés-do chão – habitado pela Requerida – e o 1.º andar – habitado pelos Requerentes -, existe uma fendilhação generalizada em todas as fachadas com orientação horizontal, vertical e obliqua, uma desagregação de rebocos, tinta empolada e corrosão das ferragens de portões, guardas das escadas e gradeamentos de muros e varandas.
30- Ao nível do interior da habitação da Requerida, existe:
i) Na cozinha (localização - fachada tardoz):
- Fendilhação horizontal com desagregação do reboco e empolamento da pintura, na parede de fachada contígua ao núcleo de comunicações verticais localizado no logradouro;
- Vestígios expressivos de condensações, quer nesta parede, quer na zona esconsa sob o núcleo de comunicações verticais acima referido;
- Formação de sais, na guarnição superior do vão que separa a cozinha da zona “amarquisada”;
- vestígios de cristais salinos, no tecto;
ii) Na instalação sanitária (localização - fachada tardoz):
- efeitos de uma infiltração proveniente da instalação sanitária que lhe exite por cima (1º andar), a qual se encontra já reformulada.
- Desagregação da caixa interior de estore, localizada sob o vão superior da janela em estado de colapso, sendo por isso irrecuperável;
iii) No quarto (localização - fachada lateral e tardoz):
- vestígios expressivos de formação de cristais salinos, na parede de fachada;
iv) Na sala (localização - fachada principal e lateral):
- Desagregação do reboco e empolamento da pintura;
- formação de cristais salinos, na parede da fachada principal;
- Desagregação da caixa interior de estore, localizada sob o vão superior da janela orientada para a fachada lateral;
- Desagregação da caixa interior de estore, localizada sob o vão superior da janela orientada para a fachada lateral.
-Como a sala se localiza sob as escadas e a varanda de acesso exterior ao 1.º andar do prédio – habitado pelos Requerentes –, ela é vulnerável aos agentes climatéricos naturais e os fenómenos acima descritos são ampliados e atingem uma maior expressão com origem na inexistência de obras de isolamento entre as juntas do pavimento e entre a ligação pavimento-muretes das varandas e escadas, na incorrecta ou inexistente pendente e consequente escoamento das águas pluviais através de caleiras e na inexistência de isolamento nas juntas dos degraus das escadas.
31-Este tipo de anomalias nos interiores das habitações ocorre devido a infiltrações provenientes da cobertura (apenas no anexo da garagem), dos vãos das janelas exteriores e das paredes de fachadas (decorrentes do envelhecimento do exterior do prédio).
32- As desagregações resultam da progressão da fendilhação e da acção dos agentes climáticos, nomeadamente contracções e expansões sucessivas derivado das variações térmicas e infiltração de água no interior da construção.
33- A infiltração de água no interior da construção tem origem na água das chuvas, agravadas pelo facto de o locado se situar num r/ch, as paredes de fachada serem constituídas por superfícies frágeis e o edifício possuir exteriormente um soco/rodapé saliente em relação às paredes de fachada.
34- e tende a criar percursos preferenciais entre as juntas dissolvendo sais tanto das argamassas como das alvenarias, provocando as patologias atrás descritas.
35-A Requerida, por carta registada de 11/8/2003, transmitiu aos Requerentes a existência das referidas patologias na sua habitação, bem como solicitou a realização de obras na mesma.
36-Os Requerentes já autorizaram a Requerida a realizar no locado, ao longo da vigência sem nunca assumirem o pagamento das mesmas.
37-A Requerida realizou as seguintes obras no locado, no valor de cerca de € 8.395,00:
i) Ano de 2003: reboco e pintura de paredes e tetos da instalação sanitária e marquise;
ii) Junho de 2008: reboco e pintura de paredes e tetos da instalação sanitária, cozinha, marquise, quartos, circulações, sala de estar e sala de jantar;
iii) Setembro de 2014: reboco e pintura de paredes e tetos da instalação sanitária, cozinha, marquise, quartos, circulações, sala de estar e sala de jantar.
38- O Réu em 2008, dirigiu duas cartas ao senhorio a solicitar a correcção da situação, requerendo a celebração de novo contrato onde constasse o nome dos dois Réus ou eventualmente um aditamento ao mesmo.
39-Em resposta à segunda missiva o réu recebeu uma carta do senhorio a solicitar que procurasse o seu advogado a fim de ver satisfeita a sua pretensão.
* A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
40-Os Requeridos não pretendiam que o Requerido marido assumisse, juridicamente, a posição de arrendatário do locado perante os Requerentes.
41-O que os Requeridos de facto queriam acordar era apenas o seguinte: a Requerida mantinha-se como única arrendatária do locado, mas permitiria que o Requerido nele continuasse a viver, temporariamente, até encontrar outro local para habitação (como acontece em diversos casos), ajudando o Requerido a pagar metade da renda que a Requerida suporta todos os meses.
42-Quando o Requerido saiu do locado em 2004, a Requerida deu imediatamente conhecimento desse facto aos Requerentes.
43-E tem-nos informado ainda sobre os sucessivos locais onde o Requerido tem vivido.
44-A Requerida mantém com os Requerentes uma relação de verdadeira amizade.
45-Todos os familiares dos requerentes, sem excepção, convivem com a Requerida.
46-Os Requerentes têm vindo também a frequentar ao longo destes anos de duração do arrendamento a casa da Requerida, nomeadamente para discutirem matérias relativas ao contrato de arrendamento dos presentes autos, tais como obras e actualizações da renda.
47-Os Requerentes sabem que o Requerido não vive no locado desde o início de 2004, pelas visitas que já fizeram à Requerida desde então e pelas férias que eles e os seus descendentes passam no andar de cima do locado.
48-Até hoje, os Requerentes sempre se comportaram perante a Requerida como se fosse esta a única arrendatária, tal como vinham fazendo desde o início do contrato (1972).
49-Os Requerentes tentam usar, em 2014, o teor do acordo sobre o destino da casa de morada da família dos Requeridos para, através dele, imporem, com isso, um aumento de renda (e posterior despejo) à Requerida, com fundamento na omissão de resposta do Requerido às suas interpelações para actualização de renda, que até ali e mesmo em diante apenas negociavam com a Requerida.
50-O ora Réu procurou então o Sr. Dr. RS…, que o informou que tinha instruções do seu cliente para proceder efectivamente à correcção do contrato de arrendamento, para que passasse a constar também como arrendatário o ora Réu, mas informou também o Réu que essa correcção teria como consequência uma actualização de renda.
51-Face à condição imposta para a inclusão do seu nome no contrato, o ora Réu de imediato comunicou que não estava mais interessado em manter o arrendamento, pelo que iria deixar o locado, pelo qual deixaria de ser responsável, o qual se manteria contudo na posse da sua ex-mulher ora Ré, a qual manteria a qualidade de arrendatária.
52-Pouco tempo depois, mais concretamente em Dezembro de 2008, o Réu deixa de residir no locado e muda-se para a aldeia de Pragança.
* 4. Fundamentação de Direito:
* A) Impugnação da matéria de facto:
Considera a ré que deve ser alterada matéria de facto provada, que deve ser dada como provada matéria que na sentença recorrida o foi como não provada.
Também o réu invocou que deve ser alterada a matéria de facto apurada.
Sobre a temática da impugnação da matéria de facto, dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil que: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
No que toca à especificação dos meios probatórios, «quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrentedeverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, o Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Vejamos, pois, as questões que, neste âmbito, foram suscitadas pela ré.
* A.1) Saber se deve ser alterada a redação do facto provado em 1)?
O facto provado em 1) é do seguinte teor: “1- Por contrato de 18 de Maio de 1972, com início em 01/07/1972, e pela renda mensal de 3.000 $00, o requerente marido, na qualidade de administrador dos bens comuns do casal, deu de arrendamento para habitação dos requeridos, então casados um com o outro, o rés-do-chão e garagem do prédio sito na Rua …, Lote …, actual nº …, na Costa da Caparica, inscrito sob o artº… na matriz predial urbana da freguesia de Costa da Caparica, actual artº … da mesma freguesia”.
Todavia, entende a ré que, “atento o teor do contrato de arrendamento, os factos provados 3 e 17 a 21 e os artigos 371.º e 376.º do Código Civil”, o referido facto deveria ser alterado para a seguinte redacção: “1 - Por contrato de 18 de Maio de 1972, com início em 01/07/1972, e pela renda mensal de 3.000 $00, o requerente marido, na qualidade de administrador dos bens comuns do casal, deu de arrendamentoà requerida MS…, para habitação dos requeridos, então casados um com o outro, o rés-do-chão e garagem do prédio sito na Rua …, Lote …, actual nº …, na Costa da Caparica, inscrito sob o artº … na matriz predial urbana da freguesia de Costa da Caparica, actual artº … da mesma freguesia”.
Compulsados os autos verifica-se que o aludido facto provado em 1) teve origem na alegação dos autores, constando do artigo 1.º do requerimento inicial apresentado o seguinte: “1- Por contrato de 18 de Maio de 1972, com início em 01/07/1972, e pela renda mensal de 3.000$00, actualmente fixada em 750,00€, o requerente marido, na qualidade de administrador dos bens comuns do casal, deu de arrendamento para habitação dos requeridos, então casados um com o outro, o rés-do-chão e garagem do prédio sito na Rua …, Lote …, actual nº …, na Costa da Caparica, inscrito sob o artº … na matriz predial urbana da freguesia de Costa da Caparica, actual artº … da mesma freguesia (doc. nº 1)”.
A ré, no artigo 1.º da oposição, declarou expressamente aceitar a matéria vertida, entre outros, no artigo 1.º do requerimento de despejo.
Ora, “o regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância previsto nos artºs 640º e 662º NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06, visa não um segundo julgamento total da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados ou de que oficiosamente o Tribunal da Relação deva conhecer, na perspectiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que configure tais erros, devendo especificar os concretos factos impugnados e os respectivos meios de prova em que assenta a impugnação ponto por ponto ou referentes a pontos de facto interligados por um raciocínio lógico” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017, Processo 3811/13.3TBPRD.P1, relator MADEIRA PINTO).
Assim, dado que a questão suscitada pela ré envolve uma nova apreciação sobre um ponto que, na realidade, não foi objecto de oportuna contestação pela ré, só agora vindo a ser invocado, não nos parece que este Tribunal possa proceder à alteração preconizada pela ré.
Mas, por outro lado, a ré, embora peticione a aludida alteração não invoca qual o interesse para a causa da concretização ou especificação factual inovatória que pretende, tanto mais que, como salienta, se encontra provada, designadamente, a matéria constante dos pontos 3 e 17 a 21 dos factos provados, não se vislumbrando também a este Tribunal relevância alguma no requerido.
Ora, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-07-2017, Processo 5527/16.0T8GMR.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS).
Em suma, não se alcançando qual o vício de julgamento que existe na decisão recorrida que justificaria a alteração factual pretendida pela ré, improcede, neste aspecto, a apelação.
* A.2) Saber se a matéria de facto dada como não provada nos números 47, 48 e 49 da sentença recorrida deverá ser dada como provada?
Considera, seguidamente, a ré que, “ao abrigo dos artigos 5º do CPC e 396º do Código Civil, os factos não dados por provados 47, 48 e 49, correspondentes aos artigos 40º, 43º, 44º, 46º e 51º da oposição da Recorrente, deveriam ter sido dados por provados (o 49 no limite, como presunção judicial, nos termos do artigo 351º do Código Civil)”, o que, em seu entender, será consequente da conjugação de vários meios de prova (declarações de parte, documental e testemunhal), a saber:
- Os factos provados 6 a 21, 27 e 35 a 39;
- As declarações de parte do A. CS… (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 7:00 a 7:47, 8:10 a 8:22, 19:26 a 19:45, 1:05:00 a 1:05:40), nas quais disse, essencialmente, que soube há dois ou três anos, quando o processo agora se levantou (…), que o Requerido não vive no locado, correspondendo esse lapso de tempo, pelo menos, ao momento em que o A. enviou aos Requeridos as comunicações de transição para o NRAU, no ano de 2014, as quais eram entregues à Recorrente mas devolvidas quando remetidas ao Requerido (factos provados 4 a 16), e que os seus filhos e netos frequentarem permanentemente os pisos superiores do prédio do locado nas férias de Verão;
- As declarações de parte da A. IC… (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 1:43:25 a 1:44:20 e 1:44:48 a 1:45:35), nas quais disse, essencialmente, que pelo menos desde 2006 vai todos os anos passar férias de Verão nos andares de cima do locado e que o irmão tem feito o mesmo em Agosto desde sempre, e que nele não vê o Requerido FT… há 3, 4, 5 anos, período que ultrapassa a altura em que o A. CS… enviou aos Requeridos as comunicações de transição para o NRAU, no ano de 2014; O que torna no seu conjunto inverosímil que os AA., passando todos os anos férias nos andares de cima do locado, não se dessem desde logo conta que o Requerido FT…, que eles conhecem, e seu alegado arrendatário, já não vivia no locado pelo menos em 2014;
- Os depoimentos das testemunhas FP… e LB…, amigos dos AA., que, frequentando frequentemente as fracções dos Autores por cima do locado, nunca nele viram os Requeridos (no ficheiro áudio20170905143915_17850577_2871158, passagens 6:08 a 7:32 e 49:44 a 51:15);
- O depoimento da testemunha FG…, empreiteiro do A., que disse (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) que foi ao locado diversas vezes (passagem 13:32 a 14:04), que conhece os Requeridos há 13 ou 14 anos, mas que a partir de certa altura, voltando ao locado, nos últimos 10 ou 12 anos, só lá vê a Requerente, não o Requerido (passagem 20:11 a 23:04, 26:22 a 28:03) e que disse ao Autor CS… que o Requerido já não vivia no locado: eu por vezes é que lhe dizia, portanto, que não via lá o senhor F… (passagem 45:25 a 46:36), concluindo-se, portanto, que o Autor CS… sabia disso;
- O depoimento da testemunha PT… (filho dos Requeridos), que confirmou (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) que os senhorios sempre se comportaram perante a Requerida como se esta fosse a única arrendatária, até 2014, aquando do envio das comunicações aos Requeridos para transição para o NRAU (passagem 58:09 a 1:00:13), e que disse que numa conversa tida com o Autor CS… em Março de 2016 no locado, aquando da vistoria promovida pela CM de Almada (e cujo relatório foi junto a fls., confirmando a presença do senhorio), o Autor CS… lhe disse que sim, que sabia que a Requerida vivia no locado sozinha há uma série de anos, embora a casa fosse muito grande e a renda baixa, depois da testemunha PT… o confrontar com o facto de ele saber, tal como toda a sua família (filhos, netos, primos) e vizinhos, que o Requerido não vive no locado há vários anos, sendo o litígio entre as partes motivado verdadeiramente pelo valor da renda (passagem 1:00:57 a 1:07:13, especialmente 1:05:04 a 1:06:40);
- O depoimento da testemunha RB…, que (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) confirmou ter presenciado a conversa tida entre o A. CS… e PT…, aquando da vistoria promovida pela CM de Almada, dizendo que, de facto, o Autor CS… disse a PT… que sabe que o Requerido não vive no locado há uma série de anos, tendo usado até a mesma expressão para descrever o lapso temporal em causa – uma série de anos – que PT…, e que a contenda existente entre as partes se prenda verdadeiramente com o valor da renda, que era baixa (passagem 1:46:00 a 1:52:33, especialmente 1:50:10 a 1:51:14); Pelo que, não sendo crível que um senhorio normal não sabia se os seus arrendatários vivem no locado, sobretudo quando ele vai aos andares de cima e os seus filhos neles passam sempre as férias de Verão e, aparentemente, até a vizinhança sabe que assim é, os testemunhos de FG…, PT… e RB… são decisivos, porque são coerentes neste ponto: foi dito ao A. CS… e por ele reconhecido, perante os três, que sabia que o Requerido FT… não vive no locado há sua série de anos. Ou seja, RB… e PT… confirmaram que o A. CS… lhes disse que sabia que o Requerido FT… já não vivia no locado há uma série de anos e FG… disse que disse ao A. CS… que o Requerido FT… já não vivia no locado (ele que ia várias vezes ao longo dos últimos 10 anos), o que, conjugado com as declarações do próprio A. CS… (que sabe que o Requerido FT… não vive no locado há dois ou três anos), da A. IC… (que não vê o Requerido FT… no locado há 3, 4, 5 anos, pese embora passe sempre as suas férias de Verão, nos últimos 10 anos, nos andares de cima) e das testemunhas FP… e LB… (que disseram que nunca viram o Requerido no locado ao longo destes anos), e com os factos provados 6 a 21, 27 e 35 a 39, é impossível acreditar que, pelo menos em 2014, os AA. já não soubessem que o Requerido FT… já não vivia, nessa altura, no locado;
- E, ainda, certidão de notificação da notificação judicial avulsa junta pelos AA. como doc. 13 da PI, onde o oficial de justiça, aquando da citação do Requerido no locado, dá conta, em 30.10.2015, que não o pode fazer porque a Requerente lhe diz que ele ali não vive há cerca de 10 anos, facto que veio a ser provado em Tribunal mas que foi ignorado pelos AA., já que, ainda assim, em 10.12.2015, remeteram nova comunicação ao Requerido para o locado, com o objectivo de resolveram o contrato de arrendamento, sem poderem contudo desconhecer, de todo, que o Requerido não vivia no locado nesse momento, sendo esse desconhecimento também impossível quando fica claro que a Recorrente sempre respondeu aos AA., ao invés do Requerido, e que era com ela e não com este que os AA. tratavam de todos os assuntos do arrendamento, especialmente o pagamento da renda – factos provados 20 e 21 – e cuja falta deu origem à resolução.
Também o Réu pugna, na sua apelação, no sentido de que os factos incluídos em 47), 48) e 49) dos factos não provados da decisão recorrida, deveriam ter sido dados como provados.
Vejamos:
Salvo quando a lei dispuser diferentemente (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC), a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo, desde logo, a credibilidade das testemunhas livremente apreciada pelo tribunal (cfr. artigo 396.º do Código Civil).
A livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artºs 350º, nº1, 358º, 371º e 376º, todos do Código Civil).
Como refere Alberto dos Reis (CPC anotado, vol. IV, pp. 356 e ss.), “no seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ele tenham deposto, em sentido contrário, várias testemunhas. (…) o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao depoimento de testemunha ocular. No sistema de prova legal o tribunal tinha de considerar diminuído o valor do depoimento prestado por amigo ou por parente da parte que oferecera a testemunha; no sistema de prova livre nada obsta a que o julgador se determine na formação da sua convicção, precisamente pelo testemunho de parente ou amigo da parte a quem esse testemunho aproveita”.
Ou seja: “Ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis” (assim, Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto; Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 668).
Sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 198/2004 (DR, II, de 2.6.2004, p. 8545 e ss.) teve a ocasião de referir que: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva (….). Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (…). A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova (…)”.
A oralidade da audiência permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo e, em conjugação com a imediação (relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo), viabilizam que se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamada ‘princípio subjectivo’, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Volvendo ao caso concreto, verifica-se que, de facto, os aludidos pontos 47 a 49 foram considerados na decisão recorrida como não provados e os mesmos reportam-se ao seguinte: 47) Se os Requerentes sabem que o Requerido não vive no locado desde o início de 2004, pelas visitas que já fizeram à Requerida desde então e pelas férias que eles e os seus descendentes passam no andar de cima do locado?
Na decisão recorrida, na motivação de facto lê-se, a este respeito, o seguinte: “Questão sensível foi determinar quando o requerido FT… deixou de habitar no locado, se tal facto foi do conhecimento dos senhorios e, em caso afirmativo, quando tomaram tal conhecimento. (…) quanto ao conhecimento dos senhorios quanto a tal facto, cumpre dizer que não se provou que os mesmos tivessem dele tomado conhecimento em data anterior a esta acção. Dos depoimentos de parte dos autores, em confronto com as declarações de parte dos réus, decorreu que existiu entre as famílias uma sólida amizade, mas que na década de noventa surgiram divergências –relacionadas com o locado- que levaram a que deixassem de comunicar, esta situação foi assumida por todos os declarantes, nem os réus afirmaram ter comunicado aos senhorios que FT… tinha deixado de habitar no prédio, nem o senhorio declarou ter sabido por qualquer dos arrendatários de tal situação, o que faz sentido se atendermos a que nesse momento aqueles já não comunicavam entre si. Na extensa comunicação epistolar que as partes juntaram aos autos, também não se extrai que por esta via os senhorios tivessem sabido que o réu tinha deixado de habitar o locado, bem pelo contrário existem nos autos duas cartas remetidas pelo réu FT… ao senhorio em Agosto e Outubro de 2008- fls. 131-verso e 132, nas quais aquele pretende ser reconhecido como arrendatário – a este respeito convém dizer que o réu, em declarações de parte, não apresentou justificação plausível para o facto de, reconhecendo que já não habitava o locado, pretendia um documento escrito que o titulasse como inquilino. É certo que todos os depoentes partes declararam que os senhorios até há poucos anos atrás utilizavam as fracções cimeiras ao locado de forma sazonal (Verão no mês de Julho), mas daí não se pode retirar sem mais que nas idas dos senhorios ao prédio, aqueles se tivessem apercebido que o réu FT… já lá não morava. Registamos o depoimento da testemunha RB… que referiu que no dia em que se realizou a vistoria ao locado (10/3/2016-fls. 268 e segs), presenciou uma conversa na qual foram interveniente o autor CS… e o PT…, da qual se extraía que aquele tinha conhecimento que o réu FT… já não habitava no locado, contudo se levarmos em linha de conta que o senhorio iniciou os proced[imentos] de resolução do contrato em Outubro de 2015, aquele depoimento, ainda que credível, não permite que se conclua que antes de decidir resolver o contrato já tinha conhecimento que o réu não habitava o locado há largo tempo. Por tal, não demos como assentes os factos constantes do ponto 47.”.
Ora, desde já se diga que não se compreende qual a “consonância” pretendida entre os factos provados 6 a 21, 27 e 35 a 39 e a prova dos factos 47 a 49 que é, na realidade, autónoma, relativamente àquele bloco factual, com ele não se confunde e perante o qual não se pode presumir um dado resultado probatório. Do mesmo modo, são irrelevantes para conduzir a um resultado probatório positivo, os relatos expressos pelas partes nos articulados.
Por outro lado, apreciando os demais elementos referenciados pela apelante, o trecho transcrito pela ré, das declarações de parte do A. CS…, não inculca em sentido contrário, precisando o autor, inequivocamente, facto que foi objecto de livre apreciação pelo Tribunal a quo, que, de facto, desconhecia antes da instauração dos presentes autos, que o réu não vivia na casa dos autos: “O que eu não sabia, soube agora, é que o senhor não vivia lá…há 2 ou 3 anos, quando o processo se levantou…”, “para mim eles viviam lá os dois”, “só soube quando este processo…antes não sabia” (7:00 a 7:47; 8:10 a 8:22, 19:26 a 19:45) , só soube “há 2 ou 3 anos” (1:05:00 a 1:05:40), afirmação que, novamente, produziu com a mesma imprecisão temporal da referência que antes já tinha proferido.
Assim, não corresponde à realidade, que tal conhecimento ocorra “pelo menos, ao momento em que o A. enviou aos Requeridos as comunicações de transição para o NRAU, no ano de 2014, as quais eram entregues à Recorrente mas devolvidas quando remetidas ao Requerido”. A prova de outros factos provados não permite também qualquer conclusão sobre este ponto, não permitindo assumir um conhecimento que o autor negou e que outra prova não confirma. Na realidade, os demais elementos probatórios circunstanciais referenciados pela ré também não permitem a conclusão a que aquela chegou na alegação de recurso. Aliás, se é certo que o autor declarou os termos em que ia à casa, assim como as idas dos seus filhos, desse singelo relato não resultou demonstração positiva de um conhecimento dos autores, anterior aos presentes autos, no sentido de que o réu não residia na casa dos autos.
E, reapreciados os demais meios de prova referenciados pela ré, não se chega a formação de convicção positiva sobre tal facto:
- A A. IC… (passagens 1:43:25 a 1:44:20 e 1:44:48 a 1:45:35); nas quais disse, essencialmente, que, desde “2006, 2007…por aí…” vai passar férias de Verão nos andares de cima do locado e que o irmão tem feito o mesmo em Agosto, sendo que, ”nestes 3,4,5 anos não tenho ideia de ver o réu lá...”, não podendo concluir-se, ipso facto, de que, a partir de tal ausência de constatação derivasse o efectivo conhecimento sobre a não residência do réu do locado e, muito menos, a data a partir do qual tal conhecimento teve lugar;
- Os depoimentos das testemunhas FP… e LB…, amigos dos AA., que, frequentando frequentemente as fracções dos Autores por cima do locado, nunca nele viram os Requeridos (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 6:08 a 7:32 e 49:44 a 51:15), facto perfeitamente inócuo para a prova do almejado facto, que, na realidade, tem um conteúdo diverso de tais afirmações;
- O depoimento da testemunha FG… (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) apenas referenciou que “não viu o senhor F… nos últimos 10, 12 anos”, mas não sabendo onde o mesmo réu vivia. Quanto ao mais, não foi concludente nas afirmações que foi produzindo, mas sempre salientando que falava era com a “D. S…” sobre o assunto, jamais tendo revelado qualquer alusão a conhecimento transmitido ao autor. Não é possível concluir do modo como o fez a apelante;
- O depoimento da testemunha PT… (filho dos Requeridos), (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158 é inócuo nas passagens de gravação referenciadas pela ré) disse, tão-só, que não tem um contacto tão assíduo com o pai, referindo que os encontros consigo ocorriam na casa da testemunha, apenas salientou que na “vistoria” ocorrida em 2016, o autor CS… lhe transmitiu, “em conversa de circunstância” que o “Senhor S… disse que só cá venho aos Sábados almoçar e depois vou-me embora…”, “é estranho durante mais de 10 anos ninguém o [Réu] ver…” e que o autor lhe disse saber que a ré mora sozinha, nas palavras da testemunha “há uma série de anos”…Mas, estas afirmações também não permitem provar o que a ré almejava: A demonstração de que os autores sabiam que o réu não tinha residência na casa dos autos desde o inicio de 2004!
- O depoimento da testemunha RB… (no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158) apenas veio confirmar ter presenciado um diálogo entre o A. CS… e PT…, aquando da vistoria promovida pela CM de Almada, dizendo que PT… teria dito ao autor que “o Senhor sabe que o meu pai não vive cá há uma série de anos” e que o autor terá dito “sim eu sei…”, sendo que a falta de definição temporal não permite uma definida conclusão sobre o facto em discussão, aliás, precisada pelo Tribunal na motivação de facto: “se levarmos em linha de conta que o senhorio iniciou os proced[imentos] de resolução do contrato em Outubro de 2015, aquele depoimento, ainda que credível, não permite que se conclua que antes de decidir resolver o contrato já tinha conhecimento que o réu não habitava o locado há largo tempo”.
- A certidão negativa da notificação judicial avulsa, de 30-10-2015, junta pelos AA. – doc. 13 da p.i. - (negativa quanto ao réu, na sequência de declaração da ré, então prestada, no sentido de que o réu não vivia no local da notificação há cerca de dez anos), nada permite concluir de positivo sobre a não residência do réu, apenas permitindo certificar não se ter concretizado a notificação pessoal do réu.
Em suma, os aludidos fragmentos probatórios, individualmente considerados e, bem assim, criticamente apreciados, como o foram pelo Tribunal, não inculcam numa demonstração sobre o facto constante do ponto 47) dos factos não provados, razão pela qual inexiste motivo para a alteração ora pretendida pela apelante relativamente a tal matéria de facto.
Para além das considerações já supra expostos, relativamente aos pontos 48) e 49) acima aludidos, diga-se que, os meios de prova mencionados pela ré e pelo réu não permitem, de qualquer modo, inculcar no sentido de algum erro de julgamento do Tribunal sobre a convicção que alcançou.
Na realidade, para além de fugazes alusões (notando-se que não basta afirmar em tribunal um facto para o mesmo inculcar prova no espírito do julgador) – que não mereceram, em face do princípio da livre apreciação da prova, concludência positiva no Tribunal – sobre o comportamento dos autores face à ré relativamente ao arrendamento dos autos, os meios de prova produzidos, inconcludentes, genéricos e muito subjectivos nestes pontos, não permitiram, na realidade, que o Tribunal concluísse pela veracidade e demonstração de uma tal factualidade.
Para além disso, note-se, inexiste contradição alguma entre a factualidade assente nos pontos 20) e 21) e a indemonstração do facto vertido em 48), sendo que, as conjecturas do réu, na sua alegação, são inaproveitáveis para qualquer demonstração probatória positiva relativamente ao mencionado facto 48) e, bem assim, quanto ao facto não provado em 49) (quanto a este, desde logo, não confirmado, desde logo, pelas comunicações escritas remetidas pelos autores e dirigidas à pessoa do réu, assim como, pela notificação judicial avulsa procurada efectuar relativamente àquele).
Não se mostra, pois, minimamente viciada a apreciação levada a efeito pelo Tribunal a quo.
Inexiste, em consequência, motivo para o deferimento da pretendida alteração de facto.
* A.3) Saber se deve ser alterada a redação do facto provado sob o n.º 22) e se a matéria de facto dada como não provada nos números 40 e 41 da sentença recorrida deverá ser dada como provada?
Prosseguindo na análise do recurso da ré, concluiu esta o seguinte: “4. Tendo em conta: (i) O depoimento de parte da Recorrente (gravado no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158), onde esta disse que o Requerido lhe exigiu, aquando do divórcio, continuar a viver no locado, durante algum tempo, até encontrar um outro local para viver (passagens 2:16:22 a 2:16:50 e 2:17:28 a 21:17:40), que tal era uma mera tolerância, como até o próprio Tribunal recorrido reconhece durante o julgamento, ao usar a palavra “tolerar” (passagem 2:15:35 a 2:17:40), e que o acordo sobre a casa morada de família não era para o Requerido ficar como arrendatário (passagens 2:31:57 a 2:32:40 e 2:33:05 a 2:33:25); (ii) E o depoimento de parte do Requerido (gravado no ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158), onde ele disse que não ia assinar o divórcio, portanto sem ser litigioso, sem ter garantia onde ficar, até ter casa para onde ir viver no início de 2004 (passagem 3:08:20 a 3:08:35) e que pagava a renda à Requerida, sendo esta que a entregava na sua totalidade ao senhorio, e que todas as questões do arrendamento eram tratadas pela Requerida: (passagem 18:23 a 19:47 do ficheiro áudio gravado 20170905181830_17850577_2871158); 5. Os factos 22, 40 e 41 devem ser dados por provados, nos seguintes termos, tendo em conta a prova produzida e os poderes cometidos ao Tribunal, nos termos dos artigos 5º do CPC e 396º do Código Civil: 22-Aquando da negociação dos termos do divórcio por mútuo consentimento, o Requerido impôs à Requerida uma condição: poder continuar a habitar, durante algum tempo, o locado, até encontrar um outro local para viver e para garantir tal pretensão, pretendia consignar no acordo de divórcio que o referido arrendamento, da casa de morada de família, foi atribuído a ambos os requeridos. 40-Os Requeridos não pretendiam que o Requerido marido assumisse, juridicamente, a posição de arrendatário do locado perante os Requerentes. 41-O que os Requeridos de facto queriam acordar era apenas o seguinte: a Requerida mantinha-se como única arrendatária do locado, mas permitiria que o Requerido nele continuasse a viver, temporariamente, até encontrar outro local para habitação (como acontece em diversos casos), ajudando o Requerido a pagar metade da renda que a Requerida suporta todos os meses”.
Diga-se, liminarmente, que os meios de prova referenciados pela ré – os depoimentos de parte de ré e réu – não se mostraram, na perspectiva do Tribunal, suficientes para dar como assente a matéria que ficou a constar dos pontos 40) e 41) da matéria de facto não provada.
Quanto ao mais, o que a ré declarou que sucedeu a respeito da negociação sobre os termos do divórcio por mútuo consentimento foi que o réu lhe transmitiu que queria continuar a habitar no locado, esclarecendo que tal “foi uma exigência do meu marido…a mim também não me incomodava”, “sendo uma coisa de transição e como era uma imposição para o divórcio eu aceitei”, enquanto que o réu salientando que estava desempregado, referiu que pretendia ficar no locado, mas que a sua ex-mulher “não foi muito sensível à solução proposta pelo réu, tanto que dizia para o réu arranjar casa” “eu nunca impus condição…”.
Ou seja: Perante o entrecruzar destas afirmações, de sentido contrário e não obstante a ré ter utilizado as palavras “exigência” e “imposição”, não merece censura o resultado alcançado pelo Tribunal – não fazendo, como é óbvio, qualquer prova a palavra (“tolerar”) que o Tribunal tenha utilizado aquando da produção dos meios de prova - a respeito do ponto 22) dos factos provados que, aliás, se mostra o mais compatível e coerente com tais declarações e também com a correspectividade de declaração – e consciência, sem qualquer inimputabilidade – por parte da ré a tal situação pretendida pelo réu.
Assim, não existe qualquer motivo para, também relativamente a estes pontos, ser alterada a decisão de facto do tribunal recorrido.
* A.4) Saber se deve ser acrescentado à matéria de facto provada que, a Ré, em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 2008, mudou a fechadura do locado impedindo o acesso ao mesmo por parte do Réu?
Invocou o réu que “resultou da realização da audiência de discussão e julgamento, mais concretamente das declarações da Ré, constantes da gravação, a rotações 2:44:00, um facto com interesse para a demanda e que quanto a nós deveria ter sido acrescentado e dado como provado: - A Ré em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 2008, mudou a fechadura do locado impedindo o acesso ao mesmo por parte do Réu”.
De facto, no decurso do seu depoimento, a ré referiu que “mudou a fechadura e não lhe dei [ao réu] a chave…deve haver 10 anos, 11 anos….não posso precisar se foi em 2006, mas foi há muitos anos…”.
Liminarmente, refira-se que não invoca o réu qual a relevância para a decisão da causa da inclusão na matéria assente de uma tal factualidade (limitando-se a tecer genéricas considerações no artigo 53.º da sua alegação…) e a mesma também não se alcança, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de Direito.
É que, tal factualidade, mesmo a demonstrar-se apenas lograria produzir efeitos numa relação jurídica -–entre os réus (relação interna) – que não está em apreciação nos autos, onde apenas se discute a subsistência da relação de arrendamento entre autores e réus (relação externa).
De todo o modo, ainda que, porventura, pudesse tal matéria interessar para o desfecho dos autos – o que não se vislumbra - , não se afigura possível a este Tribunal considerar tal factualidade.
De facto, a “introdução” deste facto como assente nesta sede equivaleria ao conhecimento de uma questão nova que, não cabe, como é óbvio nos poderes do Tribunal da Relação, que apenas faz o reexame da causa julgada pela 1.ª instância.
Os recursos que visam o reexame da matéria de facto da decisão proferida actuam dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão recorrida.
E constituindo tais recursos meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e, não, meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido. “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2016, Processo 861/13.3TTVIS.C1.S2, relatora ANA LUÍSA GERALDES).
Mas, ainda que assim não o vedasse o regime recursório vigente, afigura-se-nos que o modelo de alegação e de aquisição de factos em vigor não se compadece com a pretendida alteração factual.
É que, no regime processual civil vigente, os factos essenciais têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). Por seu turno, o réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art. 574.º do CPC).
Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece.
Os factos não principais dividem-se, na terminologia do Código, em factos instrumentais, concretizadores e complementares.
Nos termos do art. 5.º, n.º 2 b) e c) do CPC, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo.
Assim, como sintetiza Mariana França Gouveia (“O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: A incessante procura da flexibilidade processual”, in R.O.A., ano 73.º, vol. II/III, p. 611): “Em resumo, temos o seguinte quadro: factos principais alegados nos articulados, fixação neste momento do objeto do processo (dada a regra da inadmissibilidade posterior de alteração), factos instrumentais, complementares ou concretizadores alegados ou adquiridos para o processo até ao encerramento da discussão. Mantém-se portanto o efeito preclusivo quanto aos factos principais — a sua não alegação inicial impede a alegação posterior; mantém-se a não preclusão em relação aos outros factos, reforçando-se esta não preclusão relativamente aos factos instrumentais já que o efeito probatório da não impugnação é meramente provisório, podendo ser afastada por contraprova. Assim, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, enquanto os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento. Também os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos até ao fim do julgamento.”.
No caso, considerando a causa de pedir invocada e as excepções deduzidas pelos réus, a factualidade atinente à mudança da fechadura da ré relativamente ao réu apenas poderia ser, quando muito, considerado um facto complementar, designadamente, da excepção de denúncia do arrendamento que o réu invocou ter existido.
Contudo, como se viu para que tal facto pudesse ser introduzido nos autos, nesta sede – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica - , teria de o ter sido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respectivo contraditório. Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efectivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não podendo o facto ser objecto de inclusão nesta instância de recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (Processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO): “I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art. 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados. II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
Mostra-se, pois, de rejeitar a pretendida inclusão na matéria de facto provada.
Em face do exposto, subsiste integralmente a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo.
* B) Do mérito da apelação da Recorrente/Ré:
Vejamos o mérito das apelações deduzidas, começando pelo recurso interposto pela Ré.
* B.1.) Saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 224.º, 342.º, 334.º, 762.º, 1083.º, n.º 3, e 1084º, n.º 2, do Código Civil e 9.º, n.º 7, alínea a), e 10.º, n.º 5, alínea b), da Lei nº 6/2006 (na alegação da recorrente, por não ter considerado que a resolução do contrato de arrendamento dos autos foi ilícita ou ineficaz, sabendo os autores que o réu já não vivia no locado quando promoveram a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aumentando a renda e, depois, por falta do seu pagamento, resolvendo o contrato, em 2014/2015)?
Concluiu a recorrente, relativamente a esta invocação, nos seguintes termos: “6. Tendo em conta dos factos dados por provados 6 a 21, 27 e 35 a 39, aditados aos factos 47, 48 e 49, conjugados com o facto provado 1, é claro que os AA. resolveram ilicitamente o contrato de arrendamento dos autos, porque sabiam, ou não podiam ignorar, que o Requerido já não vivia no locado, quando promoveram a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aumentando a renda e, depois, por falta do seu pagamento, resolvendo o contrato, em 2014/2015. 7.Se o declarante envia uma declaração ao declaratário para local que ele sabe que este não se encontra, aquele actua em manifesto abuso do direito, por violação da boa fé: artigo 334º do Código Civil. 8. A má fé dos AA. é ainda mais clara quando ficou provado que eles sempre trataram dos assuntos do arrendamento com a Recorrente, especialmente o aumento da renda, cuja falta de pagamento da alegada nova renda fundamentou a resolução do contrato; a Recorrente sempre respondeu às comunicações dos senhorios, ao invés do Requerido; não obstante as cartas remetidas ao Requerido para o locado serem devolvidas, mesmo após a informação da Recorrente ao oficial de justiça, os Senhorios apenas remetiam comunicações ao Requerido para o locado, sem nunca confirmarem, pelo menos, se ele ali ainda vivia; eles movem a acção de despejo contra os Requeridos por falta de pagamento da renda por esta e não por um deles já não viver no locado ou por a Recorrida não pagar a renda; e fazem-no (com fundamento na falta de pagamento da renda) ainda que o A. CS… não sabia, por exemplo, por que meio a renda é paga nem quem a pagava e paga, nem sequer sabia, sobretudo, que valor de renda é pago nem procede ao levantamento do valor das rendas depositadas há anos, embora ela seja paga, demonstrando não ter, em bom rigor, qualquer vantagem real com a acção, mas, ao invés, apenas o objectivo de despejar a Recorrente (ficheiro áudio 20170905143915_17850577_2871158, passagens 9:46 a 10:25, 12:54 a 15:53, 49:14 a 1:04:15). 9. Como o Requerido não recebia as comunicações enviadas pelos AA. de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de aumento de renda, os AA. recorreram à notificação judicial avulsa para, com fundamento na falta de pagamento da nova renda, resolverem eficazmente o contrato de arrendamento, ao abrigo dos artigos 9º, nº 7, alínea a), e 10º, nº 5, alínea b), da Lei nº 6/2006 e 1083º, nº 3, e 1084º, nº 2, do Código Civil. 10. Porém, a alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006 só é aplicável quando não é possível localizar o arrendatário, desde logo porque ele não se encontra no locado. 11. Ora, quando os AA. enviam essa comunicação ao Requerido (doc. 14 da PI) não fundamentam a impossibilidade de localização do Requerido. 12. Com efeito, a impossibilidade aí em causa não é a do Requerido receber ou não a notificação judicial avulsa, para efectivar a resolução do contrato, mas sim não se saber onde ele se encontra para se poder tornar eficaz a comunicação subjacente à notificação judicial avulsa enviada: ou seja, esta impossibilidade está relacionada com a localização do arrendatário e não com a não recepção em si das comunicações enviadas (que, de resto, ele já não recebia), sob pena de, se assim não fosse, se bastar prever novo envio da comunicação para o locado, independentemente de qualquer impossibilidade de recepção. 13. No mais, para esse efeito, competia aos AA. alegar e provar que tentarem localizar, sem sucesso, o Requerido, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, porque o ónus dessa prova é seu. 14. Porém, nem naquela comunicação, nem nos autos ficou provado que para os AA. foi impossível localizar o Requerido para lhe remeter a comunicação de resolução do contrato: os AA. simplesmente nunca tentaram, sequer, saber onde o Requerido se encontrava. 15. Tal disposição legal, naqueles termos, está também ligada à boa-fé, pois exige-se ao senhorio que procure primeiro apurar onde o arrendatário efectivamente se encontra e, só quando não o consegue, é que há impossibilidade de comunicação com o arrendatário, permitindo-se então ao senhorio remeter a comunicação em apreço novamente para o locado. 16. Pelo que, além de actuarem em manifesto abuso do direito, os AA. também não cumpriram o disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006: não demonstraram, como lhes competia, que lhes foi impossível localizar o Requerente, antes de remeterem, por esse motivo, a comunicação junta como doc. 14 da PI, sendo assim esta comunicação ineficaz. 17. Nesta linha, o Tribunal recorrido não tem razão quando diz que o conhecimento, pelos AA., do facto de o Requerido já não viver no locado é irrelevante: quer a boa-fé, decorrente dos artigos 762º e 334º do Código Civil, quer o disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006 vão noutro sentido: se o senhorio sabe que o arrendatário já não vive no locado, não pode enviar para lá as comunicações de cessação do contrato, salvo se, depois de procurar localizá-lo, não o conseguir, ponto este que não resulta dos factos provados. 18. Sendo assim ilícita ou, apenas, ineficaz a resolução do contrato de arrendamento, nada a Recorrente deve aos AA., nem estes a podem despejar do locado. 19. Como tal, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 224º, 342º, 334º, 762º, 1083º, nº 3, e 1084º, nº 2, do Código Civil e 9º, nº 7, alínea a), e 10º, nº 5, alínea b), da Lei nº 6/2006”.
Ora, não obstante as considerações da recorrente, certo é que, não tendo havido qualquer alteração da matéria de facto assente, a factualidade apurada no julgamento dos autos não determina a procedência do invocado. É que, realmente falta o pressuposto necessário para tal conclusão: A demonstração de que os autores promoveram a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sabendo que o réu já não vivia no locado.
Contudo, a decisão recorrida é, neste ponto, especialmente incisiva e clara: “A transição para o regime do NRAU, bem como a actualização das rendas nos contratos celebrados antes da vigência do RAU (como o dos autos), depende da iniciativa do senhorio, que deve comunicar ao arrendatário a sua proposta quanto ao valor da renda, ao tipo e ou à duração do contrato (art. 30º nº 1 do NRAU). No caso dos autos, os autores tomaram a iniciativa de propor aos réus a transição para o regime do NRAU e cumpriram os requisitos legais previstos no art. 30º nº 1 do NRAU. Na resposta que enviou aos autores, a ré MS… opôs-se ao valor da renda proposto pelos senhorios, alegou ter completado 65 anos e declarou que pediu às Finanças a declaração do rendimento bruto anual. Por seu turno, a notificação expedida para o réu FT… foi devolvida aos senhorios. Importa apurar se, não obstante tal devolução, a notificação deverá ser considerada eficaz. Deu-se como assente que por decisão de 15/11/2002, transitada em julgado em 02/12/2002, foi declarado o divórcio dos requeridos, cujo processo correu termos pela Conservatória do Registo Civil do Seixal. No âmbito desse processo, o referido arrendamento, da casa de morada de família, foi atribuído a ambos os requeridos. Em caso de divórcio ou de separação de pessoas e bens, os cônjuges podem acordar em permanecerem ambos a habitar no locado, anterior casa de morada de família, assumindo cada um (ex novo ou não) a posição de (co)arrendatário, nos termos do art. 1105.º do CC (neste sentido: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/3/2017, proferido no proc. 5042/14.6TCLRS.L1-2, versão integral em www.dgsi.pt). Entendemos que não assiste razão à ré MS… quando pugna pela nulidade do acordo de atribuição de casa de morada de família nos termos das disposições conjugadas dos arts. 280º e 294º, ambos do CC. Tal acordo é perfeitamente válido e eficaz relativo aos senhorios que, aliás, não o puseram em causa. Embora, no caso de pluralidade de arrendatários, o NRAU preveja que as comunicações do senhorio são dirigidas ao arrendatário que figurar em primeiro lugar no contrato, salvo indicação daqueles em contrário (n.º 3 do art. 11.º do NRAU), terão de ser dirigidas a todos os arrendatários as comunicações que constituam iniciativa do senhorio para transição para o NRAU e para actualização extraordinária de renda (art. 11.º n.º 4 e art. 10.º n.º 2 do NRAU). A falta de comunicação a todos os arrendatários, nos casos em que ela se imponha, acarreta a ineficácia da que foi realizada a apenas um deles. Tratando-se da casa de morada de família, o autor remeteu a comunicação ao réu FT… para aquela morada, tal como preceitua o art. 12º nº 1 do NRAU e em consonância com o art. 9º nº 2 do NRAU, segundo o qual as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. No caso que ora cumpre apreciar, os senhorios, relativamente ao réu FT… remeteram a carta para onde legalmente estavam obrigados por lei a remeter, apesar de ser ter dado como assente que a aquele réu já não reside no locado desde o início de 2004. Apesar da carta não ter sido reclamada pelo réu FT…, considera-se a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do seu envio, ou seja, em 8/5/2014 (cfr. 2ª parte da alínea b) do nº 5 do artº 10º do NRAU)”.
Ao contrário do entendimento da ré, não resulta da consideração de algum dos factos provados, alguma factualidade de onde se possa concluir que a resolução do contrato de arrendamento dos autos assentou num comportamento ilícito dos autores.
Não está demonstrado, de facto, que os autores tenham remetido uma declaração ao declaratário – réu - para local em que este não se encontraria, sabendo deste facto. Inexiste qualquer abuso na actuação do direito exercido pelos autores, pelo que, não se mostra violado o artigo 334.º do Código Civil.
E, tudo o mais referenciado a este respeito pela ré não revela, por falta dos mencionados pressupostos fácticos em que assentasse uma tal conclusão, que a decisão recorrida tenha interpretado e aplicado erradamente qualquer das outras normas invocadas.
Em particular sobre a forma da comunicação, a respeito da alínea b) do nº 5 do artigo 10º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, não resulta da previsão legal que o senhorio tenha que, nessa situação – ou seja, já após a frustração das comunicações nos termos das alíneas a) e b), do n.º 7 do artigo 9.º da mesma Lei – de fundamentar a impossibilidade de localização do requerido. A impossibilidade de localização é o pressuposto da actuação legal do normativo em questão, mas ela não tem de constar da fundamentação da própria comunicação remetida ao arrendatário. E nessa medida também não se vislumbra que existisse qualquer ónus probatório a cargo dos autores que estes tenham incumprido.
Quanto ao mais, apenas cumpre sublinhar que a lei não consente alguma das especiosas considerações sintetizadas nos pontos 12 a 19 das conclusões da apelante.
Ademais, não tendo havido qualquer alteração da matéria de facto assente, a factualidade apurada no julgamento dos autos não determina a procedência do invocado. É que, realmente falta o pressuposto necessário para tal conclusão: A demonstração de que os autores promoveram a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sabendo que o réu já não vivia no locado.
* B.2) Saber se a decisão recorrida violou os artigos 247º e 251º do Código Civil, 84º do RAU e 280º e 294º do Código Civil (na alegação da recorrente por não ter anulado ou declarado nulo o acordo sobre a casa morada de família, aquando do divórcio dos réus, na parte em que se atribui ao réu a posição de arrendatário)?
Nos pontos 20 a 24 das conclusões da apelante lê-se: “20. Tendo em conta dos factos dados por provados 1, 2, 3, 22, 23, 24, aditados aos factos 40 e 41, é igualmente claro que os Requeridos não pretendiam que o Requerido marido assumisse, real e juridicamente, a posição de arrendatário do locado perante os Requerentes, o que se traduz num erro manifesto dos Requeridos sobre o objecto jurídico do dito acordo sobre a casa morada de família, ao tratarem o Requerido também como arrendatário, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil. 21. O erro é comum a ambos os Requeridos e deles conhecido, devendo aquele acordo ser anulado, ou, no limite, e com o mesmo efeito, a Requerida não aceitaria que o Requerido ficasse seu co-arrendatário, pois isso impediria a separação efectiva do casal, o que se traduz num elemento essencial do acordo, cuja essencialidade o Requerido sabia ou não podia ignorar. 22. (…) o artigo 84º, nº 1, do RAU, aplicável à data do divórcio dos Requeridos, apenas permite que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer um dos divorciados. 23. Logo, o acordo feito entre os Requeridos (…) é nulo, por violação do artigo 84º do RAU, enquanto norma imperativa (cf. artigo 294º do Código Civil) ou objecto juridicamente impossível (cf. artigo 280º do Código Civil) e não deveria ter sido aceite pela conservatória do registo civil do Seixal que o homologou. 24. Pelo que, o Tribunal recorrido deveria ter anulado ou declarado nulo, na parte em que se atribui ao Requerido a posição de arrendatário, o acordo sobre a casa morada de família, aquando do seu divórcio com a Recorrente, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil ou 84º do RAU e 280º e 294º do Código Civil, respectivamente, e cuja falta determinou precisamente a violação destas disposições legais”.
Vejamos:
Importa referir que, nos presentes autos está em questão um contrato de arrendamento para habitação que foi celebrado em 1972. Trata-se, pois, de contrato de arrendamento celebrado antes da vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, e, por conseguinte, anterior à entrada em vigor do novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
O NRAU aplica-se às relações contratuais subsistentes à data da sua entrada em vigor, nos termos e com as limitações inerentes aos princípios consagrados no art.º 12.º do Código Civil e tendo em consideração as normas transitórias que preveem especialidades em relação aos contratos já existentes (cfr. artigos 59.º n.º 1, 26.º, 27.º e 28.º do NRAU).
Aquando da celebração do contrato de arrendamento em questão apenas a ré subscreveu o arrendamento e, embora na ocasião a ré fosse casada, a lei consagrava expressamente a regra da incomunicabilidade do direito ao arrendamento para habitação ao cônjuge do arrendatário (art.º 1110.º n.º 1 do Código Civil), solução legal essa que se manteve no RAU (art.º 83.º) e só por força do NRAU foi substituída pela regra contrária, consagrada atualmente no art.º 1068.º do Código Civil.
Subentende-se da decisão recorrida, e tal não foi questionado pelas partes, que se considerou que o novo regime, de comunicabilidade do direito ao arrendamento para habitação ao cônjuge do arrendatário, segundo as regras do regime de bens, previsto no art.º 1068.º do Código Civil por força da NRAU, não era aplicável ao caso, na medida em que o mesmo se reportava a contrato de arrendamento celebrado antes da entrada em vigor do NRAU e a casamento também anterior.
O vigente art.º 1068.º do Código Civil não é aplicável à situação jurídica sub judice (neste sentido, na jurisprudência, vide acórdão da Relação de Lisboa, de 29.5.2012, processo 1393/11.2YXLSB.L1-1; acórdão da Relação de Lisboa, de 18.10.2012, processo 4994/08.0TBAMD-A.L1-2 – relatado pelo aqui Exm.º 2.º adjunto -; acórdão da Relação de Coimbra, de 09.4.2013, processo 1346/11.8TBCVL-A.C1; acórdão da Relação de Lisboa, de 23.9.2014, processo 738/11.7YXLSB.L1-1 - todos consultáveis na base de dados do IGFEJ; na doutrina, no mesmo sentido, cfr. Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge, “Arrendamento Urbano”, Quid Juris, 3.ª edição, Almedina, páginas 300 e 301; contra, na doutrina, Maria Olinda Garcia, “O arrendatário invisível – A comunicabilidade do direito ao cônjuge do arrendatário no arrendamento para habitação”, in Scientia Iuridica, tomo LXV, n.º 342, Setembro-Dezembro 2016, páginas 416 a 418).
Sucede, porém, que por decisão de 15-11-2002, transitada em julgado em 02-12-2002, foi declarado o divórcio dos requeridos e no âmbito desse processo, o referido arrendamento, da casa de morada de família, foi atribuído a ambos os requeridos.
No art.º 1105.º do Código Civil, na redação introduzida pelo NRAU, sob a epígrafe “Comunicabilidade e transmissão em vida para o cônjuge”, estipula-se o seguinte:
“1 - Incidindo o arrendamento sobre casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles.
2 - Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes.”
O texto legal, quer no RAU (art.º 84.º n.º 1), quer na versão original do Código Civil (art.º 1110.º n.º 2), dispunha que, em caso de divórcio ou de separação de pessoas e bens “podem os cônjuges acordar em que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles.”
A redação atual, em que se estabelece que os cônjuges podem “optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles”, resulta da atual consagração, como regra, da comunicabilidade do direito de arrendamento ao cônjuge não contraente, nos termos do respetivo regime de bens (v. Maria Olinda Garcia, “A nova disciplina do arrendamento urbano", 2006, Coimbra Editora, pág. 37).
O regime de transmissibilidade do arrendamento por força do divórcio ou de separação de pessoas e bens, primeiramente previsto no art.º 1110.º do Código Civil, teve como fonte o art.º 45.º da Lei n.º 2030, de 22-06-1948, que tinha a seguinte redação:
“1.-Requerida a separação de pessoas e bens ou o divórcio, podem os cônjuges acordar em que o direito ao arrendamento para habitação fique pertencendo ao não arrendatário. Na falta de acordo, o juiz, a requerimento de qualquer dos interessados, decidirá na sentença, tendo em conta a sua situação patrimonial, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa do arrendatário na separação ou divórcio e o facto de o arrendamento ser anterior ou posterior ao casamento.
2.-Se houver filhos e o processo tiver de ser remetido ao tribunal de menores, a este competirá decidir.
3.-A transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário, por acordo ou decisão judicial, só produzirá efeitos em relação ao senhorio, se for requerida a sua notificação dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença da separação ou divórcio, ou da decisão proferida pelo tribunal de menores.”
No respetivo parecer da Câmara Corporativa, de 04.02.1947 (Parecer n.º 16, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, volume II, 2.ª edição, 1981, Coimbra Editora, página 550), escreveu-se: “o que se pretende com estas medidas excepcionais em matéria de arrendamento é proteger o facto da habitação e, portanto, em princípio, deverá atribuir-se o direito aos dois, e não apenas ao que figura como arrendatário, visto o contrato ser normalmente celebrado em benefício do agregado familiar, e não de um cônjuge apenas. Como, porém, isto é impossível, desde que seja decretado o divórcio ou separação, parece indicado que acima de um critério, muitas vezes puramente ocasional, como é o da outorga do contrato, se atenda efectivamente às necessidades de habitação de cada um dos cônjuges, facultando-se-lhes um acordo, e atribuindo ao juiz, na falta dele, o poder de dirimir o conflito, conferindo a posse da casa a quem melhor direito invoque, baseado na culpa do outro cônjuge, na situação patrimonial de cada um, no interesse dos filhos, etc.”
Como se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2017 (Processo: 5042/14.6TCLRS.L1-2, relator JORGE LEAL), “o legislador procura, assim, acudir aos interesses pessoais dos cônjuges e do seu agregado familiar, no aspeto essencial da habitação, reconhecendo que, em princípio, é relevante o interesse de qualquer dos cônjuges, independentemente de só um deles ser o arrendatário. E a literal atribuição do referido direito a apenas um dos cônjuges releva, conforme decorre do texto do parecer, da convicção da impossibilidade factual da manutenção da convivência dos cônjuges divorciados ou separados na mesma habitação.”
Ora, no caso dos autos, os cônjuges acordaram em permanecerem ambos na que anteriormente era a casa de morada de família. Assim, acordaram em assumirem ambos a posição de arrendatários, passando o arrendamento a ser um arrendamento plural, com dois coarrendatários.
Conforme decorre da transcrição supra efetuada do art.º 45.º da Lei n.º 2030, a lei estipulava expressamente que a modificação da titularidade da posição de arrendatário só produziria efeitos em relação ao senhorio na medida em que este fosse dela notificado, num prazo apertado.
O citado parecer da Câmara Corporativa refere-se a esta solução nestes termos (ponto 15 do parecer): “Trata-se, de resto, da resolução de um problema que para o senhorio é, na generalidade dos casos, indiferente, pois, tendo de ocupar um dos cônjuges a posição de arrendatário, pouco ou nada lhe deve interessar que essa posição seja conferida ao marido ou à mulher. O que é essencial é que ele saiba que houve uma transmissão e que de certo momento em diante deixou de ser arrendatário o que outorgou no contrato, por ter transmitido essa situação ao seu cônjuge ou ex-cônjuge (…). Feito o acordo ou proferida a decisão judicial, se o direito ao arrendamento for atribuído ao que figura no contrato como arrendatário, não é preciso levar o acordo ou a decisão ao conhecimento do senhorio. Noutro caso, é necessário notificá-lo, dentro do prazo de trinta dias, para que tome conhecimento da transferência do direito.”
Nem o Código Civil, na redação primitiva, nem o RAU, nem, atualmente, o art.º 1105.º do Código Civil, consignam a primitiva imposição de um prazo para a comunicação ao senhorio da referida alteração da posição contratual de arrendatário, com efeitos preclusivos. A lei passou, tão só, a impor a notificação oficiosa, pela autoridade competente, da aludida alteração ao senhorio.
Tal modificação do texto legal é, conforme se entendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006 (processo 12158/2005-6, relatora ANA LUÍSA GERALDES), significativa, compelindo à conclusão de que a omissão da notificação não impedirá a eficácia, na ordem jurídica, da homologada ou decidida modificação do contrato de arrendamento no plano subjetivo, sem prejuízo das consequências que o senhorio possa lograr retirar de outras regras do ordenamento jurídico, nomeadamente em matéria de responsabilidade civil ou de abuso de direito, de eventual omissão de notificação que não lhe seja imputável.
A automática produção de efeitos da homologação do acordo ou da decisão da entidade competente, na fixação subjetiva do arrendamento, independentemente da vontade do senhorio e mesmo da comunicação a este é idêntica à que ocorre na comunicabilidade do direito do arrendatário ao abrigo do art.º 1068.º do Código Civil (vide Maria Olinda Garcia, “O arrendatário invisível…”, estudo citado, pág. 405) ou na transmissão do arrendamento por morte do arrendatário ao abrigo do art.º 1106.º do Código Civil (vide José Diogo Falcão, “A transmissão do arrendamento para habitação por morte do arrendatário”, parte III, in ROA, ano 67, 2007, volume III, Dezembro).
E tal deriva da circunstância de a lei, nessa situação, visar “salvaguardar os interesses de protecção da casa de morada de família, sobrepondo-os aos interesses do locador” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006, Processo 12158/2005-6, relatora ANA LUÍSA GERALDES).
Ora, volvendo ao caso dos autos, de nenhum dos factos provados – designadamente os mencionados em 1, 2, 3, 22, 23 e 24 (sendo que, mais uma vez se sublinhe, não se alterou a matéria de facto apurada) – se induz qualquer conclusão no sentido de que os réus não pretendiam que o réu assumisse, real e juridicamente, a posição de arrendatário do locado perante os autores – aliás, o mesmo explicitou, ao invés, que, estando desempregado, pretendia manter a casa – sendo que, de facto, pelo menos, em 2008, mantinha interesse em ter a posição de arrendatário relativamente ao locado (cfr. factos provados sob os números 38 e 39).
A declaração negocial é uma decisão volitiva, precedida, no plano psicológico, de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor representa – para si - o possível negócio e o seu circunstancialismo.
Erro é a ignorância (falta de um ou vários elementos) ou falsa representação (representação mental em desacordo com um elemento da realidade) de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial.
Como refere Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil; Vol. II, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1996, p. 124) “para haver vontade, tem de existir, no foro íntimo da pessoa, na sua mente, a formação de uma deliberação para a qual concorrem vários factores. Quando alguém declara comprar certa coisa, isto significa que, no campo psicológico, ponderou previamente as vantagens e desvantagens do negócio, os fins que ele permite alcançar, a existência de certas qualidades da coisa que lhe asseguram a realização desses fins, etc.. Se, neste fenómeno deliberativo, psicológico, se dá como verificado certo elemento, que não existe, ou existe de modo diferente do que foi mentalmente representado, ou se não se toma em conta outro, por se desconhecer a sua existência, a vontade formou-se erradamente”.
O Código Civil distingue várias modalidades de erro. Contudo, nem todo o erro tem repercussão no negócio jurídico. Com efeito, o erro para ser relevante, tem de ser causal, ou seja, o erro tem de ser causa do negócio jurídico nos seus precisos termos.
A causalidade implica a inserção de um factor anómalo – o erro (aqui se abrangendo a ignorância, como se disse) – no processo volitivo, o qual, sem aquele factor anómalo, teria sido outro e diferente. O fenómeno volitivo que se verificou em face do erro, foi a vontade negocial. Todavia, se não ocorresse erro, outra teria sido a vontade do declarante, a reconstituir por esforço mental: a vontade conjectural.
O Código Civil trata diversos casos de «erro», partindo da noção de erro na declaração, constante do artigo 247º, onde se fixa o regime geral. No artigo 249º do mesmo Código regula-se o erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou das circunstâncias em que esta é feita. Do erro na transmissão da declaração trata o artigo 250º do Código Civil. Por sua vez, o erro sobre os motivos determinantes da vontade, é regulado, embora em termos diversos, nos artigos 251º e 252º do Código Civil (sendo que, para o erro na declaração, para o erro na transmissão da declaração, para o erro sobre o objecto do negócio ou pessoa do declaratário, o requisito de relevância é idêntico – cfr. artigos 247º, 250º e 251º do Código Civil).
Ora, não se divisa no elenco dos factos apurados qualquer elemento que permita inculcar ter existido algum erro - relevante – dos réus “sobre o objecto jurídico do acordo sobre a casa morada de família”.
A alegação em questão, sendo inconsequente, não logra alcançar o resultado pretendido.
Improcede, pois, também nesta parte, a apelação da ré.
* B.3) Saber se a decisão recorrida violou os artigos 513º, 534º e 1688º do Código Civil e 31º e ss. da Lei nº 6/2006 Civil (na alegação da recorrente por o tribunal não ter considerado que os réus, sendo divorciados, assumem, cada um, perante os AA., uma posição individual e separada de arrendatário e os efeitos que atinjam o réu não são extensíveis ou comunicáveis à ré, não produzindo, a falta de resposta do réu à comunicação dos AA. para efeitos de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e a falta de pagamento por aquele da nova renda, efeitos contra a ré)?
Invocou ainda a ré o seguinte: “25. O que nunca se pode aceitar, pelos factos provados, é que os efeitos jurídicos do contrato quanto a um dos arrendatários se reproduzam sobre o outro, como o Tribunal recorrido decidiu. 26. Com efeito, tendo em conta os efeitos do divórcio (decorrentes dos artigos 1688º do Código Civil e 84º do RAU) e o acordo sobre a casa morada de família, a posição de arrendatário no contrato dos autos é plural, composto por dois sujeitos separados, a Requerida e o Requerido, havendo assim dois arrendatários (e não um), o que se traduz em dois direitos de arrendamento e, com isso, um feixe de direitos e obrigações separados para cada um dos arrendatários: cada um deles, individualmente, por exemplo, tem o direito de usar o locado e a obrigação de pagar a renda, independentemente do outro. 27. (…) havendo dois arrendatários, só por isso, os senhorios têm que comunicar a ambos a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, por força do artigo 11º, nº 4, da Lei nº 6/2006, independentemente do disposto no artigo 12º, nº 1, da mesma Lei, aplicável apenas aos cônjuges não separados de pessoas e bens (artigos 1688º e 1795º-A do Código Civil). 28. Feita essa comunicação, cada arrendatário pode, querendo, a ela responder, atento o efeito previsto para a não resposta à comunicação do senhorio decorrente no artigo 31º, nº 6, da Lei nº 6/2006, exercendo assim um verdadeiro ónus jurídico. 29. O exercício do ónus pelo respectivo titular é manifestamente individual, excepto quando a lei ou as partes convencionarem o exercício conjunto de uma posição jurídica, por decorrência da autonomia privada e da dignidade humana. 30. Ora, no caso dos autos, de nenhuma disposição legal ou convencional resulta que os arrendatários têm que exercer em conjunto o ónus decorrente do artigo 31º da Lei nº 6/2006 e que o facto de o Requerido não ter respondido às comunicações dos AA., seja porque razões forem, tem como efeito a Requerida ser prejudicada, podendo os AA. opor-lhe a transição do contrato para o NRAU e resolver também quanto a ela o contrato de arrendamento por aquele motivo. 31. Tendo a Requerida exercido o ónus do artigo 31º da Lei nº 6/2006, o contrato de arrendamento terá transitado para o NRAU apenas relativamente ao Requerido, não para a Recorrente, porque existindo dois arrendatários nunca, em caso algum, o direito de um dos arrendatários é prejudicado pelo do outro e porque tendo em conta as comunicações trocadas entre os AA. e a Recorrente, juntas com a PI e o fundamento da resolução do contrato (apenas a falta de pagamento da nova renda fruto da transição do contrato para o NRAU somente para o Requerido). 32. Nessa medida, o argumento de a resolução do contrato poder decorrer da falta de pagamento da nova renda pelo Requerido também não colhe: havendo dois arrendatários, a obrigação de pagamento da renda é divisível (separável), e não solidária, por cada um dos arrendatários, devendo cada arrendatário pagar a parte da renda que lhe compete, de acordo não com a actuação de cada um, mas sim com a sua posição legal e contratual face ao senhorio (artigos 513º e 534º do Código Civil), e cujo valor, para a Recorrente, porque o seu contrato não transitou para o NRAU, correspondente ao decorrente da aplicação dos artigos 35º e ss. da Lei nº 6/2006, não podendo os AA. exigir à Recorrente o pagamento da parte da renda do Requerido, seja a parte que a este compete, seja a parte decorrente da transição, para este, do contrato de arrendamento para o NRAU. 33. (…) se assim fosse, o divórcio de pouco serviu, tendo, ao invés, prejudicado a Recorrente: divorciando-se teve que passar a dividir o arrendamento com o Requerido e a ficar sujeita às acções deste inerentes à transição do contrato para o NRAU e ao pagamento da nova renda, ao arrepio dos efeitos do divórcio previstos no artigo 1688º do Código Civil e do regime dos artigos 35º e ss. da Lei nº 6/2006 relativos ao valor da renda devida: as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com o divórcio e o arrendatário apenas tem que pagar a renda decorrente daqueles primeiros preceitos. 34. Como tal, Requerida e Requerido assumem, cada um, perante os AA., uma posição individual e separada de arrendatário e quaisquer efeitos decorrentes do contrato de arrendamento que atinjam o Requerido não são extensíveis ou comunicáveis à Requerida, uma vez que a Requerida é divorciada do Requerido e, por isso, a falta de resposta deste último à comunicação dos Requerentes, para efeitos de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, e a falta de pagamento por este da nova renda, não podem produzir efeitos contra a primeira. 35. O disposto no artigo 10º, nº 5, alínea b), da Lei nº 6/2006 não obsta a este entendimento, porque apenas é válido para se determinar se o Requerido se considera notificado ou não da comunicação para ele enviada para o locado pelos AA. e não para se validar uma transmissão de efeitos da conduta subsequente do Requerido, relativamente à transição do contrato para o NRAU e ao pagamento da nova renda, para a Recorrente. 36. Igualmente, o disposto no artigo 31º, nº 6, da Lei nº 6/2006, invocado pelo Tribunal recorrido, também não obsta a este entendimento, porque esta disposição apenas se refere à transição do contrato de arrendamento para o NRAU (e à nova renda, duração e tipo de contrato) e não à comunicabilidade da actuação de um dos arrendatários para a esfera jurídica do outro. 37. E menos força tem o argumento de a renda ter um valor único: sendo pecuniária a obrigação de pagamento da renda, ela é divisível, tendo de ser paga pelos arrendatários nos termos do que lhes incumba a lei e o contrato, não tendo nenhum deles que pagar a parte da renda do outro. 38. A Recorrente não estava obrigada a pagar aos AA. a renda que estes querem cobrar ao Requerido, ou a renda decorrente da não resposta do Requerido à comunicação de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sendo assim a resolução do contrato de arrendamento relativamente à Recorrente, pelos fundamentos apresentados pelos AA., também por isso ineficaz, nada ela devendo, consequentemente, aos AA., por conta do que eventualmente o Requerido lhes deva, nem podendo assim ela ser despejada: não há aqui a comunicação de quaisquer dívidas entre os Requeridos, nem sequer se operou a transição do contrato de arrendamento para o NRAU relativamente à Recorrente. 39. Como tal, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 513º, 534º e 1688º do Código Civil e 31º e ss. da Lei nº 6/2006”.
Ora, como decorre das considerações já expendidas em B.2), com o acordo sobre a casa de morada de família, formulado aquando do divórcio, a posição de arrendatário passou a ser plural – titulada por ambos os réus – e, como bem se referiu na sentença recorrida, sem que tal mereça qualquer censura, “pese embora a ré se tenha oposto à actualização da renda, não se pode deixar de considerar que esta se actualizou por força da não oposição do réu FT…, nos termos do disposto no nº 9 do artº 31º do NRAU. Isto porque, não obstante a pluralidade de arrendatários, a renda tem um valor único”.
Assim, quer o réu, quer a ré eram – desde o divórcio - cada um, titulares de um direito ao arrendamento da fracção supra identificada, em termos, qualitativa e quantitativamente, idênticos (cfr. Maria Olinda Garcia,”O arrendamento plural, quadro normativo e natureza jurídica”, Coimbra Editora, 2009, pág. 348).
Não existindo norma legal ou contratual que previsse que um dos contraentes era representado pelo outro, ambos deveriam ser alvo das comunicações tendentes a produzir efeitos no feixe das obrigações e direitos emergentes do contrato para os coarrendatários, para que, como declarações negociais receptícias, produzissem efeitos em relação a eles (art.º 224.º n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil).
Embora o NRAU preveja que as comunicações do senhorio são dirigidas ao arrendatário que figurar em primeiro lugar no contrato, salvo indicação daqueles em contrário (n.º 3 do art.º 11.º do NRAU), têm de ser dirigidas a todos os arrendatários as comunicações que constituam iniciativa do senhorio para transição para o NRAU e para atualização extraordinária de renda nos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e nos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro (art.º 11.º n.º 4 e art.º 10.º n.º 2 do NRAU).
A falta de comunicação a todos os arrendatários, nos casos em que ela se imponha, acarreta a ineficácia da que foi realizada a apenas um deles (por identidade de razão com o disposto no n.º 1 do art.º 11.º do NRAU, em que no caso de pluralidade de senhorios expressamente se comina de ineficácia a falta de subscrição das comunicações por todos os senhorios ou por quem a todos os represente).
Conforme nota Maria Olinda Garcia (obra citada, página 220, nota 354) “a exigência de que a comunicação do locador seja dirigida individualmente a cada co-arrendatário, justifica-se não só porque daí resulta uma modificação objectiva do contrato, por via unilateral, cujos pressupostos os arrendatários têm direito de controlar, mas também porque, em resposta à iniciativa do locador, o arrendatário tem o direito de denunciar o contrato, nos termos do art.º 37.º, n.º 5 [atualmente, artigos 31.º n.º 3 alínea d) e 34.º, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14.8]”.
No caso, como resulta explicado na sentença recorrida, a comunicação operada pelos autores aos réus produziu efeitos relativamente a ambos os réus, tendo o contrato dos autos – que é um negócio jurídico unitário, com um mesmo feixe de obrigações, vinculativas para ambos os réus, embora plural, por os réus serem simultaneamente e compativelmente arrendatários do mesmo objecto (não se confundindo as figuras próximas dos denominados “arrendamentos parciais” (o objecto é apenas uma parte, em regra juridicamente não fraccionável, de determinado imóvel ou fracção) ou “arrendamentos paralelos” (arrendamentos, compatíveis entre si, celebrados individualmente com diferentes arrendatários, tendo por objecto o mesmo prédio ou fracção dele) - transitado para o NRAU, atento o disposto no n.º 9 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, preceito devidamente considerado na decisão recorrida.
Em face do aumento extraordinário de renda pretendido pelos autores, os réus não lograram, ambos, como se imporia relativamente a um mesmo contrato, deduzir eficaz oposição, face ao procedimento que os autores desencadearam em conformidade com o legalmente prescrito.
De facto, “a alteração do contrato na componente subjectiva nenhuma alteração produz no objecto do contrato, ou no montante da renda. Todos os elementos do contrato se mantêm, com excepção do número dos locatários” (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2013, Processo 1313/08.9YXLSB.L1-6, relatora MARIA DE DEUS CORREIA).
A renda aumentada era, assim, devida pelos réus.
É que: “I. No arrendamento plural os arrendatários têm, perante o senhorio, direito ao gozo da totalidade do locado, (…) e devem ao locador uma única renda, sem prejuízo, também, dos acordos que estabeleçam entre si quanto à proporção que, a final, cada um suportará. II. Em abstrato, ao coarrendatário será lícito desvincular-se da relação de arrendamento plural através dos mesmos meios que ao arrendatário singular são facultados, subsistindo a relação com os demais consortes nos mesmos termos que anteriormente vigoravam. A eventual redução do número de arrendatários não implicará, assim, a redução da renda” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-04-2019, Processo 20264/18.2T8LSB.L1-2, relator JORGE LEAL).
Ora, também não se vislumbra ter a decisão recorrida violado os normativos dos artigos 513º, 534º e 1688º do CC.
É que, de facto, a regra no direito civil é a das obrigações com pluralidade de sujeitos constituírem obrigações parciárias, também denominadas conjuntas, ou seja, aquelas em que é necessária a intervenção de todos credores ou devedores para a execução integral da prestação.
A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
Contudo, a solidariedade das obrigações, segunda a qual, o credor pode exigir de qualquer dos devedores a totalidade da prestação ou quando um dos credores pode exigir por si só a prestação do devedor apenas é admitida quando a lei a imponha ou as partes o convencionam, sendo o que resulta do artigo 512.º do Código Civil.
Ora, tal solidariedade não está prevista para o regime do contrato de arrendamento, com pluralidade de arrendatários.
De facto e quanto à lei civil, temos apenas imposto tal regime à pluralidade de gestores, à obrigação de indemnizar, à pluralidade fiadores aos sócios em sociedades civis puras, quanto aos comodatários e mandantes com interesse comum e quanto aos cônjuges, por dívidas comuns (cfr artºs 467º. 497º e 507º, 469.º, nº1, 997º, 1135º, 1139º e 1169º e 1695º, todos do CC).
Como escreve Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações; AAFDL, 1º Vol, pp. 378-379 e Tratado de Direito Civil Português, II, Tº 1, p. 713): “Quando a obrigação seja indivisível e se verifique o fenómeno da complexidade subjectiva parciária, o credor só de todos os obrigados pode exigir a prestação ( artº 535ºnº1) e o devedor só perante todos os credores se pode desonerar (artº 538ºnº1) A existência de obrigações parciárias relacionadas a prestações indivisíveis tem levantado uma série de dúvidas, havendo mesmo quem negue a sua existência. Pensamos contudo que a sua configuração deve impôr-se: as obrigações parciárias caracterizam.se não pela possibilidade de, em obediência à complexidade subjectiva, parcelar as obrigações respectivas, mas por várias pessoas suportarem em conjunto o esforço requerido pela prestação, ou beneficiarem também em grupo das vantagens por eles acarretadas. O Código Civil reconhece-o aliás no seu artº 535º nº1 quando dispõe que sendo a prestação indivisível e vários os devedores, só de todos pode o v credor exigir a prestação, salvo se houver solidariedade. Perguntamos: como se chamam as obrigações, com pluralidade de devedores e que, por não serem solidárias, seguem, precisamente o regime do artº 535º n.º 1. Tais obrigações não podem deixar de ser parciárias (…)”.
Assim, não é de considerar, no caso, as normas dos artigos 513.º e 534.º do CC, que nele não têm aplicação.
Do mesmo modo, se é certo que com a homologação do divórcio entre os réus, e por efeito deste, cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges (artigo 1688.º do CC), certo é que, no caso, como já se assinalou, não está em questão uma relação patrimonial entre os membros que compunham o antigo casal, mas sim, uma relação jurídica com terceiros que não se extingue por mero efeito do divórcio.
Nenhuma violação do artigo 1688.º do CC ocorre, pois, relativamente ao decidido na sentença recorrida.
Improcedem, pois, todas as demais considerações em contrário expostas pela ré nas suas alegações, não se considerando violada pela decisão recorrida qualquer das disposições legais aludidas pela ré.
* B.4) Saber se a decisão recorrida violou o artigo 847º, nºs 1 e 2, do Código Civil (na alegação da recorrente por, não obstante reconhecer a existência de créditos recíprocos entre os AA. e a Recorrente -pontos b) da acção e a) da reconvenção, na parte decisória da sentença - não ter permitido a compensação desses créditos pecuniários, exigíveis e líquidos)?
Entende a ré que, ao reconhecer a existência de créditos recíprocos entre os AA. e a Recorrente (pontos b) da acção e a) da reconvenção), o Tribunal recorrido deveria ter permitido a compensação desses créditos, pecuniários (logo, fungíveis e da mesma espécie e qualidade), exigíveis e líquidos (que até vencem juros), nos termos do artigo 847º, nºs 1 e 2, do Código Civil, violando tal norma, ao não o fazer.
Consta da decisão recorrida que: “Contrariamente ao pretendido pela ré MS…, este crédito que detém sobre os autores não é compensável com o crédito de rendas em atraso de que os réus são devedores. Esta impossibilidade prende-se com o facto de a contraprestação imposta ao locatário estar temporalmente balizada e limitada e a realização de eventuais reparações não depender de prazo, porque o locatário se pode substituir ao locador na sua realização, no caso de urgência. Conforme se escreve no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2011, o não cumprimento da obrigação imposta pelo sinalagma constituído pela relação contratual locatícia, relativamente ao locatário, não pode ter como base a não realização de reparações necessárias no locado por parte do locador. A razão de ser desta impossibilidade prende-se, axialmente, com o facto de a contraprestação imposta ao locatário estar temporalmente balizada e limitada e a realização de eventuais reparações não depender de prazo, antes e porque, como já se disse, o locatário se pode substituir ao locatário na sua realização, no caso de urgência. A obrigação de pagamento de renda tem como pólo dialéctico da relação contratual locatícia a obrigação, por parte do senhorio, da obrigação de proporcionar o uso da coisa, não podendo ser oposto o não cumprimento da primeira se não se verificar o correlato incumprimento da segunda.(proferido no proc. 23239/08.6YYLSB.L1.S1, versão integral em www.dgsi.pt) (…)”.
Estas considerações não merecem qualquer reparo.
É que, de facto, uma coisa é a obrigação de pagamento da renda, a qual persiste em todo o tempo de execução do contrato de arrendamento até ao seu término; outra, é a compensação a que, no final do contrato, o arrendatário tem direito, por obras licitamente feitas no arrendado, a qual só se origina com o termo do contrato. Assim, não existindo sinalagma ou correspectividade das prestações entre ambas as obrigações, não se encontra verificado o requisito atinente à reciprocidade dos créditos, para a compensação poder ter lugar.
Conforme se sintetizou, neste mesmo sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2012 (Processo 887/11.1TJLSB-A.L1-2, relator PEDRO MARTINS), “o direito à compensação, previsto no art. 1074/3 do CC é um direito diferente do direito ao reembolso do art. 1036 do CC e este pode ser compensável (nos termos do art. 847 do CC), mesmo quando aquele não possa ser exercido por falta dos pressupostos do nº. 4 do art. 1074 do CC. O direito decorrente de benfeitorias que o arrendatário tenha feito, porque só é concretizado depois de findo o contrato, não pode servir para extinguir, por compensação, o crédito de rendas em dívida como fundamento resolutivo do contrato de arrendamento”.
Conclui-se, pois, que bem andou o Tribunal a quo ao não declarar compensável o crédito da ré com o crédito dos autores.
Improcede, pois, também, neste conspecto, a apelação da ré.
* B.5) Saber se o Tribunal deveria ter julgado ilegal o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013 (por na alegação da recorrente o referido artigo, ao impor a prestação de caução ao arrendatário em acções de despejo por falta do pagamento da renda, quando o arrendatário tenha apoio judiciário ou direito a apoio judiciário, dispor contra o artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006) por violar o princípio da legalidade da Administração Pública artigos 3º, nº 3, e 266º, nº 2, da CRP (não podendo o Governo emitir normas regulamentares que violem normas legais) e inconstitucional, por violar os artigos 2º, 18º e 20º, nº 1, da CRP (por na alegação da recorrente o referido artigo 10º, nº 2 ignorar a confiança que os cidadãos têm no Estado, sendo manifestamente desproporcional e negando o acesso à justiça por insuficiência económica, não fazendo sentido que um sujeito processual que esteja isento de pagar taxa de justiça e que beneficia de uma renda de valor limitado por insuficiência económica, tenha que prestar uma caução igual a seis rendas, de valor superior a essa taxa de justiça ou a seis vezes o valor da renda que tem que pagar, sobretudo quando o valor em dívida de rendas é, para este efeito, fixado pelo senhorio, e que serve como valor de referência para a prestação da caução)?
A ré concluiu nesta parte da apelação nos termos seguintes: “42. O artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, ao impor a prestação de caução ao arrendatário em acções de despejo por falta do pagamento da renda, mesmo quando o arrendatário tenha apoio judiciário ou direito ao apoio judiciário, contraria logo a letra do artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006: por força deste artigo o arrendatário está isento de prestar caução e de pagar taxa de justiça se beneficiar ou pedir apoio judiciário. 43. Por isso, é manifesta a ilegalidade e a inconstitucionalidade do artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, porque, dispondo contra o artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006, viola o princípio da legalidade a que a Administração Pública está vinculada, por força dos artigos 3º, nº 3, e 266º, nº 2, da CRP: o Governo não pode emitir normas regulamentares que violem normas legais, como é o caso. 44. Por outro lado, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, em si mesmo, é inconstitucional, por violar os artigos 2º, 18º e 20º, nº 1, da CRP: ignora a confiança que os cidadãos têm no Estado, é manifestamente desproporcional e nega o acesso à justiça por insuficiência económica, porque não faz sentido que um sujeito processual que esteja isento de pagar taxa de justiça e que beneficia de uma renda de valor limitado por insuficiência económica, tenha que prestar uma caução igual a seis rendas, de valor superior a essa taxa de justiça ou a seis vezes o valor da renda que tem que pagar, sobretudo quando o valor em dívida de rendas é, para este efeito, fixado pelo senhorio, e que serve como valor de referência para a prestação da caução. 45. Por isso, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013 deveria ter sido julgado inconstitucional, nos termos do artigo 204º da CRP, por violação do disposto nos artigos 2º, 3º, nº 3, 18º, 20º, nº 1, e 266º, nº 2, da CRP.”.
Escreveu-se na sentença recorrida, a este propósito, “que se está perante uma caução que, como tal, se destina, apenas, a garantir a posição do senhorio, pelo que, o que for despendido a esse título, não implica, necessariamente, que o arrendatário fique desapossado do respectivo valor em definitivo. Deve considerar-se que se está perante norma restritiva que se revela proporcional e evidencia uma justificação racional, procurando garantir o adequado equilíbrio face ao direito de propriedade privada, constitucionalmente protegido, tal como o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (neste sentido: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-07-2015, proferido no proc. 2684/14.3YLPRT.L1-7, versão integral em www.dgsi.pt)”.
Vejamos, ainda que em breve revista, o regime jurídico aplicável.
Requerido que seja o despejo no âmbito do procedimento especial de despejo, segue-se a notificação dos requeridos efectuada pelo Balcão Nacional do Arrendamento, com requisitos idênticos ao da citação (cfr. artigo 15.º-D, n.ºs. 1 a 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Com a notificação, o requerido é advertido de que o não cumprimento do dever de desocupar que lhe é notificado e a não oposição atempada, ou a omissão de impulso processual que tenha o mesmo efeito (como a não junção em 5 dias ao indeferimento do apoio judiciário do pagamento da taxa devida ou o não pagamento das rendas vencidas na pendência da ação ou prestação de caução sobre as rendas em dívida) determina a formação de título executivo para desocupação, sendo que, com a notificação, o arrendatário tem de pagar a primeira renda que se vence após a apresentação do Procedimento Especial de Despejo e todas as que se forem vencendo (ainda que fora do prazo de 15 dias concedidos para a oposição) e até que o procedimento ser declarado extinto.
