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CUSTAS DE PARTE
NOTA JUSTIFICATIVA
NOTIFICAÇÃO
Sumário
I - Inexiste razão plausível para que a conta seja sempre notificada à própria parte responsável pelo pagamento e que o não seja a nota discriminativa e justificativa das custas de parte. II - Por isso, considerando a unidade do sistema jurídico e porque devemos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados devemos interpretar o segmento «parte vencida» do nº 1 do art. 25º e do nº 2 do art. 26º do RGP bem como do nº 1 do art. 31º da Portaria 419-A/2009 como sendo a «parte responsável pelo pagamento» referida no nº 1 do art. 31º do RCP. III - Assim, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deve ser, tal como a conta, notificada também à própria parte responsável pelo pagamento.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório A [ …..Salubridade, Lda ] deduziu embargos de executado opondo-se à execução instaurada por B [ ….. Marcas, SA ], referente a custas de parte, alegando, em resumo:
- nada deve à exequente pois a nota de custas de parte foi apenas remetida ao tribunal e ao seu mandatário, não tendo sido apresentada directamente à executada, e assim não tendo sido dado total cumprimento ao disposto no art. 25º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais;
- além disso, impugna o montante constante da referida nota de custas de parte
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Por despacho de 11/02/2019 foi decidido: «Pelo exposto, reconhecendo a exequibilidade e suficiência do título executivo compósito que fundamenta a execução com o nº de processo 1241/12.1TVLSB-B, em que é exequente a B e executada A, indefiro liminarmente os presentes embargos deduzidos por esta última contra aquela, face à sua manifesta improcedência (artº 732, nº 1, al. c) do CPC).».
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Inconformada, apelou a embargante, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. Em causa está um valor reclamado a título de “custas de parte”. Ora,
2. Fazendo nossas as considerações tecidas no Ac. da Relação do Porto de 18/04/2017, nos autos de Processo 13884/14.6T8PRT-A.P1, tirado por unanimidade, in www.dgsi.pt, e, portanto, a sua conclusão sumariada, nos termos do qual: a. “A mera notificação à parte vencida da apresentação em tribunal da nota discriminativa e justificativa de custas de parte não vale como envio à própria parte da mesma nota para efeitos de interpelação para pagar”,
3. Entendemos que o requerido na presente execução se mostra, relativamente à executada, por não a ter notificado da mesma, ineficaz, por já ter sido ultrapassado o prazo de 5 dias a que alude o art. 25.º, n.º 1 do RCJ.
4. Pelo que esta nada tem a tal respeito a pagar.
5. O referido requerimento, de pedido das custas de parte, não foi notificado pelo ilustre Mandatário da exequente à executada.
6. A executada não foi, até ao momento, directamente notificada de qualquer nota discriminativa e justificativa de custas de parte como exige o artigo 25.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
7. Dispõe aquele artigo 25.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais que “Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.”
8. Em obediência ao citado normativo, a parte credora de custas de parte deverá remeter uma comunicação dirigida pessoalmente à parte devedora exigindo o pagamento.
9. Comunicação essa, que se exige autónoma em relação às comunicações dirigidas ao Tribunal e aos Mandatários das partes.
10. Ora, como consta dos presentes autos a nota de custas de parte apresentada pela executada apenas foi remetida ao Tribunal e ao Mandatário da executada, não tendo sido apresentada directamente à aqui executada.
11. E assim, não dando total cumprimento ao disposto no citado artigo 25.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
12. Temos que não existe da parte da executada qualquer responsabilidade pelo pagamento da nota de custas de parte apresentada nos autos.
13. E assim, decidindo-se em consonância com a jurisprudência mais recente, que quanto a esta matéria, tem sido seguida pelos Tribunais Superiores. Vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09/01/2017, proferido no âmbito do Proc. n.º 1388/09.3TBPVZ-A.P1, e de 18/04/2017, proferido no âmbito do Proc. n.º 13884/14.6T8PRT-A.P1, ambos publicados em www.dgsi.pt.
14. Citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/04/2017, foi já decidido que, a. “não obstante o mandatário da parte vencida ter acesso ao citius e ter conhecimento, por essa via, da reclamação, a lei (art. 25º, n.º 1 do RCP) não se basta com esse conhecimento, antes exige que a notificação seja feita, não pelo tribunal ou por via citius, mas pela própria parte vencedora.
b. Assim, entendemos que não basta que a parte credora das custas comunique a nota discriminativa e justificativa ao tribunal e notifique (via citius), na pessoa do Mandatário, esta comunicação à parte devedora das custas. Dito de outro modo, entendemos que sendo o Mandatário da parte vencida notificado, via citius, da apresentação em Tribunal da nota discriminativa e justificativa das custas de parte a mesma não pode valer como se o envio tivesse sido efectuado para a parte que representa, pois que a lei impõe o envio daquela nota para a própria parte. Por isso, a resposta à questão formulada, saber se «O envio para o Tribunal de nota discriminativa e justificativa de custas de parte dando-se conhecimento desse facto (notificação electrónica) ao mandatário da parte vencida, vale como se o envio daquela nota discriminativa e justificativa de custas de parte tivesse sido efectuado para a própria parte, devendo considerar-se interpelada para pagar» terá de ser negativa.”
Termos em que, atento o que se deixa dito, a violação das normas legais invocadas, já reconhecida pela jurisprudência citada, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua pela absoluta procedência dos embargos, absolvendo a recorrente do pedido executivo.
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A exequente contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, pelo que a questão a decidir é esta:
- se a notificação da conta de custas prevista no art. 25º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais tem de ser efectuada directamente à parte, não bastando a notificação ao seu mandatário judicial
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III - Fundamentação
A) No despacho recorrido vem dado como provado:
a) No âmbito do processo 1241/12.1TVLSB foi proferida a sentença de primeira instância, em 11 de Março de 2016 (refª 95230347), que condenou a ré B no reconhecimento do direito de propriedade e posse da A. sobre um aspirador Ghibli AS9P e uma máquina lavadora e aspiradora Cleanfix, bem como na restituição à A. dos bens móveis em questão. As custas foram ficaram a cargo da A. e da 1ª R. na proporção do decaimento (98,9% para a A. e 1,1% para a 1ª R).
b) A sentença em causa transitou em julgado em 8 de Janeiro de 2018 (refª. 7469717) (o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 04/05/2017, confirmou a decisão recorrida. Em 06/12/2017 foi proferido Acórdão pela Formação do Supremo Tribunal de Justiça, no qual o recurso de revista excepcional não foi admitido).
c) No âmbito do processo 1241/12.1TVLSB, por requerimento entrado em juízo em 15 de Janeiro de 2018 (refª. 1492951), a B, apresentou “nota justificativa e discriminativa de custas de parte”, no valor de € 5.100,00 (cinco mil e cem euros), solicitando o respectivo pagamento através da emissão de cheque à ordem da Ré/Recorrida, a remeter para o escritório da mandatária, sito na Rua D. Francisco Manuel de Melo, n.º 21, 1070-085 Lisboa.
d) A “nota” supra referida foi notificada por via electrónica ao mandatário da A.
e) No âmbito do processo 1241/12.1TVLSB, a autora A não apresentou reclamação da nota justificativa no prazo referido no artº 33, nº 1 da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril.
f) No âmbito do processo 1241/12.1TVLSB-B, B requereu a execução em custas da autora A da quantia identificada em c), acrescida de juros de mora.
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Consigna-se que há lapso de escrita manifesto no despacho recorrido na parte em que nos factos julgados assentes consta «Proc. 1241/ (…)», pois o número correcto do processo é «1242/(…)», o que ora se rectifica ao abrigo do disposto no art. 249º do Código Civil.
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O art. 3º nº 1 do RCP (Regulamento das Custas Processuais) estatui: «As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.».
E o art. 26º preceitua: «1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no nº 2 do artigo 456º e no artigo 45º do Código de Processo Civil. 2 - As custas de parte são pagas directamente pela parte vencidaà parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 454º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução. (…).
Mas as custas de parte não integram a conta de custas, como decorre do art. 30º da Portaria 419-A/2009 de 17/04 na redacção da Portaria 82/2012 de 29/03, que dispõe:
«As custas de parte não se incluem na conta de custas.».
Por sua vez, o nº 1 do art. 25º do RCP na redacção em vigor à data em que foi apresentada a nota de custas de parte tem esta redacção: «Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.».
Já o nº 1 do art. 31º do RCP tem esta redacção: «A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento.».