Na realidade, estabelece o n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro que: “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. 4 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
Estabelecem os n.ºs. 3 e 4 do art. 1083º do Código Civil - para que remete o mencionado artigo 15.º F - que: “3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte. 4. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte”.
Sucede que o artigo 10.º da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, que veio regulamentar vários aspectos do procedimento especial de despejo, estatui o seguinte: “1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança. 2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.
Se o arrendatário deduz oposição, mas não paga as rendas que se forem vencendo permite a formação de título executivo.
E, também, resulta da conjugação dos dois normativos acabados de citar que, não sendo junto o comprovativo do pagamento da caução (correspondente ao valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas) com a oposição, tem-se a mesma por não deduzida.
Ora, assinala-se alguma divisão na jurisprudência, relativamente à questão da obrigatoriedade do beneficiário de apoio judiciário ter de prestar caução, como condição necessária para ser considerada a oposição deduzida em procedimento de despejo.
Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-04-2014 (processo n.º 1091/14.2YLPRT-A.E1, relator CANELA BRÁS) decidiu: “Em incidente de oposição ao despejo por falta do pagamento de rendas, a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso, pelo que se o não fizer, a oposição tem-se por não deduzida.”
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-12-2015 (processo n.º 274/15.2YLPRT.L1-2, relator JORGE LEAL): “A requerida que beneficie de isenção de custas judiciais não está, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, dispensada de prestar a caução a que se refere o art.º 15.º-F n.º 3 do NRAU.”
Neste particular, contudo, atentos os princípios do nosso ordenamento jurídico sobre conflitos de normas, entendemos ser de afastar a aplicação do disposto na parte final do n.º 10 da referida Portaria nº 9/2013, que estabelece a obrigatoriedade do arrendatário pagar a caução, mesmo que lhe tenha sido concedido apoio judiciário, como condição de admissibilidade da oposição ao despejo.
Efectivamente, adere-se à posição contrária, claramente expressa, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-04-2015 (processo n.º 1945/14.6YLPRT-A.L1-7, relatora ROSA RIBEIRO COELHO): “A interpretação do nº 3 do dito art. 15º-F do NRAU, com recurso aos elementos gramatical – ou letra da lei – e lógico - espírito da lei –, leva-nos a concluir que, com ele, o legislador isentou o beneficiário de apoio judiciário da prestação de caução, em moldes a regulamentar por ulterior Portaria. De facto “o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei.” Ora, a expressão verbal do preceito “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs. 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento (…)”, - sublinhado nosso -, não consente outro sentido que não seja o desígnio de isentar o arrendatário que beneficia de apoio judiciário do pagamento da caução no valor descrito, tanto mais que a inexigibilidade do pagamento da taxa de justiça resulta já da Lei do apoio judiciário – cfr., entre outros, o art. 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29.07. Por outro lado, também o elemento teleológico ou racional – o que terá sido o fim visado pelo legislador - aponta no mesmo sentido. Disse-se na Proposta de Lei nº 38/XII, Exposição de Motivos, além do mais, o seguinte “(…) Por sua vez a transferência para o arrendatário do ónus de impugnação do despejo, de prestação de caução e de pagamento de taxa de justiça no âmbito do procedimento especial visa dissuadir o uso deste procedimento apenas como meio dilatório para a efetivação do despejo.”
Isto mostra que, no intuito de evitar que a oposição seja usada apenas como meio dilatório da efetivação do despejo, o legislador fez impender sobre o arrendatário o ónus de pagar, tanto a taxa de justiça, como a caução em valor que especifica.
Ciente, porém, de que sujeitar a admissibilidade da oposição à prestação de caução pode equivaler a coartar ou anular o direito de defesa de arrendatário que se encontre em precária situação económica, bem se entende que, concomitantemente, tenha querido assegurar o exercício desse direito fundamental aos arrendatários mais carenciados, isentando-os de prestar a caução, em termos a definir por portaria.
Constata-se, então, que, enquanto o artigo 15.º-F, nº 3, da Lei n.º 6/2006, isenta o beneficiário de apoio judiciário de efetuar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição, a Portaria que, segundo o mesmo preceito, deveria definir os termos dessa isenção, acabou por, contrariando aquela norma, exigir o pagamento da caução, independentemente de o arrendatário gozar daquele benefício.
Ultrapassar o regime excecional e de benefício antes concedido, é o desígnio que transparece deste ato regulamentar.
Somos, assim, confrontados com um conflito de normas de hierarquia diversa.
Uma de lei ordinária da assembleia da República - cfr. art.º 112º, n.º 2, 161º, alínea c), 165º, n.º 1, alínea h), 166º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa - e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental.
Uma vez que são emanadas por fontes diversas, “prefere a norma de fonte hierárquica superior (critério da superioridade: lex superior derogat ligi inferiori”
Como também decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2015 (processo n.º 4118/14.4TCLRS.L1.-2, relator EZAGUY MARTINS): “Assim se equacionando a violação de uma Lei da Assembleia da República – cfr. art.º 112º, n.º 3, 161º, alínea c), 165º, n.º 1, alínea h), 166º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa – por uma mera Portaria, supostamente reguladora daquela Lei. E sendo que a suscitada questão da interpretação dos convocados normativos do PED e Portaria regulamentadora, abarca a matéria de tal violação, aliás de conhecimento oficioso. Mas cfr. 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Quedando pois arredada a consideração da inconstitucionalidade da dita interpretação, e certo que, como se julgou no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 779/13, de 19 Novembro, 2013,[Proc. n.º 915/2013, 1ª Secção, Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/] “estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, mormente a violação de uma lei por um ato regulamentar – como sucede in casu - existe um vício de ilegalidade, pelo que, não se reintegrando tais situações nos casos de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado expressamente previstos na Constituição (cfr. o artigo 280.º, n.º 2, alíneas a), b), c), e d), da CRP), não há que delas conhecer no quadro dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.””.
Estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, não ocorre, pois, situação passível de ser objecto de recurso de inconstitucionalidade, sendo que, em termos substanciais, não se afigura que a decisão proferida mereça reparo (mostrando-se ser de aderir à fundamentação expressa na decisão recorrida, não se vislumbrando, com a previsão legalmente estabelecida, qualquer postergação ou violação dos normativos dos artigos 2º, 18º e 20º, nº 1, da CRP, desde logo, porque o apoio judiciário a garantir que as pessoas com insuficiência económica por falta de meios financeiros para o efeito tenham acesso ao direito e aos Tribunais, enquanto que, a exigência de prestação de caução se destina a garantir a posição do locador, para o caso de o pedido de despejo proceder, existindo uma explicação razoável e proporcionada para tal diferença de regimes, sem ofensa de valores garantidos pelos mencionados normativos constitucionais).
De todo o modo, o mencionado conflito de normas deve ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.
Nos termos do art.º 112º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”.
Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. II, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2010, pp. 67, 70-71) anotam que: “Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 169°), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria).”. Sendo que, no caso de reenvio da lei para regulamento, “a norma regulamentar é uma norma de diferente natureza da norma legal, e a intervenção regulamentar visa regular aquilo que a lei se absteve de regular, e não «integrar» a regulamentação legislativa (o n.º 5 exclui expressamente os regulamentos integrativos), pelo que o regulamento nunca pode intervir sub specie legis (…) Em segundo lugar, o reenvio da lei para regulamento está também sujeito aos limites constitucionais da reserva de lei, não podendo a lei, no âmbito da reserva de lei, deixar de esgotar toda a regulamentação «primária» das matérias, só podendo remeter para regulamento os aspectos «secundários» (isto, independentemente do facto de as leis de bases deverem ser desenvolvidas por decretos-leis e não por actos regulamentares) (…).”.
Em consequência, “impõe-se interpretar o art. 15.º-F nº 3 do NRAU, aprovado pela Lei 6/2007 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14-08 no sentido de que o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição (ao pedido de despejo), que pagou a taxa de justiça devida (responsabilidade perante o Estado) e que pagou a caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (responsabilidade perante o senhorio); É por isso de afastar a regulação que, em contrário, emana do art. 10º da Portaria n.º 9/2013 de 10 de Janeiro, verificando-se uma invalidade da portaria aludida, porquanto o seu conteúdo é incompatível com a respectiva fonte de produção” (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-02-2015, processo n.º 1958/14.8YLPRT.L1-1, relatora ISABEL FONECA e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-03-2016, processo 3055/15.0YLPRT.P1, relator LEONEL SERÔDIO).
Nestes termos, “contrariando um acto regulamentar (artº 10º da Portaria nº 9/2013 de 10/01) o exarado em lei ordinária da Assembleia da República (artº 15º-F nº 3 do NRAU), de acordo com o critério da superioridade prefere esta última norma, por ser de fonte hierárquica superior. Tendo sido concedido o benefício de apoio judiciário à arrendatária, está a mesma isenta da demonstração do pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao procedimento especial de despejo” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-06-2017, Processo 2375/16.0YLPRT-A.P1, relatora MARIA JOSÉ SIMÕES).
Ou seja, a conclusão a retirar é a seguinte: “Nos processos especiais de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas, a exigência legal de prestação de caução por parte de quem deduziu oposição não é extensível a quem beneficia de apoio judiciário” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-06-2018, Processo 2719/17.8YLPRT.P1, relator JOAQUIM CORREIA GOMES; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-04-2016, Processo 4024/15.5YLPRT.L1-7, relatora CRISTINA COELHO).
Todavia, no caso, atenta a decisão já proferida de devolução da caução antes prestada, inexiste alguma consequência que derive desta constatação que deva ser reapreciada nesta sede.
* B.6) Saber se a decisão recorrida violou o artigo 613.º do CPC (por na alegação da recorrente a sentença ter voltado a apreciar a questão da caução, quando já antes tinha decidido que a ré estava isenta de prestar caução)?
Atinentes a este segmento da apelação, formularam os réus as seguintes conclusões: “46. Sem prejuízo, nos autos foi concedido apoio judiciário à Recorrente (cf. notificação com a ref. 357260417, de 06.09.2016) e já foi decidido pelo Tribunal recorrido que a Recorrente estava isenta de prestar caução, seja porque ela beneficia de apoio judiciário, seja porque, de facto, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, nos termos referidos, contraria, ilegalmente, o artigo 15º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006, e que a caução que ela prestou lhe devia ser devolvida, como veio a ser (cf. despacho de 21.09.2016, com a ref. 357606265). 47. Como tal, tendo já o Tribunal recorrido apreciado a questão, não o pode fazer de novo, porque esgotou o seu poder judicial: artigo 613º do CPC, o qual, ao voltar a apreciar esta questão, o Tribunal recorrido violou”.
Apreciando.
Os presentes autos dão conta de que, com a sua oposição, a ré veio requerer que o Tribunal considerasse inconstitucional, nos termos do artigo 204º da CRP, o artigo 10º, nº 2, da Portaria nº 9/2013, por violação do disposto nos artigos 2º, 3º, nº 3, 18º, 20º, nº 1, e 266º, nº 2, da CRP, “ordenando imediatamente a restituição da caução à Requerida”.
Na sequência, em 21-09-2016, veio o Tribunal a quo a proferir o seguinte despacho: “I - Da isenção da prestação de caução: Beneficiando a requerida de apoio judiciário, conforme se encontra comprovado nos autos, encontra-se isenta de prestar caução no valor das rendas que os requerentes alegam não se encontrarem liquidadas, nos termos em que dispõe o artigo 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro. Concordamos, desta forma, com a posição defendida pela requerida no seu articulado de oposição. Apesar do artigo 10.º, n.º 2, da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, ter vindo contrariar o disposto no artigo vindo de referir, ao dispor que o documento comprovativo do pagamento da caução deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário, não nos podemos esquecer que uma Portaria não pode contrariar ou revogar uma Lei, mesmo quando se destina a regulamentar a mesma, sob pena de violação da hierarquia das leis tal como esta está definida na Constituição da Republica Portuguesa (artigo 112.º). Pelo exposto, entendemos que deve prevalecer o artigo 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 Fevereiro, sobre o disposto no n.º 2 do artigo 10.º, da Portaria n.º 9/2013 e, como tal, deve manter-se a isenção da prestação de caução em caso de apoio judiciário, como ocorre no caso em apreço. Notifique. Oportunamente diligencie pela devolução da caução prestada pela requerida”.
Na sentença recorrida – e porque ainda não tinha sido conhecida a invocada questão da inconstitucionalidade do mencionado artigo 10.º da Portaria n.º 9/2013 – o Tribunal pronunciou-se no sentido de “deve considerar-se que se está perante norma restritiva que se revela proporcional e evidencia uma justificação racional, procurando garantir o adequado equilíbrio face ao direito de propriedade privada, constitucionalmente protegido, tal como o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (neste sentido: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-07-2015, proferido no proc. 2684/14.3YLPRT.L1-7, versão integral em www.dgsi.pt)”, após o que, quanto a este ponto, julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pela ré.
Ora, tendo a questão da inconstitucionalidade sido expressamente invocada, cabia ao Tribunal apreciá-la, não tendo ocorrido qualquer excesso ou indevida pronúncia em tal conhecimento.
Uma coisa é julgar o destino da caução – o que foi a decisão tomada em 21-09-2016 – outra é apreciar se a norma invocada em sede de reconvenção (cabendo ao Tribunal recorrido, por força do comando ínsito no artigo 608.º do CPC e porque tal questão ainda não tinha sido resolvida, nem se poderia considerar prejudicada pelo despacho de 21-09-2019, conhecer de tal questão) é, ou não, inconstitucional.
De facto, ao contrário do que refere a ré, não estava o Tribunal impedido de conhecer tal questão – em face do normativo do artigo 613.º do CPC - antes deveria conhecer da inconstitucionalidade como o fez. Note-se, aliás, que o Tribunal teve o cuidado de não emitir nova pronúncia sobre o destino da caução, o que, isso sim, determinaria um indevido conhecimento de uma questão já antes decidida.
Improcede, pois, também nesta parte a apelação da ré.
* C) Do mérito da apelação do Recorrente/Réu:
Apreciemos o recurso deduzido pelo réu, na parte que ainda não foi conhecida.
* C.1) Saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 661.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C., 224.º, n.º 1 e 334.º do C.C. e artigos 11.º, n.ºs. 4 e 10.º, n.º2, alínea a) do NRAU (por na alegação do recorrente os AA. terem agido em abuso de direito, por não se poder considerar que o contrato foi validamente transferido pelos senhorios para o regime do NRAU e por o réu não poder ser condenado ao pagamento pela utilização de uma coisa da qual não podia nem devia usufruir)?
Concluiu o réu, a este respeito, da forma seguinte: “54.ª Os autores sabiam que o Réu não habitava no locado. Nunca o trataram como inquilino, nomeadamente por altura da actualização das rendas, por aplicação do coeficiente anual de4 actualização. Desde 2002, até pelo menos 2009, o Réu não foi notificado de qualquer aumento de renda. 55.ª Ora existindo pluralidade de arrendatários, as actualizações relativas às rendas teriam de ser notificadas a ambos os inquilinos, uma vez que estaríamos perante uma modificação objectiva do contrato por via unilateral, cujos pressupostos ambos os arrendatários tinham direito de controlar. Mas não foi isso que sucedeu. Foi sempre a Ré, que foi notificada das actualizações. 56.ª Ora apesar de, sempre ter agido desta forma, enquanto a lei lhe exigia um comportamento diferente, com o aparecimento do NRAU, e a possibilidade de fazer transitar o arrendamento celebrado em 1972, para um regime não vinculistico, os AA. dão inicio ao procedimento notificando ambos os Réus no locado, sabendo de antemão que o Réu não seria notificado porque não morava lá nem, desde 2008, tinha acesso ao locado, uma vez que a fechadura tinha sido mudada. 60.ª Os autores cumprem (…) excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, agindo ilegitimamente ao utilizarem-se de uma alteração legal, que lhes exige a notificação dos dois arrendatários para procederem à transição para o NRAU, quando nunca trataram o Réu como tal, apesar das suas insistências, nunca o notificaram de qualquer aumento de renda, sabendo à priori que não morando no locado, não será notificado. 61.ª Após o envio das cartas de transição promovem uma reunião tentando um acordo quanto ao montante, que declinam, porque não os satisfaz, sem a presença do Réu. Os autores agem com abuso de direito 63.ª Deste modo entendemos que não se poderá considerar que o contrato foi validamente transferido pelos senhorios para o regime do NRAU. Não tendo sido validamente transferido por falta de notificação do réu, então não se verifica a alteração de renda cuja falta de pagamento é fundamento da resolução contratual, razão pela qual a acção terá de improceder com as legais consequências. 64.ª Ainda que se defenda posição contrária, temos que ponderar ainda os seguintes factos: desde 2004 que o réu não habita o locado; em data não concretamente apurada, mas seguramente em ano anterior a 2008, a Ré mudou a fechadura do locado impedindo o Réu de aceder ao respectivo interior. No fundo a Ré considerava-se a única arrendatária, a única com direito a usufruir do locado. Deste modo e apesar de posteriormente ao divórcio, o direito ao arrendamento ter sido atribuído a ambos os réus, após a saída do Réu existe como que uma cessão da sua posição contratual para a Ré, que concentra a totalidade de direitos e deveres da posição de locatário. 65.ª (…) o Réu nunca poderia ser condenado ao pagamento pela utilização de uma coisa da qual não podia nem devia usufruir. Entendemos assim, que o Réu deverá ser absolvido”.
Relativamente às conclusões 54.ª, 55.ª, 56.ª, 60.ª, 61.ª e 63.ª valem aqui as considerações já supra explanadas nos pontos B.2) e B.3), que aqui se consideram integralmente reproduzidas, pelo que, o recurso é, pelos mesmos fundamentos, de julgar improcedente.
E quanto às conclusões 64.ª e 65.ª apenas é de referir, mais uma vez, que não se alterou a matéria de facto provada - pelo que, não está assente que, “em data não concretamente apurada, mas seguramente em ano anterior a 2008, a Ré mudou a fechadura do locado impedindo o Réu de aceder ao respectivo interior” - e, reiterando o que já supra se escreveu, o acordo que existiu relativamente à casa, aquando do divórcio dos réus, determinou a cotitularidade do arrendamento entre ambos os réus.
Todavia, tal cotitularidade não determina que possam vincular ou ser oponíveis aos autores acordos ou circunstâncias subjectivas que os réus tenham, unilateralmente, estabelecido, tal como não é oponível aos autores, em termos de isentar o réu de qualquer responsabilização com o arrendamento dos autos, qualquer aspecto relacionado com a circunstância de o réu ter deixado de habitar no locado “em ínicios de 2004”, pois, tal falta de residência não equivale a desvinculação ou denúncia contratual, por banda ou por iniciativa do réu, a qual não se comprovou ter, alguma vez, tido lugar.
Subsistindo o contrato, bem como as obrigações jurídicas dele emergentes, verifica-se que só com a resolução levada a efeito pelos autores, a cessação do vínculo do arrendamento dos autos, será de considerar terminada (sendo irrelevante, neste contexto, a circunstância de o réu ter deixado de habitar no locado).
Os termos em que tal sucedeu não foram concretamente apurados (se por acto voluntário unilateral do réu, se por a ré ter mudado a fechadura da porta da entrada, etc.), não relevando, consequentemente, para a reapreciação da causa por este Tribunal.
A apelação deduzida pelo réu deverá ser, pois, julgada totalmente improcedente.
* D) Do mérito da apelação dos Recorrentes/AA.:
Por fim cumpre apreciar o recurso interposto pelos autores.
* D.1) Saber se deverá (e, neste caso, se é exagerado o valor atribuído) ou não ser mantida a condenação dos recorrentes no pagamento da quantia de 8.395,00€ a título de indemnização por obras realizadas no locado à ré (por na alegação dos recorrentes a ré não ter alegado o estado em que a casa se encontrava antes de efectuar as referidas obras, pelo que não seria possível nestes autos apurar circunstancialismo que conduza à sua qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis)?
Concluem os autores, no seu recurso, que a ré se absteve de alegar o estado em que a casa se encontrava antes de efectuar as obras, pelo que, não é possível, nestes autos, apurar circunstancialismo que conduza à sua qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis e, neste último caso, omitiu a alegação que permitisse determinar em que medida se teriam os apelantes enriquecido.
De todo o modo, referem os autores que, “mesmo a admitir, sem todavia conceder, que assim não se entendesse, considera-se muito exagerado o valor atribuído à indemnização de 8.395,00€, sendo mais correcto e razoável o valor de 3.000,00€ atribuído pela testemunha Mestre de Obras F…, conhecedor do ofício e do locado, tendo em atenção a natureza de tais obras (simples reboco e pintura)”.
Vejamos:
Na sentença recorrida concluiu-se o seguinte sobre o pedido reconvencional da ré: “Provado está que a ré por sua iniciativa efectuou obras no locado. Essas obras visaram dar melhores condições de habitabilidade e salubridade ao locado. A lei confere ao locatário a possibilidade de se substituir ao locador na reparação do locado ou outras despesas que, pela sua urgência, se não compadeçam com as delongas do procedimento judicial e se o fizer pode pedir o respectivo reembolso (art. 1036.º do CC)., ainda nas mais circunstâncias como a dos autos em que os senhorios autorizaram os arrendatários a efectuar obras e nunca se opuseram às obras por estes realizadas, pelo que as obras efectuadas pela ré são lícitas. De harmonia com o disposto no art. 1036º, tem a ré o direito a ser reembolsada de tais montantes. Por seu turno, dispõe o art. 1074.º, n.º 5 do CC que o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé. Refere ainda o art. 1046.º do Código Civil que, fora dos casos previstos no artigo 1036.º, o locatário é equiparado ao possuidor de má-fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada. Desta forma tem a ré direito de ser reembolsada da importância de 8.395,00€ (…)”.
A respeito desta matéria importa, tal como o fez a decisão recorrida, ter presente o disposto no artigo 1036º do Código Civil, o qual prescreve que: “1 - Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, e umas ou outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.--- 2 - Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo”.
Do mesmo modo e, em conjugação com este preceito, dispõe o nº 1, do artigo 1046º do Código Civil que: “Fora dos casos previstos no artigo 1036º, e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”.
Este preceito legal remete para a consideração do regime do possuidor de má fé relativamente às benfeitorias que o locatário tenha feito no locado.
São, pois, de considerar os artigos 1273º (que se reporta a benfeitorias necessárias e úteis) e 1275º (que dispõe sobre o regime aplicável às benfeitorias voluptuárias) do Código Civil.
O artigo 1273º do Código Civil (benfeitorias necessárias e úteis) dispõe o seguinte: “1- Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2- Quando para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.
Por seu turno, o artigo 1275º do Código Civil (benfeitorias voluptuárias) estatui: “1- O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário não pode levantá-las nem haver o valor delas. 2- O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito”.
Ora, uma das obrigações do locador é a de proporcionar ao locatário o gozo temporário da coisa, a que corresponde a obrigação do locatário de restituir a coisa locada, findo o contrato, no estado em que a recebeu (cfr. artigos 1022º, 1038º, al. I) e 1043º do Código Civil), pelo que, durante a vigência da relação contratual, o locatário pode gozar a coisa, usá-la e fruí-la, mas não a pode alterar ou transformar.
Como refere Januário Gomes, em parecer reproduzido na obra de L. Moitinho de Almeida e J. Mendes Gago (A transformação do arrendado é monopólio do senhorio; Almedina, Coimbra, 1995, p. 63), “o gozo traduz-se, na verdade, estritamente, no aproveitamento das utilidades da coisa no âmbito do contrato para a satisfação de necessidades do locatário”.
Assim, compreende-se que o locatário só excepcionalmente possa ser admitido a fazer reparações ou outras despesas referentes à coisa locada.
Como se viu, um dos casos previstos na lei em que tal pode suceder é o mencionado no artigo 1036º do Código Civil. O locatário pode, nos termos deste normativo, fazer reparações ou outras despesas, se as mesmas forem urgentes, se essa urgência não se compadecer com as delongas de um processo judicial e se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer ele as obras ou reparações urgentes (dispensando-se, contudo, esta mora, se a urgência não consentir qualquer dilação).
Para além deste caso, de harmonia com o mencionado artigo 1046º do Código Civil, o locatário é equiparado, relativamente a benfeitorias que haja feito no arrendado, ao possuidor de má fé.
Importa sublinhar que «consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa» (cfr. artigo 216º, nº 1, do Código Civil). Por seu turno, as benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias (nº 2 do artigo 216º do Código Civil). E, a lei define o que entende por estes vários tipos de benfeitorias. Assim, «são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias, as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante» (cfr. nº 3 do mesmo artigo 216º).
Assim, no campo da locação e tendo presente a definição legal, se o locatário fizer benfeitorias necessárias poderá fazer uso do normativo previsto no artigo 1036º do Código Civil, sem prejuízo do regime a que se reporta o nº 1 do artigo 1273º do Código Civil. Se o locatário fizer benfeitorias úteis ou voluptuárias sujeita-se, na falta de estipulação em contrário, ao regime previsto para o possuidor de má fé nos artigos 1273º e 1275º do Código Civil.
Relendo o elenco dos factos provados pertinentes para apreciação do pedido reconvencional verifica-se estar assente:
- Que desde há vários anos o locado apresenta anomalias, com origem, essencialmente, na inexistência de obras de conservação periódica, designadamente na parte inferior das fachadas (partes inferiores do r/ch e socos/rodapés do edifício), nos pontos de ligação das escadas exteriores de acesso ao 1ª andar e, quanto ao anexo da garagem, na ausência de obras de manutenção e conservação da sua cobertura (facto provado n.º 28), descritos com detalhe nos factos provados n.ºs. 29, 30, 31, 32, 33 e 34;
- Que a ré, por carta registada de 11/8/2003, transmitiu aos Requerentes a existência de patologias na sua habitação e solicitou a realização de obras na mesma (facto provado n.º 35);
- Que os autores autorizaram a ré a realizar no locado, ao longo da vigência sem nunca assumirem o pagamento das mesmas (facto provado n.º 36); e
- Que a ré realizou obras no locado, no valor de cerca de € 8.395,00: i) Ano de 2003: reboco e pintura de paredes e tetos da instalação sanitária e marquise; ii) Junho de 2008: reboco e pintura de paredes e tetos da instalação sanitária, cozinha, marquise, quartos, circulações, sala de estar e sala de jantar; iii) Setembro de 2014: reboco e pintura de paredes e tetos da instalação sanitária, cozinha, marquise, quartos, circulações, sala de estar e sala de jantar (facto provado n.º 37).
Ora, tendo em conta esta factualidade e a natureza dos trabalhos levados a efeito pela ré no locado – com o custo apurado de € 8.395,00 (inexistindo motivo para a consideração de outro valor) – envolvendo reboco de paredes e tectos e respectiva pintura, em três ocasiões e a razão de ser das mesmas, relacionadas com patologias da casa, ao nível precisamente do reboco e pintura, mostra-se inegável qualificar tais trabalhos como lícitos e necessários para o adequado gozo do locado e para a manutenção adequada do mesmo (cfr. artigo 1074.º, n.º 1, do CC) ao gozo que deveria ser acautelado pelo senhorio aos locatários.
Ao contrário do invocado pelos autores na apelação, os artigos 79.º e ss. da oposição dão clara nota e constituíram base suficiente para a apreciação levada a efeito pelo Tribunal, redundando numa qualificação que o Tribunal também efectuou legitimamente, aplicando o Direito, de harmonia, aliás, com o estatuído no artigo 5.º, n.º 3, do CPC.
Em face disso, não merece qualquer censura a conclusão alcançada pelo Tribunal na sentença recorrida de que, “essas obras visaram dar melhores condições de habitabilidade e salubridade ao locado”.
E, consequentemente, por se considerar ter sido efectuada uma adequada aplicação do direito aos factos, também é de manter o demais decidido.
É que, efectivamente, a ré tem, nos termos dos artigos 1036.º e 1074.º, n.º 5, do CC, direito a ser reembolsada do montante despendido com tais obras, a exercer no termo do contrato, sendo compensada pelo valor das mesmas, direito que a decisão recorrida lhe reconheceu e que, como se viu, não merece reparo.
A apelação deduzida pelos autores deverá, pois, ser julgada improcedente.
* 5. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em julgar as apelações deduzidas por autores e réus totalmente improcedentes e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 10 de Outubro de 2019.
Carlos Castelo Branco - Relator
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa -1.ª Adjunta
Luciano Farinha Alves - 2.º Adjunto