Portanto, está expressamente estabelecido no nº 1 do art. 31º que o tribunal tem de notificar a conta de custas também à parte responsável pelo pagamento, não bastando a notificação ao seu mandatário. Isto apesar de o art. 247º do CPC (Código de Processo Civil) estabelecer: «1. As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais. 2. Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência. 3. (…)».
Portanto, o nº 1 do RCP contém um regime especial para as notificações.
Coloca-se então a questão de saber qual a razão para a diferença de redacção entre o nº 1 do art. 25º nº 1 e o nº 1 do art. 31º do RGP no que respeita a quem deve ser remetida a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, no primeiro normativo, e a quem deve ser remetida a conta, no segundo normativo, considerando ainda que os art. 27.º e 31º da Portaria 419-A/2009 de 17/04, prevêem, respectivamente: «Elaborada a conta, são emitidas guias e respectivo DUC e remetidas às partes, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do RCP.» (art. 27º), «As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25.º do RCP.» (art. 31º).
O revogado Código das Custas Judiciais, redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/2003 de 27/12, previa no art. 56º:
«1 - A conta deve conter os elementos indispensáveis à realização dos pagamentos, os quais ficam documentados no processo. 2 - (…) 3 - Sem prejuízo das necessárias adaptações à sua informatização, a conta é elaborada da seguinte forma: (…) d) A procuradoria e as custas de parte são contadas a favor da parte credora, (…) (…)».
E dispunha no art. 59º:
«1 - Elaborada a conta, são os interessados e os respectivos mandatários dela notificados, no prazo de 5 dias, para efeito de reclamação, recebimento ou pagamento. 2 - A notificação, com cópia da conta, é efectuada aos mandatários e aos interessados sem mandatário constituído, por carta registada; aos demais interessados, por carta não registada. (…)».
Portanto, as custas de parte eram incluídas na conta e por isso os próprios interessados eram necessariamente notificados mesmo que tivessem mandatário constituído.
O DL 324/2003 de 27/12 autonomizou da conta as custas de parte, estatuindo no aditado art. 33º-A:
«1 - Sem prejuízo da sua cobrança em execução de sentença, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da mesma, a parte que tenha direito a ser compensada das custas de parte remete à parte responsável a respectiva nota discriminativa e justificativa, para que esta proceda ao seu pagamento. 2 - Nos casos em que o pagamento deva ser efectuado por quantias depositadas à ordem do processo, a nota discriminativa e justificativa referida no número anterior é igualmente remetida ao tribunal, o qual, observado o disposto nos números seguintes, procede ao respectivo pagamento. (…) 6 - Em caso de falta de pagamento da nota discriminativa e justificativa, e quando a parte interessada não requeira, por qualquer outro motivo, a execução da sentença, pode a mesma requerer ao Ministério Público que instaure execução por custas, nos termos do nº 3 do artigo 116º.».
Diz o art. 9º do CC (Código Civil):
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».
Ora, quer no âmbito do CCJ quer no âmbito do RCP inexiste razão plausível para que a conta seja sempre notificada à própria parte responsável pelo pagamento e que o não seja a nota discriminativa e justificativa das custas de parte. Por isso, considerando a unidade do sistema jurídico e porque devemos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados devemos interpretar o segmento «parte vencida» do nº 1 do art. 25º e do nº 2 do art. 26º do RGP bem como do nº 1 do art. 31º da Portaria 419-A/2009 como sendo a «parte responsável pelo pagamento» referida no nº 1 do art. 31º do RCP.
Assim, entendemos que a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deve ser, tal como a conta, notificada também à própria parte responsável pelo pagamento, pelo que discordamos da solução propugnada na sentença recorrida e no Ac da RC de 20/04/2016 (P. 2417/07.0TBCBR-C.C1 - inwww.dgsi.pt) e temos por correcta a solução expressa no Ac da RP de 18/04/2017 (P. 13884/14.6T8PRT-P1 - inwww.dgsi.pt).
Como no caso concreto, a apelante - parte responsável pelo pagamento - não foi notificada, mas apenas o seu mandatário, não dispõe a exequente de título executivo, impondo-se a procedência dos embargos de executado.
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IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revogando-se o despacho recorrido julgam-se procedentes os embargos de executado e consequentemente, julga-se extinta a execução.
Custas pela apelada.
Lisboa, 10 de Outubro de 2019
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho